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Considerações acerca da súmula impeditiva de apelação (art. 518, § 1º, CPC)

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24/01/2010 às 00:00
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2 RECURSO E MOROSIDADE PROCESSUAL

A morosidade processual é assunto amplamente debatido quando se fala em Poder Judiciário. As causas apontadas são diversas, sendo o sistema recursal indicado como o grande vilão da demora na prestação jurisdicional. As reformas ocorridas nos últimos anos estão voltadas para uma maior celeridade processual, quando, na verdade, deveria haver uma preocupação maior com a efetividade do processo, sendo a celeridade apenas um dos elementos desta e atualmente garantida constitucionalmente (art. 5.º, LXXVIII, CF), não sendo demais afirmar que antes tal garantia já estava implicitamente prevista em decorrência do devido processo legal.

Segundo estudos realizados por Barbosa Moreira, apud Carlos Augusto de Assis [05], a morosidade não é problema exclusivamente brasileiro, havendo países com sistema recursal bem mais simplificado do que o brasileiro, tais como França e Itália, e que também sofrem com o fantasma da demora. Tal constatação indica que a morosidade não é provocada unicamente pelo sistema recursal, o que não equivale a afirmar que este não necessite de melhoramentos.

Carlos Mário da Silva Velloso [06] aponta cinco causas da lentidão da Justiça: a explosão dos processos, o número deficiente de juízes do primeiro grau, forma inadequada de recrutamento de juízes, o desaparelhamento no apoio administrativo no primeiro grau e as leis processuais, no que se refere ao excesso de formalismo e ao que denomina de sistema irracional de recursos. Argumenta o Ministro que a explosão dos processos ocorreu após a Constituição Federal de 1988, onde os cidadãos foram incentivados a buscar seus direitos no Poder Judiciário, que, por sua vez, não estava preparado para receber a demanda. O reduzido número de juízes também acarreta acúmulo de processos e, por conseqüência, demora na instrução processual e na prolação da decisão final. O jurista também critica a forma de recrutamento dos juízes, que se dá através de concurso público de nível elevadíssimo, mas que não impede o ingresso de profissionais sem qualquer vocação para a magistratura. Acrescenta ser comum o não preenchimento das vagas oferecidas, aumentando cada vez mais o déficit de magistrados, fato este provocado pela má qualidade de ensino jurídico de grande parte das faculdades do país. A falta de aparelhamento das unidades judiciárias também acarreta o emperramento dos processos e, ainda segundo o Ministro, favorece a ocorrência de propinas para feitura dos expedientes. Outro ponto negativo apontado pelo doutrinador e bastante interessante para o presente trabalho é o que ele chama de sistema irracional de recursos. O excesso na formalidade das leis processuais permite que o direito material seja posto em segundo plano, enquanto o enorme número de recursos garante a eternidade da demanda. Esta, por mais simples que seja e mesmo que os tribunais superiores inadmitam os recursos eventualmente interpostos, os agravos contra tal inadmissão demoram tempos e tempos para ser apreciados, cabendo ainda embargos de declaração do respectivo acórdão, tornando quase sem fim a resolução do caso.

Para Elizabeth Leão, Juíza Federal da Seção Judiciária de São Paulo [07], a morosidade não é prerrogativa do Poder Judiciário, mas da forma da administração pública em geral, que ainda não se desvinculou da chamada administração burocrática, que vela pelo procedimento, pela forma e pela legalidade, ainda que isto transforme o processo em morosidade, deixando de lado a administração gerencial prevista na nossa Constituição Federal a partir da EC n.º 19, de 04.06.1998 (princípio da eficiência). Segundo a magistrada, é necessária uma mudança de cultura, uma conscientização de que somos todos servidores públicos, prestadores de serviço público e preocupados com a eficiência dos resultados.

Não se pode olvidar que a morosidade acarreta o descrédito do Poder Judiciário. Por outro lado, o tempo é inerente ao processo, o que não justifica o retardamento indevido do seu resultado. Rubens Cesar Gonçalves Rios [08] também entende que a causa da morosidade não pode ser atribuída exclusivamente ao Poder Judiciário, tratando-se de um problema sistêmico, que envolve os três poderes do Estado e todos os atores do processo. Reconhece o autor a necessidade de medidas para que a celeridade também alcance o sistema recursal:

A efetividade da tutela jurisdicional, em seu viés da celeridade, deve ser buscada também com relação aos recursos. É necessário um maior prestígio às decisões de primeiro grau e, dentre outras ações, deve ser repensada a questão do efeito suspensivo dos recursos, que deve passar a ser exceção, e não a regra. Está mesmo a se propor que a concessão de efeito suspensivo aos recursos, notadamente a apelação, seja deixada a critério do juiz no ato de recebimento do recurso, e que essa atribuição o seja feita somente naqueles casos indispensáveis. Com isso, a parte que se sagrou vencedora poderá, de alguma maneira, começar a fluir os efeitos da decisão, sem ter de esperar muito mais tempo por isso. É óbvio que a possibilidade de reforma da decisão existe, porém é algo que a parte deverá pesar com o conselho de seus advogados. (RIOS, 2009, p. 58)

Com o advento da EC 45, a razoável duração do processo foi consagrada como garantia constitucional. No entanto, trata-se de expressão por demais relativa, visto que há casos complexos que exigem uma apuração mais acurada e, por conseguinte, com um gasto de tempo maior, existindo também demandas simples, cujo resultado pode ser proferido em prazo bem reduzido. Para definir esse tempo razoável, alguns doutrinadores defendem que não é possível o estabelecimento de prazo fixo, mas que pode haver uma definição específica de acordo com o rito e a tutela pretendida, ou ainda, a consignação de um prazo máximo para tramitação do feito em cada uma das instâncias. Como se não bastasse a vagueza da expressão, é importante lembrar que a celeridade processual não será alcançada só por que foi elevada à categoria de garantia constitucional. A morosidade atormenta o jurisdicionado desde tempos remotos e só será extirpada de nosso sistema através de atitudes concretas, que vão desde a mudança de postura (cultural) dos envolvidos até as alterações legislativas.

Rosmar Alencar [09] também trata do assunto com a maestria que lhe é peculiar:

A rapidez processual poderia ser imaginada com a restrição da competência dos órgãos colegiados ao processamento e julgamento de ações originárias. Os recursos, com previsão legislativa em número menor, poderiam ser apreciados pelo próprio órgão prolator da decisão vergastada, para correção de equívocos evidentes. Os abusos, excessos, de outra parte, seriam passíveis de representação aos órgãos de correição, objetivando um melhor funcionamento do sistema, sem a ocorrência de frustração da promessa feita de resolver os conflitos, com a monopolização do poder de julgamento dos litígios pelo Estado e com a correspondente vedação da autotutela privada. A dificuldade maior é para o pensamento jurídico brasileiro aceitar essa forma de pensar e passar a confiar na preparação da magistratura (ALENCAR, 2008).

É importante também refletir sobre a afronta que a morosidade representa para o princípio do acesso à justiça. Este não se resume à mera possibilidade de ingresso em juízo, mas principalmente ao acesso à ordem jurídica justa, em que ocorra uma real eliminação do conflito em questão. Desta forma, não há como se considerar como justa uma decisão tardia, onde até mesmo sua utilidade pode ficar comprometida. Com a morosidade, o processo, ao invés de ser instrumento de resolução do conflito, passa a ser a própria conservação/eternização do problema.

Conforme já apontado acima, o problema é sobretudo de ordem cultural, onde se prefere a recorribilidade à confiança no juiz de primeiro grau. Ainda de acordo com Rosmar Alencar:

A teimosia do pensamento jurídico brasileiro em prestigiar sua tradicional cultura da recorribilidade e da desconfiança na magistratura, faz tabula rasa do princípio do acesso à justiça: tudo fica no plano retórico, destinado a conformar o clamor social, tentando passar a falsa mensagem de que algo está sendo feito para que se dê justiça a todos. Ao mesmo tempo a paciência do leigo – que não está no "mundo do direito" – vai se esvaindo e, junto com esse fenômeno, presencia-se uma crescente descredibilidade que recai sobre as profissões jurídicas. (...) A modificação há de ser estrutural, passando pela noção de verdade e significado processual, para se compreender que a verdade é algo tão fugaz que não é justificável a existência de recursos sucessivos com o desiderato de substituir a verdade de um órgão pela de outro, notadamente quando se está diante de um acúmulo considerável de processos nas instâncias superiores". (ALENCAR, 2008).

Na mesma esteira de raciocínio argumenta o magistrado Leandro Paulsen [10], ressaltando a existência de excesso de recursos e de exagerado formalismo, que só contribuem para a morosidade e deficiência da prestação jurisdicional. Assevera que o centro da litigiosidade foi deslocado para a segunda instância, o que provoca a necessidade de aumento do número de juízes nos tribunais e, por conseguinte, favorece o surgimento de posições divergentes entre turmas, que, por sua vez, aumenta a insegurança quanto ao direito e incentiva a interposição de recursos, relegando cada vez mais a importância da prestação jurisdicional de primeiro grau. O magistrado também aponta como solução a limitação dos recursos, defendendo que as hipóteses de recursos para o Superior Tribunal de Justiça e para o Supremo Tribunal Federal devem ser reduzidas, a fim de que estas Cortes tenham condições de exercer o seu papel, atendo-se às questões de maior interesse federativo.

O combate à morosidade é uma necessidade urgente e não é uma tarefa fácil, já que suas causas não são poucas. Trata-se de um conjunto de fatores que implicam no retardamento da prestação jurisdicional. Para o presente trabalho, importa uma atenção mais voltada para o sistema recursal, que, segundo opinião unânime dos profissionais do Direito, é um dos grandes responsáveis pela morosidade processual.

Sabe-se que o fator tempo é de extrema importância para o processo, mas também pode ser bastante prejudicial. É claro que para o leigo que bate às portas do Judiciário, o ideal seria que naquele mesmo momento já fosse dada uma resposta efetiva do seu direito. Porém, é indispensável que a todos seja garantido o direito do contraditório, da ampla defesa e da duração razoável do processo. É a conciliação destes três pilares que forma o processo ideal. No entanto, a cultura recursal vem dificultando a concretização do terceiro pilar, onde se busca incessantemente uma verdade, uma confirmação da decisão de primeiro grau. É como se cada um dos julgadores merecessem uma correção de seu julgado, tornando sem fim a decisão final.

Como já relatado neste trabalho, há uma desconfiança do magistrado de primeiro grau. Muitas vezes uma desconfiança proposital para retardar o cumprimento da decisão. Aqui mais um agravante, onde a demora favorece quem não tem razão, gerando essa incredibilidade que hoje se vê no Poder Judiciário. O excessivo número de recursos contribui para essa situação, onde se torna fácil atacar um julgado por mais completo e correto que esteja. Mas não é só. A regra geral de se aplicar efeito suspensivo aos recursos também auxilia na preservação desse sistema, onde se pode retardar ao máximo a concretização do direito firmado na sentença, ficando em segundo plano aquela garantia da duração razoável do processo.

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A mudança do nosso sistema recursal em busca de uma maior celeridade processual é algo indispensável. Não serão reformas pontuais que trarão o resultado pretendido, mas medidas que envolvam uma mudança de postura de todos aqueles que fazem o processo. É necessário investir na preparação do magistrado de primeiro grau, nos instrumentos que inviabilizem os recursos meramente procrastinatórios, na confiança no juiz de primeira instância, todos comprometidos com a eficiência do processo.


3 TENDÊNCIA DE VINCULAÇÃO DAS DECISÕES E AS SÚMULAS COMO SOLUÇÃO PARA A MOROSIDADE PROCESSUAL

A questão da vinculação das decisões vem sendo bastante discutida no meio jurídico, principalmente após a promulgação da Emenda Constitucional n.º 45/2004, que trouxe o instituto da súmula vinculante, efeito este já previsto para as decisões do Supremo Tribunal Federal proferidas nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de lei ou ato normativo federal. Atualmente, há inclusive defensores da tese da abstrativização do controle de constitucionalidade difuso, onde as decisões proferidas em sede de recurso extraordinário também passariam a ter efeito erga omnes e vinculante, desde que apreciadas pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, dispensando a participação do Senado Federal na suspensão da execução da norma ora declarada inconstitucional.

Apesar do efeito vinculante não ser novidade no nosso ordenamento jurídico, constata-se que o Direito Brasileiro sempre teve uma preocupação voltada para a uniformização jurisprudencial, mas sem efeito vinculativo. Este surge como solução para a morosidade processual, visando diminuir o descompasso existente entre o tempo do processo e a rapidez exigida pelo mundo globalizado.

Osmar Mendes Paixão Cortês [11] faz um apanhado da evolução legislativa pátria nesse sentido. Segundo o autor, com a Constituição de 1824 e a independência nacional, houve um aumento da preocupação com a uniformização jurisprudencial, sendo mantido o recurso de revista [12]. Aos poucos, o recurso extraordinário passou a absorver a função de unificar a jurisprudência, sendo expressamente previsto com a Reforma Constitucional de 1926. A Carta de 1946 ampliou essa função, prevendo o cabimento do recurso extraordinário quando a decisão recorrida apresentasse interpretação diversa dos outros Tribunais ou do próprio Supremo Tribunal Federal, não mais limitados às Cortes de Apelação de Estados diferentes, como previa a Constituição de 1934.

O interesse em consolidar/unificar a interpretação dominante também foi demonstrado pela emenda ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que, em 28 de agosto de 1963, passou a prever as súmulas de jurisprudência predominante, com caráter persuasivo e não vinculativo. A EC n.º 1/69 atribuiu ao Supremo Tribunal Federal a competência para regular o cabimento do recurso extraordinário nos casos de violação à Constituição, lei ou tratado, e de divergência jurisprudencial, deixando clara a intenção em limitar o cabimento de tal recurso e dando à Corte Suprema a possibilidade de indicar quais as causas que seriam por ele apreciadas. Em 15 de outubro de 1970, passou a vigorar o art. 308 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, onde foram elencadas as hipóteses em que era incabível o recurso extraordinário, ressalvando os casos de ofensa à Carta Constitucional ou discrepância manifesta da jurisprudência predominante do STF. Ou seja, houve a limitação de cabimento do recurso extraordinário, mas sem desviar de sua finalidade maior, que é garantir a observância à Constituição Federal e uniformizar a interpretação das normas legais.

Com a Emenda Constitucional n.º 07/77, foi prevista a possibilidade do Procurador-Geral da República, mesmo diante da ausência de conflito de interesses instaurado, representar ao Supremo Tribunal Federal para interpretação de leis ou atos normativos federais ou estaduais, interpretação esta que, a partir de agosto de 1978, através da Emenda n.º 07 ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, passou a ter efeito vinculante. A Consolidação das Leis do Trabalho, até a revogação da Lei n.º 7.033/82, também previa dispositivo referente à vinculação de decisões, dispondo que os Tribunais Regionais do Trabalho, as Juntas de Conciliação e os Juízes de Direito investidos na jurisdição trabalhista estavam obrigados a respeitar os prejulgados, espécie de súmula da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, que, atualmente, apenas editam enunciados sumulares e orientações jurisprudenciais não vinculativos. Com o advento da Constituição Federal de 1988, os dissídios jurisprudenciais sobre lei federal passaram a ser da competência do Superior Tribunal de Justiça, que edita súmulas, mas apenas de caráter persuasivo.

Pelo histórico da legislação pátria, verifica-se que sempre houve a intenção de unificar o entendimento jurisprudencial. Atualmente, os artigos 557, caput e § 1.º-A, e 518, § 1.º, do CPC deixam clara essa intenção. O primeiro autoriza ao relator negar seguimento a recurso em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior, bem como dar provimento ao recurso se a decisão atacada estiver em manifesto confronto com súmula ou jurisprudência dominante do STF ou do STJ. O segundo dispositivo, tema do presente trabalho, amplia tal poder ao juiz de primeiro grau, que não deverá receber o recurso de apelação quando a sentença estiver em confronto com súmula do STJ ou do STF. Como se vê, os órgãos inferiores não estão obrigados a seguir o entendimento dos tribunais superiores, mas tais dispositivos são ferramentas para reforma de decisão contrária à jurisprudência dominante. E não só estes, mas vários são os dispositivos legais que apontam o objetivo de unificação jurisprudencial, tais como os embargos infringentes previstos no art. 530 do CPC, em que não sendo unânime a decisão que houver reformado a sentença de mérito em grau de apelação, ou que houver julgado procedente a ação rescisória, poderá a própria Corte reexaminar o julgado. No mesmo sentido, o art. 546 do CPC prevê os embargos de divergência para resolver os dissídios surgidos entre os órgãos colegiados. E ainda na mesma esteira, o art. 894 da CLT. Por fim, o CPC prevê o incidente de uniformização de jurisprudência, com a finalidade de fixar um entendimento acerca de determinada questão que tenha suscitado divergências interpretativas no mesmo tribunal.

No entanto, o efeito vinculante das decisões não aparece tão presente no histórico da nossa legislação. A Emenda Constitucional n.º 03/93 trouxe a ação declaratória de constitucionalidade, cuja decisão tem eficácia contra todos e efeito vinculante, tendo sido comparada com a EC 07/77, onde o STF poderia suspender os efeitos de decisão proferida por qualquer juízo ou tribunal, a pedido do Procurador Geral da República, e conhecer integralmente da lide.

Segundo Osmar Mendes Paixão Cortês [13]:

Mas a antiga avocatória e a atual ação declaratória de constitucionalidade são figuras distintas, pois esta última não objetiva a suspensão de decisões judiciais e tem finalidade unicamente jurídica (não política), servindo não para interferir diretamente nas decisões de primeira e segunda instâncias, mas para resolver problema relativo à constitucionalidade de lei, com eficácia vinculativa e erga omnes. Trata-se de verdadeira modalidade de processo objetivo de controle abstrato de normas. (CORTÊS, 2007, p. 335).

Com o advento da EC 03/93, a Constituição Federal passou a prever expressamente o efeito vinculante de decisões no âmbito do controle abstrato de normas, cabendo aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, submeterem-se à decisão sobre a constitucionalidade de lei proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

Apesar de não muito presente no nosso ordenamento jurídico, o efeito vinculativo passou a ser exigido sob o fundamento da garantia da segurança jurídica – sob a ótica da previsibilidade e estabilidade - e da celeridade processual, vindo a lume a tão falada súmula vinculante com a EC 45/2004.

Há tempos é debatida a impossibilidade do STF acumular funções de guardião da Constituição Federal e de jurisdição recursal, visto que acarreta um elevado número de processos à sua apreciação, prejudicando sua função maior de Tribunal Constitucional. Com fins de reduzir esse número de processos, a legislação pátria vem fazendo reformas pontuais, introduzindo no nosso ordenamento medidas como a Repercussão Geral nos Recursos Extraordinários e a Súmula Vinculante. Na mesma esteira, a doutrina vem admitindo a abstrativização do controle difuso de constitucionalidade, que, como já apontado neste trabalho, surge quando o STF confere efeito vinculante e geral a algumas decisões proferidas em sede de controle difuso, dando uma nova roupagem ao papel do Senado Federal, tendo em vista que sua resolução passa a ser apenas a publicação da decisão que declarou a inconstitucionalidade da lei e que já produz efeitos gerais.

A título de ilustração, podem-se enumerar algumas decisões nesse sentido: a) a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo que vedava a progressão de regime para os crimes hediondos, ocasião em que o STF conferiu aparentemente efeitos gerais e, em julgamento à Reclamação 4.335/AC, contra decisão de um juiz que não quis aplicar a progressão de regime por entender que a decisão de inconstitucionalidade do STF em controle difuso necessita do Senado para lhe dar efeito geral, a Corte confirmou a decisão com eficácia geral, sob o argumento de que a concepção sobre a separação dos poderes foi alterada de forma radical, tornando comum no sistema a decisão com eficácia geral; b) a declaração de inconstitucionalidade de norma municipal que não obedecia aos limites constitucionais de número de vereadores, tendo o STF conferido efeito transcendente à sua decisão, com validade para todos os municípios da federação; c) a dispensa de aplicação do art. 97 da Constituição Federal (princípio da reserva de Plenário) quando o STF já tenha pronunciamento sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei questionada (RE 190728).

Sobre a dispensa de aplicação do princípio da reserva de Plenário, Gilmar Mendes já se pronunciou favorável a tal posicionamento:

Esse entendimento marca uma evolução no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, que passa a equiparar, praticamente, os efeitos das decisões proferidas nos processos de controle abstrato e concreto. A decisão do Supremo Tribunal Federal, tal como colocada, antecipa o efeito vinculante de seus julgados em matéria de controle de constitucionalidade incidental, permitindo que o órgão fracionário se desvincule do dever de observância da decisão do Pleno ou do Órgão Especial do Tribunal a que se encontra vinculado. Decide-se autonomamente com fundamento na declaração de inconstitucionalidade (ou de constitucionalidade) do Supremo Tribunal Federal proferida incidenter tantum." (MENDES, 2006, p. 269-270).

Essa tendência de abstrativização não é vislumbrada somente no âmbito judicial. Os legisladores também têm demonstrado tal tendência com a criação da súmula vinculante, da exigência de repercussão geral no recurso extraordinário, bem como da nova redação do art. 557, caput e § 1.º-A do CPC.

Há uma grande discussão sobre essa tendência de abstrativização, onde de um lado se vislumbra a busca da efetividade dos preceitos constitucionais e da celeridade processual, e de outro, a preocupação com a concentração de poder do STF, comprometendo a harmonia e o equilíbrio previstos na Constituição Federal, devendo ser definida a via mais apropriada e legal para que a abstrativização alcance seus objetivos, sob pena de provocar maior insegurança jurídica.

Luiz Guilherme Marinoni [14] defende a vinculação das decisões dos tribunais superiores, fazendo uma crítica aos que tratam os sistemas common law e civil law como estanques. Argumenta que a separação desses sistemas é fundada apenas na tradição de cada um, considerando os aspectos políticos e culturais que basearam suas respectivas histórias, e que o constitucionalismo aproximou os sistemas. Segundo o jurista, a diferença entre os sistemas reside no significado que se atribuiu aos códigos e à função do juiz. "No common law jamais se acreditou, ou se teve a necessidade de acreditar, que poderia existir um código que eliminasse a possibilidade de o juiz interpretar a lei". No entanto, o constitucionalismo impôs um novo papel ao juiz do civil law, que deixou de ser mero declarador da lei, bastando lembrar que se o juiz pode controlar a constitucionalidade da lei é porque não está submetido a ela.

A dificuldade em ver o papel do juiz sob o neoconstitucionalismo impede que se perceba que a tarefa do juiz do civil law, na atualidade, está muito próxima da exercida pelo juiz do common law. É exatamente a cegueira para a aproximação destes juízes que não permite enxergar a relevância de um sistema de precedentes no civil law. (MARINONI, 2009)

Por outro lado, Marinoni vislumbra a variação constante de entendimentos no sistema civil law como uma patologia, decorrente do equívoco de tratar a decisão como algo construído de forma individual e egoística, e não como resultado de um sistema. As decisões devem ser iguais para as questões iguais e coerentes com o entendimento dos tribunais superiores, a quem cabe a última palavra. Caso contrário, estará violando os direitos fundamentais à tutela efetiva e à duração razoável do processo, uma vez que o jurisdicionado só poderá contornar a situação mediante interposição de recurso. Isso não implica dizer que não poderá haver mudança de entendimento, mas caso ocorra, deverá ser efetivamente fundamentada e justificada, evidenciando expressamente o motivo da alteração da decisão primitiva. Para o autor, "a proibição só atinge a possibilidade de decisão, ainda que fundamentada, diversa a do tribunal superior. Mas isto por uma questão puramente lógica, ancorada na própria estrutura do sistema de produção de decisões."

Ainda no magistério do já citado Prof. Marinoni:

O juiz que contraria a sua própria decisão, sem a devida justificativa, está muito longe do exercício de qualquer liberdade, estando muito mais perto da prática de um ato de insanidade. Enquanto isto, o juiz que contraria a posição de tribunal superior, ciente de que a este cabe a última palavra, pratica ato que, ao atentar contra a lógica do sistema, significa desprezo ao Poder Judiciário e desconsideração para com os usuários do serviço jurisdicional. (...) Embora deva ser no mínimo indesejável, para um Estado Democrático, dar decisões desiguais a casos iguais, ainda não se vê reação concreta a esta situação da parte dos advogados brasileiros. A advertência de que a lei é igual para todos, que sempre se viu escrita sobre a cabeça dos juízes nas salas do civil law, além de não mais bastar, constitui piada de mau gosto àquele que, perante uma das Turmas do Tribunal e sob tal inscrição, recebe decisão distinta a proferida — em caso idêntico — pela Turma cuja sala se localiza metros mais adiante, no mesmo longo e indiferente corredor do prédio que, antes de tudo, deveria abrigar a igualdade de tratamento perante a lei." (MARINONI, 2009).

A vinculação das decisões, especialmente a súmula vinculante, é um tema ainda controverso, não havendo um entendimento pacífico entre os doutrinadores. Seus adeptos argumentam que tal instituto representa maior celeridade processual, segurança jurídica com a unificação da jurisprudência e garantia de supremacia da Carta Constitucional. Já a corrente contrária defende que a súmula vinculante não soluciona o problema do Poder Judiciário e cria o engessamento dos juízes de primeiro grau, além de ser incompatível com alguns princípios processuais e constitucionais.

Evandro Lins e Silva, em seu artigo "Crime de Hermenêutica e Súmula Vinculante" [15], critica o instituto da súmula vinculante, por entender que viola a harmonia, independência e separação dos poderes, uma vez que o Poder Legislativo é o legitimado democrático para a criação do direito, cabendo ao Poder Judiciário a função precípua de julgar os conflitos de interesse na aplicação da lei.

Que são as "súmulas vinculantes" senão uma repetição dessa força obrigatória que se quer dar às decisões sumuladas pelos tribunais superiores?Para os não iniciados, para o público em geral, diremos: Súmula foi a expressão de que se valeu Victor Nunes Leal, nos idos de 1963, para definir, em pequenos enunciados, o que o Supremo Tribunal Federal, onde era um dos seus maiores ministros, vinha decidindo de modo reiterado acerca de temas que se repetiam amiudadamente em seus julgamentos. Era uma medida, de natureza regimental, que se destinava, primordialmente, a descongestionar os trabalhos do tribunal, simplificando e tornando mais célere a ação de seus juízes. Ao mesmo tempo, a Súmula servia de informação a todos os magistrados do País e aos advogados, dando a conhecer a orientação da Corte Suprema nas questões mais freqüentes. Houve críticas e resistências à sua implantação sob o temor de que ela provocasse a estagnação da jurisprudência ou que pretendesse atuar com força de lei. Seu criador, Victor Nunes, saiu a campo e, em conferências proferidas na época, explicou e deixou bem claro que a Súmula não tinha caráter impositivo ou obrigatório. Ela era matéria puramente regimental e podia ser alterada a qualquer momento, por sugestão dos ministros ou das partes, através de agravo contra o despacho de arquivamento do recurso extraordinário ou do agravo de instrumento. Nunca se imaginou a possibilidade de conferir à Súmula o poder vinculante ou de cumprimento obrigatório, imutável para o próprio tribunal que a edita ou para as instâncias inferiores. Do contrário teríamos a revivescência dos Assentos do Superior Tribunal de Justiça, na esteira dos Assentos das Casas de Suplicação, considerados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, desde a fundação da República. Súmula "vinculante" seria um novo nome para os velhos Assentos. O grande Ministro Pedro Lessa já estigmatizara a figura do "juiz legislador", não prevista "pelos que organizaram e limitaram os nossos poderes políticos". (SILVA, 1997).

Segundo o jurista Rosmar Alencar (2009, p. 96), antes mesmo da EC 45/2004 já ocorria a aplicação prática do efeito vinculante da jurisprudência, onde a maioria dos julgados contempla decisões anteriores que tenham apreciado a matéria em questão, não sendo raras as motivações que apenas enumeram precedentes.

Tirante a previsão normativa do efeito vinculante, certo é que já havia o acatamento espontâneo, pelos magistrados, dos argumentos de julgados proferidos por órgão jurisdicional de grau superior, denunciando uma espécie de efeito vinculante "natural" (ou, como quer a doutrina, "eficácia persuasiva"), com o objetivo de ser facilitado e uniformizado o procedimento decisório. (ALENCAR, 2009, p. 96).

Na mesma esteira de pensamento, Marcos Luiz da Silva [16]:

Ora, na prática já se vive uma "quase vinculação" das decisões judiciais de primeiro grau aos acórdãos das instâncias superiores, visto que, na maioria das vezes, os juízes têm se limitado a acompanhar os pronunciamentos dos Tribunais, tornando, assim, mais cômoda e menos arriscada a sua empreitada. Conforme nos informa o Ministro Evandro Lins e Silva, as súmulas, "na prática, já são quase vinculantes, pela tendência natural dos juízes em acompanhar os julgados dos tribunais superiores". (SILVA, 2005).

Para Alencar (2009, p. 132), o efeito vinculante pode implicar em abstração inadequada à aplicação do direito. A simples utilização de verbetes de súmula vinculante frustra a aplicação do direito, pois não é capaz de analisar as diferenças ontológicas dos casos concretos. Não se pode admitir que a aplicação do direito se dê através de "analogia frasal", sem qualquer compreensão das dimensões e conseqüências dos conflitos sociais.

Essa tendência brasileira de tornar o processo um instrumento prepoderantemente objetivo põe em xeque a noção de dignidade da pessoa humana. Ao invés de se investir na formação dos juízes e na limitação de competências dos tribunais – restringindo ao STF a função de Corte Constitucional -, o que se vê é uma preocupação institucional voltada a si própria e não dirigida ao papel de mediação dos conflitos sociais. Busca-se uma coerência externa através da uniformização de jurisprudência e do efeito vinculante. (ALENCAR, 2009, p. 136).

Karla Virgínia Bezerra Caribé [17] considera a súmula vinculante uma incoerência do Direito Brasileiro, que sempre adotou com veemência o princípio da legalidade e agora se curva às decisões judiciais proferidas pelo Supremo Tribunal Federal. Argumenta que se qualquer magistrado pode deixar de aplicar normas que entenda inconstitucionais, o mesmo poderá fazer com a súmula vinculante, estando livre para analisar a identidade entre os precedentes que originaram a súmula e o caso concreto. Sugere como solução a efetivação do controle de constitucionalidade difuso, que continua vigente em nosso ordenamento jurídico e pode ser realizado por todos os magistrados do país.

A utilização da súmula no Brasil foi iniciada em 1963, pelo então Ministro Victor Nunes Leal, integrante da Comissão de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, com o intuito primordial de diminuir o grande número de processos ali existentes, servindo de orientação aos profissionais do Direito de todo o país. Naquela época, já se discutia sobre a possibilidade de sua utilização acarretar estagnação da jurisprudência, o que era rebatido por seu "criador", que esclarecia a possibilidade de alteração da súmula e que esta, apesar de valiosa ferramenta de persuasão, não vinculava os magistrados, como pode ocorrer atualmente.

Não se pode negar que a súmula vinculante apresenta uma grande utilidade nas causas repetitivas, onde a uniformização de entendimento concede uma maior credibilidade ao Poder Judiciário, evitando decisões antagônicas para casos idênticos. O grande problema reside na identificação destas causas idênticas. É claro que algumas são de fácil constatação, mas outras poderão parecer idênticas e não são. A "analogia frasal" poderá acarretar decisões por demais injustas. Apesar de a súmula vinculante ter surgido com a finalidade maior de diminuir a demanda recursal, não se pode perder o foco do ideal de Justiça. De nada adiantará a resolução de grande quantidade de processos sem a efetiva concretização do direito, permanecendo o conflito social que deu origem à demanda. É importante que o magistrado atente para identificar os precedentes que deram ensejo à edição da súmula vinculante e analise se realmente há uma identidade entre a súmula e o caso concreto, o que vale também para a utilização da súmula persuasiva, sem efeito vinculante.

Acrescente-se que sempre houve certa "obediência" às súmulas persuasivas, sendo comum o seguimento da interpretação dos tribunais superiores. Com isto, a súmula vinculante pode não alcançar seu objetivo maior de reduzir drasticamente a demanda recursal.

O certo é que a solução para a crise do Judiciário não será pontual. A súmula vinculante ou mesmo a vinculação das decisões dos tribunais superiores não será capaz de descongestionar o Poder Judiciário e, por conseguinte, efetivar a ideal prestação jurisdicional. É preciso ir mais além. A reestruturação do direito processual, através da supressão de recursos inúteis e protelatórios, a informatização e, essencialmente, a preparação dos magistrados, são medidas que melhorarão a prestação jurisdicional, não só sob o aspecto quantitativo, mas principalmente qualitativo.

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Sobre a autora
Adriana Farias Mesquita

Analista Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, lotada no Fórum da Comarca de Santa Quitéria-CE; graduada em Direito e especialista em Direito Processual Civil, pela Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MESQUITA, Adriana Farias. Considerações acerca da súmula impeditiva de apelação (art. 518, § 1º, CPC). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2398, 24 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14244. Acesso em: 29 mar. 2024.

Mais informações

Monografia elaborada sob orientação do Prof. Esp. Flávio Maria Leite Pinheiro.

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