Embora sejam inúmeros os temas controvertidos quando se está a falar de contratos agrários (arrendamento e parceria), a questão relativa à obrigatoriedade ou não de observância de prazo mínimo de duração despertou a nossa atenção, precipuamente porque calorosos debates têm surgido.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, enquanto a Terceira Turma decidiu que nos contratos agrários o prazo legal de 03 anos pode ser afastado por convenção da partes – de maneira que a regra inserida nos artigos 95, II, e 96, I, do Estatuto da Terra, teria aplicação apenas nos casos de contratos por prazo indeterminado -, a Quarta concluiu que o prazo mínimo, contido no artigo 13, II, "a", do Decreto n. 59.566/66 deve ser observado.
Realmente, não foi outra coisa senão a insegurança jurídica que nos inspirou a tecer alguns breves comentários a respeito do tema, devendo servir o presente trabalho não como divisor de águas (pretensão tal não temos), mas como alerta para a necessidade de rápida solução por parte do STJ, a fim de que a questão em debate, pelo menos no âmbito da mais alta Corte nacional na interpretação do Direito infraconstitucional, reste pacificada.
É até admissível, quando se está a falar de tribunal estadual, que alguma Câmara divirja da outra. No entanto, inaceitável é divergência entre as únicas duas Turmas da mais alta corte infraconstitucional, o que transforma a Corte pacificadora numa caixa de surpresas, de sorte que, a depender da turma que o processo seja distribuído, teremos decisão nesse ou naquele sentido.
A posição que se irá defender no presente trabalho, apesar de dominante na doutrina (1), tem perdido espaço na jurisprudência, inclusive da mais alta Corte em matéria infraconstitucional, de maneira que, provavelmente, em um futuro, espera-se (2) não muito distante, tenha-se, ao menos no âmbito do STJ, entendimento pacífico no sentido de que nos contratos agrários não se impõe a observância do prazo mínimo contido no artigo 13, II, "a" do Decreto 59.566/66.
Malgrado enfraquecida a tese da necessidade de observância de prazo mínimo, inclusive no próprio Superior Tribunal de Justiça, parece-nos a mais certa, de maneira que, doravante, passaremos a expor os porquês da posição por nós adotada.
Para o desate da questão aqui colocada, faz-se necessário uma análise minuciosa dos artigos 95, incisos II e XI, e 96, inciso I do Estatuto da Terra e 13, inciso II, alínea "a" do Decreto n. 59.566/66.
A Lei n. 4.504/1964 - Estatuto de Terra disciplina a questão nos seguintes dispositivos: "Art. 95. Quanto ao arrendamento rural, observar-se-ão os seguintes princípios: II - presume-se feito, no prazo mínimo de três anos, o arrendamento por tempo indeterminado, observada a regra do item anterior; (...) XI - na regulamentação desta Lei, serão complementadas as seguintes condições que, obrigatoriamente, constarão dos contratos de arrendamento: b) prazos mínimos de locação e limites de vigência para os vários tipos de atividades agrícolas; ( ...) Art. 96. Na parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, observar-se-ão os seguintes princípios: I - o prazo dos contratos de parceria, desde que não convencionados pelas partes, será no mínimo de três anos, assegurado ao parceiro o direito à conclusão da colheita, pendente, observada a norma constante do inciso I, do artigo 95; (...) V - no Regulamento desta Lei, serão complementadas, conforme o caso, as seguintes condições, que constarão, obrigatoriamente, dos contratos de parceria agrícola, pecuária, agro-industrial ou extrativa: (...) b) prazos mínimos de duração e os limites de vigência segundo os vários tipos de atividade agrícola;"
A par disso, o Decreto n. 59.566/1966, que regulamentou o Estatuto da Terra, dispôs: "Art. 13. Nos contratos agrários, qualquer que seja a sua forma, contarão obrigatoriamente, clausulas que assegurem a conservação dos recursos naturais e a proteção social e econômica dos arrendatários e dos parceiros-outorgados a saber (Art. 13, incisos III e V da Lei nº 4.947-66); (...) II - Observância das seguintes normas, visando a conservação dos recursos naturais: a) prazos mínimos, na forma da alínea " b ", do inciso XI, do art. 95 e da alínea " b ", do inciso V, do art. 96 do Estatuto da Terra: - de 3 (três), anos nos casos de arrendamento em que ocorra atividade de exploração de lavoura temporária e ou de pecuária de pequeno e médio porte; ou em todos os casos de parceria;".
Os artigos 95 e 96, acima transcritos, enumeram as regras gerais a serem observadas nos contratos agrários, dentre as quais o prazo mínimo de três anos, quando pelas partes contratantes não for entabulado prazo outro, bem como que regulamento irá dispor sobre os prazos mínimos de duração dos contratos.
Em consonância com os ditames acima mencionados, o artigo 13 do Decreto n. 59.566/1966 regulamentou o Estatuto da Terra, estabelecendo prazos mínimos de duração dos contratos agrários, conforme a atividade agrícola desenvolvida.
Levando em consideração as regras mais comezinhas de hermenêutica, temos que não existem palavras inúteis no texto legal, e menos ainda disposições imprestáveis. Assim, se os artigos 95, inciso XI, letra "b" e 96, V, "b" trouxeram regras no sentido de que caberia ao Poder Executivo, através de decreto regulamentar, dispor a respeito dos prazos mínimos de vigência dos vários tipos de contratos agrários, obviamente não quis o legislador (nos incisos II do artigo 95 e I do artigo 96) permitir que eventuais contratantes convencionassem livremente prazos inferiores a 03 anos.
Portanto, nesse caminhar, de maneira alguma se pode dizer que as regras inseridas nos artigos 95, inciso II e 96, inciso I estão em descompasso com aquela levada a efeito pelo artigo 13, II, "a" do Decreto n. 59.566/66.
Data maxima venia àqueles que de modo diferente entendem, concluir que o Regulamento não teria se pautado pela Lei, na medida em que teria feito obrigatório aquilo que tinha caráter supletivo da vontade das partes, seria caminhar para uma insuperável antinomia jurídica.
Noutro dizer, interpretando-se a expressão "desde que pelas partes contratantes não tenham entabulado outro prazo", inserida, não nesses termos, nos artigos 95, II e 96, I como uma "carta de alforria" para a confecção de contratos com prazo inferior a 03 anos, inevitavelmente se esvaziaria, por completo, o conteúdo das regras que autorizaram o Poder Executivo a disciplinar, através de decreto regulamentar, os prazos mínimos de vigência nos contratos agrários.
Assim, a melhor exegese, pelo menos ao nosso sentir, levando em consideração as regras contidas nos dispositivos acima mencionados, é a seguinte: caso não haja prazo assinalado contratualmente, será de 03 anos; se houver prazo fixado contratualmente e este for superior a 03 anos, prevalecerá o avençado. No entanto, se o prazo estipulado pelas partes contratantes for inferior a 03 anos, deverá prevalecer o prazo estabelecido no artigo 13, II, "a" do Decreto Regulamentar, editado com autorização do art. 95, IX, "b" da Lei n. 4.504/64.
E não amparam a tese por nós defendida apenas regras de hermenêutica. Faz-se necessário ir um pouco além, sob pena de sustentar a posição em bases não muito sólidas.
Com efeito, a necessidade de observância de prazos mínimos de duração deve-se também ao fato de que quaisquer contratos agrários pressupõem investimentos de longo prazo, que, a toda evidência, exigem um mínimo de estabilidade contratual.
Ademais, conforme precisas palavras do ilustre jus-agrarista Torminn Borges (3), "o prazo mínimo é estabelecido principalmente para evitar o mau uso da terra. Quem toma a terra, em arrendamento ou parceria, por um ano só, quererá tirar todo proveito imediato. e muitos não se importarão de fazer uso predatório, porque a terra arruinada, amanhã, não estará mais em suas mãos. se o usuário da terra, porém, a tem por tempo mais alongado, com possibilidade legal de renovar o contrato, é evidente que pensará no proveito imediato e no proveito mediato, e, assim, despovoará a terra de pragas, hoje, para tê-la despovoada da mesma praga no futuro, em seu benefício. Conservará sua fertilidade hoje, para tê-la fértil amanhã".
Nessa toada, e em palavras últimas, tem-se que a inobservância de prazos mínimos de vigência para os contratos agrários atentaria contra a função social da propriedade, já que os contratos com prazos exíguos conduziriam à exploração predatória, em descompasso com as determinações contidas nos incisos I e II, do artigo 186 (4) da Constituição Federal em vigor.
Assim, caros leitores, levando em consideração, conforme alhures afirmado, as regras inseridas nos artigos 95, II, XI, "b"; 96, I, V, "b" da Lei n. 4504/64 e 13, II, "a" do Decreto 59.566/66, e que "na lei não existem palavras inúteis" (5) sendo que "todas elas têm um sentido próprio e adequado" (6), bem como tendo em vista o princípio constitucional da função social da propriedade, tem-se que qualquer estipulação contratual, por prazo de vigência aquém do mínimo legal, deverá ser considerada nula de pleno direito (7), de sorte a ser tratado o contrato como se por prazo indeterminado fosse.
NOTAS.
1. Wellington Pacheco Barros; Paulo Torminn Borges; Lorelei Mari de Oliveira; Vilson Ferretto; Fernando Pereira Sodero.
2. A despeito de se estar anunciando que provavelmente irá prevalecer posição diferente da defendida, o que importa, pelo menos para efeito de segurança jurídica, é que se consolide um entendimento, seja a favor ou contra àquele que defendemos.
3. Paulo Torminn Borges. Institutos básicos de direito agrário. 4ª edição. São Paulo: Saraiva. Pág. 125.
4. "Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;".
5. José Pacheco da Silva. Tratado das Locações, Ações de Despejo e Outras. 9ª edição. São Paulo: RT. 1994. Pág. 405.
6. José Pacheco da Silva, op. cit., pág. 405.
7. Art. 2º. Todos os contratos agrários reger-se-ão pelas normas do presente Regulamento, as quais serão de obrigatória aplicação em todo o território nacional e irrenunciáveis os direitos e vantagens nelas instituídos (artigo 13, IV, da Lei nº 4.947, de 6 de abril de 1966).
Parágrafo único. Qualquer estipulação contratual que contrarie as normas estabelecidas neste artigo, será nula de pleno direito e de nenhum efeito. (grifei).
BIBLIOGRAFIA.
1. BARROS, Wellington Pacheco. Curso de direito agrário. Vol. I. 5ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed. 2007;
2. BORGES, Paulo Torminn. Institutos básicos de direito agrário. 4ª edição. São Paulo: Saraiva;
3. FERRETTO, Vilson. CONTRATOS AGRÁRIOS ASPECTOS POLÊMICOS. Editora Saraiva. 2009;
4. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 16ª edição. Rio de Janeiro: Forense. 1996.
5. OLIVEIRA, Lorelei Mari de. Dos prazos mínimos nos contratos agrários típicos. Dissertação de Mestrado, USP, 1988;
6. SILVA, José Pacheco da. Tratado das Locações, Ações de Despejo e Outras. 9ª edição. São Paulo: RT. 1994.