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Noções básicas sobre a atual organização político-administrativa da República Federal da Alemanha.

Ensaio comparativo com o Brasil

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28/01/2010 às 00:00
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4.AS ELEI

Na Alemanha apenas há o voto direto - pelo povo - para os membros do Poder Legislativo, vale dizer, para eleger representantes do Parlamento Federal (Bundestag), das Assembléias Legislativas estaduais (Landstag e Senat) e das Câmaras de Vereadores (Gemeinderat). Ressalve-se que, em alguns Municípios, como em Colônia (Köln), vota-se diretamente também para o Executivo Municipal, ou seja, para Prefeito. Percebe-se a grande diferença em relação ao Brasil, onde o Presidente da República, os Governadores e os Prefeitos, – com seus Vices -, os Senadores – com seus suplentes -, os Deputados Federais, Estaduais e Distritais e os Vereadores são todos eleitos diretamente pelo povo (ressalvando-se a excepcionalidade do art. 81, § 1°, da CF/88, extensiva a governadores e prefeitos).

O sistema de eleições do Parlamento Federal alemão é o distrital misto, que combina a eleição de Deputados pelo sistema de maioria simples - com o voto distrital-, com a eleição por voto proporcional na legenda. De fato, o eleitor poderá votar em um candidato e também em um Partido, ou só no Partido, ou só no candito, vale dizer, na hora de votar o eleitor pode dar dois votos, sendo um para seu candidato distrital e o outro para a legenda partidária. O Brasil, por sua vez, adota como sistemas eleitorais o majoritário para os cargos do Executivo e para o Senado, e o proporcional para as demais Casas legislativas.

Em outras palavras[5]:

O sistema eleitoral para o Parlamento federal da Alemanha é um "direito eleitoral proporcional personalizado". Cada eleitor tem dois votos. Com o primeiro voto, ele elege o seu candidato do distrito eleitoral, conforme o sistema de maioria relativa, quer dizer, o candidato que reúna o maior número de votos ganha. Com o segundo voto, ele escolhe os deputados que chegarão ao Parlamento federal através das chamadas listas estaduais dos partidos. Os votos dos distritos eleitorais e os votos das listas estaduais são computados de maneira que o Parlamento federal seja composto quase na relação da distribuição de votos dados aos partidos. No caso de um partido conquistar mais mandatos diretos (primeiro voto) nos distritos eleitorais do que lhe caberia de acordo com a porcentagem dos votos (segundo voto) dados aos partidos, ele pode ficar com tais "mandatos suplementares", sem que haja alguma compensação para os outros partidos. Nesse caso, o Parlamento federal ganha mais deputados do que o número definido pela lei,...

Ou seja, na Alemanha o eleitor tem direito a dois votos para o Parlamento Federal (Bundestag):

a) pelo primeiro voto, dado ao candidato, elege-se metade dos membros do Parlamento. Esses candidatos representam os 299 distritos eleitorais nos quais a Alemanha é dividida, sendo que cada distrito elege um Deputado (federal). É o voto para escolher um candidato distrital (cada Partido político tem direito de lançar um nome por distrito, ou zona eleitoral), daí ser também chamado de voto distrital; utiliza o sistema majoritário, onde são eleitos diretamente os que que obtiveram a maioria dos votos.

b) o segundo, é o voto de legenda (dado ao Partido), pelo sistema proporcional, e elege a outra metade das cadeiras do Parlamento. É distribuído de acordo com o princípio da representação proporcional, em proporção à cota dos segundos votos obtidos pelos Partidos que conseguiram mais do que 5% de todos os votos para si próprio.

As eleições

Ocorrem diferentes eleições, em períodos também diversos, na Alemanha. E, conforme anteriormente dito, o cidadão não vota para os cargos de Presidente Federal, de Chanceler e de Governador de Estado nem, em regra, para o de Prefeito, pois estes são eleitos através do Poder Legislativo; e também não vota para o Conselho Federal (Bundesrat). Os cidadãos votam apenas para cargos legislativos salvo, conforme já mencionado, e apenas em certos Municípios, para Prefeito. Há ainda as eleições para os representantes da Alemanha na União Européia (Europäische Union - EU).

Todo cidadão alemão, a partir dos 18 anos de idade e desde que tenha pelo menos 1 ano de nacionalidade (Staatsangehörigkeit) alemã, tem permissão de votar, sendo o voto, assim, um direito e uma liberdade (freiwillig), ou seja, na Alemanha o cidadão vota se quiser, mas é expressivo o número de eleitores que comparece às urnas, ultrapassando a casa dos 75%. No Brasil, por outro lado, o voto é obrigatório a partir dos 18 anos de idade, constituindo-se, pois, um dever, e apenas facultativo entre os 16 e 18 anos.

Há eleições na Alemanha para a esfera federal (Bund), estadual (Land) e a nível municipal (Kommune), quais sejam:

a) Bundestagwahl - eleição para os representantes (Abgeordneten/Volskvertreten) do Legislativo Federal (Parlamento Federal), a cada 4 anos. A última eleição foi no dia 27 de setembro de 2009;

b) Landestagwahl - eleição para os representantes (Abgeordneten/Volskvertreten) do Legislativo Estadual (o Parlamento Estadual), a cada 4 ou 5 anos, dependendo do Estado;

c) Kommunalwahl - eleição municipal. Para os representantes municipais existem diversos nomes, por exemplo, quando não é uma cidade, denomina-se de Conselho da Comunidade (Gemeinderat); em algumas cidades tem-se o Conselho da Cidade (Stadtrat) com outras designações, por exemplo, Stadtverordnetenversammlung. Essa eleição compreende:

c.1)eleição para o Legislativo Municipal (Gemeinderatswahl), que ocorre a cada 4 ou 6 anos, dependendo do Município, e elegendo-se os representantes (Abgeordneten/Volskvertreten) de uma cidade (Stadt) ou de um Município (Gemeinde);

c.2)eleição para Prefeito (Bürgermeisterwahl) de uma cidade (Stadt) ou de um Município (Gemeinde), a cada 5 ou 8 anos, a depender do Município.

d) ainda, há a eleição para a União Européia - EU, atualmente com 27 países participantes e da qual a Alemanha é um dos membros fundadores, e que ocorre a cada 5 anos. A última eleição foi em junho de 2009.

Outras peculiaridades das eleições na Alemanha

A República Federal da Alemanha constitui para muitos uma "colcha de retalhos" democrática, onde cada província é dividida em círculos eleitorais. No dia da eleição para o Parlamento Federal cada um dos 299 círculos eleitorais também serão novamente divididos em distritos eleitorais.

Em cinco Estados da Alemanha (Niedersachsen, Mecklenburg-Vorpommern, Nordhein-Westfalen, Sachsen-Anhalt e Schleswig-Holstein) é possível votar nas eleições municipais a partir dos 16 anos de idade.

Ressalte-se, ainda, que o nacional de qualquer país que faça parte da União Européia (EU-Bürger) e que more a pelos menos 3 meses em determinado Município da Alemanha, pode votar nas eleições municipais daquela circunscrição eleitoral.

Outrossim, como o voto não é obrigatório, não existe na Alemanha o "Título de Eleitor". E aqui vale fazer um parênteses para explicar a situação: todo cidadão alemão é registrado na cidade onde mora; tal registro (Anmeldung) é obrigatório e sempre que o cidadão se muda para outra cidade deverá aí providenciar, junto ao órgão competente (Stadthaus), seu novo registro; aliás, qualquer mudança de endereço residencial deverá sempre ser oficialmente registrada. Assim, tem-se o controle exato de quantos cidadãos moram em cada cidade alemã e de onde eles moram! Na Carteira de Identidade alemã (Personalausweis) consta, além de nome, data e local de nascimento, também seu endereço residencial. Com tal informação o Governo encaminha à residência do cidadão, cerca de 1 mes antes da eleição, uma "Autorização de Voto" (Wahlberichtigten) para aquela eleição, com o nome do cidadão e dizendo qual é a eleição que vai se realizar, onde (wo) e quando (wann) ele poderá votar. No dia do pleito o cidadão leva essa autorização ao local de votação indicado (Wahllokal in Gemeinde), com sua carteira de identidade, e recebe a cédula eleitoral (Stimmzettel) para votar. Existe a cabine para manter o sigilo do voto e o cidadão, após marcar o nome de seu candidato (Voto 1) e do Partido Político (Voto 2), coloca a cédula na urna. Não é preciso assinar qualquer lista, mas a Mesa Receptora de Votos carimba a confirmação de que aquele cidadão votou. Mais interessante ainda, e diferentemente do sistema eleitoral brasileiro, é que o cidadão pode indicar outra pessoa para votar em seu lugar, bastando escrever no verso de sua Autorização de Voto os dados da pessoa (nome, endereço, data de nascimento) e esta poderá representá-lo naquela eleição; pode-se dizer que é o voto por procuração!

Paralelo esquemático entre o sistema eleitoral na Alemanha e no Brasil

Vale aqui relacionar essas semelhanças e diferenças básicas entre o sistema eleitoral na Alemanha e no Brasil. Na Alemanha:

a) o voto é direto (unmittelbar), é igual (gleich) para todos, ou seja, tem o mesmo peso, é secreto (geheim) e é geral (allgemein), ou seja, todo cidadão alemão, a partir dos 18 anos, preenchendo os requisitos legais, pode votar, aspectos estes aos quais o sistema brasileiro se assemelha;

b) o voto é livre (frei), diferentemente do Brasil que adota a obrigatoriedade de votar;

c) não adota o Título de Eleitor, diferentemente do Brasil, onde a falta de alistamento e, conseqüentemente, a falta do Título Eleitoral, traz graves consequências;

d) o cidadão recebe, pelo Correio, para cada eleição, uma "Autorização de Voto", o que não existe no Brasil já que o brasileiro tem um Título de Eleitor válido para todas as eleições;

e) o processo de votação na Alemanha não é eletrônico, diferentemente do Brasil onde foram implantadas as urnas eletrônicas;

f) não existe "Mesa Apuradora de Voto" específica; a apuração começa logo após o término da eleição, na própria mesa de eleição, podendo o eleitor ajudar nesse processo. Também aqui difere do Brasil, onde existem as Juntas Apuradoras, em local distinto das Mesas Receptoras de voto, e o cidadão apenas poderá observar a apuração, sem participar;

g) é permitido ao cidadão votar por correspondência, diferentemente do Brasil, onde não existe tal hipótese;

h) é permitido ao cidadão indicar outra pessoa para votar por ele, bastando o eleitor indicar (sem precisar reconhecer firma) no anverso da Autorização de Voto quem deverá representá-lo para tanto, diferentemente do Brasil onde chega a ser inconcebível tal prática na atual estrutura político-social (face a possibilidade de facilitação da fraude na "compra e venda" desses votos);

i) o cidadão pode votar apenas a partir dos 18 anos de idade, sendo que somente em cinco Estados-membros do Alemanha é possível o voto a partir dos 16 anos de idade e, neste caso, apenas em eleições municipais de alguns Municípios, diferentemente do Brasil onde o voto de maiores de 16 e menores de 18 anos foi implantado para todas as eleições, em caráter facultativo, desde a CF/88;

j) as eleições estaduais não ocorrem na mesma data em todos os Estados alemães, podendo até ser em anos diferentes; e o mesmo se dá em relação aos Municípios. Também nisso difere do Brasil onde as eleições gerais realizam-se na mesma data – primeiro domingo do mes de outubro do ano eleitoral -, de 4 em quatro anos, assim como as eleições municipais, que também se realizam na mesma data, de 4 em 4 anos, intercalando-se com as eleições gerais, simultaneamente em todo território brasileiro.

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Como exemplo, veja-se o calendário eleitoral na Alemanha em 2009[6]:

18 de janeiro - eleição para a Assembléia Legislativa do estado de Hessen.

23 de maio - eleição do Presidente Federal (pela Assembléia Nacional).

07 de junho - eleição para o Parlamento Europeu; eleições municipais no estado de Baden-Württemberg; eleições municipais no estado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental; eleições municipais no estado da Renânina-Palatinado; eleições municipais no estado de Sarre; eleições municipais no estado da Saxônia; eleições municipais no estado da Saxônia-Anhalt; eleições regionais na Região de Stuttgart.

30 de agosto - eleição para a Assembléia Legislativa do estado do Sarre; eleição para a Assembléia Legislativada do estado da Saxônia; eleição para a Assembléia Legislativa do estado da Turíngia; eleições municipais no estado da Renânina do Norte-Vestfália.

27 de setembro - eleições gerais para o Parlamento Federal (que por sua vez elege o Chanceler Federal); eleição para a Assembléia Legislativade do estado de Brandemburgo.

k) o cidadão não vota diretamente para Presidente da República (Chefe de Estado), nem para Chanceler (Chefe de Governo) e nem para Governador de Estado e na maioria dos Municípios também não vota para Prefeito. No Conselho Federal (Bundesrat), seus representantes também não são eleitos pelo voto do povo.

É outro ponto que difere do sistema brasileiro, onde vige o voto direto para todos os chefes do Executivo e para todos os membros do Legislativo;

l) o cidadão não alemão, portanto o estrangeiro, porém membro da União Européia, e desde que morando a pelo menos 3 meses no Município alemão, pode votar nas eleições municipais daquele Município (ele vai receber na sua residência a Autorização de Voto).

No Brasil, apenas o cidadão brasileiro, nato ou naturalizado, pode votar, com exceção, tão somente, do cidadão português, pois, neste caso, face ao Tratado da Amizade firmado entre o Brasil e Portugal, comprovando residência e permanência mínima de 5 anos no Brasil, dentre outros requisitos, poderá o português, em querendo, alistar-se e, em decorrência do alistamento, votar (cidadania ativa).

m) é possível o voto em trânsito, quando o eleitor não se encontra em sua circunscrição eleitoral. No Brasil, a recente Lei n° 12.034, de 29.09.2009, que altera a Lei dos Partidos Políticos, a Lei Geral das Eleições e o Código Eleitoral, acresce o art. 233-A ao Código Eleitoral dispondo que "aos eleitores em trânsito no território nacional é igualmente assegurado o direito de voto nas eleições para Presidente e Vice-Presidente da República, em urnas especialmente instaladas nas capitais dos Estados e na forma regulamentada pelo Tribunal Superior Eleitoral."

Quanto às eleições para Presidente Federal (Chefe de Estado), Chanceler (Chefe de Governo) e Governadores, repita-se, estas são realizadas pelo Poder Legislativo. O Presidente Federal não é eleito pelo voto do povo, mas por uma Assembléia Nacional que se reúne única e especificamente para tal fim: o Bundesversammlung (Bundestag + representantes dos Estados-membros). O Chanceler também não é eleito pelo povo, mas pela Câmara Federal (Bundestag). Também os Governadores são eleitos pelo Legislativo Estadual e a maioria dos Prefeitos pelo Legislativo Municipal.

Importância das eleições para o Parlamento Federal

A importância das eleições federais na Alemanha, quando se escolhe os membros do Parlamento Federal (Bundestag), reside não apenas na eleição dos Deputados Federais, mas também, no fato de que do resultado dessa eleição depende diretamente a indicação do novo Chanceler, o Chefe de Governo e da Administração, que será eleito pelo novo Parlamento Federal. Daí que, embora sem haver eleições diretas para Chefe de Governo, existe a propaganda eleitoral desses candidatos, incluindo debates públicos, para ser estimulado o voto da Bundestagwahl nos representantes e nos Partidos a que pertence o candidato a Chanceler!

Últimas eleições (27.09.2009) - Bundestag

Nas últimas eleições para o Parlamento Federal, que ocorreram no dia 27 de setembro de 2009, quando cerca de 62,2 milhões de alemães compareceram às urnas para votar, o Bundestag passou a ser constituído de 622 cadeiras distribuídas entre os seguintes Partidos: FDP = 93, coalisão CDU (194)/CSU (45) = 239, Bündnis 90/Die Grünen = 68, SPD = 146, Die Linke = 76.

Em 28 de outubro seguinte o Bundestag (re)elegeu, com 323 votos de um total de 612 votantes, Angela Merckel, líder do CDU, como Chanceler da Alemanha por mais um período de 4 anos. Ela disputava o cargo com o Ministro das Relações Exteriores Frank-Walter Steinmeier, do SPD.

Vale assinalar que em 26 de outubro o CDU e o Partido irmão CSU firmaram coalisão com o FDP para apoiar a reeleição de Angela Merckel. Na eleição anterior, de 2005, o CDU havia firmado coalisão com o SPD. Foi a primeira vez que na Alemanha uma coalisão diferente reelege um Chanceler antes eleito por outra coalisão.

Detalhes sobre o sistema eleitoral da Alemanha são regulados pela Lei Eleitoral (Bundeswahlgesetz - BWG [7]) e pelo Regulamento Eleitoral Federal (Bundeswahlordnung – BWO). No Brasil tratam das eleições o Código Eleitoral, a Lei Geral das Eleições, a Lei dos Partidos Políticos e a Lei das Inelegibilidades, dentre outras, além das diversas Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral.

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Sobre a autora
Lucia Luz Meyer

Advogada, Procuradora Jurídica aposentada, Especialista em Direito Economico e em Direito Administrativo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEYER, Lucia Luz. Noções básicas sobre a atual organização político-administrativa da República Federal da Alemanha.: Ensaio comparativo com o Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2402, 28 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14257. Acesso em: 29 mar. 2024.

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