Artigo Destaque dos editores

Mutação constitucional: uma nova perspectiva do STF em sede de controle difuso

Exibindo página 2 de 6
27/01/2010 às 00:00
Leia nesta página:

3 JURISPRUDENCIALIZAÇÃO/TRIBUNALIZAÇÃO E ATIVISMO JUDICIÁRIO: SUPERAÇÃO DA FUNÇÃO JUDICIAL DE "LEGISLADOR NEGATIVO"

Hodiernamente, principalmente em razão da Emenda 45/2004, que trouxe a Súmula Vinculante, não se pode negar a Jurisprudência, no seu sentido de decisões judiciais reiteradas dos tribunais (e mesmo resoluções administrativas), como sendo fonte imediata do direito, ao lado da Constituição Federal, leis e tratados internacionais de direitos humanos [37]. Ressalta-se, a partir disso – como bem destacado pela professora da UNB e assessora jurídica do gabinete do Ministro Gilmar Mendes, Christine Oliveira Peter da Silva (2005), citando texto de José Luis Bolzan de Morais e Walber de Moura Agra [38] –, a jurisprudencialização da Constituição como meio para a consolidação do Estado Social-Democrático-Constitucional de Direito e a concretização dos direitos fundamentais, levando-se em consideração, ainda, a Lei Fundamental como elemento concreto da vida de um país.

Diga-se que jurisprudencialização, também chamada de tribunalização, – que não se confunde, como visto no tópico anterior, com jurisprudencialismo, embora haja pontos de conexão – representa uma nova forma de ver a Constituição, ao ser revelada a criação jurisdicional em matéria constitucional e a autoridade da Jurisprudência (direito constitucional jurisprudencial), identificando-se, outrossim, a interpretação concretizante de certos conteúdos constitucionais.

Notou essa abordagem sobre o Direito Constitucional Jurisprudencial Wellington Márcio Kublisckas (2009, p. 92/93, grifo do autor), baseando-se nas lições de José Alfredo de Oliveira Baracho (2004, p. 98, apud KUBLISCKAS, 2009, p. 92/93):

Nos dias atuais, seguindo o entendimento de José Alfredo de Oliveira Baracho, pode-se dizer, ainda que com certas restrições, que se está desenvolvendo um Direito Constitucional Jurisprudencial. Nesse sentido, salienta o autor que: "As decisões da jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos e das jurisdições constitucionais dos Estados Europeus acarretaram uma profunda transformação no Direito Constitucional Contemporâneo. Trata-se de mutações de importância semelhantes àquelas que ocorreram por ocasião do direito escrito, do direito positivo e do direito constitucional, surgindo uma crença em um ‘Direito Constitucional Jurisprudencial’, com o decrescente papel do direito constitucional formal". Assim, na atualidade, devido à consolidação do controle judicial de constitucionalidade e ao advento do chamado Direito Constitucional Jurisprudencial, adquiriram relevância as mutações constitucionais operadas pelos tribunais. Nesse sentido, a configuração do sistema de controle de constitucionalidade e a sua eficiência influem decisivamente na ocorrência e na configuração das mutações constitucionais.

Prestigiando essa concepção, Anarita Araujo da Silveira (2008, p. 2), em interessante artigo publicado – no qual ela indaga se a Constituição ainda constitui, além de notar a gradativa politização do Poder Judiciário e a jurisprudencialização e tribunalização da política, resultante de uma tensão entre a Política e o Direito – afirma que "vive-se um momento histórico no Judiciário brasileiro, isto é, vive-se um crescer do Poder Judiciário, o qual tem realizado, como nunca se viu antes, a jurisprudencialização da Constituição". Continua a referida autora, traçando os limites e consequências desse fenômeno:

A tese da jurisprudencialização da Constituição visualiza-se na inexistência de exclusividade do processo de normogênese pelo Poder Legislativo. Este é um dos traços característicos da Pós-modernidade e quando a jurisdição constitucional se manifesta – por meio das decisões do Supremo Tribunal Federal – por vezes, ocorre a chamada mutação constitucional, esta se dá quando a determinação da compreensão acerca do conteúdo das normas constitucionais altera a cultura constitucional historicamente construída. É preciso questionar até que ponto se está dizendo o que a Constituição diz sem alterá-la e até que ponto, devido à imersão em um jogo de forças, o político não está lendo o jurídico, distanciando-o de seu papel de ajuste social. Com certeza, o movimento da jurisprudencialização deve ser trabalhado como a perspectiva de ser uma possibilidade de realização das promessas da modernidade a partir da atualização e adequação do texto constitucional também enquanto contexto. [...] a densificação da jurisprudencialização possui duas faces e duas perspectivas: a positiva, no sentido da atualização e adequação histórica das normas, e a negativa, diante do risco de retrocesso social e de eterno retorno aos vícios positivistas pela não suspensão dos preconceitos. (SILVEIRA, 2008, p. 3 e 7, grifo nosso)

Justamente para se evitar esse ponto negativo (risco de retrocesso social e retorno aos vícios positivistas), aponta Anarita Araujo da Silveira (2008, p. 9) que é extremamente valioso para o contexto de jurisprudencialização da Constituição o princípio da proibição do retrocesso [39], o qual deriva da noção de Estado Democrático de Direito e mantém pontos de conexão com o princípio da dignidade da pessoa humana, os princípios da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais, a segurança jurídica, a proteção da confiança e o princípio da precaução.

A jurisprudencialização advém de vários fatores ocorridos em uma era de globalização/mundialização, dentre eles a "explosão de litigiosidade", para a qual o legislador não pode dar respostas, o advento da sociedade de massa e, consequentemente, dos processos de massa, mormente em questões consumeristas, a disseminação e centralidade da Jurisdição Constitucional, a universalização da justiça e dos direitos fundamentais, com enfoque da Nova Hermenêutica, além da tutela coletiva dos novos direitos, que envolvem questões sobre o meio ambiente, o consumidor, a informação, a livre concorrência, o patrimônio genético, etc., exigindo-se do juiz soluções que muitas vezes não se encontram no texto legal ou na "vontade do legislador", principalmente se levar em consideração a ótica dos direitos individuais. Por isso afirma-se que "não são apenas os indivíduos, que dele se socorrem como último recurso, mas a sociedade ela mesma transfere suas incapacidades à instituição judiciária" (COELHO JUNIOR, 2005).

Daí também surge o fenômeno correlato do ativismo judiciário [40], que, consoante observa Luís Roberto Barroso (2009, p. 6), pode ser assim explicado, inobstante as críticas acerca de uma "ditadura do Judiciário", pela qual o Tribunal Constitucional passaria a se tornar um árbitro irresponsável da vida do Estado e dono, ao invés de servo, da Constituição:

A idéia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas.

A referida "explosão de litigiosidade" e a transferência pelos indivíduos e pela sociedade de suas incapacidades à instituição judiciária, além da necessidade de meios que possam, com segurança, trazer soluções efetivas e céleres para os litígios (como aquele defendido neste trabalho, ou seja, dar efeitos erga omnes e vinculantes às decisões proferidas em sede de controle difuso), podem ser traduzidas pelos números de processos que chegam ao Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, confira-se o gráfico abaixo, em que se percebe uma nítida evolução no período da década de 1990 até hoje (cf. também o anexo, onde se pode verificar um comparativo entre 1940 a 2009):

Gráfico 1 – Movimento processual no STF entre 2000 e set. 2009

Fonte: Site do STF (www.stf.jus.br)

Gráfico 2 – Movimento processual no STF entre 1990 e 1999

Fonte: Site do STF (www.stf.jus.br)

Nesse contexto, agravado por um "Legislativo" que mais parece um "Legispassivo" [41][42], permite-se que o STF assegure, com postura ativa e intervencionista, os valores constitucionais, dos quais é a guardião. É dizer, assim, que, a fim mesmo de se preservarem os institutos constitucionais – sempre com vista nos princípios democráticos e dos direitos fundamentais –, há, atualmente, a superação da visão da função judicial de simples "legislador negativo", pois o Poder Judiciário, com o seu poder de efetivação e decisório, ao assumir uma responsabilidade de transformação social, consagra um papel de legitimador não mais meramente formal, "senão, principalmente, substancial, implicando que a noção de garantia não fica mais restrita aos padrões liberais de limitação negativa da ação estatal, mas vem acrescida de um plus transformador" (BRAVO et al., 2007). Tal entendimento leva a uma conclusão que já foi feita linhas atrás: a distribuição clássica dos poderes não significa separação rigorosa, pois está calcada em uma flexibilidade que se volta para a cooperação, em prol da unidade do Estado, com a finalidade reclamada pela sociedade de realização dos valores constitucionais.

Critica-se, por conseguinte, a partir dessa nova realidade alçada, a atuação judicial na concepção clássica (e ultrapassada) de mero legislador negativo, típica do Estado liberal absenteísta, o que não significa, obviamente, que o Judiciário se tornará um legislador positivo. Explica Celso de Albuquerque Silva (2005, p. 92, grifo nosso):

[...] a moderna doutrina constitucional superou de há muito essa visão conservadora estruturada no paradigma liberal-individualista onde o direito é visto como mero ordenador de condutas, para reconhecer à justiça a posição de um verdadeiro poder político. Ao juiz moderno, atuando na nova concepção de um direito promovedor-transformador típico do Estado Democrático de Direito, é reconhecida importância capital para a efetiva concretização e realização dos valores e princípios acolhidos na Constituição. Verifica-se, assim, a superação da função judicial negativista clássica, que cede passo a uma função ativa e intervencionista do Poder Judiciário.

É dizer, por outras palavras, que

Essa função interventiva do Poder Judiciário visando não apenas defender, mas promover os direitos assegurados no texto básico, implica na superação da função judicial na sua concepção clássica de "legislador negativo" e reconhecimento de uma atuação positiva, embora não tão ampla como a do poder legislativo, na criação do direito. Nesse diapasão fica também superada a vetusta concepção de separação de poderes que não reconhecia nenhuma atividade produtora e/ou agregadora de sentido na interpretação judicial.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos
(SILVA, p. 98, grifo nosso)

Essa quebra de paradigma também foi percebida por outros estudiosos do tema, a exemplo de Lenio Streck (2002, apud SILVA, 2005) e Bianca Stamato (2005), respectivamente:

[...] com a institucionalização da interpretação conforme a Constituição e da inconstitucionalidade parcial sem redução de texto através da Lei n º 9.868, o Poder Legislativo brasileiro admite (explicitamente) que o Poder Judiciário possa exercer uma atividade de adaptação e adição/adjudicação de sentido aos textos legislativos, reconhecendo, ademais, que a função do Poder Judiciário, no plano de controle de constitucionalidade, não mais se reduz – repita-se – à clássica concepção de "legislador negativo". À evidência, isso não significa dizer que o Judiciário se transformará em legislador positivo. (STRECK, 2002, p. 444, apud SILVA, 2005, p. 98, grifo nosso e do autor)

[...] o tribunal constitucional não se limita a atuar como legislador negativo, mas age de forma positiva e criativa, impondo critérios de interpretação para as normas constitucionais. (STAMATO, 2005, p. 95, grifo nosso)

É bom perceber que o Tribunal, ao adicionar ou reduzir sentido normativo, não estará legislando. Pelo contrário, afirma Lenio Streck (2002, p. 445, apud SILVA, 2005, p. 99). Estará, de fato, adaptando o texto à Constituição a partir dos mecanismos interpretativos existentes (cf. supra), cumprindo, assim, sua tarefa de guardião da constitucionalidade das leis.

Desse modo, a jurisprudencialização, evidenciando a magnitude da jurisprudência, se legitima ao ser concebida dentro de um processo hermenêutico produtivo, fundamentado na função criadora do intérprete, pelo que, num modelo onde cabe ao Tribunal Constitucional extrair através da interpretação o sentido da norma que a coloque em consonância com o texto maior, excluindo-se os resultados dissonantes, "[...] vincular-se à interpretação dos tribunais superiores não se trata meramente de uma questão de eficiência, conveniência ou de sanidade do sistema jurídico, mas é logicamente uma condição necessária para a existência de um único sistema jurídico" (SILVA, 2005, p. 89), construído sob as bases de decisões racionais. Como visto anteriormente, presta-se homenagem aos princípios da legalidade, igualdade e imparcialidade, em prol dos princípios democrático, de proteção dos direitos fundamentais, da constitucionalidade e, finalmente, da universalidade da jurisdição. [43]

E não se diga que – principalmente quando se discutia a legitimidade da súmula vinculante [44] – tal atitude positiva e criativa não pode ser encampada pelo Judiciário em vista de não ter legitimidade democrática para tanto – já que os juízes não são investidos por eleição popular –, ou mesmo que isso violaria o princípio constitucional da separação dos Poderes. Rebatendo de vez ambos os referidos argumentos, basta lembrar que, nas palavras de Humberto Ávila (1999, p. 174), "[...] o exercício das prerrogativas decorrentes do princípio democrático deve ser objeto de controle pelo Poder Judiciário, especialmente porque restringe direitos fundamentais". Nesse diapasão, notadamente quando o Poder Legislativo (ou Executivo) utiliza premissas evidentemente errôneas, haverá um maior controle pelo Poder Judiciário (checks and balances), em face mesmo de sua função de "avaliar a avaliação" feita por aqueles. [45]

Ora, se o Poder Legislativo somente realizará ao máximo o princípio democrático conquanto escolha a premissa que melhor promova a finalidade pública, não o fazendo, estará submetido ao controle do Judiciário; é justamente aí onde nasce a legitimidade democrática da atividade judiciária e seu aspecto positivo e criativo, afastando-se, outrossim, concepção vetusta da separação dos Poderes:

[...] a decisão a respeito da justificabilidade da medida adotada pelo Poder Legislativo é o resultado final do controle feito pelo Poder Judiciário e, não, uma posição rígida e prévia anterior a ele. [...] Todas essas considerações levam ao entendimento de que o controle de constitucionalidade poderá ser maior ou menor, mas sempre existirá, devendo ser afastada, de plano, a solução simplista de que o Poder Judiciário não pode controlar outro Poder por causa do princípio da separação dos Poderes. O princípio democrático só será realizado se o Poder Legislativo escolher premissas concretas que levem à realização dos direitos fundamentais e das finalidades estatais. Os direitos fundamentais, quanto mais forem restringidos e mais importantes forem na ordem constitucional, mais devem ter sua realização controlada. A tese da insindicabilidade das decisões do Poder Legislativo, sustentada de modo simplista [utilizando-se de concepção obsoleta acerca da separação dos Poderes], é uma monstruosidade que viola a função de guardião da Constituição atribuída ao Supremo Tribunal Federal, a plena realização do princípio democrático e dos direitos fundamentais bem como a concretização do princípio da universalidade da jurisdição. (ÁVILA, 2009, p. 175/176, grifo nosso)

É dizer: é legítima e se coaduna com o princípio democrático essa acepção ativa do Judiciário, já que, como se denota do quanto dito supra, indiretamente, ou melhor, diretamente ele promove a finalidade pública e os anseios sociais, ao adequar as premissas equivocadas estabelecidas pelo Legislativo. Nas palavras de Luiz Flávio Gomes (2009), "as decisões dos juízes são democráticas na medida em que seguem (nas decisões judiciais) aquilo que foi aprovado pelo legislador".

Exemplifica-se da seguinte forma: se o legislador edita uma lei e esta contraria dispositivo fundamental da Constituição, cabe essencialmente ao Judiciário (mormente o STF) fazer o controle de constitucionalidade dessa lei; ambos dispositivos (lei e Constituição) são obras do poder popular; assim, controla-se a "vontade do povo" (manifestada na lei) pela própria "vontade do povo" (manifestada na Constituição) [46], conectando-as naquilo que for de valor mais supremo. Estender a todos o entendimento extraído de uma hipótese como essa – declaração incidental pelo STF da inconstitucionalidade de uma lei – é prestigiar, de outro mote, a "vontade da Constituição" e o respeito principalmente à legalidade e igualdade.

No mesmo sentido, argumenta Inocêncio Mártires Coelho (2002, p. 95, grifo do autor):

Nessa direção seria saudável, por exemplo, rejeitarmos a postura fundamentalista dos que não admitem sequer discutir o assunto, imbuídos da crença de que o ativismo judicial é de todo incompatível com o regime democrático, onde quem não tem votos não tem legitimidade para emitir comandos com força de lei. Essa tese, de consistência aparente, poderia ser enfrentada com o argumento de que os juízes, embora não possuam legitimidade de origem para produzir normas jurídicas, de certa maneira têm-na adquirida com a aprovação social do seu comportamento; ou, ainda, com a constatação de que, sem a participação vivificadora dos seus intérpretes e aplicadores, as leis permanecem textos frios e inacabados, como afirmou, no início dos anos quarenta, o intuitivo Lúcio Bittencourt.

Ainda, pode-se falar, sem sombra de dúvida, com o escólio de José Luis Bolzan de Morais et al. (2003) e Celso de Albuquerque Silva (2005), que o fenômeno da jurisprudencialização/tribunalização do direito constitucional tem causado um abalo na dicotomia tradicional entre os modelos common law (base costumeira) e civil law (base legislativa escrita) [47], em face do papel assumido, ultimamente [48], pelas Cortes Constitucionais [49], especialmente no caso brasileiro, pelo Supremo Tribunal Federal, atuando em conformidade com a tarefa concretizante dos valores expressos na Carta Constitucional, particularmente diante de uma Constituição principiológica conformadora de um Estado Democrático de Direito, como a nossa Carta de Outubro.

A produção jurisprudencial, tida como inegável fonte criadora do direito tal como entendido pelas Cortes Superiores, contribui, nesse sentido, para que se atenue a distância entre o sistema romano-germânico e o anglo-saxônico naquilo concernente à função judicial, notadamente apresentando-se cada vez mais significativa a atuação dos Tribunais nos países que adotam o sistema da primazia da lei. Como adverte André Ramos Tavares (1998, p. 154), "[...] não é mais possível pretender-se a construção de um modelo jurídico que negue totalmente a doutrina da common law". Continua o referido autor:

A questão de ser o Tribunal Constitucional um verdadeiro "legislador negativo" parece estar suplantada. Aliás, é necessário dar mais um passo adiante, como diz o Ministro Velloso, e reconhecer a necessidade de que o Tribunal Constitucional, em circunstâncias especiais, atue normativamente em relação à omissão legislativa, ao menos para o caso concreto a ele submetido. (TAVARES, 1998, p. 154)

Resume o quanto exposto neste tópico Sergio Coelho Junior (2005):

Tudo isso está a conferir ao Poder Judiciário um locus bem diverso daquele que lhe reservou a clássica doutrina da separação de poderes, tal como concebida por Montesquieu.

A formulação de uma nova Teoria Geral do Estado, identificando as causas profundas desse deslocamento e fixando os limites de atuação dos diferentes agentes políticos de nosso tempo, constitui tarefa inacabada e desafiadora para todos os que pensam a Ciência Política e o Direito.

A crise [50] daí advinda reforça o Poder Judiciário, cuja porosidade o constitui no único poder do Estado que se pode mobilizar a qualquer momento e exigir que exerça sua função típica, reconstruindo o social mediante o processo. O juízo não pode eximir-se de examinar a pretensão, não conhece hierarquia no exercício da jurisdição e não pode delegar.

Enfim, está-se diante da jurisprudência enquanto fonte de mutação constitucional, desenvolvendo-se, consequentemente, como bem colocado pela Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e professora Doutora em Direito Genacéia da Silva Alberton (2002, p. 13), "a idéia da constituição aberta[ [51]], isto é, de natureza jurisprudencial" [52], que significa, em outros termos, a tendência de uma Constituição jurisprudencial, atualizada pelas decisões dos Tribunais Constitucionais: "a jurisdição constitucional, através da atividade do Tribunal Constitucional aparece como efetivo coroamento do Estado de Direito" (ALBERTON, 2002, p. 16). Por outro lado, citando Carlos Augusto Alcântara Machado (1999, p. 135, grifo nosso),

A inércia dos Poderes Públicos, sua conduta omissiva prolongada no tempo, provoca uma mutação inconstitucional[ [53]], trazendo graves danos à ordem constitucional, pois funciona como verdadeiro bloqueio à concretização de valores/direitos fundamentais consagrados pelo legislador constituinte.

Frente a isso tudo, não se pode negar que a nova perspectiva do Supremo quanto ao controle difuso de constitucionalidade e à jurisdição constitucional é reforçada pela tese da jurisprudencialização ou tribunalização da Constituição, num contexto de veemente ativismo judiciário, revelando-se, destarte, medida apta a assegurar os direitos e garantias fundamentais, como vem se afirmando durante todo o trabalho.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Ricardo Diego Nunes Pereira

Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Pós-graduado em Direito do Estado (Constitucional, Administrativo e Tributário). Foi secretário-geral da Comissão de Combate ao Aviltamento de Honorários Advocatícios da OAB/SE. Autor de artigos e livros de interesse jurídico. Autor do livro “Direito Judicial Criativo: ativismo constitucional e justiça instituinte”, com menção no Library of Congress, nos EUA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Ricardo Diego Nunes. Mutação constitucional: uma nova perspectiva do STF em sede de controle difuso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2401, 27 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14259. Acesso em: 28 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos