4 SOLUÇÕES PARA O IMPASSE DEMOCRACIA REPRESENTATIVA VERSUS "GOVERNO DOS JUÍZES"
Conforme demonstrado nos capítulos anteriores, chega-se à conclusão de que o Poder Judiciário não pode se limitar a exercer meramente funções de caráter jurídico, técnico, secundário. Deve, ao contrário, atuar proativamente, proferindo decisões de natureza e efeitos essencialmente políticos. Longe de respaldar-se um "governo de juizes", resguardando-se um mínimo de impacto na observância das normas positivadas e na separação dos poderes, a Justiça tem de impor-se como instrumento de consecução do bem-estar social.
Somente assim pode-se controlar as arbitrariedades do Legislativo e do Executivo hipertrofiados no Estado moderno e reprimir os abusos do poder econômico e social das grandes corporações, tendenciosas em manipular e influenciar a opinião pública. Neste sentido, afirma Sampaio Dória: "Para que possa o socorro judiciário prevalecer contra os abusos do poder, preciso é que o juiz se possa opor ao poder em seu abuso. Isto é, seja, por sua vez, poder [10]".
Ainda neste ponto, transcreve-se a lúcida a opinião de Dobrowolski:
Não é admissível um Judiciário que permaneça encastelado, a decidir, comodamente, apenas conflitos privados sem maior expressão, perante a realidade sócio-política dos dias presentes. É compreensível uma Justiça "quase nula", ao tempo dos iluministas, quando as populações eram rarefeitas, a tecnologia incipiente e os recursos estatais destituídos de maior potencialidade. Atualmente, quando os meios da técnica e a atividade econômica e social possuem aptidão para causar graves efeitos lesivos às populações massificadas, e perante um crescimento desorbitado da atuação estatal, capaz de violar direitos de incontável número de pessoas, é preciso um Judiciário que não se abstenha perante esses poderes agigantados, mas que tenha condições para enfrentá-los em patamar de igualdade. Em vez do Judiciário fraco da doutrina tradicional da separação de poderes, deve tornar-se o terceiro gigante, como o define MAURO CAPPELLETTI, para manter o equilíbrio de forças, necessário aos controles recíprocos entre os poderes do Estado e ao controle do poderes sociais e econômicos (CAPPELLETTI, 1993:49-55).
A própria Constituição oferece meios processuais para a instrumentalização desse poder. São exemplos as ações comuns de controle da Administração e os remédios constitucionais; o "habeas-corpus", como tutela do "jus libertatis"; o "habeas-data", concernente a dados pessoais; e o mandado de segurança individual e coletivo, para proteção de outros direitos não protegidos pelos dois primeiros. Esses institutos possibilitam a reparação de ilegalidades praticadas pelos agentes administrativos contra o cidadão comum.
O maior obstáculo ao ativismo judicial, no entanto, constitui o problema da legitimação democrática dos membros do Judiciário. Uma vez empossados através de concurso público, questiona-se qual o fundamento de seu controle sobre os outros poderes, constituídos por agentes eleitos. Assim, é altamente recomendável a adoção de bom senso por parte dos magistrados. Quando não se evidenciar ilegalidades, nem inconstitucionalidades, é prudente que o Judiciário se submeta às resoluções tomadas pelos demais poderes. Finalmente, a legitimidade democrática pode ser desenvolvida "através da abertura do Judiciário à crítica da sociedade, e a participação popular nas decisões, criando novas hipóteses de julgamento pelo júri ou órgãos semelhantes [11]".
CONCLUSÃO
O entendimento contrário ao que a doutrina norte-americana denomina judicial activism é, nos dias de hoje, ultrapassado.
O Principio da Separação dos Poderes, tal como idealizado por Montesquieu, já não pode ser adotado de maneira purista e radical. O obstáculo à atuação do Judiciário, quando necessária se fizer sua intervenção nos fatos e atos da vida política ou, para dirimir conflitos entre normas e entre estas e a Constituição, é antidemocrático e reacionário. A superação da conjuntura jurídico-política em que viveu Montesquieu, época em que se figurava imprescindível acionar o sistema de freios e contrapesos ante o poder absoluto do monarca, torna viável uma maior intervenção do Judiciário. Aliás, é importante frisar que esta atuação política nada mais é do que um mecanismo de promoção democrática da tutela dos direitos fundamentais expressos no texto constitucional.
Conforme ensina Inocêncio Mártires Coelho, "toda norma só vigora na interpretação que lhe atribui o aplicador legitimado a dizer o direito".
Constata-se, assim, que a inapetência política e a educação incipiente de grande parcela da população, tributários da má escolha dos representantes políticos, impõem um controle acurado do Judiciário, em detrimento de leis populistas e inconstitucionais e/ou arbitrárias em favor do Executivo e do Legislativo, em afronta aos princípios constitucionais da Administração Pública, previstos no caput do art. 37 da Constituição Federal.
Finalmente, conclui-se que a tese segundo a qual vivemos sob o jugo de um "governo de juízes" deva ser rechaçada pela doutrina moderna. A intervenção judicial representa, portanto, eficaz ferramenta de consecução prática dos princípios defendidos por uma Constituição dirigente, ou nas palavras de Ulysses Guimarães, uma "Constituição Cidadã".
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Notas
- ROCHA JÚNIOR, José Jardim. Problemas com o governo dos juízes: sobre a legitimidade democrática do judicial review. In Revista de Informação Legislativa. Brasília: a. 38 n. 151 jul./set. 2001
- OLIVEIRA, Fábio de. Por uma Teoria dos Princípios: O Princípio Constitucional da Razoabilidade. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2007, p. 40
- idem, p. 40
- ibidem, op. cit, p. 41
- ibidem, op. cit, p. 40
- Diário Catarinense, edição nº 8048, de 24 de abril de 2008, disponível em http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&edition=9726. Acesso em 08/05/2008.
- O Estado de São Paulo, edição de 27 de abril de 2008. Disponível em: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080427/not_imp163490,0.php. Acesso em 07/05/2008
- Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 166.826-1 - RS, In: Diário da Justiça da União, Seção 1ª, 24.09.93, p. 19.584).
- DOBROWOLSKI, Silvio. A necessidade de ativismo judicial no estado contemporâneo. In REVISTA N.º 31 Ano 16, dezembro de 1995 - p. 97.
- DÓRIA, A. de Sampaio. Direito Constitucional. 3.ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1953, apud DOBROWOLSKI, Silvio, op. cit.
- DOBROWOLSKI, Silvio. Op. cit, p. 98