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Tributação e tutela do meio ambiente

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PARTE II – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS

A relação entre tributação e tutela do meio ambiente tem por conteúdo o direcionamento do primeiro para a consecução do segundo, o que evidencia o papel instrumental que pode desempenhar o tributo para a proteção ambiental.

É neste sentido que se pode falar da função ambiental do tributo, que pode configurar-se tanto como típica função arrecadatória (função fiscal), quanto como função regulatória do comportamento dos contribuintes (função extrafiscal).

Na clássica distinção de GIANNINI, o fim fiscal do tributo é aquele de buscar uma entrada para os cofres do Estado, ao passo que os fins não-fiscais compreendem a limitação, por meio de elevada taxação, de algumas manifestações da vida econômica e social julgadas danosas à coletividade, bem como o favorecimento, por meio de isenções, às atividades consideradas socialmente vantajosas [48]. Por sua vez, é importante destacar a advertência de que nos complexos sistemas tributários vigentes no mundo contemporâneo, e considerando as complexidades cada vez maiores das tarefas que o Estado e instâncias especiais de decisão devem cumprir, torna-se cada vez mais difícil, senão impossível, identificar "o tributo fiscal ou extrafiscal quimicamente puro", sendo normal que no tributo "se combinem os fins fiscais com os extrafiscais". [49]

Concordamos com a advertência, mas para fins didáticos, utilizaremos a distinção tradicionalmente formulada, de tal forma que:

(I) o tributo cumpre função ambiental fiscal quando serve de fonte dos recursos necessários para o financiamento dos serviços públicos ambientais, em especial o exercício do poder de polícia ambiental, e para a cobertura de gastos originados das atividades poluentes;

(II) o tributo cumpre função ambiental extrafiscal quando busca "orientar o comportamento dos contribuintes à proteção do meio ambiente" [50], seja por meio de uma incidência mais gravosa a ponto de desestimular atividades poluentes, seja por meio de benefícios fiscais para aqueles que promovem medidas protetivas do meio ambiente.

Uma outra classificação, conexa à classificação acima, é a que distingue os tributos ambientais em sentido estrito dos tributos com função ambiental em sentido amplo; o primeiro tipo seria aquele que possui como hipótese de incidência o próprio comportamento poluente, ao passo que no segundo tipo, independente da configuração de sua hipótese de incidência, "a tutela do meio ambiente se revela principalmente como finalidade extrafiscal, assumindo a a função político-social de desencorajar os comportamentos nocivos para o meio ambiente ou de encorajar os comportamentos compatíveis com o meio ambiente". [51]

A primeira espécie acima descrita corresponde ao típico imposto verde (green tax) que, até mesmo pela distribuição rígida de competências tributárias em nossa constituição, nunca foi instituído no Brasil, de modo que, para nós, a primeira espécie de classificação acima formulada possui maiores interesses práticos.

1.1. A função ambiental fiscal do tributo.

Em nosso Sistema Tributário Nacional, cumprindo função fiscal, remuneratória de serviços públicos, temos a chamada Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA que, instituída pela Lei nº 10.165/00, tem por fato gerador a atividade estatal de controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais (poder de polícia ambiental), e como sujeito passivo aquele que promove estas espécies de atividades. [52]

Esta taxa, cuja constitucionalidade foi confirmada pelo STF [53], serve de fonte de recursos para custear o exercício de poder de polícia do órgão encarregado (IBAMA) nacionalmente de fiscalizar, em um sistema de federalismo cooperativo com órgãos regionais e locais, as atividades potencialmente poluidoras. Daí que o montante devido deverá orientar-se principalmente pelo custo que cada contribuinte provoca para a realização da atividade (princípio do custo/benefício) [54], mas sem que issso signifique ignorar condições mínimas de capacidade contributiva.

Outro exemplo é a contribuição ao SAT, prevista no art. 22, II, da Lei 8.212/91. [55] Esta contribuição especial é arrecadada pelos empregadores para custear os benefícios previdenciários pagos aos trabalhadores que se acidentaram em razão de exposição aos chamados riscos ambientais do trabalho.

Como veremos, todos estes tributos orientam-se pelo princípio tributário específico em matéria ambiental denominado poluidor-pagador, i.e., levam em conta que as atividades poluentes efetivamente provocam custos econômicos e sociais que devem ser arcadas por quem os provoca, bem como se abrem para a necessidade de uma flexibilidade do princípio da legalidade em favor da atividade regulamentar, no que concerne à definição de quais são as atividades que justificam a configuração do sujeito passivo segundo o referido princípio do poluidor-pagador.

1.2. A função ambiental extrafiscal do tributo

Como já dito, a função extrafiscal ambiental do tributo pode se realizar tanto pela sobretaxa de atividades danosas ao meio ambiente, como pela concessão de benefícios fiscais em razão de atividades ou situações que privilegiem a tutela ambiental.

Destaca-se aqui a ação preventiva do Estado em tutelar o meio ambiente por meio da capacidade indutória de comportamentos que pode desempenhar o tributo. Estas ações preventivas, obviamente, também deve levar em conta o princípio do poluidor-pagador, sob pena de total inefetividade.

Deve-se advertir, desde já, que ainda que buscando fins que não sejam primordialmente arrecadatórios, os tributos com função extrafiscal sujeitam-se aos limites constitucionais à imposição tributária, inclusive o princípio da capacidade contributiva, de modo que a sua utilização não pode configurar-se como uma alternativa às sanções administrativas que devem ser aplicadas em face das atividades poluentes, sob pena de se produzir "um desvio patológico das categorias tributárias" [56].

Um exemplo de possibilidade de tributação mais onerosa com o objetivo de inibir situações de risco ao meio ambiente é a prevista no art. 182, §4º, II, da CF/88 [57], que permite a tributação progressiva do IPTU, com finalidade extrafiscal [58], nas hipóteses de subutilização de imóvel; a subutilização do imóvel inclui a promoção de riscos para o meio ambiente, como é o caso dos terrenos não-edificados utilizados como depositários de lixo.

A isenção do ITR sobre as áreas dos imóveis rurais consideradas de Preservação Permanente e de Reserva Legal, estabelecida pela Lei nº 8.171/91, em seu art. 104; esta isenção estimula ao proprietário buscar o reconhecimento de sua área como tal e de sujeitá-la ás condições de tratamento necessárias.

Um bom caminho para induzir o comportamento ecologicamente equilibrado dos contribuintes seria a instituição da progressividade do IR das empresas tendo por critérios tanto as atividades mais ou menos poluentes como o emprego ou não de técnicas que minimizem o impacto ambiental. Outra medida poderia ser a absoluta proibição de dedução como custo operacional de insumos ou produtos intermediários potencialmente poluentes quando o mercado oferece outros produtos que provoquem menor impacto negativo ao meio ambiente.

De qualquer forma, o uso do imposto sobre a renda como tributo indutor dos comportamentos ecologicamente responsáveis é, em nosso humilde sentir, medida que permitiria o melhor equilíbrio entre o princípio da prevenção na proteção ao meio ambiente e o princípio do poluidor-pagador, de um lado, e o princípio da capacidade contributiva, de outro lado. Mas, infelizmente, não há no Brasil ainda uma política fiscal adequada neste sentido.

2. Os princípios constitucionais tributários e a tutela do meio ambiente.

Como observa RICARDO LOBO TORRES [59], a relação jurídica tributária é totalmente vinculada aos direitos e garantias fundamentais consagrados na Constituição, verdadeiros instrumentos de proteção individual e coletiva em face da possibilidade do arbítrio estatal, o que, de certa forma, neutraliza a superioridade do Estado, tanto no que se refere à produção das leis quanto no momento de concretizá-las.

Por meio de regras e princípios nossa Constituição protege o cidadão tanto em relação à previsão de leis tributárias arbitrárias quanto em relação a atos administrativos arbitrários, ou seja, estas normas jurídicas consistem em verdadeiras "limitações constitucionais ao poder de tributar" (ALIOMAR BALEEIRO), no sentido de representarem verdadeiras restrições ao exercício do poder tributário abstrato e concreto, por meio das quais a Constituição protege valores subjacentes que são tidos por altamente relevantes e meritórios de proteção, como a justiça, a igualdade, a segurança jurídica, a liberdade e a solidariedade.

Por outro lado, deve-se buscar harmonizar estas proteções constitucionais dos contribuintes com o dever de tutela ambiental, que é, como já dito, correspondente ao direito fundamental de todos ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. O grande desafio é o de encontrar o ponto de equilíbrio entre o interesse predominantemente extrafiscal de proteção ambiental pelo Direito Tributário e o dever de cuidado para não se imporem restrições desproporcionais aos contribuintes e, portanto, lesivas de seus direitos fundamentais.

A busca por este ponto de equilíbrio passa então pela revisão dos principais princípios constitucionais tributários, de modo que a incidência concreta dos mesmos, nestas circunstâncias, dê-se, segundo a lição de JOSÉ CASALTA NABAIS [60], com as devidas determinação e prudência destacadas por JOSÉ MARCOS DOMINGUES [61], sempre levando em conta o "corte oblíquo" provocado pela inserção do dever de tutela ambiental em todos os ramos do Direito:

"Um exemplo bem ilustrativo do recurso à extrafiscalidade é actualmente o constituído pelo direito do ambiente, um domínio jurídico que, mais do que formar um sector jurídico totalmente novo e justaposto aos sectores tradicionais, se configura fundamentalmente como cortando obliquamente a generalidade dos ramos de direito, tanto público como privado, mobilizando-os para a preocupação da defesa ambiental."

Seguindo a busca deste ponto de equilíbrio, observando esta justaposição da preocupação jurídica com a tutela do meio ambiente, mas sem se descuidar dos limites constitucionais à imposição tributária, passamos à revisão apontada.

2.1.Princípios da legalidade e tipicidade tributárias.

O princípio da legalidade consiste em princípio formal de imposição tributária que vincula o modo do Estado criar os tributos [62]. Princípios desta estrutura nada dizem quanto ao conteúdo da imposição, mas sim quanto ao modo de sua criação, vigência e eficácia.

Nos termos do art. 150, I, da CF/88, os tributos só podem ser criados ou majorados por lei, observadas as exceções feitas no art. 153, §1º; não estão sujeitas ao princípio da legalidade a fixação do vencimento das prestações tributárias e a sua correção monetária [63], mas, por outro lado, a instituição de sanções em face do descumprimento das obrigações principal e acessória está inexoravelmente sujeita à legalidade estrita [64]. O princípio da legalidade tributária, portanto, é expressão da segurança jurídica, do próprio Estado de Direito [65].

Em nossa doutrina, majoritariamente positivista-formalista, vigora a ideia do dever de a lei prescrever, de modo exaustivo, todos os aspectos da obrigação tributária. Neste sentido, a lei formal consistiria na fonte exclusiva de criação e majoração dos tributos, nada restando a ser implementado pelo chefe do Executivo, ou pela Administração Pública, no âmbito do exercício do seu poder regulamentar, devendo limitar-se a aplicar o direito posto nas leis.

Nos dizeres de ALBERTO XAVIER, "o princípio da legalidade da tributação (nullum tributum sine lege) não pode caracterizar-se apenas pelo recurso ao conceito de ‘reserva de lei’ (…) Vai mais além, exigindo uma lei revestida de especiais características. Não basta a lei; é necessária uma ‘lei qualificada’. Esta ‘qualificação’ da lei pode ser designada como ‘reserva absoluta de lei’, o que faz com que o princípio da legalidade da tributação se exprima como um princípio da tipicidade da tributação." [66] Pelo princípio da tipicidade tributária, o legislador está adstrito a uma rigorosa prescrição dos elementos do tributo, a estabelecer taxativamente todos os aspectos da imposição tributária.

Por outro lado, estas ideias de reserva absoluta da lei e de tipicidade fechada devem ser revistas, de modo que se reconheça, necessariamente, certo grau de criatividade à atuação reguladora do Poder Executivo e da Administração Pública, inclusive em matéria tributária.

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A construção desta conclusão deve passar primeiro pela ideia de que a dinâmica do fenômeno jurídico de incidência normativa desenvolve-se por meio da passagem de uma norma geral e abstrata em direção a uma norma individual e concreta (KELSEN). Esta passagem de nível de normação pressupõe sempre uma atividade criativa do intérprete/aplicador, trata-se de "preencher um vazio, respeitando os limites traçados pelas normas de grau superior" [64]. A margem de apreciação criativa do intérprete administrativo decorre da própria impossibilidade da norma legal prever todas as circunstâncias vinculadas à situação disciplinada, não podendo se cogitar de uma normação legal completa, mas nem tampouco de uma liberdade absoluta do intérprete.

Partindo desta premissa, todo e qualquer regulamento possui, ao mesmo tempo e em diferentes graus, caráter executivo e criativo, isto é, sejam executivos ou independentes, as diferentes espécies de regulamento cumprem a mesma função e possuem o mesmo fundamento: a realização da lei. O poder regulamentar é principalmente exercido em favor da harmonia na aplicação da lei. O regulamento cumpre importante papel ao minimizar a discricionariedade dos agentes públicos na aplicação da lei, impedindo que cada agente público realize um juízo normativo próprio para cada caso concreto, evitando assim o arbítrio e privilegiando os valores constitucionais da segurança jurídica e da igualdade.

Ocorre que o grau do caráter criativo do ato regulador é diretamente proporcional à abertura da densidade normativa legal, ou seja, depende da medida do uso de cláusulas abertas, conceitos indeterminados, princípios e finalidades a serem alcançadas pela aplicação da lei. E o uso destes conceitos indeterminados, princípios e finalidades se faz cada vez mais presente nas leis contemporâneas, muito mais como uma necessidade do que como um modismo.

Portanto, não há como negar que o poder regulamentar é em certa medida um poder discricionário de editar normas gerais e abstratas a ser exercido dentro dos limites emoldurados pelo legislador democrático.

Mas isso não significa que a lei tributária deve limitar-se a estabelecer princípios e finalidades a serem preenchidos pelo pode regulamentar. Com efeito, não se pode negar que certas matérias, como a tributária e a penal, não podem ser disciplinadas por leis que se limitem a estabelecer princípios e valores a serem alcançados, sob pena de violação da própria Constituição. Ainda que não se possa cogitar de uma reserva absoluta da lei penal ou tributária, haja vista o natural caráter de abertura semântica das leis e de sua aplicação concreta ensejar certo grau de criatividade do intérprete regulador ou aplicador, o certo é que a definição legal de crimes e tributos não pode se dar pela previsão genérica e abstrata de finalidades a serem alcançadas, mas a lei deverá definir o fato gerador dos mesmos, ainda que certa margem de apreciação sempre reste em poder do intérprete.

Portanto, a reserva de lei no direito tributário é relativa, e não absoluta, o que não significa deixar os tributos para a livre criação do poder regulamentar ainda que dentro dos fins estabelecidos pelo legislador; a lei poderá delegar os poderes normativos ao poder regulamentar sobre estas matérias, mas desde que o faça por meio do estabelecimento do desenho normativo mínimo capaz de evitar o arbítrio da autoridade delegada, e nestes casos, o desenho normativo mínimo é estabelecer os elementos da obrigação tributária, ainda que por meio de conceitos jurídicos indeterminados.

Como observa LOBO TORRES, "a expressão reserva absoluta é empregada no direito tributário para expressar a possibilidade de pleno fechamento dos conceitos jurídicos e para restringir a competência da Administração no exercício do poder regulamentar", [65] mas sabemos que o pleno fechamento dos conceitos jurídicos é algo impossível de ocorrer, e nem sequer se mostra salutar em um ambiente institucional marcado pela harmonia e igualdade entre os três poderes. A ideia de reserva absoluta da lei é incompatível com a realidade dos conceitos indeterminados e das cláusulas gerais utilizadas em larga escala tanto no direito tributário, quanto no direito penal, como em outros tantos ramos do Direito, não se podendo aceitar a ideia da lei como fechamento completo dos seus conceitos e tipos, sendo sempre inadvertidamente necessária a atividade de complementação pelo poder regulamentar. Isso significa que, dependendo da matéria a ser regulada, exige-se uma densidade normativa mais ou menos aberta, uma liberdade de conformação do poder regulamentar maior ou menor, mas sempre estando presentes as ideias de reserva relativa de lei e atividade executiva e criativa do poder regulamentar. O regulamento concretizaria a norma legal em homenagem à atuação harmônica e isonômica da lei. Ao poder regulamentar competiria "concretizar a linha de valoração iniciada pela lei formal" (TIPKE).

Pois bem, esta expansão da atividade reguladora no Estado moderno, como exigência dos novos tempos de uma atividade mais criativa do corpo técnico regulador, voltada para suplementar a legislação ordinária com o uso de capacidades institucionais próprias dos agentes reguladores, tornando a lei mais apta a realizar os anseios por um Estado mais justo e eficiente, se faz muito presente no que toca à disciplina da matéria ambiental.

Com efeito, o caso do meio ambiente é paradigmático. Embora a formulação de princípios diretivos e standards para a proteção do meio-ambiente deva ficar a cargo do Legislador, este não possui tempo e nem perícia, em suma, capacidade institucional [66] para analisar os dados científicos sempre em evolução e apresentar as soluções mais adequadas para as exigências sempre atuais de proteção do meio ambiente.

Portanto, o Estado moderno, que pretende tutelar de modo eficaz o meio ambiente, requer um modelo de atuação normativa no âmbito da separação de poderes que, sem deixar de observar a prioridade da legitimidade democrática das decisões do Legislador, permita o desenvolvimento de uma normatividade suplementar que promova a regulamentação contínua e a execução eficiente das leis promulgadas em defesa do meio ambiente. Em suma, no âmbito do arranjo institucional moderno, deve-se atentar para a maior capacidade institucional do Poder Executivo e de seus órgãos para o exame de dados e situações concretas que são relevantes para a definição das melhores políticas públicas e medidas em geral para a defesa do meio ambiente.

Esta exigência reflete-se na disciplina legal da contribuição ao SAT e encontrou abrigo na posição do STF quanto à constitucionalidade da exação.

A contribuição ao SAT foi estabelecida pelo art. 22, II, da Lei 8.212/91, que prescreve que o fato gerador da mesma é o ato de remuneração aos segurados empregados e trabalhadores avulsos, enquanto a base de cálculo é o total destas remunerações pagas ou creditadas no decorrer do mês. Esta contribuição destina-se ao financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho.

As alíquotas foram previstas nas alíneas a, b e c deste inciso II, com os percentuais respectivos de 1%, 2% e 3%; o critério de aplicação destas alíquotas é o de "grau de risco de acidente de trabalho" presente na atividade preponderante do contribuinte, ou seja, a alíquota de 1% seria aplicada para a hipótese de risco ambiental leve de trabalho, 2% para o risco médio e 3% para o risco grave. Porém, a lei não definiu o que seriam riscos leve, médio ou grave, nem tampouco realizou o enquadramento dos diversos segmentos empresariais nesta escala de riscos, de modo que a definição destes conceitos indeterminados e o enquadramento legal correspondente, com a consequente determinação da alíquota aplicável, ficaram a cargo do Ministério do Trabalho e da Previdência Social. A presente delegação decorre da atenção à maior capacidade institucional deste órgão para verificar, em concreto, dados estatísticos que permitem o enquadramento que corresponde à realidade ambiental subjacente.

Sem embargo, considerando a configuração da contribuição pelo art. 22, II, da Lei 8.212/91, a definição dos conceitos indeterminados de risco leve, médio e grave é indispensável para a determinação da incidência concreta da contribuição, em especial das alíquotas a serem aplicadas para cada caso concreto. Esta circunstância levou grande parte da doutrina a afirmar a inconstitucionalidade do art. 22, II, da Lei 8.212/91, haja vista ter admitido que a definição dos conceitos vagos de riscos leve, médio e grave, como elementos essenciais à configuração da hipótese de imposição do tributo, pudesse ser feita por atos normativos infralegais a serem expedidos pelo Poder Executivo ou por seus órgãos.

Como o citado dispositivo legal apenas fixa os percentuais máximos ou mínimos incidentes sobre o total das remunerações dos segurados empregados e trabalhadores avulsos, sem, contudo, explicitar os critérios para definir-se o que deve ser considerada atividade preponderante de risco leve, médio ou grave, estaríamos então diante da violação do princípio da legalidade e da tipicidade tributária.

Porém, o STF, ao apreciar a constitucionalidade do SAT, admitiu que o Poder Executivo, por meio de delegação legal, possa expedir atos normativos que completem o tipo tributário quando este procedimento for indispensável para a fiel execução das leis. Isto é, expedir ato normativo infralegal, de caráter regulamentar, que não se limite a explicitar os comandos normativos da lei, mas sim desenvolver a "linha de valoração" iniciada pelo legislador, complementando o tipo tributário, atuando de forma secundária, mas de forma constitutiva, na criação de direitos e obrigações. Não se pode então cogitar de mero decreto de execução dentro da sistemática do pensamento tradicional, mas sim de exercício criativo do poder regulamentar com o fim de permitir a atuação concreta da lei. Esta decisão do Supremo, longe de admitir a delegação pura e simples da competência tributária, reflete exigência moderna de validade dos regulamentos concretizadores de normas [67], na qual o Executivo, mais próximo da realidade dos fatos, procede à tipificação complementar do fato gerador, encerrando a valoração da realidade iniciada na lei e buscando melhor realizar a igualdade e a justiça material. Portanto, para o STF, o Poder Executivo pode complementar a normatividade da lei, no âmbito do poder regulamentar, a partir da interpretação dos conceitos indeterminados, standards e finalidades estabelecidas legalmente, reconhecendo então que estes modelos legais abertos compõem a realidade normativa atual e que a atuação da Administração Pública, para que seja adequada à dinâmica da vida moderna, deve incorporar tarefas normativas que vão muito além de funcionar como mera "correia de transmissão" das disposições legais.

Esta decisão do STF representa avanço na flexibilização do princípio da legalidade em favor da maior tecnicidade de certos agentes públicos em matéria ambiental, de modo que mesmo a configuração normativa definitiva de tributos pode ocorrer com a participação mais criativa desta burocracia técnica se isto se mostrar necessário para melhor atender as finalidades previstas em lei para a proteção do meio ambiente, sem que isso represente qualquer violação do princípio da legalidade tributária do art. 150, I, da CF/88, mas sim a sua leitura com os olhos voltados para o equilíbrio entre direitos fundamentais dos contribuintes e exigências técnicas e concretas de uma efetiva proteção do meio ambiente.

Porém, o STF, ao decidir pela constitucionalidade do SAT, admitiu que o Poder Executivo, por meio de delegação legal, pode expedir atos normativos que completem o tipo tributário quando este procedimento for indispensável para a fiel execução das leis (decretos de execução). Esta decisão do Supremo, longe de admitir a delegação pura e simples da competência tributária, reflete exigência moderna de validade dos regulamentos concretizadores de normas [68], na qual o Executivo, mais próximo da realidade dos fatos, procede à tipificação complementar do fato gerador, encerrando a valoração da realidade iniciada na lei e buscando melhor realizar a igualdade e a justiça material.

O que nunca poderia ter sido admitida é a inteira criação do tributo pelo Poder Executivo, como ocorre com as medidas provisórias; sob uma interpretação literal do Texto Constitucional, o STF (Súmula 651, DJU 09/10/2003) ignorou o fundamento do princípio da legalidade em matéria tributária, permitindo que a imposição tributária vigorasse por vontade exclusiva do Imperador.

2.2.Princípio da capacidade contributiva

O princípio da capacidade contributiva, como princípio de justa repartição das cargas públicas entre os cidadãos, desde ADAM SMITH, foi desenvolvido pela Ciência das Finanças [69], sendo assim considerado como um princípio econômico.

Com efeito, a ausência de positivação do princípio o enfraquecia. Na Itália, por exemplo, antes da Constituição de 1947, doutrina autorizada o entendia como mero princípio de "norma de vida", que, por sua abstração, não consistia em norma obrigatória, sendo os requisitos de igualdade e proporcionalidade apenas oportunas diretivas ao legislador, não possuindo estes princípios nenhum significado para o estudo do ordenamento jurídico [70]. Pensavam também que um juízo sobre a idoneidade de determinado fato constituir ou não um índice de capacidade contributiva seria um juízo reservado unicamente ao legislador, sendo o princípio, portanto, um concetto paragiuridico, que interessaria ao economista, mas não ao jurista. [71]

Posteriormente, o reconhecimento nas Constituições modernas deste princípio e de seu papel na fixação da medida da tributação, da estrutura e do conteúdo do sistema normativo tributário, embora não tenha resolvido por completo a questão quanto ao seu conteúdo próprio, confirmou seu caráter de direito fundamental: direito a uma tributação justa (justa repartição da carga tributária), entendida como aquela que se baseia em critérios de justiça material e de igualdade, na impossibilidade de incidência sobre fatos que não denotem riqueza, na generalidade com respeito à imunidade do mínimo existencial, na progressividade e na mais completa vedação de privilégios odiosos.

Como observado por FRANCESCO MOSCHETTI [72], a Constituição italiana de 1947 não se limitou a afirmar o tradicional princípio da legalidade (art. 23 da CI), mas também interveio no plano substancial da imposição tributária, ou seja, não estabeleceu apenas princípios formais vinculadores da forma de criação dos tributos, mas também princípios materiais que vinculam a estrutura e conteúdo dos tributos (art. 53 da CI). A partir do Texto Constitucional, a doutrina italiana oscila em enxergar o princípio da capacidade contributiva ora como decorrência do princípio geral da igualdade [73], ora como fundamento de tributação [74], como critério de justiça e coerência da tributação [75], como decorrente dos deveres de solidariedade [76], como princípio autônomo [77] e até mesmo integrando estes conceitos para definir o conteúdo pesquisado [78].

O mesmo ocorre com a Constituição espanhola, onde também há princípios formais (art. 31.3) e materiais (art. 31.1) [79], como a capacidade contributiva.

Ambas as Constituições vinculam o legislador a observar o princípio da capacidade contributiva e a construir um sistema tributário progressivo.

A Constituição alemã vigente, diferentemente da anterior (Constituição de Weimar, art. 134), não prescreve nenhum princípio material específico em matéria tributária, mas nem por isso o legislador tributário alemão está livre no momento de criação dos tributos; tanto a doutrina [80] quanto o Tribunal Constitucional reconhecem o princípio da tributação conforme a capacidade contributiva como princípio fundamental de justiça impositiva e de critério adequado de medida da igualdade tributária, a partir do próprio princípio do Estado de Direito, do direito de propriedade e do princípio da igualdade jurídica material previsto no art. 3º, alínea 1, da Lei Fundamental.

Nossa Constituição também prevê o princípio da capacidade contributiva [81], embora formalmente exija sua aplicação apenas aos impostos pessoais [82] (art. 145, §1º, CF/88); mas, na realidade, este se aplica, em maior ou menor medida, a todos os tributos, por decorrência do Estado Democrático de Direito, do dever de tributação conforme a justiça material, da igualdade, do direito de propriedade, da dignidade humana, da liberdade de exercício de profissões e de atividades econômicas e até mesmo da própria condição de cidadania.

O princípio da capacidade contributiva consiste em norma fundamental de justiça tributária, pois, com seu conteúdo indeterminado, porém determinável, ele pode ser interpretado e aplicado a partir de todos os princípios que justificam um Estado de Direito, que tem por conteúdo material a plenitude dos direitos fundamentais; assim, o presente princípio pode ser tido por justificativa do dever fundamental de contribuição e ao mesmo tempo medida dela, garantia de liberdade enquanto limite de imposição, e também critério-limite para a proteção do mínimo existencial.

A questão a se saber é se este princípio, não obstante sua importância, impõe algum limite à tributação com a finalidade extrafiscal de proteção ao meio ambiente. Na verdade, esta discussão passa pela própria controvérsia mais ampla se a tributação extrafiscal está ou não sujeita ao princípio da capacidade contributiva.

Existem aqueles que afastam a incidência da capacidade contributiva sobre a tributação extrafiscal sob o argumento de que tal limitação resultaria na própria falta de funcionalidade desta técnica, haja vista a extrafiscalidade, por sua própria essência, requerer a tributação exarcebada. [83] Não concordamos com tal tese, pois acreditamos que o princípio da capacidade contributiva informa a tributação de um modo geral, inclusive àquela com finalidade extrafiscal.

Daí pensarmos que, para alcançar-se o justo equilíbrio entre proteção do meio ambiente por meio da imposição tributária e respeito aos direitos fundamentais dos contribuintes, faz-se imprescindível sempre a observância do princípio da capacidade contributiva, ainda que o mesmo deva acomodar-se com princípios específicos como o do poluidor-pagador [84]. Neste sentido, acompanhamos o pensamento de JOSÉ MARCOS DOMINGUES, para quem se deve proceder à harmonização entre tributação ambiental e capacidade contributiva "através da identificação de fatos geradores que a um só tempo indiciem, pela apreensão ou aproveitamento dos bens naturais, manifestações de riqueza suscetíveis de tributação e justifiquem uma ponderada participação dos agentes econômicos no rateio dos custos de manutenção do Estado, dissipando assim as brumas que às vezes preconceituosamente se lançam sobre a novel fiscalidade ambiental." [85]

Não viola a capacidade contributiva uma tributação progressiva sobre aqueles contribuintes que exercem atividades potencialmente poluentes, muito pelo contrário, a tributação diferenciada justifica-se em razão da própria necessidade de exigir destes contribuintes maior participação no rateio dos custos estatais para a preservação do meio ambiente; o que não se pode admitir é a imposição tributária em situações em que não há riqueza tributável, ou a imposição em níveis tão absurdos que aniquilem a própria capacidade de contribuir, ainda que sob a justificativa de tutela do meio ambiente. Portanto, o justo equilíbrio poderia então ser alcançado, no caso do princípio da capacidade contributiva, com a não objeção à tributação diferenciada (princípio do poluidor-pagador), mas com a vedação da tributação sobre fatos que não denotem riqueza ou em nível tão excessivo que importe na própria perda da capacidade econômica de contribuição aos gastos públicos.

2.3.Princípio da proibição de tributo com efeito de confisco

O exposto logo acima revela então que nem a tributação com a finalidade extrafiscal justifica a utilização do tributo com efeito de confisco, proibição prevista no art. 150, IV, CF/88.

Expondo a dificuldade da configuração deste princípio, diante da problemática de definição do seu conteúdo, PAULO DE BARROS CARVALHO, com muita propriedade e lógica, sentenciou que "aquilo que para alguns tem efeitos confiscatórios, para outros pode perfeitamente apresentar-se como forma lídima de exigência tributária" E prossegue [86]:

"Intrincado e embaraçoso, o objeto da regulação do referido art. 150, IV, da CF, acaba por oferecer unicamente um rumo axiológico, tênue e confuso, cuja nota principal repousa na simples advertência ao legislador dos tributos, no sentido de comunicar-lhes que existe limite para a carga tributária. Somente isso."

Realmente devem-se reconhecer as dificuldades na fixação destes limites, haja vista a absoluta indeterminação do conteúdo deste princípio: até onde o tributo é legítimo e em que momento ele passa a ser confiscatório?

Com muito propriedade, RICARDO LOBO TORRES [87] aconselha o uso do princípio da razoabilidade para fixação destes limites, diante da impossibilidade de fixação prévia dos mesmos. Com efeito, diante desta zona cinzenta entre o que é justo e o que é confiscatório em termos de tributação excessiva, deve ser observado a razobilidade como parâmetro e utilizada a capacidade contributiva como auxílio.

Tributar segundo a capacidade contributiva é, além de outros aspectos, tributar respeitando o limite do mínimo existencial. Neste sentido, temos aí um primeiro limite: toda tributação que não alcance o mínimo de renda para que o indivíduo possa suprir suas necessidades básicas e de sua família, ou o mínimo que uma pessoa jurídica necessite para desenvolver seus objetivos sociais, não será considerada confiscatória.

Fixado este primeiro limite, faz-se necessário configurar até onde pode o tributo avançar no patrimônio e na renda do contribuinte depois de respeitado o mínimo vital.

Cumpre afirmar que a tributação que extingue a parcela da renda e do patrimônio do contribuinte, após ter reservado-lhe o mínimo vital, também pode produzir efeitos confiscatórios se desarazoada. A vedação de tributação do mínimo vital não importa em autorização para tributar-se o todo que não lhe compreende, o todo que lhe excede, mas simplesmente vedação de tributação sobre esta específica parcela. Quanto a esta zona delimitada pelo mínimo vital e a totalidade do que lhe supera, será confiscatório o tributo que revele ônus desarazoado, i.e., o tributo que, de tão oneroso, venha a por em risco a própria capacidade econômica do contribuinte, amesquinhando a capacidade dos particulares de produzirem riqueza.

Se desmedida a imposição tributária, deixa este tributo de ser um dever constitucional do contribuinte e passa a ser instrumento estatal de invasão ilegítima da esfera de propriedade do particular. Assim a carga tributária que não observa um mínimo de razoabilidade é aquela que, aos poucos, ou até de uma vez, aniquila a capacidade contributiva dos indivíduos, configurando-se assim o seu efeito confiscatório.

Trata-se então, segundo pensamos, em limite instransponível para a intervenção tributária ainda que justificada por fins de proteção ambiental, de tal modo que a tributação sobre determinado contribuinte, ainda que potencialmente poluidor, não pode ser dimensionada em nível extremo a ponto de configurar-se autêntica interdição da atividade econômica, haja vista a atividade de tributação não poder ser confundida com a atividade sancionatória. A falta de pagamento do tributo acarreta a imposição de uma sanção, mas ele, o tributo, não pode transmutar-se em uma sanção.

2.4.Princípio do poluidor-pagador

Princípio específico do Direito Tributário Ambiental, fundado na ideia de justiça, o princípio do poluidor-pagador "sinaliza no sentido de que os potenciais poluidores devem arcar com a responsabilidade pelo pagamento das despesas estatais relacionadas com a precaução e a prevenção dos riscos ambientais." [88]

Este princípio, que informa a eleição do contribuinte do tributo que cumpre função ambiental, está presente, a toda evidência, na configuração da contribuição ao SAT e da TCFA, haja vista os contribuintes destes tributos serem, respectivamente, aqueles que possuem o poder de controle sobre os riscos ambientais de trabalho e que realizam atividades potencialmente poluidoras a ensejarem o exercício do poder de polícia ambiental. Por outro lado, a definição de quem são estes contribuintes é algo mais complexo, que exige a análise de dados concretos e estatísticos, portanto, que requer um desenvolvimento mais criativo da atividade reguladora e mesmo dos agentes administrativos nesta tarefa de tipificação, o que envolve o tema mais acima tratado da flexibilização da legalidade tributária. [89]

A eleição do sujeito passivo, segundo este princípio, se justifica por ser este quem provoca os custos sociais e econômicos decorrentes da poluição do meio ambiente, bem como por ser quem o ordenamento jurídico precisa induzir a modificar o seu comportamento em direção ao emprego de técnicas que respeitem ao meio ambiente, i.e., para que passe a pensar em termos de desenvolvimento econômico sustentável.

De qualquer forma, como já dito, este princípio deve conciliar-se com o da capacidade contributiva, de modo que a estruturação da imposição tributária deve observar uma relação de aproximação entra a capacidade de poluir e a de contribuir para os gastos públicos. Como observado acima, utilizar o lucro das empresas poluentes como grandeza econômica a sofrer a imposição fiscal indutora seria uma boa forma de alcançar este equilíbrio.

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Sobre o autor
Carlos Alexandre de Azevedo Campos

Advogado e Professor Universitário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, Carlos Alexandre Azevedo. Tributação e tutela do meio ambiente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2410, 5 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14288. Acesso em: 22 dez. 2024.

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