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Os diferentes níveis de integração econômica entre Estados e o estágio atual do Mercosul

11/02/2010 às 00:00
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Sumário: 1. Introdução; 2. As etapas do processo de Integração Econômica; 2.1. Zona de Livre Comércio; 2.2. União Aduaneira; 2.3. Mercado Comum; 2.4. União Econômica e Monetária; 3. O estágio de integração econômica em que se situa o MERCOSUL; 4. REFERÊNCIAS.


1. INTRODUÇÃO

A onda globalizante que tomou de assalto a economia, em nível planetário, impulsionada pelo extraordinário avanço e democratização dos meios de comunicação concomitantemente à consagração, também em nível mundial, dos valores da economia de mercado, estabeleceu como meta primordial a otimização dos recursos capitalistas, detonando em nível global, o novo e cruel processo [01], o darwinismo econômico [02], que visa a seleção da espécie pela competência de esforços e de capacidade, onde só terão direito a viver, os indivíduos (entendam-se as empresas e economias nacionais) mais capacitados e fortes no mercado [03].

O neodarwinismo [04]abriu caminho para os processos de integração econômica, que necessariamente implicam, em maior ou menor grau, na integração de políticas diversas, antes restritas à esfera singular de competência dos Estados.

Os fatos deixam claro que a integração econômica entre Estados, com a consequente formação de blocos regionais, não é um fenômeno isolado, restrito ao Continente europeu ou ao sul-americano.

Franco Montoro defende que a integração econômica para os países da América Latina significará:

_ sua participação no processo histórico de formação de um mundo multipolar, com mais equilíbrio para assegurar a justiça e a paz nas relações internacionais;

_ caminho necessário para enfrentar os riscos e benefícios da globalização e para sua inserção competitiva na economia mundial;

_ oportunidade de ampliação de seu mercado, com a consequente elevação do nível qualitativo e quantitativo de suas economias;

_ possibilidade de aproveitamento conjunto dos valiosos recursos naturais e potenciais da região;

_ oportunidade de seu desenvolvimento solidário, no campo cultural, econômico, político e social. [05]

Importa salientar, desde logo, que os processos de integração econômica, em geral, não apresentam uma fórmula única e ocorrem gradualmente, cumprindo várias etapas, que de regra são as que passaremos a estudar a seguir.


2. AS ETAPAS DO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO ECONÔMICA

A definição de zona de livre comércio é dada no artigo XXVI do GATT [06], nos seguintes termos:

[...] se entenderá por zona de livre comércio, um grupo de dois ou mais territórios aduaneiros entre os quais se eliminam os direitos de aduana e as demais regulamentações comerciais restritivas [...] com respeito ao essencial dos intercâmbios comerciais dos produtos originários dos territórios constitutivos de dita zona de livre comércio.

O estabelecimento das zonas de livre comércio se dá por tratados internacionais, firmados entre os Estados integrantes, visam a livre circulação de mercadorias, independentemente do pagamento de tarifas de importação ou restrições quantitativas, contudo é assegurada aos Estados-Membros a liberdade para as relações comerciais com terceiros países [07].

Na criação de zonas de livre comércio, devem ser superadas algumas dificuldades: a primeira é o estabelecimento de regras de origem, que identificam a proveniência do produto; a segunda é a necessária seleção dos produtos que irão integrar a zona de livre comércio [08].

Os blocos econômicos existentes, em sua maioria, optaram por essa modalidade de integração. São exemplos, entre outros, a Associação Européia de Comércio Livre – AECL (EFTA), composta pela Islândia, Noruega e Suíça, criada em 1960; O Grupo dos Três, formado pela Colômbia, México e Venezuela; o NAFTA (North American Free Trade Association), reunindo os EUA, o Canadá e o México [09].

O MERCOSUL [10] já ultrapassou essa etapa, no que refere aos seus quatro membros. Contudo, mantém uma zona de livre comércio com a Bolívia e o Chile, em função de acordos de complementação econômica, firmados em San Luis, na Argentina, em 25.06.96.

2.2. União Aduaneira.

Na configuração de união aduaneira, é exigida, além das características de zona livre de comércio, também a adoção de uma tarifa aduaneira comum, abandonando-se desta forma, o regime das regras de origem, e consequentemente a exigência de certificados de origem.

A primeira união aduaneira teria surgido na Alemanha, no séc. XIX, no período de 1834 a 1870, reunindo dezoito Estados Alemães. A segunda foi o BENELUX, que foi composta pela Bélgica, Holanda e Luxemburgo [11].

O artigo XXIV do GATT assim define a união aduaneira: "Se entenderá por território aduaneiro todo território que aplique uma tarifa distinta ou outras regulamentações comerciais distintas a uma parte substancial de seu comércio com os demais territórios".

No MERCOSUL a união aduaneira teve origem com a implantação da Decisão 7/94, da Tarifa Externa Comum (TEC).

2.3. Mercado Comum

O mercado comum é uma etapa posterior à união aduaneira, na medida em que, além das características desta, soma-se a livre circulação dos fatores de produção (capital e trabalho), permitindo-se o livre estabelecimento e a livre prestação de serviços profissionais.

O mercado comum teve origem na experiência integracionista da antiga Comunidade Econômica Européia, na década de cinquenta.

O mercado comum é baseado em cinco liberdades básicas: 1) a livre circulação de bens; 2) a livre circulação de pessoas; 3) a livre prestação de serviços e a liberdade de estabelecimento; 4) a livre circulação de capitais; 5) a livre concorrência.

A livre circulação de bens significa a abertura das fronteiras e o fim das barreiras alfandegárias entre os Estados integrantes do mercado comum, permitindo desse modo que os produtos possam circular livremente.

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A livre circulação de pessoas importa na liberdade de trânsito de qualquer cidadão pertencente a um Estado-Parte, nos territórios dos demais, sem o controle nas fronteiras internas destes.

A livre prestação de serviços e a liberdade de estabelecimento autorizam os indivíduos de qualquer dos Estados-Membros a se estabelecerem e prestarem serviços em condições de igualdade com os nacionais, sem qualquer discriminação no tocante à nacionalidade.

A livre circulação de capitais é a quarta liberdade, de existência imperiosa em face das demais liberdades garantidas, ou seja, a de comércio, a de prestação de serviço e a de estabelecimento.

A quinta liberdade, apontada por alguns autores, a livre concorrência, permite no âmbito do mercado comum, o estabelecimento de um quadro único de normas, de natureza econômica, administrativa, fiscal, política e social, que se destinam a proteger o consumidor, impedindo que as empresas e governos adotem práticas lesivas à livre concorrência.

2.4. União Econômica e Monetária

A união econômica e monetária é uma experiência vivida pela União Européia, instituída através do Tratado da União Européia ou Tratado de Maastricht, objetiva uma união monetária calcada numa moeda única a ser emitida por um Banco Central independente. Isto importa na transferência da política monetária e cambial do âmbito dos Estados-Membros para o comunitário.


3. O ESTÁGIO DE INTEGRAÇÃO ECONÔMICA EM QUE SE SITUA O MERCOSUL.

O Brasil e os seus parceiros do MERCOSUL soberanamente optaram, através dos tratados assinados, por constituir um mercado comum, e, isso necessariamente implica numa delegação de competências soberanas em favor de um ou mais órgãos comunitários que possam ditar regras vinculantes a todos os Estados-Membros do bloco, fato ainda distante da realidade mercossulina.

A Constituição brasileira, inclusive, ressente-se de normas que estabeleçam como deve ser a relação das normas supranacionais com o direito interno. Sem isso, não há falar em supranacionalidade, requisito necessário para o surgimento de elementos essenciais para uma mais estreita integração no MERCOSUL como, por exemplo, uma Corte Comum, com jurisdição sobre os Estados-Membros, destinada a garantir a uniformidade de interpretação das decisões surgidas no ambiente comunitário e a solução de controvérsias ou, ainda, um órgão executivo comum que tenha o poder de vincular às suas decisões os Estados e os cidadãos que integram o espaço comunitário.

O MERCOSUL, entretanto, já superou a fase da zona livre de comércio, estando atualmente em progresso a etapa da união aduaneira. Nessa etapa, repita-se, além da livre circulação de mercadorias, deve haver uma tarifa aduaneira comum.

Ocorre que apesar de adotada, em 1º de janeiro de 1995, para a maior parte de universo tarifário, a Tarifa Externa Comum (TEC) [12], foi mantido em relação a mesma, um regime de exceção temporária (Regime de Adequação Final à União Aduaneira [13]), que exclui um conjunto limitado de produtos que fica temporariamente fora do alcance da mencionada Tarifa Comum [14]. Por isso, alguns doutrinadores se referem ao MERCOSUL como Zona Aduaneira Imperfeita ou Incompleta [15].

Em uma união aduaneira completa, sobre um produto importado de terceiros países incide a Tarifa Externa Comum (TEC) uma única vez, ao ingressar em qualquer Estado Parte, podendo transitar entre os países do bloco sem pagamento de novo imposto de importação.

No MERCOSUL, em razão do regime de exceção temporária, sobre um produto importado de terceiros países incide a TEC ao ingressar o território de um Estado Parte e, novamente, ao ser reexportado para outro país do bloco.

O aperfeiçoamento do MERCOSUL, como União Aduaneira, portanto, deve ocorrer com a uniformização da legislação aduaneira entre os Estados Partes e a eliminação da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC).


4. REFERÊNCIAS

ACCIOLY, Elizabeth. MERCOSUL & União Européia. Curitiba: Juruá, 1998.

ALMEIDA, Elizabeth Accioly Pinto de, Mercosul & União européia: estrutura jurídico-institucional. Curitiba: Juruá, 1998.

ALMEIDA, Paulo Roberto de. Mercosul: fundamentos e perspectivas. São Paulo: LTr, 1998.

BAPTISTA, Luiz Olavo. O MERCOSUL, suas instituições e ordenamento jurídico. São Paulo: LTr, 1998.

BONAVIDES, Paulo. Do país constitucional ao país neocolonial: a derrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de Estado institucional. São Paulo: Malheiros, 1999.

CHILD, Jorge. Fin del Estado. Bogotá: Editorial Grijalbos S.A., 1994.

MONTORO, André Franco. Integração da América Latina em um mundo multipolar. São Paulo: ILAM, 1998.

SILVEIRA, Paulo Antônio Caliendo da. Defesa da concorrência no Mercosul: acordos entre empresas, abuso de posição dominante e concentrações. São Paulo: 1998.


Notas

  1. Paulo Bonavides ressalta os aspectos negativos da globalização: "A globalização é ainda um jogo sem regras; uma partida disputada sem arbitragem, onde só os gigantes, os grandes quadros da economia mundial, auferem as maiores vantagens e padecem os menores sacrifícios" (BONAVIDES, Paulo, Do país constitucional ao País neocolonial: a derrubada ..., p. 139).
  2. Expressão empregada por Jorge Child, para identificar o fenômeno de substituição do Estado Social pelo princípio de otimização da lógica do capital (CHILD, Jorge, Fin del Estado, p.19 a 22).
  3. Salienta Paulo Silveira que o fenômeno da integração econômica, em blocos comerciais, surge na década dos anos 50, numa situação de aumento do crescimento econômico fundado no livre comércio mundial, baseado num mercado cada vez mais aberto e em níveis de competitividade e eficiência crescentes (SILVEIRA, Paulo Antônio Caliendo da, Defesa da concorrência no Mercosul: acordos entre empresas, abuso..., p. 19).
  4. Expressão também empregada por Jorge Child, para identificar o fenômeno do novo darwinismo econômico (CHILD, Jorge, Fin del Estado, pp.19 a 22).
  5. MONTORO, André Franco, op. cit., p. 7.
  6. General Agreement on Tariffs and Trade (GATT) – Acordo Geral sobre tarifas e Comércio. Surgiu no final da 2ª Guerra Mundial (30.10.47), foi substituído pela Organização Mundial do Comércio (OMC), em 15.04.94, que tem a finalidade de liberalização e supervisão do comércio internacional.
  7. ACCIOLY, Elizabeth. MERCOSUL & União Européia, p.29.
  8. As regras de origem para os produtos são aquelas que servem para a identificação da real proveniência dos mesmos. Essa qualificação diz respeito à definição de critérios fixadores de percentuais de matéria-prima, mão-de-obra, fase de elaboração, etc., de forma a saber se o produto é originário da zona de livre comércio, visando impedir que produtos vindos de fora da área abrangida pela respectiva zona contem com os benefícios desta (BAPTISTA, Luiz Olavo, O MERCOSUL, suas instituições e ordenamento jurídico, pp. 47-48).
  9. ACCIOLY, Elizabeth, op. cit., pp. 30-31.
  10. O Mercado Comum do Sul, MERCOSUL, é constituído por quatro Estados-Parte, a República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai, que assinaram o Tratado de Assunção em 26 de março de 1991. Atualmente, os Estados Associados ao MERCOSUL são: A República da Bolívia (desde 1997); A República do Chile (desde 1996); A República da Colômbia (desde 2004); A República do Equador (desde 2004); A República do Peru (desde 2003); e A República Bolivariana da Venezuela (desde 2004).
  11. .
  12. ACCIOLY, Elizabeth, op. cit., p.33.
  13. A Tarifa Externa Comum é um instrumento que foi adotado pelos países como estratégia unificada de relacionamento com terceiros países. Em relação à importação proveniente destes países incide uma Tarifa Externa Comum variável de 0% a 20%, salvo para as exceções acordadas, nas quais os países integrantes do bloco têm o direito de aplicar a tarifa nacional. Esse mecanismo se destina submeter o MERCOSUL à competitividade externa e evitar que a indústria de um país seja mais protegida que a dos outros. Contudo, por divergências de interesses econômicos ou setoriais, não foi possível que todos os produtos importados de terceiros países tivessem garantida, inicialmente, a aplicação automática da TEC. Cada país membro apresentou uma lista de exceções temporárias contendo mercadorias com alíquotas maiores ou menores em relação à TEC.
  14. O regime de adequação final à União Aduaneira compreende os produtos que cada país decidiu proteger da competição dos produtos do MERCOSUL. Selecionaram-se os produtos incluídos nas listas de exceções do ACE (Acordo de Complementação Econômica da ALADI) e os que foram objeto de salvaguarda comunicada ao país exportador antes de 05.08.94.
  15. Paulo Roberto de Almeida entende que o regime de exceções à TEC não compromete o perfil da União Aduaneira, uma vez que já foram definidos os critérios de desgravação tarifária, pelos quais esses produtos serão progressivamente integrados à TEC (ALMEIDA, Paulo Roberto de, MERCOSUL: fundamentos e perspectivas, p. 53).
  16. BAPTISTA, Olavo Luiz, O MERCOSUL: suas instituições e ordenamentos jurídicos, p. 49.
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Sobre o autor
Eid Badr

Advogado, Professor de Cursos de Graduação e pós graduação em Direito. Mestre e Doutor em Direito pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Diretor-Geral do CENEST (Centro de Estudos Avançados da Amazônia), Coordenador do Núcleo de TCC da ESBAM (Escola Superior Batista do Amazonas), Membro do IBDC (Instituto Brasileiro de Direito Constitucional).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BADR, Eid. Os diferentes níveis de integração econômica entre Estados e o estágio atual do Mercosul. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2416, 11 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14338. Acesso em: 22 dez. 2024.

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