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Da impossibilidade de enquadramento do operador portuário como sujeito passivo do IPTU

15/02/2010 às 00:00
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Transpondo vivências profissionais nas mais diversas áreas à seara jurídico-doutrinária, debato essas situações de forma crítica, ainda que levemente tendenciosa, por serem reflexo, sobretudo, do posicionamento exarado em demandas judiciais e/ou extrajudiciais.

O presente estudo se presta a questionar (e negar) a possibilidade de enquadramento do operador portuário, arrendatário de área localizada em Porto nacional no qual atua como concessionário de serviço público, como sujeito passivo do IPTU. Para tanto, analisar-se-ão, brevemente, todas as razões de insubsistência de eventual lançamento tributário por falta de elementos necessários à constituição do crédito.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 21, XII, f, bem como o art. 1.º da Lei de Modernização dos Portos (Lei n.º 8.630/98), aduzem que compete à União explorar os portos, diretamente, através de autorização, concessão ou permissão. Senão vejamos:

Constituição Federal de 1988

:

Art. 21. Compete à União:

XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

f) os portos marítimos, fluviais e lacustres;

Lei n.º 8.630/98:

Art. 1.º. Cabe à União explorar, diretamente ou mediante concessão, o porto organizado.

Com a Lei de Modernização dos Portos, marco regulatório do setor, o objetivo do governo federal foi transferir para o setor privado as operações portuárias, descentralizando a administração dos portos para os governos estaduais e municipais e dando autonomia àqueles que permaneceram sob sua jurisdição. [01]

Os contratos celebrados entre operadores portuários e o Estado (através de sua entidade concessionária do porto organizado), prevêem expressamente que com a sua extinção, todos os bens que integrem o arrendamento serão devolvidos. [02]

Assim, resta incólume que os imóveis situados na área do porto são de domínio público da União, não sendo o operador portuário, portanto, nem proprietário, tampouco possuidor com animus domini, pois não se configura a exteriorização da propriedade.

Saliente-se que o presente artigo não pretende discutir a constitucionalidade do art. 32 do Código Tributário Nacional. Correntes doutrinárias divergem quanto à legalidade da tributação do domínio útil e da posse. Sobre o tema, salutar a indicação de artigo do Dr. Daniel Barbosa Lima Faria Corrêa de Souza. [03]

De toda sorte, importante destacar que o arrendatário não é possuidor com animus domini, mas mero detentor precário. Tal posicionamento é seguido, inclusive, pela jurisprudência portuguesa, que em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça destacara que "os arrendatários são meros detentores precários pelo que quaisquer actos de conservação do local e bens alheios que no mesmo se encontrem não equivalem a actos de posse em nome próprio". [04]

Ou seja, resumidamente, o operador portuário ocupa os bens de propriedade da União em caráter precário, portanto não pode ser sujeito passivo do IPTU, seja como contribuinte, pois não tem relação pessoal e direta com a situação que constitui o fato gerador, ou como responsável, pois não há disposição expressa em lei que preveja sua sujeição passiva tributária.

Faz-se mister apresentar o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema, que corrobora com a tese apresentada no presente artigo:

TRIBUTÁRIO. IPTU. ARRENDATÁRIO. LEGITIMIDADE PASSIVA. 1. "Na hipótese dos autos, a celebração do contrato de arrendamento entre a empresa ora agravada e a Companhia Docas do Estado de São Paulo – CODESP –, relativamente à exploração de área pertencente ao Porto de Santos, cuja propriedade é da União, não dá à primeira a condição de contribuinte do IPTU, visto que não exerce a posse do referido imóvel com "animus domini". (AgRg no Ag 658.526/SP, Rel. Min. Denise Arruda, DJU 10.10.2005 ). 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1069355/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/11/2008, DJe 02/12/2008) (destacou-se)

Destarte, como não se observa a hipótese de incidência, não há falar em lançamento do IPTU ao operador portuário.

De outra sorte, fundamental trazer à baila o art. 150, VI, a, da Constituição Federal, bem como o art. 9.º, IV, a, do Código Tributário nacional, que prevêem a chamada imunidade recíproca entre as pessoas jurídicas de direito público interno, impedindo, assim, que um ente político institua impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços de outro, in verbis:

Constituição Federal de 1988

:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

VI - instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

Código Tributário Nacional (Lei n.º 5.172/66):

Art. 9º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

IV - cobrar imposto sobre:

a) o patrimônio, a renda ou os serviços uns dos outros;

Nesse aspecto, faz-se mister citar Alexandre Rossato da Silva Ávila [05], que evidencia a imunidade recíproca como fator fundamental para a preservação institucional dos entes federativos:

"(...) se fosse permitida a tributação mútua entre as pessoas políticas, o equilíbrio federativo e a autonomia destas entidades restariam comprometidos, aniquilando seus objetivos fundamentais."

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Quanto à imunidade recíproca, interessante verificar decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, cuja ementa segue abaixo transcrita:

EMBARGOS À EXECUÇÃO - IPTU - ARRENDATÁRIA DE TERRENO EM ÁREA PORTUÁRIA - IMUNIDADE RECÍPROCA - CONFIGURAÇÃO - TAXA DE REMOÇÃO DE LIXO DOMICILIAR - EXIGIBILIDADE - PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS - BASE DE CÁLCULO - METRAGEM DO TERRENO - POSSIBILIDADE - PRECEDENTES DO E STF Os imóveis que compõem o acervo patrimonial do porto de Santos integram o domínio da União e, portanto, estão abrangidos pela imunidade recíproca - art 22, XII, "fearl 150, VI, "a", da CF. A taxa de remoção de lixo domiciliar instituída pela Lei Complementar Municipal n ° 3 750/71 preenche os requisitos da especificidade e divistbdidade - arts 77 e 79, II e III do CTN e art 145, II, da CF RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO (TJ-SP. Apelação Sem Revisão 836.757-5/3-00. 18ª Câmara de Direito Público. Santos. Relator(a): Carlos Alberto Giarusso. Data do julgamento: 28/11/2008) (destacou-se)

Assim, não obstante tenha restado amplamente demonstrado que o operador portuário, por não possuir animus domini, não pode ser sujeito passivo do IPTU, a regra constitucional da imunidade recíproca, da mesma forma, destaca esta impossibilidade, cumprindo o presente estudo com o seu objetivo inicial.


Notas

  1. PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, economia e mercados. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2005. p. 337.
  2. Nesse sentido, Marçal Justen Filho: "(...) Esses bens são atribuídos à guarda do concessionário, que os utiliza para a prestação do serviço público. Eles reverterão automaticamente ao poder concedente, quando encerrada a concessão (...)". (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 525.
  3. SOUZA, Daniel Barbosa Lima Faria Corrêa de. Do contribuinte do IPTU. Definição do sujeito passivo da obrigação tributária decorrente do imposto predial e territorial urbano. Disponível em: http://jusvi.com/artigos/35548 . Acesso em 10 fev. 2010.
  4. Trecho extraído de Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça português, proferido nos Autos 04B4154. Disponível em: http://www.dgsi.pt . Acesso em 10 fev. 2010.
  5. ÁVILA, Alexandre Rossato da Silva. Curso de Direito Tributário. 4. ed. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2008. p. 151.
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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Da impossibilidade de enquadramento do operador portuário como sujeito passivo do IPTU. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2420, 15 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14349. Acesso em: 16 abr. 2024.

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