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A distribuição dinâmica do ônus da prova: expressão do acesso à justiça

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24/02/2010 às 00:00
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4. Da Casuística

Nesse contexto histórico e jurídico insere-se a casuística inicialmente referida.

O precedente exarado nos autos do Resp 972.902/RS acolhe a inversão da distribuição dinâmica do ônus da prova em Ação Civil Pública para a tutela de Direito Ambiental para impor aos degradadores potenciais o ônus de corroborar a inofensividade de sua atividade proposta, principalmente naqueles casos onde eventual dano possa ser irreversível, de difícil reversibilidade ou de larga escala. Assim, transferiu-se ao empreendedor da atividade o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento.

No mesmo sentido, o Resp 693.09/SC, de 18/06/1996, de lavra do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, o qual inverteu o ônus da prova e aplicou a teoria da dinâmica do ônus de provar em desfavor de clínica e profissional da área de saúde, haja vista competir àqueles esclarecer ao juízo sobre os fatos e circunstâncias ocorridas no interior de sala cirúrgica.

Pode-se citar, ainda, recente decisão do TRF-2ª Região que, nos autos da Apelação Cível 199951010203375 [19], entendeu que o ônus de demonstrar que um contrato havia sido rescindido pertenceria à ré, pois não seria razoável impor à Autora a prova do fato negativo, consubstanciado no dever de provar que a outra parte não requereu a rescisão contratual, a despeito de se tratar de relação amparada pela regra do art. 6º, inciso VIII, do CDC. Flexibilizou-se a norma do diploma consumerista em prol de um sistema dinâmico de distribuição do ônus probatório e em desfavor de quem detinha melhores condições de demonstrar os fatos, encargo demasiadamente árduo a outra parte.

Nesse giro, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul-TJRS, no Recurso Cível 71002104685 [20], acolheu o princípio da distribuição dinâmica do ônus probatório para imputar a banco credor, com melhores condições de produção da prova, o ônus de demonstrar a correta e tempestiva disponibilização de faturas para poder justificar a cobrança de juros e encargos sobre débitos aferidos, independente do inadimplemento.

Esses excertos são paradigma da adoção do sistema de distribuição dinâmica do ônus da prova nos Tribunais, em prol da efetividade do processo e o justo acesso à justiça.

A casuística, por si só, ratifica preceitos, segundo os quais questões concernentes às dificuldades de produção de determinada prova não podem constituir óbices intransponíveis ao reconhecimento do direito postulado, e justifica a aplicação do princípio da distribuição dinâmica da prova, a fim de transferir aludido ônus àquele que melhores condições tenha de demonstrar os fatos e esclarecer ao juízo sobre as circunstâncias da causa.

De outra sorte, ainda é significativo o número de decisões judiciais que desconsideram a possibilidade de inversão do ônus da prova, não obstante a dinâmica do processo torne inaceitável o estabelecimento prévio e abstrato do encargo probatório.

A distribuição estática do ônus probatório, baseada na posição das partes em juízo, não pode ser considerada sinônimo de igualdade processual, pois demanda uma releitura do seu valor como norma.

A observância da concretude do caso e o fato de provar - imputando-se o encargo àquela das partes que, pelas circunstâncias reais, se encontra em melhor condição de fazê-lo, denota a tendência da jurisprudência contemporânea e posição que melhor compactua com a efetividade do processo e o acesso à justiça.


5. Conclusão

Como visto, a comunidade jurídica nacional debate a aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus probatório, a qual, por si só, relativiza o estabelecimento prévio e abstrato do encargo de provar pelos termos adotados pelo art. 333 do Código de Processo Civil.

Este normativo processual, amparado em valores jurídicos que remontam à formação da escola jus-positivista, ignora a posição da parte no processo e descura para a análise do caso e seu valor. Não se observa, pelas circunstâncias reais do caso, quem se encontra em melhor condição de levar ao processo a prova dos fatos e auxiliar o juízo no patrocínio do provimento jurisdicional justo.

Por seu turno, a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova vem sendo adotada por parte significativa da doutrina nacional, já que diretamente relacionada à isonomia real no processo e ao equilíbrio da relação jurídica, quando possibilita ajustes do ônus de produzir a prova em desfavor daquele que está em melhores condições de dispor acerca dela, independentemente da sua posição no processo.

Tem-se um movimento diretamente relacionado à realização das ondas renovatórias do acesso à justiça, cujo mote está vinculada a uma nova forma de dizer o direito (novos direitos).

Novos direitos exigem novos mecanismos de processo que os tornem exequíveis. Em conta disso, a possibilidade de inversão do ônus probatório, ante a dinâmica própria do processo, guarda consonância com o comprometimento constitucional, notadamente a efetividade do processo e o acesso à justiça.

E a aplicação desse instrumento de realizar o direito, a despeito das críticas naturais, ratifica uma nova cultura jurídica como são paradigmas os precedentes mencionados na casuística.


6. Bibliografia

, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2009.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Doenças preexistentes e ônus da prova: o problema da prova diabólica e uma possível solução. Revista Dialética de Direito Processual 31/13. São Paulo: Dialética, 2005. Apud Erica Rusch. Distribuição do Ônus da Prova nas ações coletivas ambientais. Revista de Processo, 2009.

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PEYRANO, Jorge W.. Aspectos procesales de la responsabilidad profesional, Lãs Responsabilidades Profesionales – Libro al Dr. Luis O. Andorno, coord. Augusto M. Morello e outros, La Plata: LEP, 1992.


Notas

  1. Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 11.03.2008, DJe 31.03.2008.
  2. Curso de Processo Civil. Teoria Geral do Processo. São Paulo: RT, 2008, V. 1, 3ª. ed., p.47.
  3. CÂMARA, Alexandre Freitas. Doenças preexistentes e ônus da prova: o problema da prova diabólica e uma possível solução. Revista Dialética de Direito Processual 31/13. São Paulo: Dialética, 2005. Apud Erica Rusch. Distribuição do Ônus da Prova nas ações coletivas ambientais. Revista de Processo 2009, pág. 363.
  4. BUENO, Cassio Scarpinella, Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2009, pág. 248.
  5. PEYRANO, Jorge W., Aspectos procesales de la responsabilidad profesional, Lãs Responsabilidades Profesionales – Libro al Dr. Luis O. Andorno, coord. Augusto M. Morello e outros, La Plata: LEP, 1992, p. 263.
  6. DALL`AGNOL JUNIOR, Antônio Janyr, Distribuição dinâmica dos ônus probatórios. Revista dos Tribunais, São Paulo, 788: 92-107, jun/2001.
  7. BUENO, Cassio Scarpinella, Op. Cit., pág. 246.
  8. DIDIER Jr., Fredie; et alli. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Editora Podium, v.2, 2007, pág.56.
  9. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 2008, pág. 240, nota 95.
  10. MELLO, Rogério Licastro Torres de. A inversão do ônus probatório nas ações de consumo. Revista de Processo 157. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
  11. DIDIER Jr., Fredie; et alli. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Editora Podium, v.2, 2007, pág.63.
  12. MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Manual do Processo de Conhecimento.São Paulo: RT, 2003, pág. 316.
  13. Art. 11. Provas – São admissíveis em juízo todos os meios de prova, desde que obtidos por meios lícitos, incluindo a prova estatística ou por amostragem. §1o Sem prejuízo do disposto no artigo 333 do Código de Processo Civil, o ônus da prova incumbe à parte que detiver conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos, ou maior facilidade em sua demonstração. §2º O ônus da prova poderá ser invertido quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação, segundo as regras ordinárias de experiência, ou quando a parte for hipossuficiente. §3o Durante a fase instrutória, surgindo modificação de fato ou de direito relevante para o julgamento da causa (parágrafo único do artigo 5º deste Código), o juiz poderá rever, em decisão motivada, a distribuição do ônus da prova, concedendo à parte a quem for atribuída a incumbência prazo razoável para sua produção, observado o contraditório em relação à parte contrária (artigo 25, parágrafo 5º, inciso IV). §4º. O juiz poderá determinar de ofício a produção de provas, observado o contraditório. §5º. Para a realização de prova técnica, o juiz poderá solicitar a elaboração de laudos ou relatórios a órgãos, fundações ou universidades públicas especializados na matéria.
  14. Segue o mesmo postulado do §1º do art. 12 do Código Modelo de Processos Coletivos para a Ibero-América, aprovado nas Jornadas do Instituto Ibero-americano de Direito Processual, na Venezuela, em outubro de 2004, verdadeiro antecessor do Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos.
  15. Aludido sistema ratifica, ademais, a inversão do ônus da prova como regra de procedimento, quando, na hipótese do art. 25, inc. V, do anteprojeto, determina a inversão em audiência preliminar, após encerrada a fase postulatória, com vistas a esclarecer as partes sobre a distribuição do ônus da prova.
  16. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 2008, pág. 295.
  17. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, pág.31.
  18. Ibidem., pág.11.
  19. Relator Des. Fed. Paulo Espirito Santos. Quinta Turma Especializada, DJU de 30/06/2008.
  20. Relator Ricardo Torres Hermann, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Julgado em 17/09/2009.
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Sobre o autor
Felipe Dezorzi Borge

Defensor Público da União

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGE, Felipe Dezorzi. A distribuição dinâmica do ônus da prova: expressão do acesso à justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2429, 24 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14401. Acesso em: 22 dez. 2024.

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