SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. DA OMISSÃO PELOS PAIS. 3. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS PARA RESPONSABILIZAÇÃO. 3. CONCLUSÃO. 4. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
Posta-se cada vez mais comum a reclamação de diversos segmentos da sociedade acerca do aumento dos índices de condutas delituosas por crianças e adolescentes, não obstante estarem sob o pálio protetivo de pais e responsáveis.
Já fora o tempo em que a criança ou adolescente em conflito com a lei era aquele que se encontrava em situação de abandono ou, marginalizado, não vivia sob a proteção e apoio efetivo da família.
Vê-se, atualmente, como comprovam os crescentes números de boletins de ocorrência, processos judiciais e termos de encaminhamento dos Conselhos Tutelares, que a maior parte dos adolescentes envolvidos em delitos criminais reside com os pais (seja com um deles ou com ambos).
Assim, se é certo que está a haver uma mudança do perfil da chamada ‘família brasileira’, onde é cada vez mais comum a existência de aglomeração de parentes no mesmo imóvel (avós, pais, filhos, enteados, sobrinhos, etc), também é certo dizer que boa parte dos adolescentes que residem com os pais e que constantemente praticam atos infracionais, em verdade não estão a receber a devida socioeducação pelos próprios pais.
Vive-se anacrônico momento, em que pais e mães se postam cada vez mais omissos na socioeducação de seus filhos, querendo atribuir tal dever ao Poder Público e, uma vez constatado o desvio de conduta do infante, não assumem a responsabilidade pela omissão ("ah, é culpa das más companhias", "não dão educação na escola", "é perseguição da polícia", etc), tampouco se enveredam por mecanismos para mudança de postura ("eu falo, mas fazer o quê", "eu desisto, ele já é bem grande", etc), acomodados pela ação que recai apenas sobre o filho.
Assim, apesar de ser sabido que somente o tratamento sistêmico em âmbito econômico-social caminhará para ruptura desse panorama cada vez mais crescente (discurso que já se tornou ‘chavão’ em qualquer ocasião de discussão), tem-se que também deva haver, em significativa parcela dos casos, a responsabilização desses pais omissos, mormente quando constatada a multirreincidência da prática de atos infracionais pelo adolescente.
2 - DA OMISSÃO PELOS PAIS
Não obstante as falhas do sistema de generalização, tem-se necessário assumir referido risco no presente estudo, com referida ressalva, apenas para melhor elucidar a linha de pensamento, acerca da possibilidade (dever?) da responsabilização dos pais de adolescentes multirreincidentes em atos infracionais.
É de conhecimento daqueles que militam na seara infanto-juvenil que parcela desses pais são omissos no dever de promover a educação dos filhos, bem como costumam negligenciar o trato moral, afetivo e disciplinar dos infantes.
Destaca-se, ainda, que boa parte desses pais, descumprindo os deveres inerentes ao poder familiar, não impedem que seus filhos se postem em condições de risco, como frequentar lugares nocivos a pessoas em desenvolvimento e em horários impróprios (inclusive vedados por portarias de Juizados da Infância e da Juventude).
Ainda, comum haver desamparo na formação escolar desses adolescentes, geralmente fora do ambiente escolar, sempre com a anuência/conivência dos pais, apesar de cobranças de direções escolares e conselhos tutelares.
Desse modo, havendo tentativas, por parte da direção escolar e pelo Conselho Tutelar, de se estancar a negligência desses pais omissos e, no entanto, não tendo as ações surtido efeitos, aliado aos demais fatores supramencionados, não resta outra medida senão se valer do imperativo legal contido no Estatuto da Criança e do Adolescente, para imposição da penalidade cabível a esses pais desidiosos, até mesmo para o efeito disciplinador da sanção.
3. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS PARA RESPONSABILIZAÇÃO
A postura desses pais omissos claramente denota transgressão ao dever contido no art. 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
A Constituição Federal, norma ápice do ordenamento jurídico pátrio, estampa o dever dos pais:
(grifo não constante no original)"Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."
Ainda regra a Constituição:
"Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade."
O dever de corretamente cuidar dos filhos é imposição legal, inerente ao poder familiar, estando também previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente:
"Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária."
Ainda:
"Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais."
Cabe salientar, para efeitos elucidativos, que aqui na Comarca de Sidrolândia, Estado de Mato Grosso do Sul, seguindo os ditames normativos previstos no ordenamento jurídico pátrio, todos os casos de constatação de omissão familiar levados a conhecimento do Conselho Tutelar são inicialmente tratados na forma do art. 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente, com medidas administrativas pelo próprio órgão, em linhas de orientação e acompanhamento.
Assim, busca-se a pacífica e desjudicializada resolução dos casos, com trabalho perante a própria família.
Quando necessário, há sim o acionamento de organismos e agentes do próprio município (Centro de Referência Especializado da Assistência Social, Secretarias de Educação e de Saúde, etc), para alcance dos objetivos do art. 99 e seguintes do estatuto.
Ocorre que, infelizmente, há casos onde não obstante as tratativas ensejadas pelo Conselho Tutelar e demais organismos públicos, ainda assim os pais se postam omissos aos deveres inerentes ao poder familiar, persistindo a situação de risco aos infantes.
Nesses casos, forma-se como inequívoca a necessidade de sanção aos pais, para, inclusive, haver a formação do efeito disciplinador e coercitivo, como mais um fator a se buscar a interrupção do crescimento desse fenômeno de transgressões.
Dispõe o art. 249 do ECA:
(grifo não constante no original)"Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao pátrio poder ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou conselho tutelar:
Pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência"
O dispositivo legal em lume somente vem a corroborar com as exposições ora relatadas, de forma que a postura desses pais omissos, ainda que de forma culposa, efetivamente vem a desaguar na infringência de norma administrativa de proteção a crianças e adolescentes.
A omissão, conforme o caso, poderá ser praticada por ambos os pais do adolescente infrator, já que igualmente têm o dever de agir e de corretamente educar e cuidar de seus filhos.
Eis a norma aplicável ao ponto em tela:
"Art. 21. O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência." (grifo não constante no original)
Vale lembrar, sempre, já que esse processo de responsabilização previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente não é muito familiarizado por boa parte dos aplicadores da lei, que a infração sub examine tem natureza administrativa e não penal, ou seja, bastou a constatação da ocorrência do fato para configuração da infração administrativa. [01]
Frise-se, por pertinente à questão, que em seara administrativa poderá haver responsabilização por culpa (negligência, imprudência ou imperícia), o que não ocorre em esfera criminal, deixando claro que eventual absolvição no processo criminal em nada afetará o feito administrativo, já que nesse poderá ser demonstrado, eventualmente, até mesmo conduta culposa do ‘representado’ (já que o processo se inicia por representação ao juiz da Infância e da Juventude).
Nesse diapasão de definição legal, constata-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente ampliou as diretrizes do poder familiar (antes denominado ‘pátrio poder’), no sentido de não se jungir, unicamente, em ter os filhos em sua companhia e guarda, ou lhes suprir as necessidades materiais; mas, também, implica evitar que esses filhos (crianças e adolescentes) sejam levados a situações que devam ensejar aplicação de medidas protetivas ou socioeducativas.
Como destacado acima, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 249, prevê pena de multa para aquele que descumprir dolosamente ou culposamente os deveres inerentes ao pátrio poder.
A finalidade da norma (art. 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente) é, sem sombra de dúvida, tornar os genitores ou responsáveis pelas crianças ou adolescentes agentes fiscalizadores e garantidores de seus direitos e garantias legais.
4. CONCLUSÃO
Ante o exposto, espera-se ter demonstrado que em casos de multirreincidência de prática de atos infracionais, por crianças e adolescentes, não apenas há previsão legal de responsabilização dos pais omissos na socioeducação devida a seus filhos, como também há de ser compreendida como recomendável e devida referida ação, de modo a se postar precioso instrumento aos aplicadores da lei na inesgotável busca da mitigação dos elevados índices de transgressão legal por crianças e adolescentes em conflito com a lei.
Nota
- 1 Além de poder responder pela prática de crimes (Código Penal, art. 244, 245 e 247), o transgressor poderá, também, responder pela violação de regramento administrativo, nos termos do Capítulo II (Das Infrações Administrativas) do Título VII (Dos Crimes e das Infrações Administrativas) da Lei n.º 8.069/90, sem que se configure o chamado bis in idem.