4 DA INADEQUADA ALTERAÇÃO LEGISLATIVA E DA CONSEQUENTE E FLAGRANTE INCONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO Nº 6.727/09
Partindo do pressuposto de que a alteração proposta pelo decreto apontado na epígrafe do presente tópico modificou, ao menos na prática, a natureza do aviso prévio indenizado, fazendo com que tal verba viesse a assumir caráter remuneratório, integrando o salário de contribuição e vindo a sofrer incidência de contribuição previdenciária, passemos a tecer algumas considerações acerca da constitucionalidade de tal alteração, sobretudo considerando a espécie da norma alterada.
O fato é que o desdobramento do decreto epigrafado implicou em alteração da legislação tributária, em outras palavras o que o decreto fez foi legislar acerca de matéria tributária, de forma equivocada, inadequada e inconstitucional.
Ocorre que, por determinação Constitucional, somente podem versar sobre questões tributárias as Leis Complementares, razão pela qual o teor do decreto nº 6.727/09 demonstra-se inconstitucional, eis que, apesar de não se enquadrar na hipótese da Constituição de 1988 – ou seja, por não ser Lei Complementar –, altera e regula a base de cálculo para incidência da contribuição previdenciária, já que faz o aviso prévio indenizado integrar o salário de contribuição.
Neste contexto, a fim de sustentar o quanto logo acima argumentado, vejamos o teor da Constituição [17] vigente, especialmente na alínea "a" do inciso III do artigo 146, constante do título IV do texto Constitucional, qual seja, "Da tributação e do orçamento":
Art. 146. Cabe à lei complementar:
I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; (Grifos)
Portanto, resta mais do que óbvio que a alteração da base de cálculo do salário-de-contribuição feita pelo decreto nº 6.727/09, ou seja, que a novel determinação de integralização do aviso prévio indenizado no salário-de-contribuição para fazer com que este venha a sofrer incidência de contribuição previdenciária (imposto) é, sim, flagrantemente inconstitucional.
A fim de reforçar o entendimento aqui travado, vejamos mais uma norma Constitucional a respeito, desta feita em relação aos limites do poder de tributar:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - EXIGIR OU AUMENTAR TRIBUTO SEM LEI QUE O ESTABELEÇA; (Grifos)
Com efeito, tanto no momento da edição do decreto nº 6.727/09, que acabou por aumentar o tributo previdenciário incidente sobre o salário-de-contribuição, como no momento em que o agente arrecadador exige o pagamento de tal tributo, não se está respeitando o texto maior de nosso ordenamento, sendo indubitável a necessidade imediata de extirpação da norma em questão para que possamos fazer valer os ditames Constitucionais vigentes.
Ressalte-se que o objetivo do legislador constituinte fora o de proteger a matéria tributária, para que esta não ficasse a mercê de qualquer norma, levando-se em consideração que o processo legislativo observado para criação e aprovação de uma Lei Complementar é muito mais criterioso e denso do que para se criar e aprovar um decreto regulamentador.
Neste particular, ainda em atenção ao precitado texto constitucional, faz-se imperioso verificarmos o comando exarado por seu artigo 69, o qual garante a especialidade das leis complementares, assim determinando: "Art. 69. As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta".
Logo, não há que se falar na validade da legislação regulamentadora, sendo certo que ela, além de não ensejar a alteração da natureza indenizatória do aviso prévio indenizado – o que por si só não ensejaria a incidência de imposto previdenciário em face de tal verba, como visto no tópico acima – e ainda não ter sido regularmente criada, eis que não observou os parâmetros constitucionais do processo legislativo, em se considerando a própria matéria que tentou regulamentar.
Ora, a questão deve ser vista sob a ótica da segurança jurídica, visto que, dessa forma, nada impediria que uma regulamentação simples viesse alterar a alíquota ou a base de incidência de qualquer outro imposto, fazendo com que, por exemplo, os contribuintes isentos, por exemplo, deixassem tal posição para passar a pagar imposto.
De mais a mais, em linhas de finalmente, considerando o acima argumentado, não se trata apenas ilogismo do decreto regulamentador – já que, mesmo sendo verba de natureza indenizatória, quer incidir-lhe imposto –, mas, também, de norma inconstitucional, característica auto-explicativa que dispensa maiores comentários.
5 CONCLUSÃO
Enfim, depois de verificadas as mudanças literais na letra da lei, sobretudo quanto à questão prática da alteração, bem como, e principalmente, quanto à intenção e o desejo final do legislador, o estudo em questão ganha forma e se impulsiona no sentido de buscar a resolução para a questão outrora proposta.
Com efeito, analisando o arcabouço doutrinário, jurisprudencial e principiológico acerca do tema, especialmente por sua característica multidisciplinar, o presente estudo pauta-se na constitucionalidade da incidência de contribuição previdenciária em face do aviso prévio em sua modalidade indenizada, tudo isso em decorrência da modificação imposta à alínea "f" do inciso V do artigo 214 do decreto nº 3.048/99, pelo decreto nº 6.727/09,
O que se pode ver, pois, é que a mudança na legislação não se apresentará madura e sedimentada em um curto espaço de tempo, muito pelo contrário, dada a recente edição da norma objeto do presente estudo, de modo que o respaldo prático da alteração somente poderá ser visto nas decisões proferidas dentro dos processos judiciais que serão ajuizados. Dessa forma, somente encontrará pacificação quando chegar à análise das mais altas cortes do judiciário e, considerando a lentidão usual em nosso sistema, ainda haverá um considerável espaço temporal entre as diversas acepções doutrinárias e a sedimentação do tema.
É como entende J.N Vargas Valério [18], ao aduzir que:
Certamente a dúvida será dissipada com o tempo, não como fato jurídico, como o constante da norma inovadora, mas como fator preponderante na sedimentação dos valores de justiça que sempre são considerados tanto na criação da regra jurídica como na sua revogação.
De mais a mais, em que pesem as ponderações supra, acreditamos – dada a devida vênia para entendimentos diversos – não haver qualquer espaço para aplicação da norma inserida em nosso ordenamento pelo decreto nº 6.727/09, haja vista que tal decreto fere frontalmente todos os pressupostos de constitucionalidade, sobretudo pelo fato de inobservar o processo legislativo competente e previsto para alterar a legislação tributária, ou seja, o processo destinado à criação de Lei Complementar, e, ainda, por inexistir compatibilidade entre a natureza da verba alterada – indenizatória – e o imposto incidente sobre tal verba – contribuição previdenciária.
Por conseguinte, em face de todos os argumentos acima, entendemos patente a argüição de inconstitucionalidade da norma em comento, sobretudo pelo fato de implicar em perdas para o contribuinte trabalhador, na medida em que este, já numa situação em que está sendo reparado por uma perda – indenizado –, ainda tem que contribuir com parte de sua recompensa com o governo na forma de tributo. Assim, tanto pela inconstitucionalidade como pela inalterabilidade da natureza da verba do aviso prévio em sua modalidade indenizada, temos que é incabível a norma exarada pelo decreto nº 6.727/09, sendo certo que tal análise não esgota a matéria aqui enfrentada, inclusive pelo fato de ainda ser bastante recente.
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