Artigo Destaque dos editores

As negociações do Ato Único Europeu.

A importância dos governos nacionais e da Comissão Europeia neste processo

Exibindo página 2 de 2
05/03/2010 às 00:00
Leia nesta página:

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante as primeiras décadas do processo de integração europeia, a literatura estava essencialmente dividida entre os neofuncionalistas que teorizaram a integração como um processo gradual e autossustentável em que predominava a perspectiva supranacional. Essa teoria enfatiza, principalmente, o papel dos atores não estatais na dinâmica do processo de integração, ou seja, no caso da União Europeia, a Comissão Europeia, instituição supranacional. Mas, os Estados membros também são considerados como importantes atores neste processo, visto que estabelecem os termos do acordo inicial, mas não determinam sozinhos a direção e a extensão das mudanças subsequentes. Essa perspectiva, defendida principalmente por Sandholtz e Zysman, demonstra grandes falhas como, por exemplo, o fato de o spillover não ocorre da forma como e descrito pelos neofuncionalistas, visto que a integração econômica não leva a uma integração política de forma automática. Percebe-se, a partir da análise do Ato Único Europeu que, depois de ocorrida a integração econômica, para que ocorra a integração política, é necessário um longo processo de barganha entre os Estados membros que tentam defender ao máximo a realização de suas próprias preferências.

Em contrapartida a essa perspectiva, está a intergovernamentalista, enfatizando o papel dos governos nacionais para o desenvolvimento da integração europeia e para o sucesso nos processos de tomada de decisão. Tanto o intergovernamentalismo quanto o liberal intergovernamentalismo interpretam os interesses nacionais a partir do contexto da posição relativa dos Estados no sistema internacional. Uma vez formulados, os interesses são então barganhados na arena intergovernamental.

Os fundamentos dessa perspectiva ficam bem claros quando se analisa o processo de condução do Ato Único Europeu em que preponderaram, principalmente, os interesses dos Estados membros mais fortes, principalmente na esfera econômica em que os Estados membros demonstraram querer progredir na integração, mas defendendo suas preferências nacionais. A Comissão Europeia, instituição supranacional, teve nesta ocasião um papel secundário, controlado por estes Estados membros mais poderosos, visto que estes conferiam e retiravam poderes, tanto de participação como de decisão, à Comissão Europeia de acordo com a convergência dos seus interesses nacionais.

Na análise do Ato Único Europeu, percebe-se que as preferências dos Estados membros são determinadas através de uma análise de custos e benefícios em relação à interdependência econômica existente entre eles. A Alemanha e a França viam a integração econômica como parte de uma grande estratégia geopolítica. A Alemanha foi o Estado europeu que menos se opôs à integração da Europa, visto que lucra diretamente com esta integração econômica. Devido ao grande poder econômico e político da Alemanha, vê-se que o desenvolvimento da integração europeia a partir do Ato Único Europeu, em certo sentido, se deveu ao interesse alemão de que essa integração se aprofundasse. O apoio do governo francês na Comunidade Europeia estava intimamente ligado às iniciativas francesas de produção de armamentos, coordenação de defesa e estratégia nuclear. A Inglaterra, através do governo de Thatcher, desempenhou papel importante em relação à burocracia nas áreas sociais e monetárias através das decisões tomadas no Ato Único Europeu. É importante ressaltar, que a Inglaterra não via com bons olhos o aumento do poder da Comissão Europeia em áreas que não estivessem diretamente conectadas com o comércio. E, devido ao grande poder de barganha do governo inglês, percebe-se que durante um bom tempo nas negociações do Ato Único Europeu, não houve o aumento do poder da Comissão em parte devido a este grande poder de influencia inglês.

Pode-se perceber que, apesar de a participação na União Europeia envolver sacrifícios aos Estados membros em relação, sobretudo, à autonomia nacional para tomar decisões, há vantagens como, por exemplo, o fato de as instituições da União Europeia fortalecerem o poder estatal no âmbito internacional no que diz respeito à eficiência da barganha interestatal. A existência de um foro comum de negociação, procedimentos de tomada de decisão e monitoramento diminuem os custos de identificação, manutenção e criação de acordos. Isso faz com que haja um maior arranjo cooperativo.

Os Estados membros delegam poderes a organizações supranacionais como a Comissão Europeia para diminuir os custos transnacionais de se fazer política através do monitoramento das instituições. Apesar disso, percebe-se, através da analise do Ato Único Europeu, receio dos Estados membros em delegar poderes a instituições supranacionais naquelas áreas particularmente ligadas a sua soberania ou a segurança nacional, ou seja, aquelas áreas ligadas ao segundo e terceiro pilar [08] do Tratado de Maastricht.

A União Europeia difere-se de todos outros organismos internacionais em pelo menos dois aspectos que são a associação de soberanias nacionais pela maioria qualificada de votos e pela delegação dos poderes para instituições supranacionais.

Pode-se dizer que, na prática, a partir de uma análise do Ato Único Europeu, que é predominante a barganha interestatal. No âmbito europeu, o Estado continua a ser o ator mais importante. Assim, as decisões são tomadas através da negociação entre os Estados membros ou pela cuidadosa e limitada delegação de autoridade.

Governos nacionais têm um incentivo para cooperar quando a coordenação política os permite alcançar objetivos que não seriam possíveis isoladamente de serem alcançados. Normalmente, há conflitos sobre os termos precisos da cooperação devido a preferências diferentes dos governos em relação à distribuição dos ganhos e custos visto que estes, numa política de coordenação, são frequentemente distribuídos desigualmente entre os Estados, causando conflitos internacionais sobre ganhadores e perdedores. Assim, apesar de as instituições supranacionais não serem amplamente responsáveis pela condução das decisões, percebe-se que elas realizam um importante papel na coordenação de interesses dos Estados membros.

A União Europeia pode ser considerada como um jogo de coordenação com consequências distributivas, um jogo de barganha e de cooperação. As negociações são o processo de escolha coletiva no qual cada interesse conflitante é reconhecido.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

No Ato Único Europeu, durante a Conferência Intergovernamental, nota-se que a falta do consenso entre os Estados membros mais poderosos, dentre eles a França, a Inglaterra e a Alemanha, reduziu muitos dos compromissos assumidos a uma dimensão apenas simbólica. Assim, o progresso na criação do fundo monetário comum, por exemplo, teve a aprovação somente do grupo de Estados membros que tinham interesses particulares em participar de tal fundo.

Na estrutura da União Europeia, a partir do exposto acima, pode-se dizer que a assinatura do Ato Único Europeu foi resultado de um cuidadoso processo de barganha e do acordo entre cada Estado membro nas conferências intergovernamentais. O processo de integração Europeu se desenvolveu pelo fato de governos terem interesse na integração, visto que através desta poderiam alcançar mais facilmente os objetivos nacionais.

A partir deste estudo, percebe-se que no corpo do sistema político institucional europeu, prepondera uma forte influência das preferências dos Estados membros da União Europeia nos processos de tomada de decisão em relação ao poder de decisão da Comissão Europeia que, apesar de configurar uma instituição supranacional de grande importância na estrutura do bloco europeu, tem muitas vezes seu poder de gerenciamento e decisão no âmbito da União Europeia restringido pelos interesses dos Estados membros.


REFERÊNCIAS

Bobbio, Norberto. Dicionário de política. Tradução: Carmen C. Varriale. 12ª ed. Brasília :UnB, 2002.

DIEZ, Thomas e Antje Wiener. European integration theories. Oxford University Press, 2004.

GILPIN, Robert. The political economy of international relations. Princeton: Princeton University Press, 1987.

HAAS, Ernst B. Beyond the Nation State. Stanford: Stanford University Press, 1964.

HAAS, Ernst. The Uniting of Europe: political, social e economic forces. Notre Dame University Press, 2004.

HIX, Simon (1990). The Political System of the European Union. St. Martin’s Press. New York.

Lindberg, Leon Political integration. Definitions and Hypotheses.1963 In Brent Nelsen & Alexander Stubb. The European Union: readings on the theory and practice of European integration. Lynne Rienner Publishers. Boulder, Colorado, 1994.

March, J. and J. P. Olsen. Rediscovering Institutions. The Organizational Basis of Politics. New York. Free Press, 1989.

Mitrany, David. A Working Peace System, 1966. in Brent Nelsen & Alexander Stubb The European Union: readings on the theory and practice of European integration, Lynne Rienner Publishers. Boulder, Colorado ,1994.

Moravcsik, Andrew. Negotiating the single European act: national interests and conventional statecraft in the European community, 1994 In Brent Nelsen & Alexander Stubb The European Union: readings on the theory and practice of European integration. Lynne Rienner Publishers. Boulder, Colorado, 1994.

Moravcsik, Andrew Preferences and power in European Community: a liberal intergovernamentalist approach. Journal of Common Market studies. Vol. 31, no. 4, 1993.

Perez-Bustamante, Rogelio. Historia de la Unión Europea, Madrid: DYKINSON, 1997.

PIERSON, Paul. The Path to European Integration: A Historical Instituonalist Analysis. Berkeley University Press, 1996.

PIERSON, Paul. Increasing returns, path dependence, and the study of politics. The American Political Science Review.Vol. 94, 2000.

POLLACK, Mark. International Relations Theory and European Integration. European University Institute, 2001.

Pollack, Mark .The new institutionalism and European integration, 2004 in Diez, Thomas e Antje Wiener. European integration theories. Oxford University Press - 2004.

Rosamond, Ben Theories of European Integration. New York: St.

Martin’s Press, 2000.

Sandholtz, Wayne & Zysman, John 1992: Recasting the European Bargain 1994; in Brent Nelsen & Alexander Stubb The European Union: readings on the theory and practice of European integration, 1994.

Schmitter, Phillipe. Neo-functionalism, 2004 in Diez, Thomas e Antje Wiener: European integration theories. Oxford University Press, 2004.

Wallace, Helen. & Wallace,Willian. Policy-making in the European Union. 4th Edition. Oxford University Press, 2000.

Site oficial da União Europeia: http://europa.eu.int/index_pt.htm.


Notas

  1. Disponível em http://www.historiasiglo20.org/europortug/actounico.htm. Acesso em 24/09/2007
  2. Disponível em http://www.historiasiglo20.org/europortug/actounico.htm. Acesso em24/09/2007
  3. Este documento continha declarações dos Estados membros sobre os objetivos em relação às modificações institucionais, de competências da Comissão Europeia e de cooperação política.
  4. O conceito de Conferência Intergovernamental (CIG) designa uma negociação entre os Governos dos Estados membros fora da esfera dos procedimentos institucionais da União Europeia, cujos resultados permitem modificar os Tratados. Disponível em http://www.historiasiglo20.org/europortug/actounico.htm. 24/09/2007.
  5. Disponível em http://www.historiasiglo20.org/europortug/actounico.htm. 24/09/2007.
  6. A Carta comunitária dos direitos sociais, conhecida como Carta Social, foi aprovada em 1989, na forma de uma declaração, por parte de todos os Estados membros com exceção da Inglaterra. É um instrumento político que dispõe sobre o respeito de determinados direitos sociais nos Estados que fazem parte da União Europeia.
  7. Disponível em http://www.historiasiglo20.org/europortug/actounico.htm. 24/09/2007.

  8. Disponível em http://www.historiasiglo20.org/europortug/actounico.htm. 24/09/2005.
  9. A Comunidade Europeia constitui um dos três pilares que formam a União Europeia. Os outros dois pilares são a Política Externa e de Segurança Comum (PESC) e a Justiça e Assuntos Internos (JAI).
Assuntos relacionados
Sobre a autora
Verônica Vaz de Melo

Mestre em Direito Público na linha de pesquisa "Direitos humanos, processos de integração e constitucionalização do Direito Internacional" pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Analista internacional graduada em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.Especialista lato sensu em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogada graduada pela Faculdade de Direito Milton Campos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Verônica Vaz. As negociações do Ato Único Europeu.: A importância dos governos nacionais e da Comissão Europeia neste processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2438, 5 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14452. Acesso em: 23 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos