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A evolução da advocacia no decorrer dos tempos.

A preocupação com o nível dos cursos jurídicos e a formação dos novos advogados

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09/03/2010 às 00:00
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OS NOVOS CONCEITOS E OS NOVOS RUMOS DAS SOCIEDADES DE ADVOGADOS

Mas a sociedade se conforma numa velocidade extremamente alta. A tecnologia de informação atinge e influencia, de forma quase que absoluta, todas as camadas sociais. Ainda que parte considerável da população padeça de recursos materiais, na verdade, a televisão, bem de consumo presente na maioria dos lares brasileiros, se encarrega de imprimir a mudança de hábitos relacionados ao vestuário, à comunicação à etiqueta social e tantos outros.

O desenvolvimento econômico, voltado ao suprimento das necessidades básicas do capitalismo, acaba por exigir soluções imediatas e mutantes, visando à superação das principais dificuldades irradiadas no mundo globalizado do capital e do lucro.

E como não poderia deixar de ser, a advocacia se viu, em um curto intervalo de tempo, envolvida em novos parâmetros, novos conceitos, novas exigências, que a maioria absoluta dos cursos existentes não possui condições de proporcionar. Até porque, conforme abordado no item anterior e, em especial, às palavras de Rubens Approbato Machado, a mutação educacional urge para que possamos dar nova conformação ao profissional do direito, no Brasil.

E para que tais exigências pudessem ser satisfeitas, o mercado passou a moldar de forma diferenciada o advogado, impondo-lhe novos conceitos além dos técnicos já assimilados (gestão administrativa, gestão de mercado, por exemplo).

A partir daí, as sociedades de advogados passaram a ser constituídas com visão "além-direito". A proficiência em língua estrangeira integrou a expectativa dos currículos profissionais; pós-graduação em gestão; especialização em áreas voltadas às práticas empresariais internacionais, e outras tantas.

E não pára por aí. Quem teve a oportunidade de viver ou conhecer a advocacia das décadas de 50 ou 60, com certeza, vai estranhar muito a mesma atividade exercida hoje. Os tempos chamados da "advocacia romântica", nos quais os profissionais desenvolviam seu trabalho centrados única e exclusivamente na defesa dos interesses de seus clientes, através de suas teses e correntes doutrinárias, deram espaço para uma advocacia mais abrangente, mais corporativa, enfim, mais empresária.

Que não se confundam esses novos conceitos com a prática da mercancia pura caracterizadora das atividades econômicas clássicas da indústria transformadora e do comércio tradicional e milenar. Em verdade, a "advocacia empresária" traduz-se em uma atividade mista, em que ao tempo dedicado à defesa técnica de teses e correntes jurídicas é acrescido tempo dedicado à gestão da atividade (mais complexa em sua estrutura física) e a própria forma da prospecção da clientela.

O "advogado romântico" de outrora era procurado pelo seu potencial jurídico, seu poder de convencimento e altivez junto aos poderes públicos. O "advogado empresário" compõe um conjunto de conceitos, envolvendo aqueles da era romântica e mais uma série de outros que, passam desde a forma como organizam e conduzem seus escritórios, até a estratégia de condução de uma lide em conjunto com o próprio cliente. E tudo isso, evidentemente, sem prejuízo do desenvolvimento técnico-jurídico – afinal as leis continuam a existir e devem ser respeitadas, como sempre.

Aos poucos, estamos assistindo uma mutação fantástica da atividade. Há escritórios com estrutura tão complexa que, não poucas vezes, chegamos a estranhar e até a duvidar de sua eficiência no mundo jurídico, insinuando desvio daquela que sempre foi considerada a mais tradicional e conservadora das profissões. Ledo engano. É exatamente com esta "estranha estrutura" que aos poucos a advocacia vem tomando praticamente os mesmos contornos que a advocacia norte-americana – as law firms – na qual uma corporação surge com estrutura predefinida; com planos de carreira; com investimentos maciços na alta tecnologia de informação digital; com permanente capacitação de seus profissionais que não mais são contratados ou "agregados" à principal atividade de seu líder, mas sim associados a uma estrutura que lhes permite, no futuro, estar também no comando da corporação. Uma verdadeira estrutura empresarial, na mais das vezes, superior a uma enorme gama de empresas mercantis constituídas para essa exclusiva finalidade.

Evidentemente, que não se confunda a atividade empresarial aqui referida para a advocacia como sendo a mais absoluta incompatibilidade com os estatutos da Ordem dos Advogados do Brasil. Lá, o que se determinam como incompatíveis é a advocacia com a atividade mercantil, não empresarial.

Quanto mais o tempo passa, mais essa transformação se faz presente. Aos poucos, vão surgindo novos escritórios com estrutura empresária em que não só o aspecto técnico prevalece. A própria estrutura passa a ser elemento de prospecção e na formação de uma carteira de clientes cada vez mais exigente.

Uma estrutura composta de plano de carreira, na qual o iniciante vai desenvolvendo atividade predominantemente técnico-jurídica, já tem, todavia, contato com noções e práticas de gestão administrativa e gestão de negócios. Uma das principais fundações voltadas ao ensino põe, à disposição desse novo profissional, cursos denominados MBA – Master Business Administration – que alcançam índices de desempenho comparados aos internacionais, além de extensões especificamente voltadas à advocacia institucional, tais como Técnicas de Negociação, Direito Tributário, Direito Ambiental, Direito Societário, Economia Aplicada ao Direito, Metodologia da Pesquisa, Direito do Trabalho, Contratos Empresariais, Contabilidade Aplicada ao Direito, Noções de Comércio Exterior, Recuperação de Empresas, Aspectos Processuais e de Direito Material, Direito Penal Empresarial Aplicado aos Delitos Tributários e Previdenciários, e outros tantos, em grau especializado.

Por fim, reporta-se novamente às palavras do Prof. Limongi França:

"[...] Desse templo, nenhum de nós, Diretores ou Conselheiros, nenhum de nós, teria o vezo e a pretensão de constituir uma grei de sacerdotes irretorquíveis. Mas, diversamente, todos temos o desejo, o empenho e a fé, em que, não só os Professores, mas também e principalmente cada qual dos Discípulos, nossos amados Colegas de profissão, componham a predestinada falange dos baluartes da renovação da Advocacia.

E a Advocacia, não apenas como órgão auxiliar, mas esteio imprescindível da Justiça! – E de que Justiça? – Da Justiça como entidade e poder? – Não! – Da Justiça em todas as suas amplas acepções correlatas especialmente como a VIRTUDE de, no menor prazo possível, de maneira otimizada na humanização, sem perda da lisura e do equilíbrio – dar a cada um, efetivamente, aquilo que é seu e lhe é devido." [13]

Sem sombra de dúvida, o pensamento está e permanece na justiça como conceito, que deve ser permanentemente atualizado, remodelado aos contornos da sociedade, seus hábitos, seus preceitos, sua cultura, enfim.

Nas palavras de Gabriel I. Chalita:

"O direito não pode estar à margem das transformações sociais. Não pode viver ensimesmado, sem olhar para o mundo, apenas esperando que o legislador crie nova lei e que o interessado se dirija às cortes para reclamar de seu direito. A democratização do acesso à justiça já é garantia constitucional. A linguagem tem de ser adequada ao auditório, que precisa entender dos termos técnicos que regem essa área, senão os cidadãos não terão seus direitos garantidos, não terão atendidos os pressupostos mínimos da democracia. Tudo isso está em nossas mãos. É preciso acreditar e, se acreditarmos, as coisas começarão a mudar. Senão, o que estaríamos fazendo aqui? Por que teríamos optado por essa profissão?" [14]


A PERSPECTIVA DE UM NOVO ENSINO JURÍDICO

Todas essas considerações não seriam suficientes se não agregássemos alguns comentários sobre o novo panorama do ensino jurídico. Mais do que isso, um novo panorama do ensino, seja ele em nível básico ou superior.

O momento é propício para estabelecermos uma comparação entre o que se denomina de "sistema tradicional" e "sistema contemporâneo", na maioria das vezes, formado por empresas educacionais.

Com uma evolução na tecnologia de informação em velocidade espantosa, vemos o surgimento de técnicas de comunicação que jamais imaginaríamos, há algumas décadas. A transmissão de dados, imagens e sons em tempo real, pelas vias distintas da velha e conhecida televisão, fez com que fossem revistos os conceitos da comunicação.

E isso, aos poucos (mas não tão pouco) está influenciando diretamente aos métodos de conferência e palestra.

Surge então o ensino à distância – EAD – que as poucos vai se tornando firme e sólido no processo de educação e formação profissional.

Ficam atentos, assim, os profissionais da pedagogia, observando, analisando e gerando as mais diversas teorias sobre uma possível alteração conceitual da própria ciência, frente à eventual ausência do professor no processo educacional.

Nesse momento o choque é inevitável. Por mais que se tente evoluir, fazer evoluir e construir evolução, não há nada que possa comprovar a dispensabilidade desse profissional. Nem mesmo admitindo que toda coordenação e supervisão de um processo meramente digitalizado, ou virtual, ficaria a cargo de um pedagogo.

Tive a oportunidade de acessar um texto reproduzido da publicação "Pequenos passos rumo ao êxito para todos", da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, relativo ao projeto "Facilitando mudanças educacionais".

Esse texto foi publicado originalmente em 1994, na Holanda pelo APS – Centro Nacional pelo Aperfeiçoamento das Escolas, Ultrecht-Holanda. Escrito por Loek van Veldhüyzen e K. Vreugdenhil denomina-se O meu professor ideal.

Ali, os autores resumiram em quatro dimensões o perfil considerado – pela sociedade holandesa – como sendo o ideal:

a)Professor enquanto profissional;

b)Professor enquanto educador;

c)Professor enquanto especialista em didática;

d)Professor enquanto membro de uma equipe.

Embora o estudo tenha sido publicado há 15 anos, considerando que o ensino vem desde o século XVII experimentando pesquisas históricas e avaliações permanentes, até que o tempo não é de todo longínquo.

Mas percebe-se que o perfil do sistema educacional que vem se desenhando, aos poucos, distancia-se – e em muito – das dimensões apresentadas. Duas, ao menos, de partida, seriam descartadas diante do contorno com que se poderá vir a ensinar através das câmaras de reprodução de imagem: o professor enquanto profissional e o professor enquanto membro de uma equipe.

Evidentemente não estou desqualificando o profissional que promove o ensino pelo sistema de vídeo-conferência, apenas e tão somente desvinculando-o dessas duas dimensões que pressupõem a equipe "interdisciplinar" e o profissionalismo como característica dos que dedicam ao magistério tempo razoável de sua vida, com capacitação permanente e severo aperfeiçoamento, este incluindo o contato assíduo com a realidade da sociedade da qual faz parte.

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Restariam, então, duas dimensões: "educador" e "especialista em didática". A primeira, pressupõe, no mínimo, a percepção da relação da educação familiar e ensino e a responsabilidade pedagógica pelo que faz.

Outros aspectos, sem dúvida, estão presentes nessa análise, mas estou me propondo apenas a primeira reflexão, sem contudo, desprezar ou menosprezar o avanço tecnológico e inevitável mutação de todo o sistema educacional.

A segunda, "especialista em didática", sem dúvida, vai imprimir uma verdadeira revolução científica. A didática está voltada a permanente evolução da própria sociedade. Assim, métodos, modelos de instrução, manejo do alunado, bem como o planejamento geral das ações, estarão totalmente voltados para uma nova realidade.

É por essas razões que as novas perspectivas vão exigir – e rápido – das ciências que regem e formam os profissionais que exercem o magistério, novas posturas envolvendo metodologia e objetivos.

Somente dessa forma não perderemos o direcionamento de um progresso permanente, todavia, sem dissolver ou diluir o nível e o conteúdo técnico e científico dos profissionais que emergirão do processo educacional brasileiro, inclusive, no Direito.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MACHADO, Rubens Approbato. Homens & Idéias – Pequenas Homenagens; Grandes Esperanças. Brasília, Conselho Federal OAB, 2001.

RODRIGUES, Horácio Wanderley; JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Ensino do Direito no Brasil. Florianópolis, Fundação Boiteux, 2002.

Conselho Federal da OAB. Ensino Jurídico OAB – 170 Anos de Cursos Jurídicos no Brasil. Brasília, 1997.

Conselho Federal da OAB. Advogado: Desafios e Perspectivas no Contexto das Relações Internacionais. Volume II. Brasília, 2000.

Conselho Federal da OAB. A OAB Vista pelos Advogados. Brasília, 2000.

Conselho Federal da OAB. OAB Ensino Jurídico – Balanço de uma Experiência. Brasília, 2000.

Conselho Federal da OAB. A Ordem dos Advogados do Brasil e o Estado Brasileiro. Brasília, 2001.

Conselho Federal da OAB. OAB Recomenda – Um Retrato dos Cursos Jurídicos. Brasília, 2001.

Conselho Federal da OAB. OAB Ensino Jurídico – Formação Jurídica e Inserção Profissional. Brasília, 2003.

Revista do Advogado [da Associação dos Advogados de São Paulo]. Sociedade de Advogados. São Paulo, AASP, nº 74, dez./2003.

Visão Jurídica [Revista]. Escritório que Escolhem Clientes a Dedo. Editora São Paulo, Escala, nº 12, 2007.

Mercado & Negócios – ADVOGADOS [Revista]. A Nova Advocacia Brasileira; A Revolução dos Escritórios. São Paulo, Minuano, nº 11, 2007.

Dignidade [Revista]. A Evolução do Conceito de Justiça – Universidade Metropolitana de Santos, Santos, nº. 1, 2002.


Notas

  1. ENSINO JURÍDICO OAB – 170 ANOS DE CURSOS JURÍDICOS NO BRASIL. Conselho Federal da OAB, Brasília, 1997, p.13
  2. Obra citada, p. 14
  3. Obra citada, p. 34
  4. A OAB VISTA PELOS ADVOGADOS. Pesquisa de Avaliação da Imagem Institucional da OAB. Conselho Federal da OAB, Brasília, 2000, p. 15
  5. Obra citada, p. 21
  6. OAB ENSINO JURÍDICO: BALANÇO DE UMA EXPERIÊNCIA. Conselho Federal da OAB, Brasília, 2000, p. 10
  7. Obra citada, p. 33
  8. Professora Adjunta da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília; Coordenadora de Pós-Graduação; Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos; Mestre em Ciências Jurídicas pela PUC-RJ
  9. OAB RECOMENDA: Um Retrato dos Cursos Jurídicos. Conselho Federal da OAB, Brasília, 2001, pp. 23-24
  10. HOMENS & IDÉIAS – PEQUENAS HOMENAGENS. GRANDES ESPERANÇAS. Conselho Federal da OAB, Brasília, 2001, p. 139
  11. OAB ENSINO JURÍDICO. FORMAÇÃO JURÍDICA E INSERÇÃO PROFISSIONAL. Conselho Federal da OAB, Brasília, 2003, p.17-28
  12. Obra citada, pp. 25-26
  13. Obra citada, p. 53 (grifos no original)
  14. REVISTA DIGNIDADE. A evolução do conceito da justiça. Unimes, Santos, 2002, pp. 95-96
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Sobre o autor
Francisco José Zampol

Sócio da ZMCC Advogados e Consultores Legais, mestre em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos - UNIMES, Professor contratado da cadeira de Direito do Trabalho no curso de Direito do Centro Universitário de Santo André - UniA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZAMPOL, Francisco José. A evolução da advocacia no decorrer dos tempos.: A preocupação com o nível dos cursos jurídicos e a formação dos novos advogados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2442, 9 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14476. Acesso em: 26 abr. 2024.

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