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Direitos fundamentais prestacionais.

Nota sobre o controle judicial de políticas públicas em saúde

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16/03/2010 às 00:00
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5. Algumas Jurisprudências conexas ao debate

Nesta parte de nosso trabalho elencamos algumas decisões judiciais que tratam do tema das políticas públicas em saúde e seu controle pelo Judiciário. Ao longo das ementas que aqui apresentamos, fazemos os grifos em negrito para destacar os pontos mais relevantes para o debate de que trata nossa pesquisa. Apresentamos os casos numerados como segue. Percebemos que alguns julgados enfatizam a reserva do possível, ao passo que outros dão prevalência ao princípio do mínimo existencial, com a intenção de decidir pela obrigatoriedade do poder público na prestação de medicamentos ou tratamentos.

CASO 1: APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.72.01.002827-3/SC

Publicado no DJU de 02/08/2006

RELATORA: Juíza VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE: MUNICIPIO DE JOINVILLE/SC
ADVOGADO: Affonso de Aragão Peixoto Fortuna e outros
APELANTE: UNIÃO FEDERAL
ADVOGADO: Luis Henrique Martins dos Anjos
APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA
ADVOGADO: Flavia Dreher de Araujo e outros
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
REMETENTE: JUÍZO SUBSTITUTO DA 02ª VARA FEDERAL DE JOINVILLE

EMENTA:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS AOS PORTADORES DO VÍRUS HIV - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO - SOLIDARIEDADE DOS ENTES ESTATAIS - ALCANCE TERRITORIAL DA DECISÃO PROFERIDA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS - AUSÊNCIA DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL.

Em se tratando de direitos sociais como o é o direito à saúde, o Ministério Público detém legitimação ativa, porquanto se cuidam de direitos individuais indisponíveis. Precedentes.

A Constituição Federal atribui competência comum à União, aos Estados e Distrito Federal e aos Municípios, para "cuidar da saúde e assistência pública. (art. 23, II) Por sua vez, o art. 196 afirma que a saúde é direito de todos e dever do Estado. Desses dispositivos constitucionais resulta a responsabilidade solidária dos entes federais na promoção da saúde. Precedentes.

Para a ação civil pública há competência concorrente dos juízes em cujo território ocorra o dano. A decisão produzirá efeitos no âmbito dessa competência.

Na esfera infra-constitucional, a Lei n. 8.080/90 e a Lei n. 9.313/96 implementam políticas públicas consubstanciadas em assistência farmacêutica aos portadores do vírus HIV. A padronização dos medicamentos é feita através dos Consensos de Terapia, revistos periodicamente.

Cumprindo a determinação legal, há uma lista de medicamentos oficiais. Ocorre que em algumas situações surgem prescrições médicas especiais, indicando medicação diversa daquela apontada nos mencionados atos normativos.

A sentença recorrida determinou, genericamente, que sejam fornecidos quaisquer medicamentos, inclusive medicamentos não inseridos na lista oficial do SUS.

A decisão, ao determinar genericamente o fornecimento de quaisquer medicamentos, merece ser reformada.

É que se cuida nesta ação da viabilidade de o Poder Judiciário interferir em políticas públicas, determinando ao Estado uma obrigação de fazer, fornecimento de medicamentos.

Principalmente com a Constituição Federal de 1988 temos um rol explícito de finalidades públicas, dirigidas pelo próprio legislador constituinte, vinculando a atuação do Estado legislador e administração. A concepção normativa de constituição ganha força, exigindo efetividade de suas normas, através de atos normativos disciplinadores, da execução de políticas públicas pela Administração e, na falta destas, pelo controle jurisdicional de políticas públicas.

A dignidade da pessoa humana, princípio que inspira todo o texto constitucional, exige ações estatais implementando e garantindo o denominado mínimo existencial.

A essa responsabilidade política estatal correspondem políticas públicas concretizadoras. A ausência dessa atuação caracteriza a inconstitucionalidade por uma omissão. Ou seja, deixar de concretizar políticas públicas estabelecidas na Constituição, sob a forma de normas programáticas, é atentar contra a Constituição.

É por isso que se torna legítima à função jurisdicional fazer cumprir à Constituição. Quando o Estado deixar de prestar os serviços públicos que a Constituição lhe impôs, ao Judiciário incube aplicar diretamente o texto constitucional, exercendo jurisdição constitucional, no controle à inconstitucionalidade, mesmo que por omissão.

Incumbe ao órgão jurisdicional garantir que a Constituição seja cumprida. E essa atribuição comporta uma dimensão negativa, declarar a inconstitucionalidade de atos contrários à Constituição, com sua eficácia de afastar a aplicação daquela norma, ou uma concepção positiva, ao atuar determinando que se faça; que se cumpram os mandamentos constitucionais, sob pena da cominação de penalidades e responsabilidade funcional.

O Poder Judiciário não vai dizer à Administração Pública o que deve ser feito. Isso a Constituição já fez. O papel do Poder Judiciário está em exigir que sejam implementadas as políticas sociais já delineadas. Mas a ingerência jurisdicional no tema políticas públicas não pode ser ilimitada ou mesmo indefinida. É preciso um parâmetro norteador. Esse vetor é a reserva do possível. Para a sua própria efetividade, é que a Constituição de 1988 oferece além de instrumentos de controle individuais, outros mecanismos, de proteção aos direitos coletivos.

Para o não fazer, a omissão inconstitucional, adequadas são as ações coletivas, ação civil pública, mandado de segurança coletivo, ação direta de inconstitucionalidade por omissão e argüição de descumprimento de preceito fundamental, dentre outros. No caso presente o Estado agiu. Formulou e implementou políticas públicas, consubstanciadas nas regras da Lei 9313/96.

É verdade que em algumas situações aquela medicação prescrita e constante das listas oficiais pode não ser a adequada. Nessa hipótese, as ações coletivas não se prestam para resolver a questão, que é individual. Ao particular incumbe pleitear isoladamente em face de sua situação especial, por exemplo, a rejeição ou não tolerância à determinado medicamento.

Para isso também a própria Constituição ofereceu mecanismos de representação. Defensoria pública, associações representativas e o próprio Ministério Público, em se tratando de direitos individuais indisponíveis são legitimados a postular sob a forma de representação processual.

É o que se vislumbra na presente ação civil pública. O Ministério Público Federal está a pleitear o fornecimento de medicamentos especiais para determinados indivíduos portadores do vírus HIV, como acima nominados.

Em relação a esses particulares a ação é legítima e deve prosseguir, confirmando-se o juízo de procedência. No entanto, para terceiros, que seriam substituídos processualmente, esta ação civil pública não reúne condições, porquanto não se verifica a omissão.

CASO 2: STJ - RECURSO ESPECIAL – 811608 RS. PROCESSO Nº 200600123528

Publicado no DJ de 04/06/2007

ORIGEM: STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CLASSE: RESP. RECURSO ESPECIAL - 811608
PROCESSO: 200600123528
UF: RIO GRANDE DO SUL
ÓRGÃO JULGADOR: PRIMEIRA TURMA
RELATOR: MIN. LUIZ FUX
DATA DECISÃO: 15/05/2007
DOCUMENTO: STJ 000294255

EMENTA:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS CONCRETAS. DIREITO À SAÚDE (ARTS. 6º E 196 DA CF/88). EFICÁCIA IMEDIATA. MÍNIMO EXISTENCIAL. RESERVA DO POSSÍVEL. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE DECIDIU A CONTROVÉRSIA À LUZ DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO COLENDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, I e II, DO CPC. NÃO CONFIGURADA.

1. Fundando-se o Acórdão recorrido em interpretação de matéria eminentemente constitucional, descabe a esta Corte examinar a questão, porquanto reverter o julgado significaria usurpar competência que, por expressa determinação da Carta Maior, pertence ao Colendo STF, e a competência traçada para este Eg. STJ restringe-se unicamente à uniformização da legislação infraconstitucional. Precedentes jurisprudenciais do STJ: RESP 804595/SC, DJ de 14.12.2006 e Ag 794505/SP, DJ de 01.02.2007.

2. A questão debatida nos autos - implementação do Modelo de Assistência à Saúde do Índio e à instalação material dos serviços de saúde à população indígena situada em área no Rio Grande do Sul - foi solucionada pelo Tribunal a quo à luz de preceitos constitucionais, conforme se infere do voto condutor do acórdão recorrido, verbis:

"(...) O direito fundamental à saúde, embora encontrando amparo nas posições jurídico-constitucionais que tratam do direito à vida, à dignidade da pessoa humana e à proteção da integridade física (corporal e psicológica), recebeu no texto constitucional prescrição autônoma nos arts. 6º e 196, in verbis: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Mesmo que situado, como comando expresso, fora do catálogo do art. 5º da CF/88, importante destacar que o direito à saúde ostenta o rótulo de direito fundamental, seja pela disposição do art. 5º, § 2º, da CF/88, seja pelo seu conteúdo material, que o insere no sistema axiológico fundamental - valores básicos - de todo o ordenamento jurídico.

INGO WOLFGANG SARLET, ao debruçar-se sobre os direitos fundamentais prestacionais, bem posiciona o tema: Preliminarmente, em que pese o fato de que os direitos a saúde, assistência social e previdência - para além de sua previsão no art. 6º da CF - se encontram positivados nos arts. 196 e ss. da nossa Lei Fundamental, integrando de tal sorte, também o título da ordem social, e não apenas o catálogo dos direitos fundamentais, entendemos não ser sustentável a tese de que os dispositivos não integrantes do catálogo carecem necessariamente de fundamentalidade. Com efeito, já se viu, oportunamente, que por força do disposto no art. 5º, § 2º, da CF, diversas posições jurídicas previstas em outras partes da Constituição, por equiparadas em conteúdo e importância aos direitos fundamentais (inclusive sociais), adquirem também a condição de direitos fundamentais no sentido formal e material; ressaltando, todavia, que nem todas as normas de ordem social compartilham a fundamentalidade material (e, neste caso, também a formal), inerente aos direitos fundamentais.

Além disso, percebe-se, desde já, que as normas relativas aos direitos sociais do art. 6º da CF exercem a função precípua de explicitar os conteúdos daqueles. No caso dos diretos à saúde, previdência e assistência social, tal condição deflui inequivocamente do disposto no art. 6º da CF: ‘São direito sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição’.

Além disso, poderia referir-se mais uma vez a íntima vinculação entre os direitos a saúde, previdência e assistência social e os direitos à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana, renunciando, neste particular, a outras considerações a respeito deste aspecto. (in A eficácia dos direitos fundamentais, 3ª ed., Livraria do Advogado, 2003, Porto Alegre, p. 301/302).

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Os direitos fundamentais, consoante a moderna diretriz da interpretação constitucional, são dotados de eficácia imediata. A Lei Maior, no que diz com os direitos fundamentais, deixa de ser mero repositório de promessas, carta de intenções ou recomendações; houve a conferência de direitos subjetivos ao cidadão e à coletividade, que se vêem amparados juridicamente a obter a sua efetividade, a realização em concreto da prescrição constitucional. O princípio da aplicabilidade imediata e da plena eficácia dos direitos fundamentais está encartado no § 1º, do art. 5º, da CF/88: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

Muito se polemizou, e ainda se debate, sem que se tenha ocorrido a pacificação de posições acerca do significado e alcance exato da indigitada norma constitucional. Porém, crescente e significativa é a moderna idéia de que os direitos fundamentais, inclusive aqueles prestacionais, têm eficácia tout court, cabendo, apenas, delimitar-se em que extensão. Superou-se, assim, entendimento que os enquadrava como regras de conteúdo programático a serem concretizadas mediante intervenção legislativa ordinária. Desapegou-se, assim, da negativa de obrigação estatal a ser cumprida com espeque nos direitos fundamentais, o que tinha como conseqüência a impossibilidade de categorizá-los como direitos subjetivos, até mesmo quando em pauta a omissão do Estado no fornecimento do mínimo existencial.

Consoante os novos rumos interpretativos, a par de dar-se eficácia imediata aos direitos fundamentais, atribuiu-se ao intérprete a missão de desvendar o grau dessa aplicabilidade, porquanto mesmo que se pretenda dar máxima elasticidade à premissa, nem sempre se estará infenso à uma interpositio legislatoris, o que não ocorre, vale afirmar, na porção do direito que trata do mínimo existencial.(...) Merece lembrança, ainda, que a atuação estatal na concretização da sua missão constitucional deve orientar-se pelo Princípio da Máxima Efetividade da Constituição, de sorte que "a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todos e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da actualidade das normas pragmáticas (Thomas), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)." (JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, in Direito Constitucional, 5ª edição, Coimbra, Portugal, Livraria Almedina, p. 1208).

Incumbe ao administrador, pois, empreender esforços para máxima consecução da promessa constitucional, em especial aos direitos e garantias fundamentais. Desgarra deste compromisso a conduta que se escuda na idéia de que o preceito constitucional constitui lex imperfecta, reclamando complementação ordinária, porquanto olvida-se que, ao menos, emana da norma eficácia que propende ao reconhecimento do direito subjetivo ao mínimo existencial; casos há, inclusive, que a disciplina constitucional foi além na delineação dos elementos normativos, alcançando, então, patamar de eficácia superior que o mínimo conciliável com a fundamentalidade do direito.

A escassez de recursos públicos, em oposição à gama de responsabilidades estatais a serem atendidas, tem servido de justificativa à ausência de concretização do dever-ser normativo, fomentando a edificação do conceito da "reserva do possível". Porém, tal escudo não imuniza o administrador de adimplir promessas que tais, vinculadas aos direitos fundamentais prestacionais, quanto mais considerando a notória destinação de preciosos recursos públicos para áreas que, embora também inseridas na zona de ação pública, são menos prioritárias e de relevância muito inferior aos valores básicos da sociedade, representados pelos direitos fundamentais.

O Ministro CELSO DE MELLO discorreu de modo lúcido e adequado acerca do conflito entre deficiência orçamentária e concretização dos direitos fundamentais: "Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à ´´reserva do possível´´ (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, ´´The Cost of Rights´´, 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização - depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado; de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.

Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese - mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da ´´reserva do possível´´ - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.

3. Inexiste ofensa ao art. 535, I e II, CPC, quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos, cujo decisum revela-se devidamente fundamentado. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. Precedente desta Corte: RESP 658.859/RS, publicado no DJ de 09.05.2005. 4. In casu, o Tribunal de origem pronunciou-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos embargos de declaração - nulidade do processo decorrente da ausência de intimação da Advocacia Geral da União, para oferecer impugnação aos embargos infringentes, consoante disposto nos arts. 35 e 36 da LC 73/93 e art. 6º da Lei 9.028/95, consoante se infere do voto-condutor exarado às fls. 537/542. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.

CASO 3: APELAÇÃO CÍVEL Nº 2003.70.00.025872-9/PR

Publicado no DOE em 23/08/2007

RELATORA: Juíza VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE: OLGA DE SOUZA FERRAZ
ADVOGADO: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
APELADO: UNIÃO FEDERAL
ADVOGADO: Luis Henrique Martins dos Anjos
APELADO: ESTADO DO PARANA
PROCURADOR: Eroulths Cortiano Junior e outro
APELADO: MUNICIPIO DE CURITIBA/PR
ADVOGADO: Luis Miguel Justos da Silva e outros

EMENTA:

ADMINISTRATIVO. SUS. DOENÇA RARA NÃO DIAGNOSTICADA. INANCIAMENTO DE VIAGEM AO EXTERIOR PELO SUS. IMPOSSIBILIDADE. RESERVA DO POSSÍVEL.

1. Consabido que o Estado brasileiro dispõe de recursos limitados para a implantação e consecução de políticas públicas diversas, realização de investimentos e prestação dos serviços públicos essenciais.

2. A saúde, apesar de ser um direito assegurado a toda coletividade, submete-se à chamada reserva do possível.

3. As carências da sociedade são identificadas e valoradas pela Administração, que, num juízo eminentemnete discricionário, define as prioridades a serem atendidas, dentro das possibilidades financeiras e orçamentárias do Estado. Não cabe, portanto, ao Judiciário imiscuir-se nesse juízo, determinando a aplicação dos recursos de forma diferenciada daquela pautada por critérios técnicos e científicos.

4. Considerando-se que a doença que aflige a autora, além de ainda não ter sido diagnosticada, é apontada como sendo enfermidade extremamente rara, não sendo certa a possibilidade de sucesso em seu diagnóstico ou tratamento, que certamente teria caráter experimental, deve ser denegado o custeio pretendido, ante a duvidosa possibilidade de êxito.

CASO 4: APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2006.70.12.000064-0/PR

Publicado no DOE em 26/02/2009

RELATOR: Juiz ROGER RAUPP RIOS
APELANTE: ESTADO DO PARANA
PROCURADOR: Luiz Fernando Baldi
APELANTE: UNIÃO FEDERAL
ADVOGADO: Luis Antonio Alcoba de Freitas
APELADO: FERNANDO HENRIQUE COMIN TURRA
ADVOGADO: Ivone Terezinha Ranzolin; Aurimar Jose Turra e outros
REMETENTE: JUÍZO FEDERAL DA VF E JEF DE PATO BRANCO

EMENTA:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. DIREITO À SAÚDE. SISTEMA ÚNICO DA SAÚDE - SUS. EFICÁCIA IMEDIATA. PRESTAÇÃO POSITIVA DE FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO. FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO. PROPORCIONALIDADE.

1. Mercê do disposto no art. 4º da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, conjugado com o art. 196 da Lei Maior, é obrigação do Estado, no sentido genérico (União, Estados e Municípios) assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação necessária.

2. O direito à saúde é direito fundamental, dotado de eficácia e aplicabilidade imediatas, apto a produzir direitos e deveres entre as partes, superada a noção de norma meramente programática, sob pena de esvaziamento da força normativa da Constituição.

3. A doutrina e a jurisprudência constitucionais contemporâneas admitem a eficácia direta da norma constitucional que assegura o direito à saúde; ao menos quando as prestações são de grande importância para seus titulares e inexiste risco de dano financeiro grave, o que inclui o direito à assistência médica vital, que prevalece, em princípio, inclusive quando ponderado em face de outros princípios e bens jurídicos.

4. O princípio de interpretação constitucional da concordância prática exige que se concretizem os direitos fundamentais emprestando-lhes a maior eficácia possível e evitando restrições desnecessárias a outros princípios constitucionais, bem como a ofensa a direitos fundamentais de outros indivíduos e grupos.

5. O direito ao fornecimento de medicamentos deve considerar a competência orçamentária do legislador, a reserva do possível e a eficiência da atividade administrativa, sem perder de vista a relevância primordial da preservação do direito à vida e o direito à saúde.

6. Nesta atividade concretizadora e à luz dos princípios informadores do SUS (da universalidade, da integralidade e da gratuidade), deve-se atentar para que: a) eventual provimento judicial concessivo de medicamento acabe, involuntariamente, prejudicando a saúde do cidadão cujo direito se quer proteger, em contrariedade completa com o princípio bioético da beneficência, cujo conteúdo informa o direito à saúde; b) eventual concessão não cause danos e prejuízos relevantes para o funcionamento do serviço público de saúde, o que pode vir em detrimento do direito à saúde de outros cidadãos; c) não haja prevalência desproporcional do direito à saúde de um indivíduo sobre os princípios constitucionais da competência orçamentária do legislador e das atribuições administrativas do Poder Executivo, em contrariedade ao princípio da concordância prática na concorrência de direitos fundamentais.

7. Perícia comprovando a gravidade da doença, bem como a necessidade de tratamento com o medicamento solicitado.

8. Sentença mantida, inclusive no que se refere à verba honorária.

CASO 5: STF RE-AgR:393175/RS - RIO GRANDE DO SUL

Publicado no DJ 02-02-2007 PP-00140

EMENT VOL-02262-08 PP-01524

AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
RELATOR: Min. CELSO DE MELLO
JULGAMENTO: 12/12/2006
ÓRGÃO JULGADOR: Segunda Turma STF
PARTES:
AGTE.(S) : ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
ADV.(A/S) : PGE-RS - KARINA DA SILVA BRUM
AGDO.(A/S) : LUIZ MARCELO DIAS E OUTRO(A/S)
ADV.(A/S) : LÚCIA LIEBLING KOPITTKE E OUTRO(A/S)

EMENTA:

PACIENTES COM ESQUIZOFRENIA PARANÓIDE E DOENÇA MANÍACO-DEPRESSIVA CRÔNICA, COM EPISÓDIOS DE TENTATIVA DE SUICÍDIO - PESSOAS DESTITUÍDAS DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO ESSENCIAL - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS INDISPENSÁVEIS EM FAVOR DE PESSOAS CARENTES - DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, "CAPUT", E 196) - PRECEDENTES (STF) - ABUSO DO DIREITO DE RECORRER - IMPOSIÇÃO DE MULTA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA.

O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE.

O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente; sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SAÚDE: UM DEVER CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR.

O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, "caput", e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF.


Conclusão

1. O tema da concretização dos direitos sociais envolve vários aspectos polêmicos: como o princípio da reserva do possível; a eficácia do conteúdo programático das normas definidoras dos direitos sociais; a omissão do poder público; e a implementação de políticas públicas pelo poder Judiciário. E além desses aspectos que marcam o debate, no Brasil a problemática adquire características próprias.

2. Dentro do espectro dos valores constitucionais essenciais para o nosso Estado, bem como da dignidade da pessoa, concordamos com o fato de que "fundado nos princípios da justiça social (a solidariedade, o bem comum, a dignidade da pessoa humana) pode o Estado amenizar os problemas sociais graves existentes na sociedade; e o juiz, quando chamado, deve aplicar esses princípios, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana às suas decisões, e aí então, estará promovendo a justiça social, resgatando em parte a dívida social existente" (ABEL, 2005, p. 220). Mas esse objetivo não pode justificar a postura dos que rejeitam a reserva do possível, pois, na prática, como vimos rejeitar a reserva do possível pode gerar injustiças ainda maiores.

3. Concordamos com Abel ao afirmar (refutando as posturas formalistas/positivistas da tradição brasileira) que "o magistrado necessita passar por uma mudança de mentalidade, pois não é mais possível e aceitável que não se reconheça o relevante papel social que desempenha, e é inadmissível, nos dias de hoje, que o magistrado não tenha conhecimento e sensibilidade da situação social em que vivem milhões de pessoas" (ABEL, 2005, p. 221).

4. Mas essa atuação do Judiciário na implementação de políticas públicas em saúde deve ser bastante ponderada e levar em consideração o sistema de saúde como um todo, segundo os argumentos de Gustavo Santos e Appio, apresentados acima.

5. Concordamos, portanto com os argumentos de Gustavo Santos e Appio, quando afirmam que a adoção irrestrita do princípio do mínimo existencial seguida da rejeição da reserva do possível, tentando justificar sentenças que obriguem o Estado a prestar todo tipo de medicamento, mesmo os que não estão previstos nas listas do SUS, pode sem dúvida gerar uma injustiça ainda maior.


Referências

ABEL, Ivan José. Justiça social e dignidade humana: uma reflexão sobre o Poder Judiciário. Bauru: EDUSC, 2005. 276 p. (Cadernos de Divulgação Cultural, 82).

APPIO, Eduardo. A justiciabilidade dos direitos sociais no país: populismo judiciário no Brasil. 2006..In:http://www.eduardoappio.com.br/material_alunos/a%20justiciabilidade%20dos%20direitos%20sociais%20no%20brasil.doc. Acesso em 25/04/2009.

CANOTILHO, José J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra: Almedina, 2003. 1522 p.

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GUERRA, Gustavo Rabay. A concretização judicial dos direitos sociais, seus abismos gnosiológicos e a reserva do possível: por uma dinâmica teórico-dogmática do constitucionalismo social. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1047, 14 maio 2006. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/8355. Acesso em 25/04/2009.

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SANTOS, Gustavo Ferreira. Eficácia Judicial do Direito Fundamental à Saúde – Reflexões iniciais. In: NETO, Manoel Severo (Org.). Direito, Cidadania e Processo. Vol. 2. Recife: FASA, 2006. 374 p.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 5 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004. 343 p.

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Sobre o autor
Jair Lima dos Santos

Acadêmico do curso de Direito da UNICAP - Universidade Católica de Pernambuco; Bolsista do PIBIC-CNPq; Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia Antiga e Medieval -GEPFAM/CNPq

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Jair Lima. Direitos fundamentais prestacionais.: Nota sobre o controle judicial de políticas públicas em saúde. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2449, 16 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14488. Acesso em: 25 abr. 2024.

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