1. Financiamento de campanhas e Democracia
A relação entre meios econômicos e poder político está entre os maiores desafios enfrentados pelas sociedades que pautam sua organização política pela democracia representativa. Com efeito, em sociedades as mais diversas, nas quais o poder é repartido mediante eleições periódicas, são verificados pleitos contaminados pelo patrocínio de facções políticas por grupos econômicos. São casos em que a disputa eleitoral ocorre de forma desequilibrada, já que, de forma lícita ou não, esses agentes asseguram a vitória política com a utilização de recursos materiais excessivos, os quais não apenas proporcionam a contratação de profissionais de campanha competentes, como são empregados na cooptação de lideranças ou na simples compra de votos. Paralelamente a esse fenômeno, são observadas inovações institucionais adotadas por essas mesmas sociedades, com o intuito de coibir tais práticas e garantir eleições em condição de disputa razoável. O tratamento recebido pelas contas de campanha no direito brasileiro se insere nesse amplo espectro, e o sensível desenvolvimento recebido pela matéria no período democrático recente, com relevantes alterações na legislação e nas práticas administrativas e jurisprudenciais da Justiça Eleitoral, são prova disso.
O equilíbrio material entre os contendores em uma eleição é necessidade imposta pelo regime democrático [01]. A eleição é um mecanismo institucional de regulação dos conflitos existentes na sociedade [02] e, por esse motivo, os inúmeros agentes sociais interessados em usar ou direcionar o poder em jogo na disputa tendem a favorecer, com recursos de toda ordem, os candidatos que, a seu juízo, melhor atenderão a seus interesses. A quantidade de recursos utilizados pelos candidatos para a obtenção de votos afeta a decisão do eleitor, podendo-se afirmar que há uma tendência de correlação positiva entre volume de recursos disponíveis e resultado eleitoral.
Observe-se que o sentido de democracia assumido na ordem jurídico-constitucional brasileira harmoniza-se com o padrão dito democrático adotado contemporaneamente pela maioria dos Estados ocidentais, nos quais se percebe uma separação formal entre autoridade política e poder econômico [03]. É uma arena em que não se admite que "nenhum cidadão comercie seus privilégios políticos por maiores direitos econômicos, ou vice-versa; isto é ninguém pode legalmente comprar ou vender votos por dinheiro" [04], mesmo porque, conforme acentua Downs, em um eventual mercado em que se permitisse a livre compra e venda de votos, haveria uma nítida tendência a que o vencedor na política fosse sempre o detentor de alta renda ou grande capital [05]. E, nesse caso, estar-se-ia possibilitando a submissão da cidadania política aos interesses da elite econômica, confundindo-se esferas de poder que deveriam ficar desatreladas.
No Brasil, as eleições têm ficado cada vez mais caras [06], aproximando-se do modelo norte-americano de financiamento de campanhas [07], segundo o qual cada candidato pode se utilizar de tantos recursos quanto consiga arrecadar, o que permite a desigualdade de meios entre os concorrentes nas eleições [08]. Sob tal premissa temos assistido, nos últimos anos, a mudanças legais e jurisprudenciais com o objetivo de restringir a disparidade de recursos entre os candidatos e o abuso do poder econômico nas eleições, ainda que se reconheça que muitas vezes as mudanças na lei eleitoral ocorrem de forma timida, já que sua formulação se dá pelas mãos de quem já está no poder e pode estabelecer as regras [09]. Nessa perspectiva de mudanças, cumpre observar que alternativas como o financiamento público de campanhas [10], ou a adoção de um sistema eleitoral [11] diverso do atual têm sido debatidas pela sociedade e pelo Congresso Nacional, com o objetivo declarado de assegurar mais competição no pleito eleitoral.
É certo que, ainda no Código Eleitoral vigente, de 1965, e mesmo antes dele, já havia uma preocupação do direito brasileiro com a influência do poder econômico nas eleições, fundamentada tanto nas desigualdades sociais que marcam nossa sociedade, quanto em um histórico de predomínio de relações sociais verticalizadas e assimétricas, no seio das quais emerge o fenômeno do cientelismo [12]. O art. 237 do Código Eleitoral proíbe o abuso do poder econômico, cuja ocorrência pode ensejar, nos termos do art. 222, até a anulação de votos e da própria eleição. Na regra da Lei n.º 9.504, de 1997, com suas alterações, temos, além de preceitos genéricos, uma sistemática minuciosa e rigorosa aplicada à manipulação de recursos em campanhas eleitorais, a qual será comentada.
2. Pressupostos Gerais
2.1 A disciplina jurídica que ordena a arrecadação de recursos e a realização de gastos de campanha, além da prestação de contas respectiva, deriva principalmente da Lei das Eleições. Frise-se, contudo, que a matéria é regulada não só pela Lei n.º 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições), mas também por dispositivos do Código Eleitoral, da Lei n.º 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos), e de atos infra-legais, como a Resolução TSE n.º 22.715, de 28 de fevereiro de 2008, a Portaria Conjunta SRFB-TSE n.º 74, de 10 de janeiro de 2006, a Instrução Normativa Conjunta-SRFB/TSE n.º 838, de 18 de abril de 2008, e normas específicas editadas por Carta-circular do Banco Central.
A gestão financeira da campanha eleitoral obedece a certas rotinas que, conquanto resultem em procedimentos detalhados, são tidas como essenciais para que haja algum controle das eleições. Alguns requisitos prévios devem ser observados pelo candidato ou comitê, conforme o caso. Ninguém poderá obter recursos para campanha se antes não dispuser de registro de candidatura ou do comitê financeiro, de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ –, de conta bancária específica, e de recibos eleitorais [13].
2.2. Para o candidato realizar movimentação financeira é necessário que seu pedido de registro tenha sido deferido pela Justiça Eleitoral [14]. Com o registro o candidato recebe o número no CNPJ e pode abrir conta-corrente na rede bancária.
A inscrição no CNPJ se opera mediante o envio de relação de candidatos pela Justiça Eleitoral à Secretaria da Receita Federal – SRF –, que, ato contínuo, providenciará um registro no citado cadastro para cada candidato, o qual será divulgado na página da SRF na Internet.
No caso de não ser gerada a inscrição no CNPJ, de alteração de candidatura, ou de haver alguma divergência no cadastro, o candidato ou comitê não deve se dirigir diretamente à Receita Federal, mas à Justiça Eleitoral, a quem cabe o contato com a repartição fazendária. Pode, inclusive, requerer autorização para a realização de alguma movimentação financeira, hipótese em que o requerimento deve ser estabelecido em termos precisos, individualizando-se cada movimentação e seu objetivo. Neste caso, o Juiz decidirá levando em consideração a relevância das alegações do candidato e eventual prejuízo que o mesmo possa sofrer com o atraso de sua campanha.
2.3. O Comitê Financeiro deve ser constituído pelo Partido Político [15], que determinará sua estrutura e organização, na qual haverá menos um Presidente e um Tesoureiro. O Partido deverá, ainda, optar pela criação de um único comitê, ou pela instituição de dois comitês, um para as candidaturas ao Executivo e outro ao Legislativo, desde que as tenha [16]. Observe-se que o comitê é sempre de partido, pois não cabe comitê financeiro de coligação [17].
Os comitês devem estar constituídos em até 10 dias contados da escolha de candidatos em convenção. Da data de sua constituição, contam-se até cinco dias para o registro, que será encaminhado à justiça eleitoral e instruído com cópia da ata da convenção ou reunião partidária que deliberou sobre a constituição, composição e tipo de comitê; e relação nominal de seus membros, com respectivas funções, números de CPF e assinaturas.
A constituição ou o registro estabelecidos fora do prazo ou das condições estipulados pela Lei Eleitoral devem ser verificados de ofício pela jurisdição eleitoral, correndo em favor do partido a presunção "juris tantum" de regularidade do comitê no silêncio da Justiça Eleitoral [18].
Não há sanção para o descumprimento de prazos ou formalidades [19], mas tais irregularidades podem impactar o julgamento das contas. Nestes casos o candidato não pode ser responsabilizado pela omissão do partido [20], nem a simples ausência de registro do comitê financeiro é tida como motivo suficiente para a rejeição das contas do candidato [21].
Há divergência quanto à possibilidade de se efetuar registro fora do prazo [22]. Observe-se, contudo, que, em se tratando de procedimento administrativo, deve-se admitir, consoante os princípios da eficiência, da razoabilidade e da finalidade [23], e em face às circunstâncias do caso concreto, certa flexibilidade em benefício de um pleito mais democrático.
Recomenda-se, outrossim, que o candidato interessado acompanhe os procedimentos de seu interesse, a fim de se resguardar contra eventual negligência do representante partidário. Em matéria de seu interesse direto, tem o candidato legitimidade para intervir em qualquer procedimento na Justiça Eleitoral.
Apresentado o pedido de registro, o Juiz Eleitoral o apreciará, podendo requerer diligências em até 72 horas, sob pena de indeferimento do pedido. Ante um eventual indeferimento de registro, cabe recurso ao TRE. Deferido o registro, os autos serão guardados no cartório eleitoral até a prestação de contas.
2.4. O candidato realizará pessoalmente ou por intermédio de pessoa designada a administração financeira de sua campanha [24]. Em qualquer hipótese o candidato, nos termos do art. 21 da Lei das Eleições, responde pela veracidade das informações financeiras e contábeis de sua campanha.
Note-se que o atual sistema distancia-se da regra do Código Eleitoral, que vedava ao candidato lidar diretamente com recursos e gestão financeira de campanha [25]. A atual regra se adapta melhor ao objetivo de controle sobre o uso de recursos nas eleições, na medida em que a responsabilização do candidato é assumida como premissa para se assegurar equilíbrio nas eleições [26].
2.5. A abertura de conta bancária tem por finalidade o registro de toda a movimentação financeira da campanha [27]. É meio para a fiscalização da disputa [28], bem como para a lisura do processo eleitoral [29]. Todos os candidatos devem abrir a respectiva conta-corrente em banco, mas em Municípios onde não há agência bancária a abertura da conta é facultativa. Nos Municípios com menos de 20 mil eleitores é facultativa a abertura da conta para os candidatos a Vereador. Nos casos em que o candidato optar por não abrir a conta bancária, o controle financeiro de sua campanha deverá ser empreendido por outros meios. Nesta hipótese, caberá Justiça Eleitoral exigir comprovação do movimento financeiro alegado, sempre que julgar necessário. Recorde-se que, sob o atual regramento, o conceito de movimentação financeira inclui os recursos estimáveis em dinheiro, o que muitas vezes é desprezado ou ignorado por candidatos, notadamente nas eleições municipais. Com efeito, muitos candidatos não utilizam dinheiro em espécie na campanha, mas tão-somente recursos de que já dispõe como carro, telefone ou material impresso recebido do Partido. Nesses casos, apesar de não usarem dinheiro, há uma movimentação de recursos que deve ser declarada e, se for necessário, comprovada.
A conta deve ser aberta com a denominação gerada pela inscrição do candidato no CNPJ [30], sendo ilícito o uso de conta preexistente ou sob outro nome [31]. A abertura da conta deve ocorrer em até dez dias da inscrição da candidatura no CNPJ, independentemente de já haver arrecadação de meios monetários para a campanha. Observe-se que a conta bancária deve preexistir à realização da campanha, sob pena de rejeição de contas, ainda que a movimentação de dinheiro não se efetive imediatamente [32].
A conta bancária será aberta em qualquer agência bancária, mediante o preenchimento de Requerimento de Abertura de Conta Eleitoral – RACE –, disponível na página do TRE na Internet, além da entrega da prova de inscrição no CNPJ. Cada candidato pode abrir uma única conta e os bancos são obrigados a acatar qualquer pedido de abertura de conta de candidato.
A conta bancária será identificada, nos termos do art. 13 da Resolução 22.715/2008, com a indicação do nome do candidato ou do comitê financeiro e das eleições em curso.
Aponte-se que a Súmula 16 permitia que, ainda que não houvesse a conta bancária, a regularidade das contas de campanha pudesse ser provada por outros meios. Tal jurisprudência foi superada, consolidando-se interpretação diversa pelo TSE [33]. De fato, a clareza do texto legal, a finalidade da norma e o risco de aplicação indiscriminada da mencionada súmula tornam o atual entendimento mais coerente com nosso sistema jurídico.
Entende-se, pois, que, salvo as exceções legais, a conta bancária é imprescindível para a regularidade da prestação de contas do candidato [34]. Consoante os termos expostos pelo Min. Carlos Velloso, é por meio da conta bancária que se pode verificar o movimento financeiro da campanha, razão pela qual a omissão do candidato viola o art. 22 da Lei n.º 9.504/97 [35]. Trata-se de obrigação imposta até mesmo ao candidato que renuncia ou tem o registro da candidatura cancelado [36].
As contas do partido e de cada candidato, em tese, não se confundem, contudo, é possível que contas manejadas pelo partido, por ele prestadas e aprovadas pela Justiça Eleitoral, possam gerar aprovação, ainda que com ressalvas, de conta de candidato que cumpriu outras formalidades, como a abertura de conta-corrente, e pôde evidenciar seu movimento financeiro [37].
2.7. O recibo eleitoral é documento oficial e imprescindível para a legalidade da arrecadação de recursos [38]. Todo recurso arrecadado, seja ele próprio, de partido ou de outro doador, seja em dinheiro ou estimável em dinheiro, deve acontecer mediante emissão do correspondente recibo eleitoral.
Todo recurso arrecadado demanda emissão de recibo eleitoral [39], salvo rendimentos de aplicações financeiras, que são comprovados pelos extratos bancários correspondentes. A ausência de recibo constitui vício insanável [40], pois impossibilita o controle das contas pela Justiça Eleitoral [41]. Recibos rasurados ou adulterados podem ensejar rejeição de contas [42], mas é permitida a correção de recibos com impressão defeituosa, desde que autorizada pela justiça eleitoral [43]. É possível, bem assim, que, em face de extravio de recibo, a apresentação da via do doador supra a sua falta na prestação de contas.
A responsabilidade pela confecção, controle de numeração e distribuição dos recibos é do Diretório Nacional do partido, obedecendo ao modelo previsto na Lei 9.504/97. Essa atribuição poderá ser, por ato formal e expresso, delegada pela instância nacional aos diretórios estaduais, remanescendo, entretanto, sua responsabilidade. Produzidos os recibos, são enviados aos diretórios municipais, que os distribuirão aos candidatos.
O preenchimento do recibo e sua entrega ao doador devem ocorrer no momento da doação, mas o TSE já decidiu que "o preenchimento de recibos após a entrega da prestação de contas não enseja rejeição de contas, mas aprovação com ressalvas" [44], desde que corresponda a operações efetivamente ocorridas e verificáveis.
Cumpre aos diretórios nacionais informar ao TSE a quantidade de recibos produzidos, com sua numeração e indicação de beneficiários, assim como a identificação da empresa responsável pela impressão desses documentos, valores pagos a ela e documento fiscal correspondente ao negócio.
Os recibos eleitorais não distribuídos devem ser devolvidos ao TSE após as eleições. Os casos de roubo, perda ou extravio de recibos devem ser registrados, inclusive em ocorrência policial, quando for o caso, e imediatamente comunicados à Justiça Eleitoral.
3. A Arrecadação de Recursos [45]
3.1. A realização de campanha pelo candidato requer recursos, os quais serão arrecadados com observância dos limites impostos pela lei, sob pena de desaprovação de contas. É de se notar que a lei se ocupa apenas dos recursos utilizados na campanha eleitoral propriamente dita, não incidindo sobre eventuais vantagens que alguns candidatos possuem de antemão. Verifica-se, na prática, que a ação estratégica de candidatos que exercem mandatos, de aspirantes a mandato e de doadores de recursos tende a provocar restrições para os que recém ingressam nessa arena, assim como para os que dispõem de poucos recursos [46]. Indicadores como a taxa de reeleição de parlamentares em contextos de prodigalidade de recursos públicos para clientelismo e patronagem evidenciam esse dado na experiência brasileira [47]. Assim é que possibilidades como a distribuição de emendas orçamentárias particularizadas por parlamentares tendem a ser um instrumento eficaz de conquista de votos [48], embora contrárias tanto ao princípio da impessoalidade na atividade administrativa do Estado, quanto ao princípio democrático, que implica equilíbrio na disputa eleitoral.
3.2. A Lei 9.504/97, determina que, cumpridas as exigências prévias para arrecadação, os candidatos poderão se mobilizar em busca de meios para a realização de suas campanhas, elemento tido como relevante para o sucesso eleitoral [49].
A arrecadação de recursos ocorre por meio de cheque ou outro título de crédito apto, transferência bancária ou depósito identificado, respeitado o limite monetário por doador. Acontece, também, mediante bens e serviços estimáveis em dinheiro, mesmo os que o próprio candidato coloca na campanha, tais como telefone, automóvel, imóvel, ou móveis de escritório, por exemplo. É proibida a receita antecipada para campanha, sujeitando o infrator a rejeição de contas [50].
Toda doação será identificada, a fim de possibilitar à Justiça Eleitoral meios de fiscalização [51]. Recursos financeiros devem transitar pela conta bancária e, em qualquer hipótese, haverá a emissão do recibo eleitoral.
A arrecadação de recursos ocorre até o dia da eleição, ordinariamente, e, excepcionalmente, no lapso entre a eleição e a prestação de contas final. Neste último caso só é permitida a arrecadação de recursos destinados ao pagamento de obrigações contraídas no período eleitoral e não quitadas até do dia da eleição.
O candidato não poderá deixar débitos de campanha, nem mesmo assumindo-os ou mediante sua assunção por terceiros, inclusive o partido político.
3.3. A Lei das Eleições considera lícitas as receitas oriundas de recursos próprios, do Fundo Partidário, de comercialização de bens ou realização de eventos, e as doações, que podem ser de pessoas físicas, pessoas jurídicas, outros candidatos, comitês financeiros ou partidos políticos.
Lei Federal fixará, até o dia 10 de junho do ano eleitoral, o limite financeiro de campanha para cada cargo em disputa, consoante o art. 17-A da Lei 9.504/97. Na omissão legislativa, caberá a cada partido definir seu limite de gastos, informando-o à Justiça Eleitoral. O partido fixará, ainda, o limite para cada cargo em cada eleição. Em caso de necessidade, justificada perante a Justiça Eleitoral, poderá ser alterado o limite determinado pelo partido [52].
A alteração de limite é medida excepcional e somente pode ocorrer em situações justificadas, em benefício da disputa eleitoral. O TSE consagrou em jurisprudência as balizas a serem observadas nesse caso. A alteração poderá ser autorizada pela Justiça Eleitoral quando houver um fato superveniente e imprevisível a motivar a necessidade de mudança nesse teto [53].
Entre as hipóteses de alteração de limite destaca-se a ocorrência de segundo turno. A possibilidade de alteração de limite nos casos em que há dois turnos tem sido admitida pelo TSE, mormente em jurisprudência destacada das últimas duas eleições nacionais [54]. Parece-me, contudo, convincente a argumentação contida nos votos vencidos do acórdão do TRE-MG, que permitiu alteração de limite para candidato à prefeitura de Belo Horizonte em 2008 [55]. Segundo a posição referida, não se pode admitir como imprevisível o segundo turno, já que é uma etapa que acontece exatamente por estar prevista na Constituição e na Lei eleitoral. Assim é que os candidatos a eleições majoritárias com previsibilidade de segundo turno já deveriam realizar, originariamente, a indicação de limite contando com essa possibilidade.
A doação acima do limite constitui infração passível de multa, contudo, é necessária a aceitação do donatário para se concretizar a irregularidade, motivo pelo qual se o candidato devolve os valores doados acima do limite legal, fica restaurada a legalidade [56].
A infração a esses limites gera multa equivalente a cinco a dez vezes o valor ultrapassado. Para a pessoa jurídica infratora acarreta, também, proibição de participar de licitações públicas e de contratar com o poder público.
O limite para utilização de recursos próprios é o que esbarra no máximo para a campanha, definido pela lei ou pelo partido [57]. A pessoa física pode doar até 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao da eleição, e a pessoa jurídica deve respeitar um limite de 2%, calculado sobre idêntica base.
A doação de recursos próprios de um candidato a outro submete-se ao limite legal de pessoa física [58]. As doações que um candidato faz a outro, mas derivam de recursos por ele arrecadados de outras pessoas físicas ou jurídicas, não se submetem ao mesmo limite, já que estão contabilizadas pelo candidato doador, neste caso com a observância do limite.
Observe-se que esses limites têm como base de cálculo apenas a renda auferida pelo doador no exercício fiscal anterior ao ano da eleição, não importando seu patrimônio [59]. Consoante convênio entre o TSE e a SRF, terminadas as eleições a Justiça Eleitoral consolidará as doações declaradas e as enviará à receita federal, para fins de apuração dos limites legais de doação. Os casos considerados irregulares serão encaminhados ao Ministério Público Eleitoral.
O art. 27 da Lei das Eleições determina que qualquer eleitor poderá realizar gastos em benefício de candidato, respeitando o limite de um mil UFIRs por pessoa. Esses valores não se sujeitam a contabilização, desde que não reembolsados pelo candidato ou pelo partido [60]. Essas despesas não se confundem com doação, que deve ser regularmente contabilizada [61].
3.4. De maneira mais específica, as doações deverão obedecer a determinadas formalidades. As doações estimáveis em dinheiro deverão ser registradas pelo candidato ou comitê, com indicação do bem ou serviço, sua quantidade, estimativa de valor unitário, avaliação de preços praticados pelo mercado, origem da avaliação e identificação dos respectivos recibos eleitorais.
Os recursos estimáveis em dinheiro devem ser registrados, a fim de que se possa verificar a exata dimensão de recursos utilizados em uma campanha, em reconhecimento ao fato de que muitas vezes esses recursos são mais importantes que dinheiro [62].
Doações em cheque deverão ser efetuadas mediante cheque cruzado e nominal. Transferências eletrônicas bancárias e depósitos em conta deverão identificar o nome do doador e seu CPF ou CNPJ.
A comercialização de bens e a realização de eventos deverão ser comunicados formalmente à Justiça Eleitoral, com pelo menos 5 dias de antecedência, e sua realização deve ser comprovada na prestação de contas do candidato ou comitê, com a documentação correspondente. Os valores arrecadados por esses meios deverão ser integralmente revertidos para a conta de campanha e nela utilizados.
3.5. Recursos de origem não identificada não podem ser utilizados pelos candidatos ou comitês financeiros. Assim, "a falta de identificação do doador e/ou da informação de números de inscrição inválidos no CPF ou no CNPJ caracteriza o recurso como de origem não identificada" [63]. Os recursos referidos neste tópico compõem sobras de campanha, devem ser declarados na prestação de contas e transferidos para o partido, que os utilizará nos termos da lei. É, inclusive, vedado o uso de serviço de captação de doações pelos telefones 0900, sem identificação, o qual gera rejeição das contas de campanha [64]. São considerados ilícitos os recursos com as seguintes origens [65]:
– entidade ou governo estrangeiro;
– órgão da administração pública direta e indireta ou fundação mantida com recursos provenientes do poder público;
– concessionário ou permissionário de serviço público;
– entidade de direito privado que receba, na condição de beneficiária, contribuição compulsória em virtude de disposição legal;
– entidade de utilidade pública;
– entidade de classe ou sindical;
– pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos do exterior;
– entidades beneficentes e religiosas;
– entidades esportivas;
– organizações não governamentais que recebam recursos públicos;
– organizações da sociedade civil de interesse público;
– sociedades cooperativas de qualquer grau ou natureza;
– cartórios de serviços notariais e de registro.
O uso de recursos recebidos de fonte vedada é irregularidade insanável e pode levar à desaprovação das contas do candidato, mesmo que haja restituição do valor. Concorre para a verificação da ilicitude a relevância do valor doado [66], verificada em função do princípio da razoabilidade. Trata-se de matéria repleta de peculiaridades, verificáveis na jurisprudência eleitoral.
A vedação a concessionários ou permissionários de serviço público [67], é extensiva a quem, por contrato administrativo, também opera serviço público de forma delegada [68], inclusive as chamadas subconcessionárias. O TSE já julgou, contudo, que o mero autorizatário não está impedido de doar [69], decisão que não leva em conta o regime jurídico-administrativo, no qual delegatários em geral compõem um gênero caracterizado pela prestação de serviço público em nome do Estado, nem ao espírito da lei eleitoral, que veda certas doações em função da relação promíscua que pode haver entre interesses estatais e de particulares que se relacionam com o ente público.
A impossibilidade do recebimento de doação de concessionário ou permissionário de serviço público, de entidade de classe ou sindical, ou de pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos do exterior, não se confunde com a possibilidade de o candidato celebrar contrato com esses entes, desde que comprovado o contrato e efetuado o correspondente pagamento [70].
Entre outras hipótese, o TSE já decidiu que comparecer o candidato a festa de aniversário de Sindicato não configura doação ilícita, estimável em dinheiro [71]. Julgou, também, que o Clube de Dirigentes Lojistas – CDL – é entidade associativa, mas não de classe [72], assim como não são de classe entidades que não têm associados com idênticas atividades ou interesses [73]. Na jurisprudência eleitoral, entidade de classe deve congregar pessoas com interesses sociais, profissionais ou econômicos comuns, identificando, pois, uma determinada classe [74].