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Extradição: Lei nº 6.815/80.

A quem compete conceder a extradição?

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19/03/2010 às 00:00
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O IMBRÓGLIO EM QUE SE ENVOLVEU O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Por oportuno e correlato ao tema ora articulado, resolvemos aqui abordar o imbróglio em que está envolvido o nosso Supremo Tribunal Federal.

Uma situação delicada, muito principalmente porque o quanto decidido a seu respeito, certamente, influirá na imagem de nossa Nação perante a comunidade internacional. Poderá se constituir tanto como título que ratifique a honradez do País, como também que o desacredite perante as demais nações. Trata-se da extradição do senhor Cesare Battisti, cidadão de nacionalidade italiana, foragido da justiça de seu país, que - por encomenda, a não ser que as evidências sejam traidoras - aqui se encontra de há muito homiziado (quando livre acobertado por autoridades; e depois de preso não lhe faltaram a solidariedade e os afagos dessas mesmas autoridades). Não fossem os misteriosos interesses nela envolvidos, essa questão seria, à luz da lei brasileira, de fácil solução. Esse cidadão é reclamado pela Itália, pela via de processo extradicional, fundado em tratado de extradição que o Brasil mantém com aquela nação e que vigora desde o dia 1º de agosto de 1993.


DECISÃO

Com uma surpreendente votação – já que a opinião pública tinha conhecimento de que a Itália havia demonstrado sobejamente que os crimes atribuídos ao paciente-reclamado não tinham conotação política, pois ultrapassaram as raias do admissível como tais -, os Ministros do STF decidiram pela extradição do reclamado: cinco (5) votos pela procedência da súplica da Itália e quatro (4) pela improcedência – um sufrágio surpreendente sim, mas que decorreu de análises subjetivas dos fatos que lhos foram apresentados nos autos. Cada Ministro expressou seu livre convencimento, para o que estão autorizados por lei. Portanto, não cabe a quem quer que seja censurar a votação apertada da qual foi extraído o veredicto.


DECISÃO INESPERADA

Talvez movidos pelo clamor dos aficionados do senhor Cesare Battisti, o Supremo Tribunal Federal tomou uma posição inesperada, qual seja, a de submeter a escrutínio a seguinte proposição: a quem compete cumprir o entendimento consagrado pela maioria dos Doutos Magistrados integrantes do Colendo Supremo Tribunal Federal, ou seja, conceder a extradição? Acrescente-se ao termo "surpreendente" os vocábulos "inconcebível", "injustificável" e "decepcionante" e a expressão "atestado de submissão e covardia" e estaremos diante do que simbolizou o quanto decido - por, mais uma vez, cinco (5) votos a quatro (4) (poderia ser por 8 X 0, 7 X 1 e seria igualmente injustificável) - pela "Sábia Máxima Corte de Justiça" de nosso País: ‘caberá ao Presidente da República aquiescer ou não ao entendimento adotado pela maioria dos juízes-ministros do STF, e, por conseqüência, extraditar ou não o senhor Cesare Battisti’. Nesse caso não há que se falar em livre convencimento. É questão de observância do quanto exposto na legislação pertinente.


TRATADO DE EXTRADIÇÃO BRASIL-ITÁLIA

O Tratado de Extradição Brasil-Itália observou as formalidades legais, ou seja, foi celebrado, por delegação, pelo Presidente da República Federativa do Brasil; foi referendado pelo Congresso Nacional brasileiro; teve seus termos ratificados e trocados pelas nações celebrantes e; por fim, foi posto em vigor por força de Decreto Presidencial. É lei no sentido próprio da palavra.

O art. 1º do Decreto Presidencial nº 863, de 9 de julho de 1993, diz o seguinte: "O Tratado de Extradição, firmado entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana, em 17 de outubro de 1989, apenso por cópia ao presente decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém" (grifo nosso). No Artigo I do Tratado de Extradição Brasil-Itália está estabelecido: "Cada uma das Partes OBRIGA-SE a entregar a outra, mediante solicitação, segundo as normas e condições estabelecidas no presente Tratado, as pessoas que se encontrem em seu território e que sejam procuradas pelas autoridades judiciárias da Parte requerente, para serem submetidas a processo penal ou para a execução de uma pena restritiva de liberdade pessoal" (grifos nossos).


DESATENÇÃO E TIBIEZA DO STF

Se o fato de se reunirem para discutirem o óbvio, ou seja, a competência para conceder a extradição, foi uma decepção, a conclusão a que chegou o Supremo Tribunal Federal - ressalte-se, não por unanimidade – traduziu-se numa verdadeira humilhação. Não conseguimos tirar de nossa mente a imagem de nove (9) juízes-ministros do STF (a composição plena no julgamento – dois (2) não participaram), trajando suas vistosas togas pretas, ajoelhados e curvados diante do Presidente da República e, a nove (9) mãos, entregando-lhe o acórdão e dizendo-lhe: ‘Senhor Presidente, nós concluímos que a súplica da Itália está revestida das formalidades legais, que seu pleito tem procedência e, assim, decidimos pela concessão da extradição. Mas, como o Senhor é o "Todo Poderoso", a decisão de entregar o paciente-reclamado à Itália fica ao bel-prazer de Vossa Excelência’.

Antes dissemos que talvez o clamor dos simpatizantes do reclamado, entre estes autoridades governamentais, tenha levado alguns juízes-ministros do STF a chegarem à decepcionante conclusão de que o quanto por eles decidido deveria ficar submetido aos caprichos do Presidente da República. Mas preferimos nisso não acreditar, pois difícil é admitirmos que os honoráveis ministros-juízes do STF abdicassem de seus compromissos para com a justiça para cederem aos reclamamos desses inconformados. Optamos por entender que se tratou de um instante de rara infelicidade; de uma desatenção. Uma desatenção que já custou caro ao prestígio da Corte Máxima de Justiça nacional perante a comunidade jurídica internacional, pelo só fato, repetimos, de submeterem a escrutínio essa questão. Uma desatenção que infelizmente não pôde deixar de simbolizar covardia e submissão de um dos Pilares da República a outro, quando nossa Carta Maior assegura aos mesmos independência (Art. 2º. "São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário")

Estamos diante de uma situação deveras inusitada: um Supremo Tribunal Federal como se desnorteado estivesse; como um boxeador no ringue nocauteado, cambaleando. Uma tibieza que não se justifica. Não se encontra em texto legal pertinente que tem o Supremo de noticiar a extradição por si concedida diretamente ao Presidente da República e muito menos que o STF faculte ao Presidente da República o cumprimento ou não de decisão por si prolatada em processo extradicional, ou outro qualquer. A notícia da decisão, segundo se depreende do quanto contido na lei 6.815/80, art. 86, deve ser transmitida ao Ministério das Relações Exteriores. Mas no tratado Brasil-Itália estabeleceu-se, no art. 10, que a comunicação pode ser feita ao Ministério da Justiça ou ao Ministério das Relações Exteriores. Não estamos dizendo que ao STF é vedado comunicar a decisão ao Presidente, mas, sim, que o STF comunicando ao Ministério da Justiça já se desincumbe do seu encargo.

A Lei nº 6.815/80, no art. 77, parágrafo 2º, e art. 83, defere ao STF competência exclusiva para se pronunciar sobre a legalidade e procedência da extradição requerida. Em momento algum é atribuída competência ao Presidente da República para emitir pronunciamento sobre o pleito. E não poderia ser diferente.

Insistimos, ao Supremo Tribunal Federal o legislador atribuiu competência para decidir sobre a procedência ou não de um eventual pedido de extradição. Ao Presidente da República, por si ou por delegação, o legislador deferiu a honrosa missão de comunicar à nação requerente a decisão da Nação brasileira, que presume-se ser de certeza indubitável, pois consubstanciada no entendimento de sua mais Alta Corte de Justiça, que, também se presume, ser a essência do saber jurídico nacional.

Não há como fugir desta conclusão. A extradição "entabulada", "convencionada", é um instituto delicadíssimo; envolve um dos mais relevantes interesses de uma nação, qual seja, repetimos, a sua honradez perante a comunidade internacional, em especial as com quem celebrou tratado ou convenção. Esse interesse não pode ser preterido em favor de ideologias ou quaisquer outros interesses. Com o Brasil não pode ser diferente. Não há por que se abdicar da honradez do País em favor de ideologias do Presidente da República e tampouco de seus correligionários, que, ressalve-se, com as quais não compartilha a maioria do povo brasileiro. Se pretendesse o legislador que a extradição ficasse a critério do Presidente da República, certamente, não perderia seu tempo numa elaboração legislativa tão rica em zelo. Bastaria tão-só deferir ao Presidente a prerrogativa de extraditar ou não, e ele, por sua vez, se cercaria de cuidados necessários, a seu juízo, para decidir.

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DESGASTE DO STF À VISTA

Temos certeza absoluta de que desse imbróglio todo em que se envolveu o STF o que mais ansiosamente o Presidente Lula espera é o acórdão concedendo a extradição, mas com expressa menção de que "a entrega do paciente ficará a seu exclusivo critério". É tudo o que ele quer. É a segurança de que precisa para denegar a extradição requerida pela Itália. Recebendo o acórdão "nos termos em que espera" – que o traduzirá como uma expressa autorização para extraditar ou não -, "em cima da perna", proferirá despacho denegatório da extradição requerida e determinará o incontinenti livramento do paciente. E a Itália ficará a ver navios, ou melhor, a ver um avião desaparecer entre as nuvens rumo a Caracas, ou Havana. É claro que a Itália não se conformará e tomará providências que culminarão com o desprestígio do Brasil junto à comunidade internacional. E, para o STF, o pior virá. Por provocação ou mesmo "ex-officio", já que é guardião da Constituição e das leis dela consectárias, se o Presidente da República não cumprir o quanto por ele, STF, decidido, deverá chamá-lo a responder por crime de responsabilidade – art. 85 e seu inciso VII da C.F.. E aí está o "x" da questão. Instado a responder por crime de responsabilidade, em sua defesa, se declarará inocente e não hesitará em atribuir culpa ao Supremo Tribunal Federal por tê-lo induzido a erro. Aí, prepare-se nossa mais Alta Corte de Justiça para ser internacionalmente reconhecida "incompetente". E livrar-se-á incólume o Presidente.


PELO BRASIL, O STF DE VOLTA À ALTIVEZ

Mas nem tudo está perdido; há tempo e meio para a salvação. Basta que o STF desperte do estado de letargia em que se encontra e, sem maiores formalidades - à semelhança do que fez para adotar a resolução ora censurada – convoque uma sessão onde seus membros, despidos de vaidades - especialmente os Ministros que votaram pela submissão do veredicto à apreciação do Presidente da República –, reconheçam o erro em que incorreram e a considerem como ato de mero expediente e, pois, "extrajulgado", não devendo, assim, fazer parte do acórdão – o que é apreciado no julgamento é a legalidade e a procedência da extradição (art. 83 da Lei nº 6.815/80). O acórdão deve se limitar a conceder a extradição requerida pela Itália; é o espelho do quanto decidido no julgamento. Deve, é claro, determinar sua comunicação ao Ministério da Justiça ou ao Presidente da República (quem pode o mais pode o menos), mas sem qualquer sugestão. Dito isto, vê-se que o STF pode, serenamente, se redimir do erro em que incorreu. E, com isso, o STF salvaguardará não só a imagem do Judiciário brasileiro, mostrando-se altivo como sempre foi e deverá continuar sendo, mas também a honradez da Nação e, indiretamente, o conceito de que goza nosso Presidente no cenário internacional.

E não há por que o STF temer qualquer crítica à retificação que, acertadamente, vier a fazer no que concerne à errônea comunicação sugestiva. Primeiro, porque a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição (art. 102, "caput", da C.F.) e, pois, das leis. E a lei pertinente determina que ele aprecie tão-só a legalidade e a procedência da extradição. E, segundo, porque a mantença da opção do cumprimento, pelo Presidente, do "decisum" poderá deixá-lo em situação ainda mais constrangedora do que a que se vê até então. Pelo quanto tem demonstrado, não resta a menor dúvida de que o Presidente Lula, negará a extradição do senhor Cesare Battisti. Mas quem está requerendo essa extradição não é uma Etiópia. É a Itália, que de forma alguma se renderá a uma decisão arbitrária do Presidente da República do Brasil. Uma decisão não só contrária ao tratado de extradição celebrado consigo, mas também à própria legislação brasileira. Não se colocando um freio no Presidente Lula, certamente, o Brasil terá que enfrentar tribunais internacionais.

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Sobre o autor
Ubiratan Pires Ramos

Auditor-fiscal do Trabalho, aposentado. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Ubiratan Pires. Extradição: Lei nº 6.815/80.: A quem compete conceder a extradição?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2452, 19 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14539. Acesso em: 16 abr. 2024.

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