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A efetividade do Tratado de Cooperação Amazônica como tratado-quadro de proteção ambiental da fauna e da flora do Brasil

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23/03/2010 às 00:00
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6. A DISPARIDADE ENTRE A REALIDADE COTIDIANA E AS TENTATIVAS DE IMPLEMENTAÇÃO DO TCA

Os artigos 29 a 37 da Lei nº 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais) tratam dos crimes contra a fauna. Assim, é crime matar, perseguir, caçar animais da fauna silvestre sem permissão, impedir a procriação destruindo ninho e abrigo natural, vender, exportar, manter em cativeiro, ovos, larvas ou espécimes da fauna, exportar peles e couros sem autorização, introduzir outras espécies no país sem parecer técnico, praticar abuso, maus tratos, ferir, mutilar, degradar cativeiros, viveiros naturais, pescar em períodos em que a pesca é proibida ou mesmo pescar utilizando meios tóxicos, entre outros.

Já os artigos 38 a 53 abordam os crimes contra a flora, dentre os quais estão: destruir florestas de preservação permanente, causar danos às Áreas de Proteção Ambiental, comercializar produtos de origem vegetal sem licença válida, dificultar a regeneração natural de florestas, entre outros.

A cultura científica brasileira carece de dados numéricos acerca dos temas sobre os quais versa. Nesse intuito, o presente trabalho procedeu à tentativa de sanar essa impropriedade existente em muitas pesquisas em que se exclui a possibilidade de realizar um estudo mais apurado em campo. Com a devida autorização dos Procuradores da República oficiantes do 1º, 3º e 4º Ofícios Criminais da Procuradoria da República no Amazonas, amealhou-se o número de denúncias oferecidas em desfavor de autores de crimes ambientais em 2007, no que atine a violações à fauna e flora amazônicas, ocorridas no âmbito deste Estado.

As denúncias contabilizadas, as quais ensejaram a propositura de ação penal pública incondicionada, atinem unicamente a infrações cometidas em detrimento de bens da União. Ao contrário do que se imagina, existem inúmeras Unidades de Conservação criadas, principalmente a partir dos fins da década de 1970, através de sucessivos decretos dos Presidentes da República com mandatos nesse ínterim. Nessa esteira, a prática delituosa se verifica, em grande parte: na Reserva Biológica de Balbina, Parque Nacional do Jaú, Parque Nacional do Pico da Neblina e Estação Ecológica Anavilhanas. Tem-se intensificado também a ocorrência de delitos nas áreas de segurança nacional, ou seja, a faixa de 150 quilômetros a partir da fronteira do Brasil com algum país sul-americano, como Bolívia, Venezuela, Peru e Colômbia.

Surgem as ações penais públicas a partir, na maioria das hipóteses, de autuações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), encaminhadas ao Ministério Público Federal na forma de representações. Devem constar nos autos de infração elementos aptos a sedimentar a materialidade e indicar a autoria dos crimes em comento, quais sejam: nome do autuado, endereço, número de documentos hábeis a identificá-lo (Carteira de Identidade, Cadastro de Pessoa Física, Título de Eleitor), filiação e outros, bem assim a especificação da infração, o local, a assinatura do autor do fato, do servidor responsável pela fiscalização e das testemunhas. Após esse momento, inicia-se um procedimento administrativo no âmbito do órgão responsável pela verificação in loco da prática delituosa, com o fito de impugnar o documento, se constatada a sua ilegalidade, para que depois se encaminhem as suas cópias ao Parquet Federal.

Cabe também a possibilidade de a Polícia Federal, através de sua Delegacia Especializada em Repressão a Crimes Ambientais, remeter apuratórios policiais ao Ministério Público Federal. Essas investigações são cada vez mais exíguas e, quando relatadas, se posicionam aquém do esperado nas disposições concernentes à autoria e materialidade dos crimes ambientais.

Nesses termos, procede-se à menção dos números relativos à criminalidade ambiental no Amazonas no corrente ano (até 25 de outubro de 2007). No âmbito do Juizado Especial Federal, mais precisamente a 6ª Vara Federal da Subseção Judiciária do Estado do Amazonas, contabilizaram-se 40 convocações de audiências preliminares em delitos de menor potencial ofensivo (a pena máxima cominada é de 2 anos), dentre as quais a maioria cinge ao artigo 50 (14 ações penais cada), da Lei nº 9.605/98, respectivamente: "destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação". Nesses casos, existe a possibilidade de ser celebrada a transação penal em audiência preliminar. No âmbito da Justiça Federal Comum, totalizaram-se 46 denúncias, sendo a maioria delas (18 ações penais) referentes a crimes tipificados no art. 34, da Lei nº 9.605/98: "pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados pelo órgão competente". Na maioria dos delitos em apreço, a pena mínima atine a 1 ano de detenção, motivo pelo qual cabe a suspensão condicional do processo, em um período de prova de 2 anos. Assim sendo, o infrator comparecerá mensalmente ao juízo prolator da sentença para justificar suas atividades.

Uma vez que as penas cominadas a crimes ambientais, em sua maioria, não são de elevada monta e admitem transações penais e suspensão condicional do processo, insta salientar a exigüidade do prazo prescricional para tais condutas (art. 109, Código Penal). Antes de remeterem-se os autos ao Ministério Público Federal, instaura-se um processo administrativo prévio no órgão responsável pela fiscalização ambiental, com a garantia da ampla defesa e do contraditório ao infrator. Inexiste, entretanto, uma duração célere dessa tramitação, a ponto de, quando se instaurar a representação no Parquet, os fatos nela narrados se encontrarem às vésperas de prescrever, obrigando o Agente Ministerial a arquivá-la, em face da inviabilidade de promover ação penal pública.

Ademais, não obstante o fato da demora em remeter os procedimentos ao Órgão Ministerial, em grande parte das situações os autos de infração não delimitam a área onde ocorreu o delito ambiental. Exige-se, dessa forma, uma solicitação de informações ao IBAMA, a fim de questionar se o local do crime alude a bem da União ou outro, para legitimar a competência da Justiça Federal ou Estadual, demorando ainda mais para o oferecimento da denúncia.

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7. CONCLUSÕES

Evidenciam-se as possíveis soluções, por conseguinte, diante dessa conjuntura: um maior contingente de agentes responsáveis pela fiscalização ambiental em meio à densidade da mata amazônica, principalmente nas Unidades de Conservação; a boa fundamentação dos autos de infração e a célere duração dos processos em âmbito administrativo.

Impende salientar também a falta de uma regulamentação específica e eficaz para a prática da biopirataria. Necessária se faz a promulgação de uma lei a qual preveja penas mais severas aos infratores, bem assim mantenha em seu bojo gradações de acordo com o contexto econômico-social do apenado. Tem-se aplicado hodiernamente, com inegável insegurança, o art. 29, da Lei nº 9.605/98, para punir os autores desses fatos criminosos. Além de a punição ser exígua, não há competência federal ou estadual jurisprudencialmente firmada, ocasionando uma insegurança jurídica sem fronteiras se considerado esse delito o qual ofende a soberania nacional.

Verifica-se que, apesar da legislação ambiental considerada avançada e ampla, o Brasil ainda peca por não realizar uma efetiva fiscalização. Saliente-se que a mesma se dá na forma de operações pontuais, i. e., o órgão de repressão ambiental escolhe datas específicas para concentrar pequenas equipes em Unidades de Conservação de grandes dimensões. Os números aqui apresentados poderiam ser apresentados com um fator multiplicador muito maior.


8. REFERÊNCIAS

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Notas

  1. Entre os antecedentes do TCA, indica-se a Convenção de Iquitos de 1948 composta por Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, a qual foi coordenada pela UNESCO (BARRERA, 1993, p. 200).
  2. O professor Guido Soares indica: "none of the contracting parties of the TAC wanted to negotiate with a colonial power. France and Trinidad and Tobago had tried to join de TAC negotiations at na early stage, but they were diplomatically turned down by consensus among the negotiating countries " (SOARES, 1993, p. 212).
  3. SILVA, Solange Teles da et all. Responsabilidade Civil Ambiental nos Países Integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica, 2006. p. 7.
  4. Juridificação Internacional: Análise do Tratado de Cooperação Amazônica em Face dos Desafios Ambientais Internacionais, 2006. p. 4.
  5. Ibid., p. 11.
  6. Manual de Direito Ambiental, 2009. p. 423.
  7. Manual de Direito Ambiental, 2009. p. 459.
  8. Direito Penal Ecológico, 1996. p. 60-70.
  9. Direito Penal e Biotecnologia, 2005. p. 48.
  10. Proteção penal dos recursos naturais no âmbito da América do Sul, 2006. p. 4.
  11. Sociedade, norma e pessoa, 2007. p. 7-8.
  12. Cultura do medo: reflexões sobre violência criminal, controle social e cidadania no Brasil, 2003. p. 27.
  13. Tutela Penal da Cobertura Vegetal, 2003. p. 172.
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Sobre o autor
Diogo de Oliveira Lins

Servidor público Estadual do TJAM - Graduado em direito pela UEA, especialista em direito penal e processual penal pela UFAM e mestrando em direito ambiental pela UEA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LINS, Diogo Oliveira. A efetividade do Tratado de Cooperação Amazônica como tratado-quadro de proteção ambiental da fauna e da flora do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2456, 23 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14561. Acesso em: 19 abr. 2024.

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