Artigo Destaque dos editores

Da inexigibilidade da AFE expedida pela ANVISA para o licenciamento de drogarias por parte das Vigilâncias Sanitárias locais

Exibindo página 2 de 2
Leia nesta página:

5) Do erro em se atrelar a emissão de uma licença à obtenção de uma autorização

Ademais, entendemos que não há como se atrelar a emissão de uma licença à emissão de uma autorização, pois autorizações e licenças são figuras distintas. A autorização é...

"o ato administativo pelo qual a Administração consente que o particular exerça atividade ou utilize bem público no seu próprio interesse. É ato discricionário e precário, características, portanto, idênticas às da permissão." (José dos Santos Carvalho Filho in Manual de Direito Administrativo, 10ª edição, rev. ampl. e atual., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, pág. 121)

"o ato administrativo unilateral, discricionário e precário pelo qual a Administração faculta ao particular o uso privativo de bem público, ou o desempenho de atividade material, ou a prática de ato que, sem esse consentimento, seriam legalmente proibidos." (Maria Sylvia Zanella Di Pietro in Direito Administrativo, 13ª edição, São Paulo: Atlas, 2001, pág. 211)

...ao passo que a licença é...

"o ato vinculado por meio do qual a Administração confere ao interessado consentimento para o desempenho de certa atividade." (José dos Santos Carvalho Filho in Manual de Direito Administrativo, 10ª edição, rev. ampl. e atual., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, pág. 117)

"o ato administrativo unilateral e vinculado pelo qual a Administração faculta àquele que preencha os requisitos legais o exercício de uma atividade." (Maria Sylvia Zanella Di Pietro in Direito Administrativo, 13ª edição, São Paulo: Atlas, 2001, pág. 212)

Como se viu acima, autorizações e licenças são figuras distintas, sendo as primeiras, atos discricionários e as segundas, atos vinculados.

Atos discricionários, gênero do qual a autorização é espécie, são conceituados pela doutrina especializada da seguinte forma:

"Atos ditos discricionários e que melhor se denominariam atos praticados no exercício de competência discricionária – os que a Administração pratica dispondo de certa margem de liberdade para decidir-se, pois a lei regulou a matéria de modo a deixar campo para uma apreciação que comporta certo subjetivismo. Exemplo: autorização de porte de arma.

... seriam os que a Administração pratica com certa margem de liberdade de avaliação ou decisão segundo critérios de conveniência e oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles" (Celso Antônio Bandeira de Mello in Curso de Direito Administrativo, 14ª edição, São Paulo: Malheiros, 2002, pág. 375 e 380)

"Nestes é a própria lei que autoriza o agente a proceder a uma avaliação a proceder a uma avaliação da conduta, obviamente tomando em consideração a inafastável finalidade do ato. A valoração incidirá sobre o motivo e o objeto do ato, de modo que este, na atividade discricionária, resulta essencialmente da liberdade de escolha entre alternativas igualmente justas, traduzindo, portanto, um certo grau de subjetivismo." (José dos Santos Carvalho Filho in Manual de Direito Administrativo, 10ª edição, rev. ampl. e atual., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, pág. 109)

Já os atos vinculados, donde a licença se insere, são, ainda segundo a doutrina, assim caracterizados:

"Atos vinculados – os que a Administração pratica sem margem alguma de liberdade para decidir-se, pois a lei previamente tipificou o único possível comportamento diante de hipótese prefigurada em termos objetivos. Exemplo: licença para edificar; aposentadoria, a pedido, por completar-se o tempo de contribuição do requerente.

... seriam aqueles em que, por existir prévia e objetiva tipificação legal do único possível comportamento da Administração em face de situação igualmente prevista em termos de objetividade absoluta, a Administração, ao expedi-los, não interfere com apreciação subjetiva alguma." (Celso Antônio Bandeira de Mello in Curso de Direito Administrativo, 14ª edição, São Paulo: Malheiros, 2002, pág. 375 e 380)

"... como o próprio adjetivo demonstra, são aqueles que o agente pratica reproduzindo os elementos que a lei previamente estabelece. Ao agente, nesses casos, não é dada liberdade de apreciação da conduta, porque se limita, na verdade, a repassar para o ato o comando estatuído na lei. Isso indica que nesse tipo de atos não há qualquer subjetivismo ou valoração, mas apenas a averiguação de conformidade entre o ato e a lei. Exemplo de um ato vinculado: a licença para exercer profissão regulamentada em lei. Os elementos para o deferimento desse ato já se encontram na lei, de modo que ao agente caberá apenas verificar se quem o reivindica preenche os requisitos exigidos e, em caso positivo deverá conferir a licença se, qualquer outra indagação." (José dos Santos Carvalho Filho in Manual de Direito Administrativo, 10ª edição, rev. ampl. e atual., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, págs. 108/109)

Reforçando esta dissociação entre a AFE expedida pela ANVISA e a licença sanitária, Helio Pereira Dias, na condição de Procurador-Geral da ANVISA, assim se manifestou:

"Tal autorização de funcionamento, conforme a melhor doutrina do direito administrativo, difere da licença. Enquanto a licença é ato vinculado, ou regrado, isto é, deve ser concedida desde que o administrado satisfaça os requisitos legais e regulamentares, a autorização de funcionamento constitui ato administrativo discricionário e precário, pelo qual a autoridade competente faculta ao particular, em casos concretos, o exercício ou aquisição de direitos que, e outras circunstâncias, sem tal assentimento, são proibidos. A autoridade competente, no caso a ANVISA, detentora da discricionariedade, pode conferir, ou não, autorização ou permissão ao particular, no caso o proprietário da farmácia ou drogaria, para a prática daqueles atos de comércio, próprios destes estabelecimentos." (Dias, Helio Pereira, Flagrantes do ordenamento jurídico sanitário, 2ª ed. rev. atual. Brasília: ANVISA, 2004, pág. 237)

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Exclusive o teor do artigo 51 da Lei Federal nº 6.360, de 23 de setembro de 1976 (que é inaplicável às drogarias, ressalte-se), não é de bom alvitre se atrelar a expedição de uma licença que é um ato que se consiste num verdadeiro direito subjetivo do licenciando (vez que se ele atender aos requisitos previstos na legislação ele DEVERÁ ser licenciado) à expedição de uma autorização que por sua vez se consiste numa mera expectativa de direito (vez que não há garantia de que o administrado obterá do Poder Público a autorização por ele almejada, haja vista este poder fazer um juízo de conveniência e oportunidade acerca da emissão ou não da autorização).


6) Da necessidade de se exigir a AFE, mas não como documento indispensável à emissão da licença sanitária

Entretanto, cabe aqui deixar patente que, apesar de não dever a AFE (salvo a existência de norma local) ser exigida no licenciamento das drogarias fiscalizadas pelas Vigilâncias Sanitárias dos Estados, DF e Municípios como se fosse um documento indispensável, ela deverá ser sim exigida, mas não como um requisito ao licenciamento e sim como uma outra exigência sanitária que, se descumprida, não necessariamente impedirá a emissão ou renovação da licença sanitária, mas acarretará na lavratura de auto de infração e instauração de processo administrativo. Assertiva esta que está amparada pelo que dispõe a Lei Federal nº 6.437/77:

"Art. 10. São infrações sanitárias:

(... omissis. ..)

IV - extrair, produzir, fabricar, transformar, preparar, manipular, purificar, fracionar, embalar ou reembalar, importar, exportar, armazenar, expedir, transportar, comprar, vender, ceder ou usar alimentos, produtos alimentícios, medicamentos, drogas, insumos farmacêuticos, produtos dietéticos, de higiene, cosméticos, correlatos, embalagens, saneantes, utensílios e aparelhos que interessem à saúde pública ou individual, sem registro, licença, ou autorizações do órgão sanitário competente ou contrariando o disposto na legislação sanitária pertinente:

Pena - advertência, apreensão e inutilização, interdição, cancelamento do registro, e/ou multa."


7) Conclusão

Apesar de as drogarias serem obrigadas, por força da RDC nº 01/2010 da ANVISA, a requererem a AFE, tal documento não deverá (salvo a existência de norma local) ser exigido na expedição ou renovação de licenças sanitárias por parte das Vigilâncias Sanitárias dos Estados, DF e Municípios como um documento indispensável, sem prejuízo de ele ser cobrado com base no inciso IV da Lei Federal nº 6.437/77.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Aldem Johnston Barbosa Araújo

Advogado em Mello Pimentel Advocacia. Membro da Comissão de Direito à Infraestrutura da OAB/PE; Autor do livro "Processo Administrativo e o Novo CPC - Impactos da Aplicação Supletiva e Subsidiária" publicado pela Editora Juruá; Articulista em sites, revistas jurídicas e periódicos nacionais; Especialista em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Aldem Johnston Barbosa. Da inexigibilidade da AFE expedida pela ANVISA para o licenciamento de drogarias por parte das Vigilâncias Sanitárias locais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2464, 31 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14601. Acesso em: 24 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos