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O contrato nas doutrinas Common Law e Civil Law

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01/04/2010 às 00:00
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4 Uniform Commercial Code – UCC

Importante o estudo, também, de um país que possui como sistema a Common Law. É o caso dos Estados Unidos.

Mesmo não adotando o Civil Law, nesse país aplica-se um corpo de leis denominado Uniform Commercial Code (UCC), legislação extremamente relevante quando certo assunto envolve o comércio norte-americano.

Interessante notar que, embora numa tradução literal, essa legislação aparenta ser um "código" e ser "uniforme", o UCC não pode ser considerado sob esses aspectos, caso se leve em consideração a definição desses termos conforme utilizados no Brasil.

O sistema norte-americano é bem diferente. Dependendo da natureza do conflito e do valor que está sendo disputado, a parte lesada pode requerer seus direito tanto em juízo estadual quanto federal.

No que concerne à natureza do conflito, tem-se que, se a disputa envolver lei estadual ou se o litígio for de matéria civil de pessoa residente no Estado, o juízo será estadual. Se a quantia disputada for superior a U$ 50,000, o juízo será federal. Ressalte-se, entretanto, que há outros critérios a serem avaliados também.

Partindo para a análise de artigos do UCC, a Seção 2-302 trata de compras e vendas:

Seção 2-302 do UCC, que estabelece:

1) Se o juiz, como matéria de lei, conclui que o contrato ou qualquer cláusula do contrato foi inescrupuloso quando celebrado, o juiz pode:

– recusar a fazer cumprir o contrato,

– pode fazer cumprir o restante do contrato, excetuando-se a cláusula onerosa,

– delimitar a aplicação da cláusula onerosa para evitar assim qualquer resultado inescrupuloso.

2) Quando se alega ou parece ao juiz que o contrato ou qualquer cláusula do mesmo seja talvez onerosa, o juiz deve oferecer às partes a oportunidade de submeter provas da situação comercial, do objetivo e do efeito do contrato, a fim de ajudar o juiz a deliberar.

O art. 1.103 estabelece que é necessário ao juiz um olhar mais abrangente quando houver um caso que envolva direito comercial, não se apegando unicamente ao UCC.

Ao juiz cabe observar, também, as decisões de outros juízes norte-americanos, se já houver outros casos iguais ao que estiver sendo analisado. O art. 1-103 do UCCC dispõe:

Art. 1-103. A menos que os diversos artigos desta Lei disponham diferentemente, os princípios de lei e de eqüidade, incluindo a lei mercantil e a lei relativa a capacidade de formar contratos, representante e representado, caducidade, fraude, declaração falsa, coerção, coação, erro, falência, ou outra causa valiosa ou inválida suplementarão os dispositivos desta Lei.

O art. 1-203 dispõe que "qualquer contrato ou dever à luz desta Lei impõe uma obrigação de boa-fé no seu desempenho e execução". Esse dispositivo estabelece a obrigatoriedade de os contratos serem definidos e cumpridos com a boa-fé de todos os contratantes. Dessa forma, a não-existência de boa-fé implica descumprimento do contrato.

4.2 Cases [01]

Um primeiro caso que podemos analisar é Williams vs. Walter-Thomas Furniture Co., 350 F.2d 445, 2 UCC Rep. Serv. 955 (D.C. Cir. 1965), que interpretou o art. 2° do Uniform Commercial Code.

A Sra. Williams tinha o costume de comprar na Walter-Thomas, uma loja de móveis em Washington. O contrato realizado entre ambos era chamado lease. Nesse contrato, estabelecia-se que cada pagamento efetuado por Williams ficaria vinculado a todos os bens anteriormente adquiridos por ela. Desse modo, a companhia permanecia com a propriedade de cada um dos bens, enquanto a Sra. Williams, na verdade, não tinha nada que já lhe pertencesse.

Em decorrência da vinculação de cada prestação a todos os bens, o próprio contrato previa que, na hipótese de inadimplemento de um único pagamento, a companhia poderia retomar todos os bens.

Certo dia, a Sra. Williams deixou de efetuar uma das prestações, e a companhia ajuizou uma ação para retomar todos os bens já adquiridos pela senhora, baseando-se no contrato por eles assinado.

Tanto na primeira instância quanto na segunda, a Sra. Williams perdeu. Interessante mencionar o que o juiz da segunda instância expôs na decisão: "Condenamos forte e severamente a conduta da recorrida (a companhia). Levanta questões sérias de métodos irresponsáveis e irregulares... mas não encontramos base na lei para declarar que os contratos são contrários às normas públicas".

Mas a Sra. William apelou, e os três juizes da Corte proferiram uma decisão diferente das anteriores. Argumentaram que em outras jurisdições já se entendia que, na existência de contratos inescrupulosos, esses não poderiam ser executados. Além disso, mencionaram o UCC, que estabelecia a prerrogativa ao juiz de recusar fazer cumprir contratos considerados inescrupulosos.

No caso em questão é nítida a verificação de que o contrato somente se mostrou benéfico para a companhia.

Os juízes analisaram algumas provas – por exemplo, a de que a Sra. Williams era pobre e não tinha sido corretamente instruída para ter condições razoáveis de entender o conteúdo do contrato e optar, conscientemente, se queria ou não realizá-lo da maneira como estava descrito.

Percebeu-se, também, que cláusulas importantes encontravam-se dispostas em letras menores, o que mostrava uma evidência de que a venda estava sendo realizada de modo a enganar, de fato, a compradora.

Outro case a ser descrito é um ocorrido entre dois comerciantes. O processo foi o de Johnson vs. Mobil Oil Corp., 415 F. Supp. 264, 20 UCC Rep. Serv. 637 (E.D. Mich. 1976).

Johnson alegou que seu posto de gasolina tinha sido destruído por um incêndio provocado pela qualidade da gasolina entregue pela Mobil Oil Corp. A empresa fornecedora requereu a extinção do processo sem julgamento de mérito em decorrência de uma cláusula constante no contrato entre eles estabelecido que previa: "Em caso nenhum será o vendedor (Mobil) responsável por lucros cessantes ou indenização especial, indireta ou conseqüente".

A resposta de Johnson a essa contestação foi a de que a cláusula que negava qualquer tipo de responsabilidade era onerosa. Diante do exposto pelas partes, o juiz buscou analisar a inescrupulosidade.

Verificou-se que Johnson tinha 39 anos, era proveniente de região pobre, quase analfabeto, trabalhou em fazenda, em fábrica e como pintor. Assim, concluiu-se que a companhia não lhe tinha dado oportunidade de compreender a cláusula que negava a indenização.

Baseando-se no art. 2-719 do UCC, que estabelece que "A indenização pode ser limitada ou excluída, a menos que os limites ou a exclusão sejam inescrupulosos", o juiz rejeitou a extinção do processo.

De fato, até poderia existir alguma limitação de responsabilidade no contrato, mas como nesse caso estava nítida a inescrupulosidade, então, a indenização não era cabível.

Um último case a ser apresentado é também entre dois comerciantes, com uma situação parecida, mas com um resultado diferente. Foi o processo de Tacoma Boatbuilders vs. Delta Fishing Co., 28 UCC Rep. Serv. 26 (W. D.Wash, 1980).

Após comprarem alguns barcos da Tacoma Boatbuilders, os pescadores passaram a ter problemas. Os motores falhavam, não mais conseguiam pescar e, consequentemente, perderam lucros. Por isso, ajuizaram um processo contra o vendedor dos barcos e os fabricantes dos componentes.

O juiz analisou a possibilidade de existência de inescrupulosidade, mas não encontrou. As cláusulas estavam bem escritas e em tamanho legível, dentre outros itens. Mencionando o art. 2-316, o juiz decretou que, não existindo qualquer inescrupulosidade, a fixação de riscos não podia ser considerada onerosa, principalmente tratando-se de contratos comerciais.

Além disso, o juiz entendeu que o preço final do equipamento incluía possíveis custos que a empresa poderia ter em decorrência de eventuais problemas.


5 Conclusão

Apresentou-se, neste estudo, o sistema textual da Civil Law, bem como o sistema conceitual do Common Law. Na Civil Law as decisões baseiam-se, normalmente, em interpretações do que já está legislado, enquanto no Common Law as decisões buscam análises de outras sentenças já proferidas.

Mas essa é apenas uma das inúmeras diferenças entre esses sistemas. O que, de fato, mais importa é que essas diferenças já não são mais empecilhos para que determinado país da Civil Law, por exemplo, busque soluções para suas demandas no outro sistema, e vice-versa.

É evidente que a análise de outros sistemas só tende a acrescentar e, assim, aperfeiçoar o que já se encontra em determinado país. E, como exposto neste trabalho, tão importante quanto a análise do ambiente legal é a verificação de análise econômica dos contratos realizados nesses sistemas.

Importante notar o quanto as pessoas são maximizadoras racionais da própria satisfação, ou seja, buscam sempre escolher a melhor opção para alcançar o que desejam. E para isso procuram analisar alguns aspectos a fim de definir se vão ou não realizar determinado contrato, bem como se irão optar por cumpri-lo fielmente ou descumpri-lo, se com isso conseguirem alguma vantagem.

Os contratos não nascem com todas as dimensões fixadas. Por mais que se possam prever muitas hipóteses em um contrato, futuramente podem ocorrer situações imprevisíveis para uma ou ambas as partes, acarretando, desse modo, onerosidade excessiva para uma das partes.

Assim, os contratos não podem ser vistos como algo imutável, pois, diante de circunstâncias adversas, podem ser alterados, inclusive judicialmente. E nesse aspecto entram algumas considerações que envolvem os sistemas legais mais utilizados na atualidade, tendo em vista que ambos possuem suas peculiaridades.

O sistema da Civil Law, mais legalista, procura solucionar essas questões, por exemplo, de onerosidade por meio do que já está estabelecido em suas leis. É o caso do Brasil, em que há normas para serem aplicadas quando ocorre a teoria da imprevisão.

No caso dos países que adotam o Common Law, o que se tem são precedentes que decidiram sobre situações em que foi identificada a onerosidade excessiva de um dos contratantes.

Mas, constantemente, surgem novas demandas, diferentes dos precedentes ou que não se enquadram perfeitamente nas possibilidades legais. Por isso é importante buscar, sempre, novas soluções para as demandas existentes, sem se prender a um sistema igual ao do próprio país, pois a análise de outros sistemas traz inúmeros benéficos.

Mas nunca se pode vislumbrar que o direito vá alcançar, algum dia, perfeita eficiência em todos os seus julgamentos. Sempre haverá variáveis no direito e nos precedentes que, como guias para as decisões, buscarão trazer a melhor solução para cada caso em litígio.

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O que se pode esperar é essa mudança de pensamento de que se o sistema vigente em determinado país não é suficiente para resolver todas as questões, faz-se necessário buscar novos paradigmas.

Ademais, o juiz deve sempre buscar obter a melhor solução, com o compromisso de avaliar-lhe o impacto não somente sobre as partes, mas, também, à sociedade. Isso porque as decisões dos juízes, quando são ineficientes, acabam gerando um custo social muito grande, tendo em vista que podem trazer consequências sociais não favoráveis.


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Nota

  1. Todos os casos aqui mencionados foram obtidos do artigo ATIVISMO judicial no direito norte-americano. Disponível em: http://www.ajuris.org.br/sharerwords/?org=AJURIS&depto=Escola&setor=Doutrina&public=10982. Acesso em: 13 mar. 2009.
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Sobre a autora
Katia Lelis Aguiar Pedrosa

Advogada. Mestranda em Direito Empresarial na Faculdade de Direito Milton Campos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEDROSA, Katia Lelis Aguiar. O contrato nas doutrinas Common Law e Civil Law. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2465, 1 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14625. Acesso em: 23 abr. 2024.

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