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Terceirização de serviços relativos à realização do inventário anual dos órgãos públicos.

Um caminho pavimentado pela viabilidade jurídica plena

08/04/2010 às 00:00
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Palavras-chave: Inventário Físico-Financeiro Anual. Inventário Anual de Almoxarifado e Patrimônio. Inventário Anual de Almoxarifado e de Bens Móveis e Imóveis. Execução Indireta de Inventário. Terceirização de Inventário. Princípio da Segregação de Funções. Artigos 94, 95 e 96 da Lei nº 4.320/64. Instrução Normativa SEDAP nº 205/1988.

Resumo: O presente artigo esquadrinha a possibilidade jurídica da terceirização dos serviços necessários à realização do Inventário Físico-Financeiro Anual a que estão obrigados os órgãos públicos.

Sumário: 1 INTRODUÇÃO - 2 O INVENTÁRIO E O PRINCÍPIO DA SEGREGAÇÃO DE FUNÇÕES - 3 A EXECUÇÃO DIRETA DO INVENTÁRIO E A SUA BAIXA EFICIÊNCIA – 4 A TERCEIRIZAÇÃO DO INVENTÁRIO ANUAL – 5 A ETAPA DE CONCILIAÇÃO FÍSICO-CONTÁBIL – 6 A FISCALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS CONTRATADOS – 7 CONCLUSÃO.


1- INTRODUÇÃO

O presente trabalho avalia a viabilidade jurídica da terceirização dos serviços relativos à realização do Inventário Anual dos órgãos públicos, que são desdobrados em Inventário de Almoxarifado e Inventário de Patrimônio.

O Inventário Físico Anual de Almoxarifado e de Patrimônio (Bens Móveis e Imóveis) dos órgãos da Administração Pública brasileira têm previsão normativa na Lei nº 4.320/64, mais especificamente nos respectivos artigos 94, 95 e 96, bem como no item 08 da Instrução Normativa SEDAP nº 205/1988.

O Inventário Anual, de natureza físico-financeira, é um instrumento de controle para verificação dos saldos de estoque no Almoxarifado e depósitos, e do material permanente em uso nas unidades, bem como dos imóveis, tendo os seguintes objetivos: a) na esfera federal, manter atualizados e conciliados os registros do Sistema de Material e Patrimônio e os contábeis constantes do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI e, nos casos de bens imóveis, a devida compatibilização desses dois sistemas com o Sistema de Patrimônio Imobiliário da União - SPIU; b) verificar o estado de conservação dos bens e materiais; c) confirmar a responsabilidade dos agentes responsáveis pelo material permanente; d) subsidiar a Tomada e Prestação de Contas Anual.

A realização do Inventário Anual é uma tarefa que deve ser atentamente observada e providenciada pela Administração dentro do prazo regulamentar, implicando sua não realização sujeição do gestor público às penalidades previstas em lei.


2 – O INVENTÁRIO E O PRINCÍPIO DA SEGREGAÇÃO DE FUNÇÕES

Com efeito, o princípio administrativo-contábil da segregação de funções [01] de funções de execução e controle, conforme jurisprudência do Tribunal de Contas da União, reclama que o inventário físico-financeiro de bens seja feito por pessoas estranhas à gestão de patrimônio, sendo mesmo, a nosso juízo, aconselhável que seja conduzido por especialistas de fora do órgão a ser inventariado, como veremos mais adiante. Vejamos, então, o entendimento da Corte de Contas sobre essa questão.

"INVENTÁRIO e SEGREGAÇÃO DE FUNÇÕES. DOU de 06.09.2007, S.1, p. 219. Ementa: o TCU determinou à FUFPEL, em atendimento ao princípio da segregação de funções, que se abstivesse de designar servidores que tivessem como suas atribuições normais a responsabilidade sobre o patrimônio para comporem Comissão de Inventário (item 1.4, Acórdão nº 2.310/2007-TCU-2ª Câmara).

INVENTÁRIO e SEGREGAÇÃO DE FUNÇÕES. DOU de 06.09.2007, S. 1, p. 227. Ementa: o TCU determinou à UFMA que obedecesse ao princípio da segregação de funções, evitando constituição de comissão de inventário físico de bens móveis apenas por servidores responsáveis pela administração e controle do patrimônio (item 9.3.4, TC-015.641/2005-3, Acórdão nº 2.366/2007-TCU-2ª Câmara)."

SEGREGAÇÃO DE FUNÇÕES. DOU de 26.06.2008, S. 1, p. 114. Ementa: o TCU determinou ao TRE/AM que observasse o princípio da segregação de funções previsto na IN/SEDAP-PR nº 205, de 08.04.1988, de forma a não permitir que a comissão de inventário fosse composta por membros responsáveis pelos bens a serem inventariados (item 9.2.5, TC-013.588/2005-5, Acórdão nº 1.836/2008-TCU-2ª Câmara).


3 – A EXECUÇÃO DIRETA DO INVENTÁRIO E A SUA BAIXA EFICIÊNCIA

Na verdade, a prática adotada no âmbito da Administração Pública, até a presente data, tem sido a da nomeação de servidores para a constituição de Comissões de Inventários Anuais de Almoxarifado e de Bens Móveis e Imóveis, entretanto deve-se reconhecer que essa praxe tem se mostrado bastante crítica e ineficiente, porquanto acaba por ocupar servidores públicos para a realização de atos que, por especialíssimos, via de regra não são do domínio dos mesmos.

A experiência tem mostrado que, ao serem nomeados para compor as Comissões de Inventário Anual, os servidores via de regra ficam inseguros e insatisfeitos, pois além de não terem formação para o desempenho dessa função, não terem conhecimentos práticos, nem, muitas vezes, aptidão para a atividade, acabam por perceber e a sentir os efeitos, também em si, da tremenda ineficiência na condução desse procedimento.

Não podemos deixar de lembrar que o procedimento de Inventário Anual tem sido um dos maiores problemas enfrentados na gestão do patrimônio no âmbito dos órgãos públicos, verdadeiro ponto de controle [02] dos órgãos de controle (externo, interno e social), sendo recorrentes, por exemplo, as decisões dos Tribunais de Contas que contemplam a má qualidade dos inventários, ou até mesmo a não realização dos mesmos, como abaixo mostram a ementa do Tribunal de Contas de Mato Grosso e a decisão do Tribunal de Contas de Pernambuco, respectivamente, verbis:

EMENTA:

Câmara Municipal de Nova Mutum. Contas anuais do exercício de 2007. Regulares com recomendações e determinações legais, nos termos da legislação pertinente. Recomendações ao gestor para que aprimore o sistema de controle interno e observe os prazos para remessa de documentos ao Tribunal de Contas. Determinação ao gestor para que sejam cumpridas, com rigor, as prescrições da Lei 4.320/64, com especial atenção à elaboração do inventário físico-financeiro. Aplicação de multa no valor de 30 UPFS/MT ao gestor devido ao atraso no encaminhamento dos balancetes dos meses de maio e outubro e das informações do sistema APLIC referentes ao orçamento e meses de janeiro e fevereiro ao Tribunal de Contas. (Processo n. 54593/2008, rel. José Carlos Novelli, DOE 31/07/2008 – Tribunal de Contas de Mato Grosso).

TRIBUNAL DE CONTAS DE PERNAMBUCO - PROCESSO T.C. Nº 0790028-4 -PRESTAÇÃO DE CONTAS DA MESA DIRETORA DA CÂMARA MUNICIPAL DE QUIPAPÁ (EXERCÍCIO DE 2006) -RELATOR: CONSELHEIRO VALDECIR PASCOAL - ÓRGÃO JULGADOR: SEGUNDA CÂMARA - DECISÃO T.C. Nº 0230/08. 

DECIDIU a Segunda Câmara do Tribunal de Contas do Estado, à unanimidade, em sessão ordinária realizada no dia 26 de fevereiro de 2008, Julgar REGULARES, COM RESSALVAS, as contas da Mesa Diretora da Câmara Municipal de QUIPAPÁ, relativas ao exercício financeiro de 2006, dando, em conseqüência, a quitação ao Ordenador de Despesas.

Determinar, conforme o artigo 69 da Lei Estadual nº 12.600/04, que a atual Administração adote as seguintes medidas:

1. Cumprir o disposto no inciso I do artigo 29-A da Constituição Federal, referente à despesa total do Poder Legislativo;

2. Realizar levantamento geral de todos os bens móveis e imóveis pertencentes à Câmara Municipal de Quipapá;

3. Elaborar o controle individual dos bens em livro próprio e o tombamento dos bens móveis;

4. Realizar, anualmente, inventário dos bens móveis;

5. Controlar a movimentação dos bens móveis, a fim de saber, com exatidão, a localização de cada bem;

6. Manter atualizados os termos de responsabilidade dos bens, identificando claramente os responsáveis por eles.


4 – A TERCEIRIZAÇÃO DO INVENTÁRIO ANUAL

A decisão sobre contratar ou não uma empresa para a prestação de serviço de inventário físico anual está no campo da discricionariedade do Administrador, não havendo qualquer óbice legal para a adoção da execução desse serviço de forma indireta, sendo que o artigo 96 da Lei nº 4.320/64 exige tão somente que a inventariança seja analítica, vejamos:

Art. 96. O levantamento geral dos bens móveis e imóveis terá por base o inventário analítico de cada unidade administrativa e os elementos da escrituração sintética na contabilidade.

Em verdade, a promoção de iniciativas e projetos de simplificação e otimização de regras, processos e atividades da Administração Pública merecem o beneplácito de todos. Aliás, a "terceirização" desse tipo de serviço além de viabilizar a consecução de melhores resultados, porquanto realizado por profissionais da área, presta-se também a tornar ainda mais forte o já citado princípio da segregação de funções, uma vez que nesse caso os serviços seriam realizados por equipe estranha não só área de material e patrimônio do órgão, mas de fora do órgão público inventariado como um todo.

Como se sabe, devem ser objeto de análise de viabilidade de execução indireta as atividades que não guardam relação com a estratégia ou com a finalidade institucional da organização – como os serviços ora enfocados -, na forma do que preconizado pelo § 7º do art. 10 do Decreto-lei nº 200/67, do qual se extrai o seguinte fragmento, litteris:

"[...] a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução."

Foram necessários trinta anos para o coroamento da regulamentação do dispositivo acima referenciado, que somente se cristalizou com a edição do Decreto nº 2.271/97, e já no seu primeiro e segundo dispositivos nos oferta os eixos principais do modus faciendi da execução indireta, vejamos:

Art. 1º No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade.

(OMISSIS)

§ 2º Não poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal.

Art. 2º A contratação deverá ser precedida e instruída com plano de trabalho aprovado pela autoridade máxima do órgão ou entidade, ou a quem esta delegar competência, e que conterá, no mínimo:

I - justificativa da necessidade dos serviços; II - relação entre a demanda prevista e a quantidade de serviço a ser contratada; III - demonstrativo de resultados a serem alcançados em termos de economicidade e de melhor aproveitamento dos recursos humanos, materiais ou financeiros disponíveis. (g. n.)

Depreende-se, assim, que é vedada ao gestor público a execução indireta de atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, logo, por cautela, previamente ao início da instauração da licitação para a contratação dos serviços de inventário, o gestor deve ter o cuidado de derrogar inclusive, sendo o caso, as disposições internas do próprio órgão que contemplem a realização do Inventário Anual como atividade própria dos servidores.

O Tribunal de Contas da União já analisou o procedimento licitatório que se destinava à "contratação de empresa especializada para o fornecimento e implantação de inventário dos bens móveis" - conforme Acórdão nº 1.351/2003 da 1ª Câmara, que previa como um dos serviços a realização de "Levantamento Físico (Inventário) - sem nada ter ressalvado a respeito da ilegalidade da condução desse tipo de serviço por interposta pessoa jurídica. O citado Acórdão traz diversas ressalvas ao procedimento de contratação perseguido pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT - que, por seu peso didático-pedagógico, deve ser atentamente observado pelos órgãos que vierem de fato a contratar o serviço de inventário anual -, mas nem de longe toca numa eventual ilicitude pela execução indireta desse tipo de serviço.

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5 – A ETAPA DE CONCILIAÇÃO FÍSICO-CONTÁBIL

Quanto à execução do serviço propriamente dito, tem-se que a ação de efetivação da conciliação físico-contábil dos bens inventariados é tarefa inerente à área contábil dos órgãos públicos, assim, o valor apurado no inventário, pela empresa contratada, deve corresponder ao valor consignado no Balanço Patrimonial, e essa conciliação só pode ser efetivada pela área contábil do órgão público contratante, via SIAFI ou SIAFEM (Sistema Integrado de Administração Financeira para Estados e Municípios).

Aliás, por cautela, não deve a Administração avançar para a fase externa da licitação sem a providência de um parecer técnico do Contador do órgão contratante sobre a legalidade das disposições técnicas constantes do Termo de Referência (especificação de serviços), uma vez que ao ocupante desse cargo cabe apurar os elementos necessários ao controle da situação patrimonial do órgão, sendo pessoalmente responsável pela oportuna apresentação dos balanços e demonstrações contábeis dos atos relativos à administração patrimonial, inteligência da alínea "c" do art. 13 c/c o art. 89, ambos do Decreto-lei nº 200/67, in expressis verbis:

Art. 13 O contrôle das atividades da Administração Federal deverá exercer-se em todos os níveis e em todos os órgãos, compreendendo, particularmente: (...)

c) o contrôle da aplicação dos dinheiros públicos e da guarda dos bens da União pelos órgãos próprios do sistema de contabilidade e auditoria.

Art. 89. Todo aquêle que, a qualquer título, tenha a seu cargo serviço de contabilidade da União é pessoalmente responsável pela exatidão das contas e oportuna apresentação dos balancetes, balanços e demonstrações contábeis dos atos relativos à administração financeira e patrimonial do setor sob sua jurisdição.


6 – A FISCALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS CONTRATADOS

Quanto à fiscalização de serviços, creio possa ser feita de maneira plural, tanto mais quando se tratar de um trabalho de grandes proporções, todavia é forçoso deixar claro que essa tarefa não será exercida propriamente por "comissão de inventário", mas sim por comissão de fiscalização do inventário anual de bens (desdobrada tal qual o inventário, ou seja, uma de almoxarifado, e outra de bens móveis e imóveis), que deverá, por óbvio, ser nomeada antes do início da execução da prestação de serviços. Ainda sobre essa questão, entendemos que o ato de nomeação da fiscalização deve deixar claro a quem competirá realizar a interlocução do contratante junto à contratada.

No mesmo sentido, deve ser alvitrada a contratação de assistente para a fiscalização, na forma do art. 67 da Lei nº 8.666/93, verbis:

Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição. (g.n)


7 - CONCLUSÃO

Do exposto, entende-se como plenamente viável que o Inventário Físico-Financeiro Anual de Almoxarifado e de Patrimônio (Bens Móveis e Imóveis) seja executado de maneira indireta, por empresa especializada nesse tipo de serviço, mormente de modo a subsidiar a tomada e prestação anual de contas, indicando os saldos existentes em 31 de dezembro de cada exercício.


Notas

  1. Princípio básico do sistema de controle interno que consiste na separação de funções, nomeadamente de autorização, aprovação, execução, controle e contabilização das operações – Capítulo VII, Seção VIII, item 3, subitem IV, da IN/SFC nº 01/2001 - Manual do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal.
  2. Aspecto relevante em um sistema administrativo, integrante da rotina de trabalho, sobre o qual, em função de sua importância, grau de risco ou efeitos posteriores, deve haver algum procedimento de controle.
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Sobre o autor
Marcelo José das Neves

Mestre em Direito pela Universidade Cândido Mendes UCAM, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UniRio. Graduado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro -UniRio. Pós-graduado em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas - FGV/RJ. Articulista e Especialista em Direito Administrativo. Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região TRT/RJ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEVES, Marcelo José. Terceirização de serviços relativos à realização do inventário anual dos órgãos públicos.: Um caminho pavimentado pela viabilidade jurídica plena. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2472, 8 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14649. Acesso em: 23 abr. 2024.

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