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Imunidade jurisdicional das pessoas jurídicas de direito público externo:

Um diálogo com Georgenor De Souza Franco Filho

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10/04/2010 às 00:00
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4. Desconstrução das premissas eleitas por Georgenor de Souza Franco Filho

A partir do inventário que fizemos alhures da posição jurisprudencial do STF, ousaremos demonstrar que todas as premissas eleitas pelo autor em seu artigo não se coadunam com o método que ele mesmo elegeu, qual seja o realismo jurídico, calcado nas decisões dos Tribunais, sem se questionar o acerto ou não desses julgados. Com efeito, mesmo não sendo o método que adotamos no estudo do Direito, resolvemos jogar o "jogo científico" a partir das regras eleitas pelo nosso debatedor.

A primeira premissa dele é parcialmente verdadeira. Concordamos quanto à diferença dos conceitos de competência e imunidade, no entanto divergimos quanto ao ponto em que afirma que competência a Justiça do Trabalho possui (artigo 114, I, CF). A competência visa apenas dividir racionalmente a jurisdição. Somente se pode falar em competência quando haja jurisdição, competência é o epíteto dos subconjuntos extremados do conjunto maior da jurisdição. Essa é um antecedente lógico imediato daquela. Logo, se há imunidade, ou seja, não-jurisdição, não se pode falar que haja competência. Não há o que ser repartido entre os diversos órgãos do Poder Judiciário.

No que toca à sua segunda premissa, é irrelevante para o desate da questão o entendimento do Supremo na AC n. 9.696-3/SP. Aqui, o Tribunal afastou o costume internacional para dizer que não havia imunidade de Estado estrangeiro. Diz ele que os organismos internacionais têm sua imunidade reconhecida por tratado, por isso não há falar em invocação do precedente citado, que tratava de hipótese em que não haviam tratados, apenas o direito costumeiro. O que verificamos pela posição atual do Excelso Pretório é que, mesmo havendo tratados, esses devem conformar-se com as diretrizes da Constituição, podendo sofrer de vício de inconstitucionalidade e, por isso, ineficácia. Se a justificativa da imunidade é o costume ou um tratado internacional isso é relevante apenas ao ponto de ditar o procedimento de julgamento. Para os costumes, haverá o afastamento, por contrariar disposição constitucional expressa. Se a fonte normativa é o tratado, esse também poderá ser afastado, desde que conflite desproporcionalmente com direitos fundamentais, ofendendo seu núcleo essencial.

Também não é verdadeira, com a devida vênia, a premissa de que a posição da Ministra Ellen Gracie nos REs 578.543/MT e 597.368/MT representa a posição atual do Supremo Tribunal Federal. E isso por variadas razões. Primeiro por que o julgado não foi concluído, pendendo de apreciação pelos demais Ministros. Segundo por que os julgados mais recentes reconhecem a hierarquia de legislação ordinária aos tratados de interesses comuns, sujeitando-os ao controle de constitucionalidade (RE 466.343/SP). Também o Tribunal tem entendido que não pode a legislação infraconstitucional criar obstáculos desmedidos ao acesso ao Poder Judiciário e ao devido processo legal. Por fim, nem a Ministra nem o autor estudado enfrentaram o tema do necessário controle de constitucionalidade dos tratados em face dos direitos fundamentais constitucionais. Não é porque previsto em tratado que a violação à direito fundamental terá supremacia em face da Constituição, pelo contrário devem àqueles sujeitarem à essa.

Também não é correto que a decisão que afasta a imunidade de jurisdição é inexequível, pelo contrário, a possibilidade ou não de execução e seus procedimentos próprios, já são um segundo passo, dado a partir do reconhecimento da inexistência de eficácia dos tratados que afastam da jurisdição brasileira lesão ou ameaça a direito. Já foi reconhecida pelo próprio Supremo Tribunal Federal a possibilidade de penhora de bens dos organismos alienígenas, tanto quanto haja renúncia da imunidade, quanto aos bens existentes em território brasileiro, desde que não afetos à atividade diplomática, antes mesmo do procedimento próprio de execução por carta rogatória (STF – AgRg no RE 222.368-PE – Rel. Min. Celso de Mello – DJ 30.04.2002).


5. Conclusões

Segundo a posição atual do Supremo Tribunal Federal, adotada como ponto de apoio para a tese de Georgenor de Souza Franco Filho, os tratados internacionais podem ser de duas espécies: a) tratados comuns; e b) tratados sobre direitos humanos. Os primeiros ostentam a hierarquia de lei ordinária, já a segunda espécie pode ostentar tanto a hierarquia supralegal quanto a de emenda constitucional, conforme se submeta ao procedimento de internalização do § 3º do artigo 5º da Constituição.

Como corolário da hierarquia das duas espécies de tratados, sempre haverá a necessidade do Judiciário realizar o controle, formal e material, da constitucionalidade dos tratados. Reconhecendo que o tratado é inconstitucional, retirar-lhe-á a eficácia, mas não adentrará em seu plano de validade. Os tratados internacionais serão tidos como inválidos somente quando houver denúncia pelo Poder Executivo, sem que isso obstrua a tarefa judiciária de questionar a sua eficácia. Como consequência, tratados poderão ser válidos no plano internacional, mas ineficazes internamente, sujeitando o país às sanções internacionais, mas isso já é um problema político e não judicial.

Na aplicação dos tratados internacionais incumbe ao Judiciário fazer o seu controle de constitucionalidade, investigando se a restrição que os tratados causam à direitos fundamentais é proporcional. A posição firme da doutrina constitucional e da Suprema Corte é que o legislador goza de certa margem de conformação dos direitos fundamentais, podendo restringi-los, em alguma medida, em homenagem a princípios outros, colidentes no caso concreto – no caso, a cooperação entre os povos para progresso da humanidade (artigo 4º, IX, da Constituição), etc. –, por isso não é toda restrição que é tida como inconstitucional, mas aquela que ofende o núcleo essencial do direito restringido.

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A decisão judicial, seja de que instância for, que não realiza a ponderação de interesses conflitantes (v.g., inafastabilidade X cooperação internacional), com amparo no princípio da proporcionalidade, é carente de fundamentação (artigo 93, IX, CF/88) e incompleta, sujeitando-se à controle recursal.

No dizer de Humberto Ávila:

O postulado da proporcionalidade exige que o Poder Legislativo e o Poder Judiciário escolham, para a realização de seus fins, meios adequados, necessários e proporcionais. Um meio é adequado se promove o fim. Um meio é necessário se, dentre todos aqueles meios igualmente adequados para promover o fim, for o menos restritivo relativamente aos direitos fundamentais. E um meio é proporcional, em sentido estrito, se as vantagens que promove superam as desvantagens que provoca. A aplicação da proporcionalidade exige a relação de causalidade entre meio e fim, de tal sorte que, adotando-se o meio, promove-se o fim. [23]

Recepcionando a doutrina acima, acerca da necessidade da invocação do princípio da proporcionalidade, com suas três subregras da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, para controle dos atos restritivos de direitos fundamentais, são as seguintes decisões do Supremo Tribunal Federal: Inq. n. 2.424 - Rel. Min. Cezar Peluso – DJ 26.03.2010, RE n. 349.703/RS – Rel. Min. Carlos Britto – DJ 04.06.2009 e HC n. 89.417/RO – Rel. Min. Cármen Lúcia – DJ 15.12.2006.


Notas

  1. FRANCO FILHO, Georgenor de Souza. Das imunidades de jurisdição e de execução nas questões trabalhistas. Revista LTr, ano 74, n. 01, janeiro de 2010, p. 19-23.
  2. Op. cit., p. 21.
  3. Op. cit., p. 22.
  4. Op. cit., p. 23.
  5. "O realismo jurídico abrange as correntes teóricas que se afastam de qualquer investigação jusfilosófica de ordem matafísica ou ideológica, negando todo fundamento absoluto à idéia do direito, considerando tão-somente a realidade jurídica, isto é, o direito efetivamente existente ou os fatos sociais e históricos que lhe deram origem. O realismo jurídico busca a realidade efetiva sobre a qual se apóia e dimana o direito, não a realidade sonhada ou ideal. Para os realistas, o direito real e efetivo é aquele que o tribunal declara ao tratar do caso concreto." (DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 75).
  6. STF – AC n. 7.872, de 1943, Rel. Min. Philadelpho Azevedo e AC n. 9.587, de 1951, Rel. Min. Orozimbo Nonato.
  7. REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 106.
  8. "Inadmissível a prevalência de tratados e convenções internacionais contra texto expresso da Lei Magna. (...) Hierarquicamente, tratado e lei situam-se abaixo da Constituição Federal. Consagrar-se que um tratado deve ser respeitado, mesmo que colida com o texto constitucional é imprimir-lhe situação superior à própria Carta Política" (STF – RE 109.173/SP – Rel. Min. Carlos Madeira – DJ 16.06.1988).
  9. PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2003.
  10. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, 3 volumes.
  11. EMENTA: "Habeas corpus. Alienação fiduciária em garantia. Prisão civil do devedor como depositário infiel. - Sendo o devedor, na alienação fiduciária em garantia, depositário necessário por força de disposição legal que não desfigura essa caracterização, sua prisão civil, em caso de infidelidade, se enquadra na ressalva contida na parte final do artigo 5º, LXVII, da Constituição de 1988. - Nada interfere na questão do depositário infiel em matéria de alienação fiduciária o disposto no § 7º do artigo 7º da Convenção de San José da Costa Rica. Habeas corpus indeferido, cassada a liminar concedida." (DJ 01.08.2003).
  12. "Os tratados internacionais ratificados pelo Brasil situam-se em um nível hierárquico intermediário: estão abaixo da Constituição e acima da legislação infraconstitucional, não podendo ser revogados por lei posterior, posto não se encontrarem em situação de paridade normativa com as demais leis nacionais." (MAZZUOLI, Valério de Oliveira. A opção do Judiciário brasileiro em face dos conflitos entre Tratados Internacionais e Leis Internas. Revista CEJ, Brasília-DF, n. 14, mai./ago. 2001, p. 118).
  13. EMENTA: "PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito."
  14. Trecho do voto da e. Ministra Ellen Gracie no RE 578.543/MT: "A Justiça Trabalhista brasileira, ao deixar de reconhecer, nas reclamações trabalhistas ajuizadas por ex-contratados da ONU/PNUD, a imunidade de jurisdição dessa organização internacional beneficiada por acordos e convenções regularmente assinados pelo Governo brasileiro, presta enorme desserviço ao País, pondo em risco a continuidade da cooperação técnica recebida desse ente de direito público internacional" (Informativo nº 545 do STF).
  15. "As luzes que a Suprema Corte lançará, por certo, farão muitos julgadores inferiores não mais decidirem equivocadamente como apontado pela Relatora, Min. Ellen Gracie, nesse tema pouco conhecido e altamente relevante e importante para o Brasil, ainda que tratando apenas de organismos internacionais." (op. cit., p. 23).
  16. "O STF deve garantir a prevalência à última palavra do Congresso Nacional, expressa no texto doméstico, não obstante isto importasse o reconhecimento da afronta pelo país de um compromisso internacional. Tal seria um fato resultante da culpa dos poderes políticos, a que o Judiciário não teria como dar remédio." (STF – Extr. 426-EUA – Rel. Min. Rafael Mayer – RTJ 115/969).
  17. STF – ADI n. 2.160 – Relª. p/acórdão Minª. Carmen Lucia – DJE 23.10.2009.
  18. Por todos: SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009, ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 2007, PERREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação Constitucional e Direitos Fundamentais: Uma contribuição ao estudo das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
  19. STF – ADI 1.074 – Rel. Min. Eros Grau – DJ 25.05.2007. No mesmo sentido a inteligência da Súmula 667 do STF: "Viola a garantia constitucional de acesso à jurisdição a taxa judiciária calculada sem limite sobre o valor da causa."
  20. Voto no MS n. 23.789 – DJ 23.09.2005.
  21. A própria Ministra Ellen Gracie, no voto do RE 578.583/MT, parte da premissa de que "Além disso, o novo entendimento firmado em nada interferiu na autoridade das normas de imunidade contidas nas Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas e Consulares de 1961 e 1963, das quais o Brasil é signatário, que seguem vigendo, normalmente, até os dias atuais.", sem ter antecedido com o controle de constitucionalidade dos referidos tratados.
  22. STF – AgRg no RE 222.368-PE – Rel. Min. Celso de Mello – DJ 30.04.2002.
  23. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 158.
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Sobre o autor
André Araújo Molina

Doutorando em Filosofia do Direito (PUC-SP), Mestre em Direito do Trabalho (PUC-SP), Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual Civil (UCB-RJ), Bacharel em Direito (UFMT), Professor da Escola Superior da Magistratura Trabalhista de Mato Grosso e Juiz do Trabalho Titular na 23ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOLINA, André Araújo. Imunidade jurisdicional das pessoas jurídicas de direito público externo:: Um diálogo com Georgenor De Souza Franco Filho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2474, 10 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14657. Acesso em: 2 nov. 2024.

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