Sumário:1. Introdução. 2. Sistema Permanente/Alterações e Novidades: 2.1. Preferências e RPV; 2.2. Sequestro; 2.3. Fracionamento; 2.4. Compensações; 2.5. Juros e atualização; 2.6. Cessão; 2.7. Assunção de débito. 3. Sistema especial: 3.1. Andamento da Matéria em São Paulo 3.2. Constitucionalidade; 3.3. Sujeição, Dinâmica e Reversibilidade; 3.4. Leilão: 3.4.1. Mecanismo; 3.4.2. Habilitação; 3.4.3. Deságio. 3.5. Sequestro. Improbidade administrativa. Sanções financeiras.
1. Introdução
Os precatórios têm sido um problema sem solução. Diante das inúmeras condenações e expropriações, não vem a Fazenda Pública logrando pagar o que deve, máxime por falta de planejamento do gasto público e de reserva necessária à satisfação desse passivo.
E, no particular, ensina Carlos Valder do Nascimento, em obra organizada pelo próprio e por Ives Gandra da Silva Martins: "A atividade estatal tem como ponto alto o processo de planejamento contínuo e permanente com a adoção dos instrumentos preconizados pela Constituição Federal. De sorte que a gestão fiscal há de se pautar em comportamento equilibrado, com a utilização racional do plano plurianual, das diretrizes orçamentárias e dos orçamentos (...). Reveste-se da maior importância (...) um quadro dessa natureza no contexto da administração do País. Entretanto, isso somente será possível se os agentes públicos cumprirem as determinações constantes dos dispositivos consagrados pela lei de responsabilidade fiscal e forem capazes de conduzir a coisa pública com seriedade, competência e, sobretudo, espírito público" [01].
Caminhos alternativos, por vezes, vão sendo trilhados, como o acordo mediante pagamento com recursos de empréstimo externo, mas nem o Supremo Tribunal Federal, nem o Órgão Especial do TJSP têm aceito essa alternativa, quer porque a Carta da República, em seu art. 100, não abre exceção à ordem cronológica, quer por proibir a "designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para esse fim". No respeitante: STF, Rcl-AgR 2143/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello e Rcl 1979/RN, Tribunal Pleno, rel. Maurício Corrêa e Mandado de Segurança nº 994.08.012938-0 (171.082-0/7-00), Órgão Especial do TJSP.
Por isso que, desde a CF/88, nada menos do que três as moratórias impostas aos credores: a do art. 33 do ADCT, a do art. 78, introduzida pela EC 30/00 e, agora, a do art. 97, advindo com a EC 62/09.
2. Sistema Permanente/Alterações e Novidades: 2.1. Preferências e RPV; 2.2. Sequestro; 2.3. Fracionamento; 2.4. Compensações; 2.5. Juros e atualização; 2.6. Cessão; 2.7. Assunção de débito.
Em relação às modificações perenes, constantes do art. 100, com a redação da EC 62/09, verifica-se que os seis parágrafos então existentes se transformaram em dezesseis, renumerados e alterados os originais remanescentes. O próprio "caput" do art. 100 foi reformulado, embora, basicamente permaneça o mesmo. Dali foi excluída a expressão "à exceção dos créditos de natureza alimentícia", classe que passou a ser tratada, exclusivamente, no § 1º. Antes esses débitos eram cuidados também no § 1º A. Acrescentaram-se, ainda, no parágrafo, os seguintes dizeres: "... e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo".
Veja-se que o crédito de natureza alimentar simples não mais é o primeiro na lista de preferência, pois há o do § 2º, dos quais trataremos a seguir.
Não é demais lembrar que por créditos de natureza alimentícia já se compreendiam e se compreendem "salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas em responsabilidade civil", como expresso no § 1ºA anterior e no atual 1º.
Já o § 2º traz uma novidade, novidade essa originária, em parte, da jurisprudência, que vinha concedendo o chamado sequestro humanitário, tendo em vista os princípios da dignidade da pessoa humana e do direito à vida, bem como o dever do estado de zelar pela saúde e de prestar assistência ao cidadão, conforme os arts. 1º, III; 5º ‘caput’; e 23, II, da Constituição Federal [02].
Além dos portadores de doença grave, essa novel disposição agracia os sexagenários e aqueles com idade superior, para, em se tratando de crédito alimentar, reservar-lhes, com preferência absoluta, o triplo do valor referente aos requisitórios de pequeno valor, que continuam no § 3º e escapam do art. 100, no tocante à expedição do precatório, dado o tratamento especial.
O valor remanescente, todavia, será objeto do regime especial ou da moratória de que trataremos oportunamente (§ 17 do art. 97, acrescentado ao ADCT pelo art. 2º da Emenda).
A preferência do triplo é absoluta, seguido do crédito alimentar simples.
Assim, três são as classes: os idosos e portadores de doença grave com crédito alimentar, os titulares de crédito alimentar simples e os demais precatórios, sem contar os créditos de pequeno valor.
Cumpre registrar, ainda, que, no regime da nova moratória, não sendo possível estabelecer a precedência cronológica do precatório, terá primazia o de menor valor (§ 7º do art. 97, introduzido no ADCT pela Emenda ora sob exame).
Resta saber se esse critério será utilizado de forma permanente, em decorrência de assimilação ou analogia, uma vez que essa previsão não se repete para o sistema permanente.
O § 5º da EC 30/00 passou a ser o 4º, que trata do valor do RPV, com o acrescento de linde mínimo, o que não havia, eleito, para tanto, o "valor do maior benefício do regime geral de previdência social". Poderá ser fixado valor superior por lei e, não advindo esta em 180 dias, serão observados os do § 12 do art. 97 do ADCT (art. 2º da EC), ou seja, 40 salários mínimos para os Estados e Distrito Federal e 30 salários mínimos para os Municípios.
Então, além da necessidade de lei específica, como vinha ocorrendo, há um patamar base, o que, inconcusso, evita abusos por parte do administrador.
O § 1º anterior (EC 30/00) passa a ser o § 5º, a tratar da inclusão de verba necessária ao pagamento dos débitos constantes de precatórios apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, com atualização.
O § 6º é o antigo § 2º, sempre considerada a emenda anterior. Trata da obrigatoriedade de consignação ao Poder Judiciário dos créditos abertos, cabendo ao Presidente do Tribunal determinar o pagamento e autorizar ou decretar o sequestro no caso de preterimento do direito de preferência ou de não alocação orçamentária dos recursos necessários à satisfação do débito.
Originalmente, pela CF/88, o sequestro somente era possível no caso de preterimento. Ao depois, com a EC 30/00, a teor do art. 78 acrescentado ao ADCT, passou a ser possível o sequestro, quanto aos créditos a esse regime submetido, nas hipóteses da não satisfação do débito no prazo e de omissão no orçamento, além do preterimento.
Mas, a disposição permanente, insculpida no então § 2º, persistia possibilitando o sequestro apenas na hipótese de preterimento, mesmo com as alterações da EC 30/00.
Agora, como viso, a omissão orçamentária também pode dar causa ao sequestro, no sistema permanente.
O § 7º é o antigo § 6º, da EC 37/02, que trata da responsabilidade por ato omissivo ou comissivo do Presidente, com o acrescento de que referido agente político responderá pela falha também perante o Conselho Nacional de Justiça.
O § 8º é o antigo § 4º da EC 37/02, que trata da proibição de expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago e do fracionamento, repartição e quebra do valor da execução para o fim do § 3º, que trata da RPV.
A questão do fracionamento do precatório é conhecida e já ensejou inúmeras decisões, inclusive em sede da ADI 2924, relator ministro Carlos Velloso, a envolver dispositivo do anterior RITJSP, com a seguinte ementa: "EMENTA: CONSTITUCIONAL. PRECATÓRIO. CRÉDITO COMPLEMENTAR: NOVO PRECATÓRIO. Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, inciso V do art. 336. CF, art. 100. Interpretação conforme sem redução do texto. I. - Dispõe o inciso V do art. 336 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que ‘para pagamentos complementares serão utilizados os mesmos precatórios satisfeitos parcialmente até o seu integral cumprimento’. Interpretação conforme, sem redução do texto, para o fim de ficar assentado que ‘pagamentos complementares’, referidos no citado preceito regimental, são somente aqueles decorrentes de erro material e inexatidão aritmética, contidos no precatório original, bem assim da substituição, por força de lei, do índice aplicado. II. - ADI julgada procedente, em parte.
Colacione-se, ainda, o RE 523.199/RO, relator ministro Sepúlveda Pertence, DJe 22.06.07, com a seguinte ementa: "Execução contra a Fazenda Pública: obrigação divisível: litisconsórcio facultativo: desmembramento do processo para que os litisconsortes com crédito classificado como de pequeno valor possam receber sem a necessidade de precatório. Recurso extraordinário: descabimento: ausência, no caso, de violação do art. 100, § 4º, da Constituição. 1. O acórdão recorrido, à luz da legislação infraconstitucional, reconheceu que o direito pleiteado pelos litisconsortes é divisível, razão pela qual o litisconsórcio é facultativo. 2. De outro lado, a execução continuará sob o rito do precatório em relação aos litisconsortes com créditos não classificados como de pequeno valor. 3. ‘A vedação de fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução - § 4º - se justifica a fim de que seu pagamento não se faça, em parte, na forma estabelecida para obrigações de pequeno valor e, em parte, mediante expedição de precatório, o que não ocorre no caso.’ (RE 484.770, 1ª T., 06.06.2006, Pertence, DJ 01.09.2006)".
Nesse sentido, aliás, o Enunciado 05 da Seção de Direito Público do TJSP: "No litisconsórcio facultativo, é possível individualizar o precatório" (DJe 06.11.09).
No tocante aos honorários advocatícios, já decidiu o STF, no AI 537733/RS, relator ministro Eros Grau, DJe 11.11.05: "AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRECATÓRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PAGAMENTO DIRETO INDEPENDENTE DE PRECATÓRIO. FRACIONAMENTO DO VALOR DA EXECUÇÃO. O fracionamento, a repartição e a quebra do valor da execução são vedados pela Constituição do Brasil, de acordo com o artigo 100, § 4º. Agravo regimental a que se nega provimento."
Em São Paulo, o art. 3º e seu parágrafo único, da Resolução 199/05, com a alteração introduzida pela Resolução 446/08, ambas do O.E., dispõem: "Art. 3º - Em caso de litisconsórcio, será considerado o valor devido a cada litisconsorte, expedindo-se, simultaneamente, se for o caso, requisições de pequeno valor e requisição de precatório. É vedado o fracionamento, repartição ou quebra do valor devido a um mesmo beneficiário. Parágrafo único. Ao advogado é atribuída a qualidade de beneficiário, quando se tratar de honorários sucumbenciais, e seus honorários devem ser considerados como parcela integrante do valor devido a cada credor para fins de classificação do requisitório como de pequeno valor."
Oportuno ressaltar que o § 11 do art. 97 do ADCT prevê, no regime especial, a possibilidade de desmembramento do precatório expedido em favor de diversos credores, em litisconsórcio, proibido o enquadramento para o fim de RPV, o que vai em sentido contrário da jurisprudência que vinha se firmando.
Essa disposição é de duvidosa constitucionalidade, tendo em vista o princípio da isonomia, considerado que o credor autor isolado de ação pode se valer do RPV, sendo o caso, enquanto o credor que litigou em litisconsórcio facultativo fica privado desse direito.
Pode-se, entanto, lançar mão de interpretação conforme, para entender-se que o litisconsórcio referido no dispositivo é o necessário e não o facultativo.
Outra hipótese de desmembramento, por óbvio, é a do § 2º do art. 100 (idosos e portadores de doença grave).
Já o § 9º constitui novidade, porque prevê a compensação dos débitos do credor originário com a Fazenda, ao ensejo da expedição do precatório. Pela disposição a compensação abrangerá os débitos inscritos ou não em dívida ativa, incluídas as parcelas vincendas de parcelamentos, salvo aqueles em discussão judicial ou administrativa.
No alusivo às dívidas líquidas vencidas, não se vê problema, embora haja quem defenda a inconstitucionalidade na circunstância de impor-se ao cessionário essa compensação, considerado o princípio constitucional da segurança jurídica [03].
Entanto, possível argumentar em sentido contrário, lembrando que a Fazenda é terceira em relação à cessão e só é comunicada de sua realização para o fim de efetuar o pagamento a quem de direito.
Mas, quanto às vincendas objeto de parcelamento, a inconstitucionalidade é patente, sem falar que, dessa forma, o direito do credor ao crédito por precatório também passa a constituir um ônus, na medida em que faz cessar parcelamento a ele já concedido.
Por isso que essa disposição, no particular, fere, sem dúvida, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, ambos objeto de cláusula pétrea constitucional (art. 5º, XXVI), que não pode ser arredada, obviamente, pelo poder derivado constitucional (art. 60, § 4º, inciso IV).
Então, somente as dívidas vencidas e não contestadas poderão ser compensadas com o crédito a ser requisitado, jamais as vincendas objeto de parcelamento, porque tal antecipa e faz compensar, já no momento da expedição do precatório, dívida não exigível e objeto de ajuste válido e inarredável, enquanto cumprido.
Aliás, o inciso II do § 9º do art. 97 do ADCT, introduzido pela Emenda, está nos termos do possível, permitindo a compensação de débitos líquidos e certos vencidos e constituídos até a expedição do precatório.
Para o exercício desse direito, a Fazenda será intimada a, no prazo de trinta dias, informar os débitos compensáveis. Decorrido esse prazo, operar-se-á a decadência do direito (§ 10).
Mais à frente, veremos que, pela nova moratória, também será possível a compensação em detrimento das Fazendas, mas somente no caso de não liberação tempestiva de recursos (§ 10, inciso II, do art. 97).
Portanto, a compensação a favor da fazenda é perene e incondicional, enquanto aquela em favor do credor, tal como na moratória da EC 30/00 (art. 78, § 2º), será transitória e condicionada.
Compensações de precatórios com tributos ocorridas até 31 de outubro de 2009 ficam convalidadas (art. 6º), sucedendo que as pendências judiciais a respeito perdem o objeto, inclusive, ao que tudo indica, a seguinte repercussão geral:
"EMENTA: PRECATÓRIO. ART. 78, § 2º, DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS. COMPENSAÇÃO DE PRECATÓRIOS COM DÉBITOS TRIBUTÁRIOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. Reconhecida a repercussão geral dos temas relativos à aplicabilidade imediata do art. 78, § 2º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT e à possibilidade de se compensar precatórios de natureza alimentar com débitos tributários." (RE 566349 RG / MG - MINAS GERAIS REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relatora: Min. CÁRMEN LÚCIA, Julgamento: 02/10/2008).
Sobre o tema, de serem lembrados julgados do STF:
"EMENTA: CONSTITUCIONAL. PRECATÓRIO. COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO COM DÉBITO DO ESTADO DECORRENTE DE PRECATÓRIO. C.F., art. 100, art. 78, ADCT, introduzido pela EC 30, de 2002. I. - Constitucionalidade da Lei 1.142, de 2002, do Estado de Rondônia, que autoriza a compensação de crédito tributário com débito da Fazenda do Estado, decorrente de precatório judicial pendente de pagamento, no limite das parcelas vencidas a que se refere o art. 78, ADCT/CF, introduzido pela EC 30, de 2000. II. - ADI julgada improcedente." (ADI 2851 / RO - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator: Min. CARLOS VELLOSO, Julgamento: 28/10/2004, Órgão Julgador: Tribunal Pleno);
"PRECATÓRIO - CESSÃO - TRIBUTO - LIQUIDAÇÃO DE DÉBITO. A previsão normativa de cessão de precatório e utilização subseqüente na liquidação de débito fiscal conflitam, de início, com o preceito maior do artigo 100 da Constituição Federal." (ADI 2099 MC / ES- ESPÍRITO SANTO MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Julgamento: 17/12/1999, Órgão Julgador: Tribunal Pleno).
O último acórdão, todavia, é anterior à EC 30/00, que permite, no caso de mora, a compensação ou concede poder liberatório ao crédito por precatório, para compensação com tributos.
O § 11 traz novidade importante, consistente na possibilidade de o credor se utilizar de crédito de precatório na aquisição de imóvel público do respectivo ente federado.
Essa disposição, porém, não é autoaplicável, porque o dispositivo faz referência a lei ("conforme estabelecido em lei da entidade federativa devedora").
A questão da atualização dos precatórios e dos juros vem prevista no parágrafo seguinte (12), que determina observância ao índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, com incidência, uma vez expedidos, apenas de juros simples, também segundo a poupança.
A atualização em São Paulo vem se verificando nos termos de tabela prática a retratar os índices oficiais comumente utilizados pelo Judiciário. Tendo em vista jurisprudência superior que determinou a correção do índice dos meses de janeiro e fevereiro de 1989, reduzindo-os para 42,72% e 10,14% [04], o Órgão Especial vem deferindo a retificação dos cálculos, em função disso, mencionando erro material [05] Agora, conforme deliberação do Órgão Especial, há tabela própria condizente com a Lei 11.960/09, cuja incidência, segundo a jurisprudência, se verifica somente em relação às ações ajuizadas já na sua vigência (STJ – EREsp 369.832/RS, Corte Especial e AgRg no REsp 818.122/RS, Segunda Turma, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 17.08.06, DJ 14.09.06, p. 305; TJSP ED 994.04.52153-2/50000, 10ª Câmara de Direito Público, rel. desª Teresa Ramos Marques, j. 15.03.10 e ED 994.09.015715/50000, 12ª Câmara de Direito Público, rel. des. Osvaldo de Oliveira, j. 10.03.10).
Em relação aos juros, formaram-se duas correntes no referido Colegiado: aquela que os exclui a partir da consolidação do débito para os fins das moratórias dos arts. 33 e 78 do ADCT, salvo inadimplemento subsequente, quando juros moratórios fluem a partir dessa nova mora; e aquela, à qual me filio, que entende devidos os juros (inclusive compensatórios, se caso), se não houver pagamento no prazo e a partir do dia em que os valores deveriam ter sido pagos originalmente, dês que, do contrário, se estaria concedendo remissão da dívida e não apenas dilação no pagamento, como previsto nas disposições transitórias aludidas, sem falar que haveria afronta à coisa julgada e ao princípio da jurisdição, mesmo porque se estaria preterindo, administrativamente (Súmula 311 do STJ), o juízo da execução.
Segundo José Afonso da Silva: "A proteção constitucional da coisa julgada não impede, contudo, que a lei preordene regras para sua rescisão mediante atividade jurisdicional. Dizendo que a lei não prejudicará a coisa julgada, quer-se tutelar esta contra a atuação direta do legislador, contra ataque direto da lei. A lei não pode desfazer (rescindir ou anular ou tornar ineficaz) a coisa julgada. Mas pode prever licitamente, como o fez o art. 485 do CPC, sua rescindibilidade por meio de ação rescisória" [06] .
Emblemáticos, os seguintes julgados:
"Ementa: (...) Mandado de segurança – Ato da Presidência do Tribunal de Justiça – Sequestro de rendas públicas à satisfação de precatório – (...) Juros – Impossibilidade de revisão administrativa daqueles consectários – Ofensa aos princípios da coisa julgada, do devido processo legal e do juiz natural – Verbas que não podem ser extirpadas do sequestro. Segurança denegada." (Mandado de Segurança nº 994.08.012938-0 (171.082-0/7- Órgão Especial do TJSP).
"Processual Civil. Recurso em mandado de segurança. Precatório. Parcelamento. Art. 78 do ADCT. Pedido de seqüestro. Presidência do Tribunal de Justiça. Exclusão de juros moratórios e compensatórios. Competência do juízo da execução. Recurso ordinário a que se dá provimento." (MS 26.212, 1ª. Turma, Min. Teori Albino Zavascki, j. 26.08.08).
"EMENTA: PRECATÓRIO. ARTIGO 33 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS. DESCABIMENTO DA INCIDÊNCIA DE JUROS. (...). A regra do art. 33 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias encerra uma exceção à garantia individual da justa indenização. Trata-se de moratória que a Constituição deu ao Poder Público, permitindo que a dívida consolidada na data da promulgação da Carta, após computados juros e correção monetária remanescentes, fosse dividida em oito parcelas iguais, sofrendo apenas atualização por ocasião do pagamento de cada prestação. Não há espaço para a incidência de juros sobre prestações cumpridas no prazo da Constituição. Precedentes da Corte: RE 149.466, Primeira Turma e RE 155.981, Plenário. (...)". (RE 148512/SP - SÃO PAULO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator: Min. ILMAR GALVÃO, Julgamento: 07/05/1996, Órgão Julgador: Primeira Turma);
"EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRECATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que não incidem juros de mora e compensatórios no período compreendido pelo art. 33 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Somente serão cabíveis os juros moratórios se houver atraso no pagamento. Precedentes. 2. Desapropriação indireta. Justa indenização. Impossibilidade do reexame de provas. Incidência da Súmula 279 do Supremo Tribunal." (AI 643732 AgR / SP - SÃO PAULO AG. REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO, Relatora: Min. CÁRMEN LÚCIA, Julgamento: 26/05/2009, Órgão Julgador: Primeira Turma);
"EMENTA: JUROS - MORATÓRIOS E COMPENSATÓRIOS - DÉBITO DA FAZENDA - ARTIGO 78 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS. O preceito do artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias encerra uma nova realidade. Faculta-se ao recorrente a satisfação dos valores pendentes de precatórios, neles incluídos os juros remanescentes. Não observada a época própria das prestações, cabível a incidência dos juros no que pressupõem inadimplemento." (RE 485650 AgR/SP - SÃO PAULO AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Julgamento: 07/04/2009, Órgão Julgador: Primeira Turma).
Não é demais lembrar a Súmula 17 do Pretório Excelso: "Durante o período previsto no § 1º do artigo 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos".
Esse verbete, com a devida venia, não pacifica a discussão acerca dos juros, uma vez que parece não haver dúvida da não incidência dos juros, se paga a dívida no prazo. Entretanto, havia quem pensasse diversamente. Daí a súmula.
O § 13, por sua vez, propicia a cessão dos precatórios, o que, até então, era objeto de discussão, se utilizado o crédito pelo cessionário como forma de propiciar a compensação com crédito tributário, haja vista a repercussão geral aqui já mencionada.
De todo modo, possível sim, agora, a cessão parcial ou total do crédito por precatório, mas a sub-rogação do credor encontra barreira quanto aos direitos dos §§ 2º e 3º (humanitário e pessoas com 60 anos de idade ou mais; requisitório de pequeno valor).
O cessionário, destarte, sujeita-se ao precatório regular (alimentar ou ordinário), sem ditas preferências, qualquer que seja o valor do crédito.
Agiu bem o legislador, porque o direito do § 2º é personalíssimo e, portanto, intransferível. Já no tocante ao RPV, evidente a possibilidade de a sub-rogação gerar a concentração de várias requisições de pequeno valor em favor de um único cessionário, que teria primazia no recebimento, resultando frustrado o objetivo do instituto.
A cessão, pela disposição, independe do beneplácito do devedor, mas produzirá efeitos somente após comunicação, por petição, ao Tribunal de origem e à entidade devedora (§ 14).
Veja-se, ainda, que o 5º da Emenda consolida todas as cessões realizadas até seu advento, independentemente de outras formalidades.
O § 15 permite, para Estados, o DF e os Municípios, regime especial de liquidação dos precatórios, conforme lei complementar à Constituição Federal, dispondo sobre vinculação de receita corrente líquida, forma e prazo de liquidação.
Está aberta a porta aí para mais novidades, com possibilidade de abusos, considerado ser bastante, agora, lei complementar, cujos projetos, como sabido, seguem trâmite mais simples do que os das emendas constitucionais.
Evidente que essa lei somente poderá ter vigência para o futuro (art. 5º, XXXVI, da CF/88), embora o art. 97 do ADCT, introduzido pelo art. 2º da Emenda, pretenda emprestar a ela efeito retroativo.
Em relação à constitucionalidade dessa retroatividade, trataremos mais adiante.
Por fim, o § 16 permite que a União, a seu critério exclusivo e na forma da lei, assuma débitos oriundos de precatório de Estados, Distrito Federal e Municípios, refinanciando-os diretamente.
Esse mecanismo é de suma importância e, se usado com seriedade, pode propiciar a liquidação mais célere dos precatórios, prevenindo intervenção federal ou estadual. Com propriedade, lembra o professor Marçal Justen Filho, todavia, que essa assunção pode vir a ser praticada negativamente, por meio do tráfico de influência e negociatas [07] .
O dispositivo, de todo modo, não é autoaplicável, porque dependente de lei.