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Sobre o Projeto de Lei de Imprensa

(Projeto de Lei nº 3.232, de 1992)

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19/11/1997 às 00:00
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10 - ELOGIOS

Dispõe o art. 9º - IV que constitui crime no exercício da liberdade de pensamento e informação "divulgar matéria inverídica capaz de abalar o conceito ou crédito de pessoa jurídica".

Da maneira como está redigido o preceito, evita-se a possibilidade de ocorrência de tentativa do crime.

A atual Lei de Imprensa, no seu art. 16, dispõe que constitui crime "publicar ou divulgar notícias falsas ou fatos verdadeiros truncados ou deturpados, que provoquem perturbação da ordem pública ou alarma social; desconfiança no sistema bancário ou abalo de crédito de instituição financeira ou de qualquer empresa, pessoa física ou jurídica; prejuízo ao crédito da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município; sensível perturbação na cotação das mercadorias e dos títulos mobiliários no mercado financeiro" . Da maneira como está redigido - que provoquem - se o jornalista veicula a matéria contida na disposição legal mas não ocorre o prejuízo, o abalo, o alarme social, aquelas conseqüências negativas e funestas da publicação ou da transmissão da matéria, o jornalista terá cometido apenas a tentativa. Aliás, é o único crime da atual Lei de Imprensa que admite tentativa. Se o legislador tivesse redigido, em lugar de que provoquem, aptos ou aptas a provocar, como está no projeto (capaz de), então não haveria possibilidade de tentativa do crime, só haveria a possibilidade da existência do crime consumado.

Andou com acerto o Projeto.

- Art. 14, § 1º

Estabelece o projeto que "o direito de queixa ou representação decairá se não for exercido dentro de 6 (seis meses) da data da publicação ou transmissão."

Merece elogio o projeto ao usar a palavra "decadência" e não a palavra "prescrição", porque entre esses dois institutos de direito existe diferença que nem sempre é respeitada pelo legislador e pelos julgadores e praticantes do Direito.

- Art. 17

Esse art. 17 reza que "a ação prevista nesta lei prescreve em 4 (quatro) anos a partir da ofensa, respeitadas as causas interruptivas da prescrição."

Existem versões do projeto em que se lê "dois anos", com ponto final após esta expressão.

Nossa versão é a publicada pela "Folha de São Paulo" no dia 14/8/97. Se ela estiver correta, o projeto está passando a prescrição da ação penal para quatro anos, como no projeto Pinheiro Landim.

Essa regra diminuirá a impunidade, porque, atualmente, a prescrição é de dois anos, de tal sorte que a maioria dos processos contra jornalista não chega ao final do mérito, embora os órgãos de classe dos jornalistas apregoe que há no Brasil uns tantos jornalistas condenados, ou processados pela Lei de Imprensa, como se a quantidade de exemplos citados, que é infinitesimal, pudesse trazer alguma contestação ao império e à necessidade de uma Lei de Imprensa.

- Art. 24

Estipqla o art. 24 que a resposta ou retificação será negada pelo juiz em diferentes hipóteses, mas não manda o projeto recusar o direito de resposta a crítica em geral.

Andou bem o projeto porque, entre nós, a crítica literária, científica, e artística é imatura, monocórdia, pessoal e subjetiva. Não tem, de maneira geral, nenhuma grandeza, nenhuma contribuição positiva aos autores de obras intelectuais ou àqueles que estão protegidos pelos direitos conexos ao direito autoral.

- Art. 27

Lê-se, no art. 27 do projeto que, "na produção e veiculação de material jornalístico os veículos de comunicação social observarão, em matéria controversa, a pluralidade de versões, ouvindo as partes envolvidas em polêmica sobre os fatos da atualidade e de interesse público, citando os casos em que houver recusa da parte". E o parágrafo único edita: "a parte que tiver relevante envolvimento em fatos noticiados e se sentir prejudicada com a omissão poderá requerer ao veículo o imediato registro de sua posição". Essa pluralidade de versões a respeito de um fato controverso tem muito mais caráter ético do que legal. Se a nossa imprensa se guiasse por bons preceitos de moralidade profissional, não seria necessário que a lei estabelecesse mandamento desse quilate.

A doutrina deverá estabelecer o que é "matéria controversa".

O preceito quer estabelecer a prática do contraditório, a prática de a acusação estar sempre acompanhada da defesa, e nós ajuntamos: que essa defesa tem de ser concomitante com a acusação.

- Art. 28

Diz o art. 28 que "toda publicidade que não for imediatamente identificável deverá ser identificada através das expressões "publicidade", "informe publicitário" ou "matéria paga", em caixa alta e em local visível, no caso de imprensa escrita, mediante indicação à margem do vídeo em letreiros com dimensão que permita fácil leitura, no caso de televisão, ou mediante indicação por locutor no caso de rádio".

Trata-se da identificação de matéria paga. É uma medida salutar.

Permanece, contudo, a possibilidade do texto propagandístico/apologético da Redação da empresa, mormente em campanha eleitoral.

Muitas vezes, devidamente provocada, com injusto receio de cercear a liberdade de informação, a Justiça Eleitoral consentiu em que jornais praticassem informação publicitária de determinada candidatura de forma contrabandeada, querendo dar aparência de que se tratasse de simples cobertura jornalística.

É porém, lamentável, que o art. 28 e seu p.ú. não tenham sanções.

O p.ú. do art. 28 reza que "equiparam-se à publicidade, para fins desta lei, os textos de terceiros, levados a publicação mediante remuneração, devendo nesse caso ser necessariamente indicada pessoa física ou jurídica responsável por seu pagamento."

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- Art. 15

O art. 15 do Projeto, que já foi objeto de exame neste trabalho, diz que "nos casos de injúria e difamação, será admitida a prova da verdade contra autoridade e servidor público, entidade ou órgão público". No lugar de injúria, deveria ter dito calúnia.

Desse modo, o projeto corrige a atual Lei de Imprensa que, no seu artigo 20, § 3, proíbe a prova da verdade quando o crime de calúnia for cometido contra o Presidente da República, Presidente do Senado, Presidente da Câmara de Deputados, Ministros do Supremo Tribunal Federal, Chefes de Estado ou Governo estrangeiro, ou seus representantes diplomáticos.

Trata-se de uma medida que merece elogio.


Eliminação da pena privativa de liberdade

O projeto merece elogio porque acaba com as penas privativas de liberdade. Não haverá mais a pena de prisão. Aliás, isso segue a tendência da moderna política criminal, no Brasil e no mundo inteiro. O projeto em exame estabelece que haverá prestação de serviços comunitários e multa por parte do réu condenado. Mas é válido invocar a observação do advogado Tales Castelo Branco que, na "Folha de São Paulo" de 9/5/97, disse que "no Brasil não há estabelecimentos para prestação de serviços comunitários, o que houve foi o ´interesse de puxar o saco da imprensa´ ".

O Código Eleitoral (Lei 4.737/65), por exemplo, já consagra somente a pena de multa para certas infrações.


11 - O QUE FALTA NO PROJETO VILMAR ROCHA

Faltam no projeto:

1. o crime de fazer propaganda de guerra, de processos para subversão da ordem política e social (art. 13 da Lei 5.250). Estamos em regime democrático mas a figura delituosa aqui descrita deveria ser contemplada na lei porque a democracia não pode admitir que seja apunhalada pelas costas.

2. o crime de ofender a moral pública e os bons costumes, consagrado no art. 17 da lei vigente e que é freqüentíssimo em revistas, jornais, emissoras de televisão e rádio.

3. o crime de extorsão (chantagem). Esse crime é corrente e moente no meio jornalístico brasileiro. No Brasil "se morde para alugar o sopro" ou então é prática usual vender o silêncio a propósito de alguma ação delituosa realizada por quem tenha dinheiro para obter o silêncio da imprensa.

4. o crime de fazer apologia de fato criminoso ou de qualquer crime (sob a capa de ilustrar e documentar, jornais e televisões são escolas de crime).

5. o agravamento dos crimes contra a honra de certas pessoas (Presidente da República, do Senado, da Câmara dos Deputados, Ministro do STF, Chefe de Estado ou Governo estrangeiro, funcionário público, em razão de suas funções, contra órgão ou autoridade que exerça função de autoridade pública).

6. o pedido de explicações, o que é uma falha imperdoável.

7. a hipótese do Editor responsável gozar de imunidade parlamentar ou de foro especial (previu-a o projeto Pinheiro Landim [art. 8º, § 2º], para proibir que ocorresse).

8. a inclusão dos dois crimes seguintes:

a) promover dolosamente campanha de perseguição e difamação, através da divulgação sistemática e continuada de informações, parcial ou inteiramente falsas, sobre fatos, atitudes, desempenho profissional, administrativo ou comercial de pessoas físicas ou jurídicas;

b) manipular noticiários através da sonegação sistemática de informações de interesse público e por meio de tratamento diferenciado ou pejorativo para situações ou fatos caracterizadamente iguais ou semelhantes.

9. restrições à liberdade de imprensa e de radiodifusão durante o estado de sítio (CF, art. 139 - III).

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Sobre o autor
Anis José Leão

advogado especialista em Direito Eleitoral e Direito de Imprensa, professor de Legislação e Ética da Comunicação na UFMG, jornalista, escritor

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEÃO, Anis José. Sobre o Projeto de Lei de Imprensa: (Projeto de Lei nº 3.232, de 1992). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 21, 19 nov. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/147. Acesso em: 29 mar. 2024.

Mais informações

Este texto corporifica o pronunciamento do autor, na "Semana da Imprensa", no Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, em Belo Horizonte, no dia 11 de setembro de 1997. O autor também escreveu os livros "Repertório de Jurisprudência Eleitoral" (1958), "Limites da Liberdade de Imprensa" (1961), "Tudo Sobre Apuração Eleitoral" (1982), "Eleições 92" (1992) e "Direito Eleitoral" (1994).

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