4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Por evidentes limitações, toda pesquisa deve se ater a objetos, sujeitos e lapsos temporais determinados. Assim, na presente pesquisa fez-se necessário proceder a recortes de individualização. Claro que a pesquisa de campo aponta a realidade de um determinado locus, em um determinado período, contudo é possível expandir as generalizações dos resultados e conclusões para a realidade brasileira, sem prejuízos de valoração.
A pesquisa empírica consistiu, inicialmente, no levantamento processual do crime de excesso de exação na comarca de Campina Grande/PB, no lapso temporal de 2004 a 2008. Para atingir tal intento, foi necessária uma primeira coleta exploratória de dados para identificar nas 7 (sete) Varas Criminais da Comarca de Campina Grande processos de ações penais do crime de excesso de exação.
Nesta etapa do levantamento já foi possível identificar que a 1ª e 6ª varas criminais são especializadas em execução penal e tóxicos e precatórios, respectivamente. Em todas as outras 5 (cinco) Varas Criminais (2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 7ª) pesquisadas foi constata a inexistência, no período de 2004 a 2008, de ações penais do crime de excesso de exação. Em razão deste resultado inicial, foi alterada a técnica de coleta de dados da pesquisa, fazendo uso de questionário com questões abertas e fechadas, direcionado a Juízes e Promotores de Justiça Criminais, com perguntas relativas ao crime de excesso de exação, de forma a obter explicações sobre a ausência de casos concretos.
No total foram entrevistados, pessoalmente ou através da entrega do questionário, 4 (quatro) Juízes e 4 (quatro) Promotores de Justiça, sendo três Juízes titulares e um substituto. Todos os Promotores de Justiça entrevistados são titulares das Varas Criminais onde atuam.
A seguir são mostradas e tabuladas as perguntas e as correspondentes respostas.
QUESTÃO N° 1. Há quanto tempo o Sr (a) é Juiz ou Promotor de Justiça na ____ Vara Criminal da comarca de Campina Grande?
( ) até 5 anos ( ) mais de 5 até 10 anos ( ) mais de 10 anos
As respostas são mostradas nas tabelas 1 e 2:
Tabela 1 – Tempo de atuação profissional dos juízes da Comarca de Campina Grande
VARA CRIMINAL
TEMPO DE ATUAÇÃO DO PROFISSIONAL
3ª vara
Mais de 5 até 10 anos
4ª vara
Mais de 5 até 10 anos
5ª vara
Mais de 10 anos
7ª vara
Até 5 anos
VARA CRIMINAL |
TEMPO DE ATUAÇÃO DO PROFISSIONAL |
3ª vara |
Mais de 5 até 10 anos |
4ª vara |
Mais de 5 até 10 anos |
5ª vara |
Mais de 10 anos |
7ª vara |
Até 5 anos |
Tabela 2 – Tempo de atuação profissional dos Promotores de Justiça.Tabela 4 – Respostas sobre o conhecimento de que a recriminação no crime de excesso de exação é mais rigorosa do que as dos crimes contra a ordem tributária.
AUTORIDADE
VARA CRIMINAL
RESPOSTA
Juiz
Terceira
Sim
Juiz
Quarta
Não
Juiz
Quinta
Não
Juiz
Sétima
Não
Promotor
Segunda
Sim
Promotor
Terceira
Não
Promotor
Quarta
Não
Promotor
Sétima
Sim
AUTORIDADE |
VARA CRIMINAL |
RESPOSTA |
Juiz |
Terceira |
Sim |
Juiz |
Quarta |
Não |
Juiz |
Quinta |
Não |
Juiz |
Sétima |
Não |
Promotor |
Segunda |
Sim |
Promotor |
Terceira |
Não |
Promotor |
Quarta |
Não |
Promotor |
Sétima |
Sim |
Nota-se que das 8 (oito) autoridades entrevistadas, apenas 3 (três) afirmaram conhecer que a recriminação penal no excesso de exação é superior aos dos crimes contra a ordem tributária. Isso demonstra desconhecimento de elementos básicos do tipo do crime de excesso de exação por Juízes e Promotores criminais, refletindo assim o pouco conhecimento dessa figura delitiva.
O delito excesso de exação encontra-se tipificado no Código Penal e apresenta uma recriminação penal severa para condutas de funcionários públicos que resultem na exigência de "tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza", com pena de reclusão de 3 a 8 anos, cumulada com pena pecuniária (multa). Sua pena é superior, inclusive, a aquelas previstas para os crimes contra a ordem tributária, significando que a Autoridade Fazendária que comete o crime de excesso de exação é mais nocivo à sociedade do que aquele que deixa de cumprir suas obrigações tributárias. Evidentemente que a atividade administrativa tributária, por ser vinculada à lei, não permite que as autoridades se afastem da vontade legal para cumprir sua própria vontade, resultando em cobrança de tributo indevido ou de tributo devido de forma vexatória ao contribuinte.
O tipo penal previsto no art. 316, §1º do CP destina-se a tutelar as garantias individuais dos contribuintes, consistindo em verdadeiro mecanismo de combate às arbitrariedades de Autoridades Fazendárias. Contudo, apesar da relevância sócio-econômico-jurídica, verifica-se, concretamente, a inexpressiva aplicabilidade da norma penal no combate às condutas tipificadas de crime de excesso de exação. Em pesquisa realizada no Município de Campina Grande/PB foi possível verificar a ausência, no lapso temporal de 2004 a 2008, de ações penais relativas ao crime de excesso de exação. Tal fato é atribuído, a princípio, à ausência de conhecimento por parte dos sujeitos passivos das condutas tipificadas como crime de excesso de exação. Neste caso, a inércia do sujeito passivo parece ser o fator preponderante para a ausência de ações penais, já que presumivelmente é dele o maior interesse em levar ao conhecimento do titular da ação penal pública a ocorrência do delito. A inércia do sujeito passivo pode ser explicada através de três situações distintas: i) dificuldade de identificação da conduta delituosa praticada pela Autoridade Fazendária; ii) desconhecimento do tipo legal ou iii) manifesto temor de represálias da própria Administração Tributária. Neste sentido, não é incomum, por exemplo, que até mesmo agentes econômicos de maior porte (empresas) se deparem com a impossibilidade material de desvendar a ocorrência do crime de excesso de exação. Em muitas situações, gestores, administradores, contabilistas e advogados, por terem conhecimento fracionado do fenômeno jurídico-tributário, não conseguem detectar comportamentos ilegais de Autoridades Fazendárias, ou quando alcançam o comportamento infracional das mesmas, optam pela inércia e abdicam do exercício do direito subjetivo de tutela jurisdicional, com fundamento na fantasiosa idéia de provável "represálias" por parte da Fazenda Pública.
Apesar disso, também é possível atribuir a ausência de ações penais para condutas tipificadas como crime de excesso de exação àquelas autoridades públicas responsáveis pelo controle interno da Administração Tributária (Corregedoria, por exemplo); àquelas competentes para a investigação criminal (Polícia Judiciária) e àquelas titulares da pretensão punitiva (Ministério Público). Evidentemente que este resultado deve ser contextualizado com a realidade brasileira, onde evidencia-se a ausência de uma política pública de incentivo ao exercício da cidadania fiscal, que esclareça os fundamentos materiais do princípio da solidariedade inerente à vida em sociedade. Neste sentido, o próprio Estado se furta de prestar esclarecimentos elementares, como os direitos e deveres do cidadão-contribuinte, os sacrifícios que a convivência em sociedade exige e a imposição a todos da responsabilidade pela manutenção financeira do ente estatal.
Por outro lado, a pesquisa empírica demonstrou que os Juízes e Promotores de Justiça das Varas Criminais da Comarca de Campina Grande possuem pouca habitualidade com o tipo estudado. A pesquisa empírica também demonstrou que inexiste separação entre as esferas profissional e pessoal, ou seja, a falta de habitualidade de ações penais do crime de excesso de exação se reproduz na vida privada.
Por fim, deve ser ressaltado que, apesar do crime de excesso de exação ser de ação pública incondicionada, o Ministério Público necessita que os elementos probantes do delito sejam trazidos pelo sujeito passivo ou terceiro para que haja a denúncia. Somado a isso, o Ministério Público ainda não dispõe de mecanismo de controle da atividade administrativo-tributária, nos moldes de uma curadoria, para desvendar comportamentos delituosos cometidos na atividade tributária.
Notas
- DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências sociais. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 1995. p. 13.
- Op. cit., p. 137.
- MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 106-108.
- Op. cit., p. 110.
- NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 2.
- BORGES, José Souto Maior. Introdução ao direito financeiro. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 27.
- BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito financeiro e de direito tributário. 6. ed. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 97
- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Melhoramentos, 1995. p. 44.
- SIQUEIRA, Flávio Augusto Maretti. Responsabilidade Penal pelo Excesso de Exação. Disponível em: <www.praetorium.com.br/index.php?secition=artigos&id=8>. Acesso em: 16 de maio de 2008.
- COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Manual de direito tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 421.
- CASSONE, Vittorio; CASSONE, Maria Eugenia Teixeira. Processo tributário: teoria e prática. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 337.
- MACHADO, Hugo de Brito. Estudos de Direito Penal Tributário. São Paulo: Atlas, 2002. p. 190-191.
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- SIQUEIRA, Flávio Augusto Maretti. Responsabilidade Penal pelo Excesso de Exação. Disponível em: <www.praetorium.com.br/index.php?secition=artigos&id=8>. Acesso em: 16 de maio de 2008.
- JESUS, Damásio E. de. Direito Penal, Parte especial: Dos crimes contra a fé pública e Dos crimes contra a administração Pública. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 161.
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- MACHADO, Hugo de Brito. Estudos de Direito Penal Tributário. São Paulo: Atlas, 2002. p. 199.
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- MACHADO, Hugo de Brito. Estudos de Direito Penal Tributário. São Paulo: Atlas, 2002. p. 206.
- MACHADO, Hugo de Brito. Estudos de Direito Penal Tributário. São Paulo: Atlas, 2002. p. 207.