1. As divergências quanto à legitimidade passiva do fiador de contrato de locação nas ações de despejo fundadas em falta de pagamento.
Sob a vigência da Lei 8245/1991, que regula a locação de imóveis urbanos, a situação do fiador diante da cobrança judicial de dívidas sempre foi controvertida. Divergiam os tribunais quanto à legitimidade do fiador para figurar no polo passivo de ação de despejo fundada em falta de pagamento, podendo-se identificar duas correntes.
A primeira defende que a ação de despejo cumulada com cobrança somente poderia ser movida perante o locatário, não atribuindo legitimidade ao fiador. Pode o locador promover a cientificação do fiador para que, sabendo da cobrança judicial, possa pagar a dívida, questionar extrajudicialmente o locatário quanto ao cumprimento do contrato ou, ainda, integrar a lide na qualidade de assistente.
Aqui, há também controvérsias na consequência da inércia do fiador em caso de procedência da ação de cobrança. Há quem sustente que o cumprimento da sentença possa se dar perante o fiador. Contudo, entendemos que o cumprimento da sentença somente terá como executado a parte que integrou a lide – e a cientificação não faz com que o fiador passe a ser parte. Assim, se a execução da sentença se der contra o fiador apenas cientificado, este deve opor impugnação, fundada em ilegitimidade (art. 475-L, IV, do Código de Processo Civil).
A segunda corrente já vinha pregando que, nas ações de despejo fundadas em falta de pagamento, cumuladas com cobrança, o fiador poderia compor o polo passivo. Nesse caso, citado, poderia contestar a lide no tocante à cobrança. Prolatada a sentença condenatória, sua execução poderia recair sobre bens do fiador, caso este não tenha exercido o benefício de ordem tempestivamente (art. 827 do Código Civil).
Com o advento da Lei 12.112, de 9 de dezembro de 2009, que alterou dispositivos da Lei 8245/1991, houve profunda alteração na legitimidade passiva do fiador de contrato de locação nas ações de despejo motivadas por falta de pagamento, como passamos a analisar.
2. As alterações promovidas pela Lei 12112/2009 na ação de despejo por falta de pagamento
A Lei 12112/2009 teve como escopo principal tornar mais efetiva a ação de despejo, retirando entraves à rápida retomada do imóvel pelo locador, especialmente em caso de falta de pagamento. Foram diversas as alterações, especialmente no tocante ao fiador, que merecem análise tanto de ordem material quanto processual. Para os fins do presente estudo, a análise limita-se à posição do fiador nas ações de despejo motivadas pela falta de pagamento.
Portanto, o foco é o art. 62, caput e incisos I e II, da Lei 8.245/91, que passa a ter a seguinte redação:
Art. 62. Nas ações de despejo fundadas na falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação, de aluguel provisório, de diferenças de aluguéis, ou somente de quaisquer dos acessórios da locação, observar-se-á o seguinte:
I – o pedido de rescisão da locação poderá ser cumulado com o pedido de cobrança dos aluguéis e acessórios da locação; nesta hipótese, citar-se-á o locatário para responder ao pedido de rescisão e o locatário e os fiadores para responderem ao pedido de cobrança, devendo ser apresentado, com a inicial, cálculo discriminado do valor do débito;
II – o locatário e o fiador poderão evitar a rescisão da locação efetuando, no prazo de 15 (quinze) dias, contado da citação, o pagamento do débito atualizado, independentemente de cálculo e mediante depósito judicial, incluídos: (...).
Com a previsão expressa da necessidade de se citar o fiador, fica resolvida a discussão quanto à sua legitimidade. Contudo, novas questões passam a merecer comentários.
3. Observações sobre a legitimidade passiva do fiador decorrente da Lei 12112/2009.
Ficou claro que, quando houver cumulação do pedido de despejo com pedido de cobrança dos aluguéis, e o contrato tiver fiador, este também deverá ser citado para responder aos termos do pedido de cobrança.
Sobre isso, quatro observações são pertinentes.
(a) A primeira é que, quando o motivo da ação de despejo for a falta de pagamento de aluguéis e/ou encargos, mas não houver a cumulação com o pedido de cobrança, o fiador não terá legitimidade passiva, devendo a ação ser movida exclusivamente em face do locatário.
Nestes casos, nada impedirá que o locador proponha a ação de despejo contra o locador e a ação de execução por título extrajudicial, para receber os alugueis e encargos atrasados, contra o fiador, quando se tratar de contrato escrito, que tem eficácia de título executivo, nos termos do art. 585, V, do Código de Processo Civil.
(b) A segunda observação, e a mais importante, diz respeito à natureza desse litisconsórcio, que, pelo que se extrai da redação do inciso I do art. 62, será necessário. O litisconsórcio necessário se opõe ao facultativo, ocorrendo o primeiro quando a formação do litisconsórcio for obrigatória, e o segundo quando a formação do litisconsórcio depender apenas da vontade da parte. Com isso, nas ações de despejo por falta de pagamento cumuladas com cobrança dos aluguéis, deverão ser indicados no polo passivo, necessariamente, o locador e o fiador.
Com isso, se o autor da ação a propuser apenas contra o locatário, o juiz deverá determinar a emenda da inicial, sob pena de nulidade, nos termos do parágrafo único do art. 47 do CPC.
Neste caso, não será possível que o locador promova ação de execução contra o fiador, com base no contrato de locação, já que ocorrerá litispendência, uma vez que a dívida já estará sendo discutida na ação de despejo.
(c) Outra observação também parte do inciso I do art. 62, que esclarece que o pedido de despejo apenas diz respeito ao locatário, enquanto o pedido de cobrança atinge tanto o locatário quanto o fiador. Isso, ao que parece, limita o interesse de defesa do fiador, que deverá se ater a questionar o valor cobrado, e não o pedido de despejo em si.
(d) Já no que diz respeito ao inciso II, cabe observar que o dispositivo esclarece que o depósito para purgar a mora poderá ser feito tanto pelo locatário quanto pelo fiador, já que este pode ter interesse, por exemplo, em ilidir a incidência de juros, posto que seu patrimônio poderá vir a ser usado para o pagamento da dívida.
O prazo para a purga da mora é contado da citação (rectius, da juntada aos autos do mandado ou do aviso de recebimento da carta citatória). Tal prazo é contado autonomamente para cada litisconsorte; ou seja, citado, para o locatário ou o fiador corre o prazo quinzenal independente da citação do outro litisconsorte. Evidentemente, não se aplica a contagem de prazo em dobro prevista no art. 191 do Código de Processo Civil.
4. Conclusões
Propôs-se, no presente estudo, uma perspectiva para leitura das alterações promovidas pela Lei 12112/2009 na legitimidade passiva do fiador. Resta se aguardar como os Tribunais receberão as inovações, e em que sentido se consolidará a jurisprudência, especialmente quanto à formação de litisconsórcio passivo necessário entre o locatário e o fiador nas ações de despejo com pedido de cobrança dos aluguéis e acessórios.