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Aspectos relevantes do instituto do vale-transporte à luz da Constituição Federal

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IV. Considerações e conclusões pertinentes

Sobrepuja, neste ponto, inferir que, mesmo que possamos admitir que o Decreto 95.247/1987 regula, legitimamente, o modo de cumprimento do benefício do vale-transporte, proibindo a prestação em dinheiro – o que, ainda sim, é alvo de controvérsias no meio jurídico -, este argumento, por si só, não seria juridicamente idôneo ou suficiente para, caso o empregador descumpra o mandamento e preste o benefício, habitualmente, em pecúnia, ilidir a natureza jurídica indenizatória essencialmente ligada ao instituto do vale-transporte, nem a determinar, autônoma e abstratamente, a tributação sobre esta parcela.

Veja-se que, o debate acerca deste tema esbarra em questões e postulados, fundamentalmente, jurídicos, o que impede a perpetuação da divergência. Como destacou o Ministro Eros Grau, relator do Recurso Extraordinário 478410, em seu voto, "a cobrança de contribuição previdenciária sobre o valor pago em dinheiro a título de vale-transporte – que efetivamente não integra o salário – seguramente afronta a Constituição em sua totalidade normativa" [16].

Na mesma linha o Ministro Cezar Peluso destacou que, mesmo se o valor for pago em dinheiro, o que afronta o decreto regulador da espécie, isso não altera a obrigação e não descaracteriza a natureza do instituto.

A questão, portanto, é eminentemente jurídica e dela não podemos fugir. Apesar de reconhecermos que esse precedente acaba por abrir aos empregadores a possibilidade de aumentarem a parcela referente a transporte, sobre a qual não incide a contribuição previdenciária, e diminuírem o valor do salário, a fim de burlar o pagamento da contribuição, esta é uma consideração de ordem prática que deve ser resolvida como tal, mas não é capaz de atingir a certeza da juridicidade da questão tal qual se nos apresenta hoje através dos mencionados e vigentes instrumentos normativos.

De fato, esta realidade prática deve ser suportada pelos Poderes Públicos através de outros instrumentos – deve a Administração Pública intensificar a fiscalização e o Poder Legislativo promover um aprimoramento da legislação relativa ao tema – mas, o que não podemos admitir é a presunção de má-fé e de sonegação do empregador para fazer jus à arbitrariedade da tributação desmedida sobre tais parcelas, que, de qualquer forma, guardam cunho essencialmente indenizatório.

O sentimento pró-fisco, que muitas vezes embasa os posicionamentos dos Poderes Públicos em matérias divergentes como esta, não pode prevalecer sobre a juridicidade tão nítida de toda esta questão relativa à natureza jurídica do vale-transporte, e agora avultada através do julgamento do RE 478410, pelo STF.

Sem dúvida, por ora, caberá ao Judiciário resguardar do arbítrio fiscal os direitos dos contribuintes lesados com a desarrazoabilidade dessa cobrança, permitindo a incidência tributária apenas nos casos em que restar comprovada evidente e inequívoca fraude aos direitos do trabalhador e, consequentemente, à legislação tributária.

Concluimos, pois, que o posicionamento do STF no presente caso, prestigia a força normativa da Constituição e a teoria neoconstitucional do direito [17], empurrando os demais Poderes Públicos ao cometimento dos ideais constitucionais e à realização da justiça social, cada qual dentro de suas competências.

A decisão do STF, efetiva, portanto, o ideal estimulado por Konrad Hesse em seu livro "A força normativa da Constituição" [18] quando pontua que:

Um ótimo desenvolvimento da força normativa da Constituição depende não apenas do seu conteúdo, mas também de sua práxis. De todos os partícipes da vida constitucional, exige-se partilhar aquela concepção anteriormente por mim denominada de vontade de Constituição.

Logo, esperamos que, na esteira do posicionamento do STF, os demais Poderes Públicos, revestidos desta ‘vontade de constituição’, procurem implementar a Constituição Federal da forma que mais fortemente assegure a realização dos direitos fundamentais, lembrando que, uma democracia fortalecida é representada por um Legislativo que saiba responder, de forma rápida e oportuna, aos padrões sociais que remodelam, em contínuo, a estrutura das normas legais, como também por um Executivo estritamente vinculado à realização prática dos valores e normas constitucionais.


Referências

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2009.

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

____________. Lei n. 7.418, de 16 de dezembro de 1985. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L7418.htm>. Acesso em: 10 mar. 2010.

____________. Decreto n. 95.247, de 17 de novembro de 1987. Disponível em: <. Acesso em: 10 mar. 2010.

____________. Supremo Tribunal Federal. Plenário, RE 478410, Rel. Min. Eros Grau, INFORMATIVO Nº. 578.

CÔELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988. Forense, 1990.

COSTA, Luiza Oliveira Nicolau da. Neoconstitucionalismo: o modelo jurídico do Estado Constitucional de Direito. João Pessoa: Idéia, 2009.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTr, 2009.

DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil – v.1. Salvador: Edições Juspodvim, 2009.

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991.

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LOCATELLI, Soraya David Monteiro. O princípio da Razoabilidade no Direito Tributário Brasileiro – um panorama geral, in A defesa do contribuinte no direito brasileiro. Coordenador Ives Gandra da Silva Martins, Rogério Vidal da Silva Martins. São Paulo: IOB, 2002.

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Curso de Direito Tributário. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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ROUSSEAU, Jean-jacques. Do Contrato Social. Ed. Martin Claret, 1990.


Notas

  1. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTr, 2009, p. 650.
  2. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2009, p.751.
  3. Op. cit., p.650, nota1.
  4. Op. cit., p.752, nota 2.
  5. Op. cit., p.698, nota 1.
  6. OLIVEIRA, Yonne Dolacio de. Curso de Direito Tributário. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p.113.
  7. Ibidem, p.117.
  8. CÔELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988. Forense. 1990, p.287.
  9. ROUSSEAU, Jean-jacques. Do Contrato Social. Ed. Martin Claret, 1990.
  10. DIDIER JR.,Fredie. Curso de Direito Processual Civil v.1. Salvador: Edições Juspodvim, 2009.
  11. Ibidem.
  12. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIN 1158-8. Relator Ministro Menezes Direito. Plenário, Brasília, DF, 19 de dezembro de 1994.
  13. LOCATELLI, Soraya David Monteiro. O princípio da Razoabilidade no Direito Tributário Brasileiro – um panorama geral, in A defesa do contribuinte no direito brasileiro, Coordenador Ives Gandra da Silva Martins, Rogério Vidal da Silva Martins, São Paulo, IOB, 2002, p.213-4.
  14. Op. cit., nota 6, p.120.
  15. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Sigilo Bancário, RDDT, 1:22-4 .
  16. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 478410. Relator Ministro Eros Grau. Plenário, Brasília, DF, 10 de março de 2010.
  17. COSTA, Luiza Oliveira Nicolau da. Neoconstitucionalismo: o modelo jurídico do Estado Constitucional de Direito. João Pessoa: Idéia, 2009.
  18. HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991, p.21.
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Sobre a autora
Luiza Oliveira Nicolau da Costa

Advogada e Pós-graduanda em Direito do Estado pela Universidade Anhanguera - UNIDERP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Luiza Oliveira Nicolau. Aspectos relevantes do instituto do vale-transporte à luz da Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2489, 25 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14745. Acesso em: 23 abr. 2024.

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