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Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em matéria tributária.

A progressividade do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana

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29/04/2010 às 00:00
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5. A EMENDA CONSTITUCIONAL nº 29/2000 E A NOVA REDAÇÃO DO ART. 156 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Após restar assentado pelo pretório excelso, em 1997 [04], que a progressividade fiscal do IPTU não era permitida, sendo admitida somente a progressividade extrafiscal expressamente estabelecida na Constituição Federal, derivada da interpretação conjugada do seu art. 156, parágrafo 1º com o art. 182, parágrafo 4º, o Poder Reformador introduziu, com a Emenda 29/2000, dispositivos que visavam superar essas limitações e permitir aos Municípios ampliar sua capacidade de arrecadação.

O art. 156 da Constituição Federal, sofreu, então, alterações no seu texto:

"Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I - propriedade predial e territorial urbana;

II -. ..

§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

I - ser progressivo em razão do valor do imóvel; e (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

§ 2º -..."

Essa nova redação reacendeu os debates sobre a constitucionalidade da instituição de alíquotas progressivas para o IPTU. Muitos discorreram sobre a duvidosa constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 29/2000, por desrespeitar os limites insertos no artigo 60, § 4º, da Constituição Federal [05]. Afirmaram, ainda, que aviltava o princípio do não-confisco, eis que o princípio da capacidade tributária, nos impostos reais, somente seria atendido através da cobrança proporcional ao valor do patrimônio.

A questão encontra-se em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 423.768-7 [06], interposto pelo Município de São Paulo contra decisão do extinto Tribunal de Alçada Civil, que declarou a inconstitucionalidade da Lei Municipal 13.250/01 [07], sob o fundamento de que um tributo de caráter real não pode ter alíquotas progressivas, sob pena de ofensa aos princípios da capacidade contributiva e isonomia.

Para o relator do recurso, o ministro Marco Aurélio, a Emenda Constitucional nº 29/2000 não afastou direito ou garantia individual, enquanto a Lei Municipal nº 13.250/2001 apenas concretizou a previsão constitucional. Acompanharam o voto do relator os ministros Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia, Eros Grau e Sepúlveda Pertence. O julgamento foi suspenso com o pedido de vista do ministro Carlos Ayres.

Até o momento, portanto, cinco, dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal, admitiram a progressividade da alíquota na cobrança do IPTU, na forma como contemplada pela EC 29/2000. Está impedido de votar o ministro Ricardo Lewandowski.

No seu voto, o relator enfatiza que a gradação dos tributos, que faz com que os que têm maior capacidade paguem mais impostos, contribui para a Justiça tributária e não ofende nenhuma cláusula pétrea:

"Eis a questão que se coloca à Corte: é possível dizer-se que a Emenda Constitucional nº 29/2000 veio a afastar cláusula pétrea? Tenho como cláusula pétrea toda e qualquer previsão abrangida pela norma do artigo 60 da Constituição Federal. Se, prevendo o § 4º do artigo 60 que não será sequer objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais, forçoso é concluir que textos da Carta passíveis de serem enquadrados nos incisos do § 4º em comento encerram cláusulas pétreas. Ora, a Emenda Constitucional nº 29/2000 não afastou direito ou garantia individual. E não o fez porquanto texto primitivo da Carta já versava a progressividade dos impostos, a consideração da capacidade econômica do contribuinte, não se cuidando, portanto, de inovação a afastar algo que pudesse ser tido como integrado a patrimônio. O que decidido pelo Tribunal de origem implica extensão, ao conceito de cláusula pétrea, incompatível com a ordem natural das coisas, com o preceito do § 1º do artigo 145 e o do artigo 156, § 1º, na redação primitiva. Nem se diga que esta Corte, apreciando texto da Carta anterior à Emenda nº 29/2000, assentou a impossibilidade de se ter, no tocante ao instituto da progressão do IPTU, a consideração do valor venal do imóvel, apenas indicando a possibilidade de haver a progressão no tempo de que cogita o inciso II do § 4º do artigo 182 da Constituição Federal. Atuou o Colegiado, em primeiro lugar, interpretando o todo constitucional e, em segundo, diante da ausência de explicitação quanto a se levar em conta, para social distribuição da carga tributária, outros elementos, como são o valor do imóvel, a localização e o uso.

Em síntese, esses dados não vieram a implicar o afastamento do que se pode ter como cláusula pétrea, mas simplesmente dar o real significado ao que disposto anteriormente sobre a graduação dos tributos. Daí concluir no sentido de conhecer e prover o extraordinário para afastar a pecha atribuída à Emenda Constitucional nº 29/2000 e, com isso, ter como harmônica com a Carta da República, na redação decorrente da citada Emenda, a Lei do Município de São Paulo nº 6.989, de 29 de dezembro de 1966, na redação imprimida pela Lei nº 13.250, de 27 de dezembro de 2001. O provimento do recurso resulta na improcedência do pedido formulado na inicial, ficando restabelecido o indeferimento da segurança, aliás resultado de julgamento procedido pelo Juízo."

A questão, à luz da nova redação da Constituição, dada pela EC 29/2000, portanto, ainda não está definida, eis que faltam votar cinco ministros do Supremo Tribunal Federal (Carlos Ayres, Celso de Mello, Gilmar Mendes, César Peluzzo e Ellen Gracie).


6. CONCLUSÃO

Antes do advento da Emenda Constitucional nº 29/2000, o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento segundo o qual os impostos reais não eram compatíveis com a progressividade de alíquotas com vistas a atender o princípio da capacidade contributiva, previsto no art. 145, parágrafo 1º, da Constituição Federal. Assentou, ainda, que, para os impostos reais, somente seria admitida a progressividade extrafiscal nas hipóteses expressamente previstas na Constituição.

Dessa forma, pela via do controle difuso de constitucionalidade, muitas leis municipais que previram a progressividade fiscal do IPTU foram declaradas inconstitucionais.

A progressividade extrafiscal contida no art. 156, parágrafo 1º, da Constituição, por outro lado, somente foi admitida pela excelsa corte se presentes todos os requisitos insertos no art. 182, parágrafo 4º, da Carta Magna. Assim, antes da promulgação do Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257, de 2001), não era autorizada, aos Municípios, a criação da progressividade no tempo, ou progressividade-sanção, com o fim de compelir o proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, a promover seu adequado aproveitamento.

Não obstante essas considerações, a previsão de alíquotas diferenciadas para tributar imóveis edificados ou não edificados, residenciais ou não residenciais, foi considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, pois, como assentou, a mera duplicidade de alíquotas não se confundia com a progressividade vedada pelo texto original da Constituição Federal.

A interpretação restritiva emprestada ao texto constitucional, pelo Supremo Tribunal Federal implicou sua alteração pelo Poder de Reforma, devido aos reclamos dos municípios, ávidos por ampliar seus recursos, em sua maior parte obtidos por meio da arrecadação do IPTU. Esse movimento culminou com a edição da Emenda Constitucional nº 29/2000, que previu expressamente a aplicação da progressividade fiscal e da seletividade ao IPTU, ao autorizar a evolução de suas alíquotas, em razão do valor do imóvel, e alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.

A nova redação do art. 156, parágrafo 1º, determinada pela Emenda Constitucional 29/2000, renovou a discussão sobre a aplicação do princípio da capacidade contributiva aos impostos reais.

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Baseados na jurisprudência pacificada no Supremo Tribunal Federal, quanto à não aplicação da progressividade fiscal aos impostos reais, bem como afirmando haver ofensa ao núcleo imutável da Constituição Federal, por considerarem incluídas nessas garantias as que asseguram aos contribuintes o direito de só serem submetidos à progressividade quanto aos impostos pessoais, muitos doutrinadores afirmaram ser inconstitucionais as alterações introduzidas pela Emenda 29/2000 ao art. 156 da Constituição.

O ministro Marco Aurélio, contudo, em julgamento que ainda não se encerrou (Recurso Extraordinário 423.768-7/SP), afirmou que a Emenda Constitucional nº 29/2000 não afastou direito ou garantia individual, eis que o texto primitivo da Carta já versava a progressividade dos impostos, dentro do princípio da capacidade econômica do contribuinte, não se cuidando, portanto, de inovação a afastar algo que pudesse ser tido como integrado a patrimônio. Acompanharam o seu voto os ministros Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia, Eros Grau e Sepúlveda Pertence.

A constitucionalidade da progressividade fiscal do IPTU, à luz da nova redação da Constituição, dada pela EC 29/2000, portanto, ainda não está definida, eis que faltam votar cinco ministros do Supremo Tribunal Federal (Carlos Ayres, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Cesar Peluzzo e Ellen Gracie), estando impedido o ministro Ricardo Lewandowski.


9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARRETO, Aires F. IPTU: Progressividade e Diferenciação. in Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo/SP, nº 76, ( 7-11p), janeiro/2002

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, 11ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 1998

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 14ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2002.

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: Sistema Tributário, 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1990.

CONTI, José Maurício. Princípios Tributários da Capacidade Contributiva e da Progressividade. São Paulo: Dialética, 1996

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, 19ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.

PAULO, Vicente e Alexandrino, Marcelo. Direito tributário na Constituição e no STF. Rio de Janeiro: Editora Ímpetus, 2006.


Notas

  1. Art. 7º Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5º desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5º do art. 5º desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.
  2. § 1º O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que se refere o caput do art. 5º desta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.

    § 2º Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no art. 8º.

    § 3º É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação progressiva de que trata este artigo.

  3. "Art. 145 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
  4. ....

    parágrafo 1º : sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

    ..."

  5. Como exemplo de imposto pessoal cita-se o imposto de renda. Impostos reais são o IPTU, IPVA, ITR.
  6. Ano do julgamento, pelo Plenário do STF, do RE 153771/MG
  7. Para Aires F. Barreto, por exemplo, as alterações introduzidas pela Emenda 29/2000 são inconstitucionais por não observarem as cláusulas pétreas existentes na Carta Maior, porque considera, incluída nessas as que garantem aos contribuintes o direito de só serem submetidos à progressividade, em face de impostos pessoais (BARRETO, Aires F. IPTU: Progressividade e Diferenciação. in Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo/SP, nº 76, ( 7-11p), janeiro/2002.)
  8. Os demais julgamentos sobre a matéria foram sobrestados.
  9. A Lei Municipal 13250/2001 estabeleceu alíquota progressiva para o IPTU, com base no valor venal do imóvel.
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Sobre a autora
Lilian Fernandes Gibilini

Procuradora do Banco Central do Brasil, especializanda em em Direito Público pela Escola Paulista de Direito - EPD

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GIBILINI, Lilian Fernandes. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em matéria tributária.: A progressividade do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2493, 29 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14771. Acesso em: 24 abr. 2024.

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