1.5 Legitimidade do(a) Companheiro(a)
Em sede de legitimidade também é interessante referir se o(a) companheiro(a) do(a) empregado(a) morto(a) em acidente do trabalho pode ingressar com reclamação trabalhista perante a Justiça do Trabalho pleiteando indenização.
Primeiramente, com intuito de traçar um paralelo, afigura-se de suma importância saber que para receber pensão previdenciária, a companheira deve comprovar a união estável como entidade familiar, com fulcro na alínea "c", do inciso I, do art. 217, da Lei n.º 8.112/90. [106] Essa comprovação é a chamada "designação", que equivale à habilitação pensional. Entretanto, o Tribunal Superior do Trabalho relativiza o preenchimento deste requisito (designação) à luz da dignidade da pessoa humana, ou seja, a falta da designação não impede a percepção da pensão, sob pena de afrontar o princípio insculpido na Constituição Federal. Segue julgado nesse sentido, que ora colaciona:
PENSÃO EM DECORRÊNCIA DA MORTE DE SERVIDOR DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA SEGUNDA REGIÃO. UNIÃO ESTÁVEL. DIREITO DA COMPANHEIRA. ART. 217 DA LEI Nº 8.112/90
[...]
In casu, a relação estabelecida entre o servidor falecido, Lívio Carneiro Júnior, e a Impetrante, Elvira Gomes dos Santos, denominada na lei como união estável, caracteriza-se efetivamente como uma situação fática, e como tal, prescinde de outras formalidades para comprovar sua existência e
validade perante a Administração.
[...]
Assim, o entendimento presente na alínea c do inciso I do art. 217 da Lei nº 8.112/90 reveste-se de excessivo formalismo, indo de encontro ao que se determina na Constituição Federal. O rigor na interpretação do referido texto legal, negando à Impetrante a qualidade de companheira, equivaleria a preferir a forma em detrimento da própria dignidade, enquanto pessoa, em frontal violação do princípio da dignidade da pessoa humana, consignado no art. 1º, inc. III, da Constituição Federal.[...] [107] (Grifou-se)
Ademais, a legislação pátria reconhece a união estável como entidade familiar no art. 226, § 3º, da Constituição Federal, que assim dispõe:
A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[...]
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
Por sua vez, o art. 1.723 da Lei nº 10.406, de 10/01/2002, do Código Civil Brasileiro, prevê: "É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família."
De notar que a Súmula n.º 35 do Supremo Tribunal Federal confere direito à "concumbina" de pleitear indenização decorrente de acidente do trabalho se não há impedimento para o casamento. Reza o Enunciado referido:
STF Súmula nº 35 - 13/12/1963 - Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal - Anexo ao Regimento Interno. Edição: Imprensa Nacional, 1964, p. 45.
Acidente do Trabalho ou de Transporte - Concubina - Indenização - Morte do Amásio - Impedimento para o Matrimônio
Em caso de acidente do trabalho ou de transporte, a concubina tem direito de ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não havia impedimento para o matrimônio. (Grifou-se)
Observa-se que o texto da súmula está com nomenclatura desatualizada (o(a) concumbino(a) atualmente é chamado de companheiro(a)) e em alguns aspectos ultrapassada, tendo em vista se tratar de enunciado publicado no ano de 1964.
A companheira é parte legítima para figurar no pólo ativo de demanda indenizatória advinda de falecimento do obreiro. O Tribunal Regional da Quarta Região já apreciou esta espécie de reclamatória, e decidiu:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO MOVIDA POR FAMILIARES DE empregado MORTO EM ACIDENTE DO TRABALHO. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. Entendimento no sentido de que não compete à Justiça do Trabalho o exame de ação de indenização proposta pela companheira e pela filha menor de empregado morto em decorrência de acidente de trabalho, visto que extinto o contrato de trabalho. A indenização requerida tem natureza exclusivamente civil, pois o pedido não é de indenização por dano moral sofrido pelo de cujus, mas de direitos próprios da viúva e filha do ex-empregado, que não fizeram parte da relação de trabalho. Declara-se a nulidade da sentença e de todos os atos praticados por esta Justiça Especializada e suscita-se conflito negativo de competência, determinando-se a remessa dos autos ao Exmo. Ministro Presidente do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, na forma do que dispõe o art. 105, inciso I, alínea d, da Constituição Federal. [108] (Grifou-se)
[...] Por todo o exposto, tem-se que, contrariamente ao entendido pela julgadora de origem, no caso específico, há relação de causa e efeito entre o trabalho e o suicídio, caracterizando acidente do trabalho, e devendo a reclamada indenizar o dano moral que causou à companheira do reclamante. Nega-se provimento. [109] (Grifou-se)
1.5.1 Legitimidade dos Homossexuais
A questão da legitimidade dos companheiros homossexuais para pleitear perante o Poder Judiciário parcela decorrente do acidente do trabalho igualmente é cerne de controvérsias, pois a lei não contempla e não reconhece os direitos e o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo.
De suma importância a análise se a relação homoafetiva configura-se entidade familiar ou não, assim, indispensável identificar se há união estável homossexual, o que influenciará a questão da legitimidade deles.
1.5.1.1 Da Natureza das Relações Homoafetivas
A lei em nenhum momento contempla expressamente a hipótese da natureza da relação entre pessoas do mesmo sexo. Os casais homossexuais almejam o reconhecimento da união estável, o que ensejaria o reconhecimento imediato da entidade familiar, e, portanto, da legitimidade para atuar no pólo passivo de ações pleiteando parcelas decorrentes do acidente do trabalho com resultado morte do obreiro.
O parágrafo 3º, do artigo 226, da Constituição Federal, reza que
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (Grifou-se)
Ademais, o artigo 1º, da Lei n.º 9.278/96, que regula o § 3°, do artigo 226, da Constituição Federal, reconhece "[...] como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família." (Grifou-se)
Apegar-se à letra de lei implica entender que a relação havida entre duas pessoas do mesmo sexo não se configura união estável. Parte da doutrina e da jurisprudência reconhece, no máximo, caso de sociedade de fato entre homossexuais, entretanto, a maior (e mais justa e moderna) corrente jurisprudencial e doutrinária reconhece a união estável homeafetiva.
Entender diferente constitui afronta aos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade e da personalidade. Estar-se-ia, ainda, ferindo os artigos 4º e 5º do Decreto-lei n. 4.657/42 (Lei de Introdução do Código Civil) [110], 126 e Código de Processo Civil [111], além dos artigos 1.723 e 1.724 do Código Civil [112]. Ademais, de notar que o ordenamento jurídico não veda o reconhecimento de união estável entre homossexuais, devendo a interpretação legal estar em consonância com a realidade social, não podendo a hermenêutica de uma norma permear preconceitos ou reprovação de foro íntimo.
Parte da jurisprudência entende que a relação pode configurar união estável, se preenchidos os requisitos para sua configuração, outros entendem que sem fundamento legal o reconhecimento de união estável entre homossexuais.
Os que defendem a possibilidade de haver união estável entre homossexuais, argumentam que se presentes os requisitos ensejadores de seu reconhecimento - mútua assistência, fidelidade, convivência pública, contínua, duradoura e intuito de constituir família - à luz dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade e da personalidade estaria configurado caso de união estável.
Destaca-se que "[...] O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana." [113] Assim, já julgou o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
EMENTA: E PRECISO, INICIALMENTE, DIZER QUE HOMEM E MULHER PERTENCEM A RACA HUMANA. NINGUEM E SUPERIOR. SEXO E UMA CONTINGENCIA. DISCRIMINAR UM HOMEM E TAO ABOMINAVEL COMO ODIAR UM NEGRO, UM JUDEU, UM PALESTINO, UM ALEMAO OU UM HOMOSSEXUAL. AS OPCOES DE CADA PESSOA, PRINCIPALMENTE NO CAMPO SEXUAL, HAO DE SER RESPEITADAS, DESDE QUE NAO FACAM MAL A TERCEIROS. O DIREITO A IDENTIDADE PESSOAL E UM DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA PESSOA HUMANA. A IDENTIDADE PESSOAL E A MANEIRA DE SER, COMO A PESSOA SE REALIZA EM SOCIEDADE, COM SEUS ATRIBUTOS E DEFEITOS, COM SUAS CARACTERISTICAS E ASPIRACOES, COM SUA BAGAGEM CULTURAL E IDEOLOGICA, E O DIREITO QUE TEM TODO O SUJEITO DE SER ELE MESMO. A IDENTIDADE SEXUAL, CONSIDERADA COMO UM DOS ASPECTOS MAIS IMPORTANTES E COMPLEXOS COMPREENDIDOS DENTRO DA IDENTIDADE PESSOAL, FORMA-SE EM ESTREITA CONEXAO COM UMA PLURALIDADE DE DIREITOS, COMO SAO AQUELES ATINENTES AO LIVRE DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE ETC., PARA DIZER ASSIM, AO FINAL:SE BEM QUE NAO E AMPLA NEM RICA A DOUTRINA JURIDICA SOBRE O PARTICULAR, E POSSIVEL COMPROVAR QUE A TEMATICA NAO TEM SIDO ALIENADA PARA O DIREITO VIVO, QUER DIZER PARA A JURISPRUDENCIA COMPARADA. COM EFEITO EM DIREITO VIVO TEM SIDO BUS- CADO E CORRESPONDIDO E ATENDIDO PELOS JUIZES NA FALTA DE DISPOSICOES LEGAIS E EXPRESSA. NO BRASIL, AI ESTA O ART-4 DA LEI DE INTRODUCAO AO CODIGO CIVIL A PERMITIR A EQUIDADE E A BUSCA DA JUSTICA. POR ESSES MOTIVOS E DE SER DEFERIDO O PEDIDO DE RETIFICACAO DO REGISTRO CIVIL PARA ALTERACAO DE NOME E DE SEXO. (RESUMO) CASO RAFAELA (Apelação Cível Nº 593110547, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Gonzaga Pila Hofmeister, Julgado em 10/03/1994) (Grifou-se)
EMENTA: AÇÃO DECLARATÓRIA. RECONHECIMENTO. UNIÃO ESTÁVEL. CASAL HOMOSSEXUAL. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. CABIMENTO. A ação declaratória é o instrumento jurídico adequado para reconhecimento da existência de união estável entre parceria homoerótica, desde que afirmados e provados os pressupostos próprios daquela entidade familiar. A sociedade moderna, mercê da evolução dos costumes e apanágio das decisões judiciais, sintoniza com a intenção dos casais homoafetivos em abandonar os nichos da segregação e repúdio, em busca da normalização de seu estado e igualdade às parelhas matrimoniadas. EMBARGOS INFRINGENTES ACOLHIDOS, POR MAIORIA. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Embargos Infringentes Nº 70011120573, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 10/06/2005) (Grifou-se)
EMENTA: RELAÇÃO HOMOERÓTICA. UNIÃO ESTÁVEL. APLICAÇÃO DOS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE HUMANA E DA IGUALDADE. ANALOGIA. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO. VISÃO ABRANGENTE DAS ENTIDADES FAMILIARES. REGRAS DE INCLUSÃO. PARTILHA DE BENS. REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 1.723, 1.725 E 1.658 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. Constitui união estável a relação fática entre duas mulheres, configurada na convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir verdadeira família, observados os deveres de lealdade, respeito e mútua assistência. Superados os preconceitos que afetam ditas realidades, aplicam-se os princípios constitucionais da dignidade da pessoa, da igualdade, além da analogia e dos princípios gerais do direito, além da contemporânea modelagem das entidades familiares em sistema aberto argamassado em regras de inclusão. Assim, definida a natureza do convívio, opera-se a partilha dos bens segundo o regime da comunhão parcial. Apelações desprovidas. (Segredo de Justiça) (Apelação Cível Nº 70005488812, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 25/06/2003) (Grifou-se)
Entretanto, parte minoritária e conservadora da jurisprudência entende que não pode ser reconhecido o instituto da união estável entre homossexuais por falta de amparo legal, existindo no máximo uma sociedade de fato. Já foi decidida a matéria da seguinte forma:
AÇÃO DECLARATÓRIA. UNIÃO HOMOAFETIVA. INEXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL. RELACIONAMENTO HOMOSSEXUAL NÃO COMPROVADO. 1. A união estável para ser reconhecida como entidade familiar, exige a convivência duradoura, pública e contínua de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família, inclusive com a possibilidade de sua conversão em casamento, o que não ocorre na espécie. 2. Não havendo sequer situação fática assemelhada a um casamento, sem que sequer tenha sido comprovada a relação homossexual, não há como reconhecer a pretendida união homoafetiva com o propósito de estender-lhe os efeitos próprios de uma união estável, não havendo sequer sociedade de fato. Recurso desprovido, por maioria. (SEGREDO DE JUSTIÇA) [114] (Grifou-se)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. PEDIDO DE INCLUSÃO DE COMPANHEIRA DE BENEFICIÁRIA FALECIDA COMO DEPENDENTE PARA FINS DE PENSIONAMENTO. RELAÇÃO HOMOSSEXUAL. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO LEGAL. APELO PROVIDO. (SEGREDO DE JUSTIÇA) [115] (Grifou-se)
O Poder Judiciário não pode interpretar a lei aquém da realidade social, que urge uma ampliação do conceito de entidade familiar. Harmonizar a intenção do legislador com as situações fáticas é um dever dos operadores do direito. Com certeza deve prevalecer a justiça, o bom senso, a razoabilidade. Com certeza uma nova perspectiva das relações sócio-afetivas requer uma nova conceituação de entidade familiar. Vale referir a decisão proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3300, do Supremo Tribunal Federal que ora se transcreve parte:
UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO. ALTA RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO PERTINENTE ÀS UNIÕES HOMOAFETIVAS. PRETENDIDA QUALIFICAÇÃO DE TAIS UNIÕES COMO ENTIDADES FAMILIARES. DOUTRINA. ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º DA LEI Nº 9.278/96. NORMA LEGAL DERROGADA PELA SUPERVENIÊNCIA DO ART. 1.723 DO NOVO CÓDIGO CIVIL (2002), QUE NÃO FOI OBJETO DE IMPUGNAÇÃO NESTA SEDE DE CONTROLE ABSTRATO. INVIABILIDADE, POR TAL RAZÃO, DA AÇÃO DIRETA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA, DE OUTRO LADO, DE SE PROCEDER À FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA DE NORMAS CONSTITUCIONAIS ORIGINÁRIAS (CF, ART. 226, § 3º, NO CASO). DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA (STF). NECESSIDADE, CONTUDO, DE SE DISCUTIR O TEMA DAS UNIÕES ESTÁVEIS HOMOAFETIVAS, INCLUSIVE PARA EFEITO DE SUA SUBSUNÇÃO AO CONCEITO DE ENTIDADE FAMILIAR: MATÉRIA A SER VEICULADA EM SEDE DE ADPF? DECISÃO: [...] cumpre registrar, quanto à tese sustentada pelas entidades autoras, que o magistério da doutrina, apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva, utilizando-se da analogia e invocando princípios fundamentais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não-discriminação e da busca da felicidade), tem revelado admirável percepção do alto significado de que se revestem tanto o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual, de um lado, quanto a proclamação da legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, de outro, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito e na esfera das relações sociais. Essa visão do tema, que tem a virtude de superar, neste início de terceiro milênio, incompreensíveis resistências sociais e institucionais fundadas em fórmulas preconceituosas inadmissíveis, vem sendo externada, como anteriormente enfatizado, por eminentes autores, cuja análise de tão significativas questões tem colocado em evidência, com absoluta correção, a necessidade de se atribuir verdadeiro estatuto de cidadania às uniões estáveis homoafetivas [...] Cumpre referir, neste ponto, a notável lição ministrada pela eminente Desembargadora MARIA BERENICE DIAS ("União Homossexual: O Preconceito & a Justiça", p. 71/83 e p. 85/99, 97, 3ª ed., 2006, Livraria do Advogado Editora), cujas reflexões sobre o tema merecem especial destaque: "A Constituição outorgou especial proteção à família, independentemente da celebração do casamento, bem como às famílias monoparentais. Mas a família não se define exclusivamente em razão do vínculo entre um homem e uma mulher ou da convivência dos ascendentes com seus descendentes. Também o convívio de pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes, ligadas por laços afetivos, sem conotação sexual, cabe ser reconhecido como entidade familiar. A prole ou a capacidade procriativa não são essenciais para que a convivência de duas pessoas mereça a proteção legal, descabendo deixar fora do conceito de família as relações homoafetivas. Presentes os requisitos de vida em comum, coabitação, mútua assistência, é de se concederem os mesmos direitos e se imporem iguais obrigações a todos os vínculos de afeto que tenham idênticas características. Enquanto a lei não acompanha a evolução da sociedade, a mudança de mentalidade, a evolução do conceito de moralidade, ninguém, muito menos os juízes, pode fechar os olhos a essas novas realidades. Posturas preconceituosas ou discriminatórias geram grandes injustiças. Descabe confundir questões jurídicas com questões de caráter moral ou de conteúdo meramente religioso. Essa responsabilidade de ver o novo assumiu a Justiça ao emprestar juridicidade às uniões extraconjugais. Deve, agora, mostrar igual independência e coragem quanto às uniões de pessoas do mesmo sexo. Ambas são relações afetivas, vínculos em que há comprometimento amoroso. Assim, impositivo reconhecer a existência de um gênero de união estável que comporta mais de uma espécie: união estável heteroafetiva e união estável homoafetiva. Ambas merecem ser reconhecidas como entidade familiar. Havendo convivência duradoura, pública e contínua entre duas pessoas, estabelecida com o objetivo de constituição de família, mister reconhecer a existência de uma união estável. Independente do sexo dos parceiros, fazem jus à mesma proteção. Ao menos até que o legislador regulamente as uniões homoafetiva - como já fez a maioria dos países do mundo civilizado -, incumbe ao Judiciário emprestar-lhes visibilidade e assegurar-lhes os mesmos direitos que merecem as demais relações afetivas. Essa é a missão fundamental da jurisprudência, que necessita desempenhar seu papel de agente transformador dos estagnados conceitos da sociedade. [...]. (Grifou-se)
O reconhecimento ou não da união estável produzirá efeitos diretos na questão das parcelas devidas ao(à) companheiro(a) homossexual em face de acidente do trabalho com resultado morte conforme será visto.
1.5.1.2 Das Parcelas Devidas ao(à) Companheiro(a) Homossexual
a) Pensão do INSS
Hoje é pacífico que o(a) companheiro(a) homossexual tem direito à pensão previdenciária por morte do parceiro falecido, com fulcro na determinação judicial proferida em Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0 [116], para óbitos a partir de 05/04/1991 [117], e na Instrução Normativa n.º 25, de 07/06/2000 do INSS.
Segundo a Instrução Normativa do INSS, desde que comprovada a união estável e a dependência econômica de companheiro ou companheira homossexual, haverá a concessão da pensão. A comprovação da união estável e dependência econômica far-se-á por meio de documentos e Justificativa Administrativa, quando for o caso.
Nesse sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça, bem como o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. PARTE LEGÍTIMA. [...]
3 - A pensão por morte é : "o benefício previdenciário devido ao conjunto dos dependentes do segurado falecido - a chamada família previdenciária - no exercício de sua atividade ou não ( neste caso, desde que mantida a qualidade de segurado), ou, ainda, quando ele já se encontrava em percepção de aposentadoria. O benefício é uma prestação previdenciária continuada, de caráter substitutivo, destinado a suprir, ou pelo menos, a minimizar a falta daqueles que proviam as necessidades econômicas dos dependentes. " (Rocha, Daniel Machado da, Comentários à lei de benefícios da previdência social/Daniel Machado da Rocha, José Paulo Baltazar Júnior. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora: Esmafe, 2004. p.251).
4 - Em que pesem as alegações do recorrente quanto à violação do art. 226, §3º, da Constituição Federal, convém mencionar que a ofensa a artigo da Constituição Federal não pode ser analisada por este Sodalício, na medida em que tal mister é atribuição exclusiva do Pretório Excelso. Somente por amor ao debate, porém, de tal preceito não depende, obrigatoriamente, o desate da lide, eis que não diz respeito ao âmbito previdenciário, inserindo-se no capítulo ''Da Família''. Face a essa visualização, a aplicação do direito à espécie se fará à luz de diversos preceitos constitucionais, não apenas do art. 226, §3º da Constituição Federal, levando a que, em seguida, se possa aplicar o direito ao caso em análise.
5 - Diante do § 3º do art. 16 da Lei nº 8.213/91, verifica-se que o que o legislador pretendeu foi, em verdade, ali gizar o conceito de entidade familiar, a partir do modelo da união estável, com vista ao direito previdenciário, sem exclusão, porém, da relação homoafetiva.
6- Por ser a pensão por morte um benefício previdenciário, que visa suprir as necessidades básicas dos dependentes do segurado, no sentido de lhes assegurar a subsistência, há que interpretar os respectivos preceitos partindo da própria Carta Política de 1988 que, assim estabeleceu, em comando específico: " Art. 201- Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a: [...] V - pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no § 2º.7 - Não houve, pois, de parte do constituinte, exclusão dos relacionamentos homoafetivos, com vista à produção de efeitos no campo do direito previdenciário, configurando-se mera lacuna, que deverá ser preenchida a partir de outras fontes do direito.
8 - Outrossim, o próprio INSS, tratando da matéria, regulou, através da Instrução Normativa n. 25 de 07/06/2000, os procedimentos com vista à concessão de benefício ao companheiro ou companheira homossexual, para atender a determinação judicial expedida pela juíza Simone Barbasin Fortes, da Terceira Vara Previdenciária de Porto Alegre, ao deferir medida liminar na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, com eficácia erga omnes. Mais do que razoável, pois, estender-se tal orientação, para alcançar situações idênticas, merecedoras do mesmo tratamento 9 - Recurso Especial não provido. [118] (Grifou-se)
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL ENTRE CASAL HOMOSSEXUAL COMPROVADA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Na vigência da Lei nº 8.213/91, dois são os requisitos para a concessão de benefício de pensão por morte, quais sejam, a qualidade de segurado do instituidor e a dependência dos beneficiários que, se preenchidos, ensejam o seu deferimento. 2. Faz jus à percepção de pensão por morte o companheiro homossexual se demonstrada a união estável com o ex-segurado até a data do óbito. 3. Nas ações previdenciárias, os honorários advocatícios devem ser fixados no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas devidas até a data da sentença, consoante Súmula nº 76 desta Corte. [119] (Grifou-se)
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE PARCEIRO HOMOSSEXUAL. POSSIBILIDADE. COMPROVAÇÃO DA CONVIVÊNCIA MORE UXORIO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. 1. Comprovado o implemento dos requisitos impostos pelo art. 74 da Lei de Benefícios - qualidade de segurado do de cujus e dependência econômica mútua -, o homossexual tem direito a perceber pensão por morte do parceiro falecido. Precedentes desta Corte e do STJ. 2. A prova da convivência more uxorio faz presumir a dependência econômica entre os parceiros, nos termos do art. 16, § 4º, da Lei n. 8.213/91, fazendo jus o autor ao pensionamento postulado. [120] (Grifou-se)
b) Parcelas devidas pelo Empregador
Como vimos, os familiares têm direito aos danos materiais (danos emergentes e lucros cessantes) e a danos morais face morte do ente querido em acidente do trabalho. O reconhecimento da união estável homoafetiva diz respeito à questão da prova do envolvimento entre os dois, sendo que seu o reconhecimento como entidade familiar desonera a prova do dano moral e da dependência econômica os quais são presumidos nessa hipótese.
Em relação aos danos emergentes, será ressarcida a pessoa que desembolsou os valores com tratamento da vítima, de seu funeral e do luto mediante prova das despesas. Assim, independe do reconhecimento da união estável homossexual para obtenção dessa indenização, bastando a prova da despesa advinda do acidente do trabalho para haver o ressarcimento, com fulcro no inciso I, do artigo 948 do Código Civil.
Referente à indenização por lucros cessantes advindas da responsabilidade do empregador, deve ser provada a dependência financeira que havia entre o casal homossexual no caso de não ser reconhecida a união estável. Na hipótese de reconhecimento da entidade familiar homoafetiva, resta presumida a dependência financeira, sendo devida de plano a pensão de que trata o inciso II, do artigo 948, do Código Civil Brasileiro.
Por sua vez os danos morais são devidos a quem tenha efetivamente sofrido dor, aflição, angústia, tristeza, saudade, enfim, sentimentos negativos com a morte do trabalhador. Essa indenização é cabível tanto para familiares quanto para terceiros que demonstrem a dor decorrente do falecimento do obreiro. Quanto à família do de cujus, como já dito no item próprio, o dano moral é presumido, então no caso de não ser reconhecida a união estável do casal homossexual, o companheiro fica incumbido da prova do dano extra patrimonial a fim de obter a indenização correspondente.