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Habeas data: instrumento constitucional em defesa da cidadania

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06/05/2010 às 00:00
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7. BANCO DE DADOS E CADASTROS DE CONSUMIDORES – ARTIGO 43 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Com a evolução econômica, objetivando regular a relação de consumo, foi instituído o Código de Defesa do Consumidor, através da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.

Inserido no Código de Defesa do Consumidor, encontra-se o artigo 43, que regula as informações existentes em cadastros, fichas, registros de dados pessoais e de consumo arquivados.

É cediço a existência de inúmeros banco de dados de proteção ao crédito, entre eles o SPC, SERASA e CADIN.

Tais mecanismos de proteção ao crédito necessitam se adequar aos ditames do Código de Defesa do Consumidor.

De fato, os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos.

Também a abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deve ser comunicada, por escrito, ao consumidor, quando não solicitada pelo mesmo.

O §3º do artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor estabelece que o consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas.

Trata-se de disposição legal que estabelece um pedido administrativo do consumidor que tenha dados incorretos, cabendo ao responsável pelo cadastro, que são consideradas entidades de caráter público, retificá-las no prazo acima mencionado.

Caso o responsável pelo cadastro ou banco de dados não proceda a essa correção, poderá o consumidor se socorrer do remédio constitucional do habeas data, apresentando como prova pré-constituída o protocolo do pedido não respondido ou indeferido.

A respeito dos bancos de dados e cadastros de consumidores, nos termos do artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor, eis a doutrina de Márcia Nicolodi:

"Os bancos de dados e cadastros cumprem função essencial nas relações de consumo, na medida que possibilitam aos fornecedores e consumidores informações primordiais, no que pertine ao crédito e à qualidade dos produtos e serviços fornecidos.

Entretanto, as informações arquivadas devem ser precisas, verdadeiras e juridicamente legais, ou seja não prescritas, a teor do art. 43, §§ 1º e 5º, sob pena de sua indevida utilização configurar abuso de direito, passível de indenização por dano moral e material.

Assim, depreende-se, de todo o exposto, que é necessário assegurar que os bancos de dados e cadastros, mais especificamente os conhecidos serviços de proteção ao crédito, exercitem suas funções com responsabilidade, equidade, e imparcialidade, respeitando e garantindo os direitos dos consumidores, assim como a transparência e veracidade das informações arquivadas". [11]

Finalmente, a respeito de cadastros de dados de consumidores, que certamente trarão ensejo à aplicação do instituto do habeas data, a Câmara dos Deputados, no último dia 19 de maio, aprovou o Projeto de lei nº 836/2003, de autoria do Deputado Bernardo Ariston, que cria o cadastro positivo de consumidores, com informações sobre os pagamentos feitos em dia pelos cadastrados.

Hodiernamente, existe previsão apenas do chamado cadastro negativo de consumidores, indicando as pessoas que se encontram em débito, com vista a não concessão de créditos.

Com a criação do cadastro positivo de consumidores, desde que a pessoa física ou jurídica assim autorize, poderá seu nome ser incluído em um banco de dados como "boa pagadora", o que, em tese, poderia ensejar maior abertura de crédito, com facilitação de prazos e juros.

Embora aparentemente benéfico ao consumidor, o referido projeto já tem sido objeto de críticas, conforme matéria jornalística do site www.ultimosegundo.ig.com.br, que externa o seguinte posicionamento:

"Os críticos do projeto, entretanto, argumentaram que o cadastro positivo reduzirá a privacidade dos consumidores, tornará o cadastro positivo compulsório e acabará reduzindo a oferta de crédito. Isso porque as lojas ou bancos oferecerão financiamentos com prazos mais curtos e juros mais altos a quem não quiser aderir à iniciativa"". [12]

Malgrado a crítica acima exposta, entendemos que o novo cadastro modernizará a legislação creditícia nacional, possibilitando maior acesso a financiamentos a juros baixo.

Contudo, caso exista alguma forma de abuso nesse cadastro positivo, nada impede que o consumidor se socorra do instituto do hábeas data para conhecer os dados a ele referentes, bem como retificá-los quando incorretos.


8. CONCLUSÃO

Ao final deste trabalho, podemos constatar a importância e a perspectiva bastante promissora do instituto do habeas data em nosso Direito.

Idealizado, em meados da década de oitenta, como um instrumento de defesa da cidadania contra os abusos cometidos pelas entidades governamentais que procediam ao arquivo de informações contra as pessoas, em especial por razões políticas, ideológicas e filosóficas.

O habeas data possui atualmente um vasto campo de proteção a ser aplicado.

Não se pode olvidar que hodiernamente dados e informações pessoais de todos nós pululam em cadastros, inclusive de empresas particulares, que chegam até a "negociar" esses dados com outras empresas, visando fins nem sempre corretos.

A devassa da intimidade do cidadão passou a ser mais intensa principalmente diante da rapidez dos meios de armazenamento, processamento e transmissão de dados, sendo a rede mundial de computadores – internet – o exemplo mais patente.

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Portanto, malgrado as críticas que lhe foram feitas ao ser idealizado, o habeas data possui uma importante finalidade de preservação do direito à intimidade e acesso a informações próprias e sua retificação por parte do cidadão, como fundamental instrumento de respeito aos direitos e garantias fundamentais.

Urge seja o remédio constitucional do habeas data mais estudado e aplicado, para que consiga efetivar sua finalidade de preservação do direito à informação por parte do cidadão.

REFERÊNCIAS

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BARBI, Celso Agrícola. Do mandado de segurança. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989. v. 2.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

EXMAN, Fernando. Câmara aprova projeto de lei que cria cadastro positivo. Disponível na internet. www.ultimosegundo.ig.com.br. Acesso em 30 de maio de 2009.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 30 ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12ª edição. Ed. Saraiva. São Paulo, 2008.

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MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 29ª edição. São Paulo. Editora Malheiros Editores, 2006.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 9ª edição. Editora Atlas, 2001.

NICOLODI, Márcia. Bancos de dados e cadastros. Código de Defesa do Consumidor. Disponível na internet. http://jus.com.br/artigos/4263. Acesso em 30 de maio de 2009.

NUNES, Alenuska Teixeira; VERÍSSIMO, Dijonilson Paula A.; ROCHA, Orlan Donato. A nova competência da Justiça do Trabalho ditada pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Disponível na internet. www.escritorioonline.com.br. Acesso em 30 de maio de 2009.

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WALD, Arnoldo. Habeas Data. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.


Notas

http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo463.htm

Ocorre que desde o início do século passado se notam nos tribunais de cúpula dos diversos países as conseqüências da massificação das relações jurídicas, gerada, fundamentalmente, pela revolução industrial. Como é natural, o incremento do número de relações jurídicas acarreta diretamente o aumento do número de demandas levadas ao Poder Judiciário, o que, combinado com o movimento mundial pelo acesso à justiça, deflagrado na segunda metade do século XX, vem contribuindo sobremaneira para o assoberbamento dos tribunais em todos os quadrantes do globo.

Diante desse fenômeno, as nações viram-se na contingência de adotar medidas que amenizassem os efeitos nocivos da sobrecarga de trabalho de suas cortes supremas. É difícil conceber, hoje em dia, algum país que não tenha adotado medidas para estabelecer filtros ao acesso de recursos a elas dirigidos. (DANTAS, Bruno. Repercussão Geral: Perspectiva Histórica, Dogmática e de Direito Comparado: Questões Processuais. Coleção Recursos no Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 89-90)

  1. MADOZ, Wagner Amorim. O recurso extraordinário interposto de decisão de Juizados Especiais Federais. Revista de Processo, São Paulo: RT, 2005, nº 119, p. 75-76.
  2. NEGRÃO, Theotônio, GOUVÊA, José Roberto F. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor. São Paulo: Saraiva, 2005, 37ª Ed.
  3. NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, 8ª Ed. P. 902: "Quando o plenário do STF ou o plenário ou órgão especial do próprio tribunal, onde foi ou poderia ter sido suscitado o incidente, já tiverem se pronunciado sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei questionada, não há necessidade de o órgão fracionário (câmara, turma, câmaras reunidas, grupo de câmaras, seção etc.) remeter a questão ao julgamento do plenário ou órgão especial. Nesse caso, o órgão fracionário pode aplicar a decisão anterior do plenário do STF ou do próprio tribunal, que haja considerado constitucional ou inconstitucional a lei questionada. Trata-se de medida de economia processual."
  4. STF – Primeira Turma – RE 190.728/SC – Rel. Min. Ilmar Galvão, Diário da Justiça, Seção I, 30 de maio de 1997, decisão por maioria.
  5. STF – Segunda Turma – AgRgAI 168.149/RS – Rel. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I, 04 de agosto de 1995, decisão unânime.
  6. MENDES, Gilmar Ferreira ET AL., op cit, p. 1087-1088.
  7. RE 228.844/SP, Rel. Maurício Corrêa, DJ de 16-6-1999; RE 221.795, Rel. Nelson Jobim, DJ de 16-11-2000; RE 364.160, Rel. Ellen Gracie, DJ de 7-2-2003; AI 423.252, Rel. Carlos Velloso, DJ de 15-4-2003; RE 345.048, Rel. Sepúlveda Pertence, DJ de 8-4-2003; RE 384.521, Rel. Celso de Mello, DJ de 30-5-2003. Referências extraídas de MENDES, Gilmar Ferreira ET AL., Op Cit, p.1088, nota 95.
  8. STF – Plenário – HC 82.959/SP – Rel. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I, 01 de setembro de 2006. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do ministro Nelson Jobim, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria, em deferir o pedido de habeas corpus e declarar, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, nos termos do voto do relator, vencidos os ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Nelson Jobim, Presidente. O Tribunal, por votação unânime, explicitou que a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não gerará conseqüências jurídicas com relação às penas já extintas nesta data, pois esta decisão plenária evolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão.
  9. Ambos os informativos foram extraídos do site do Supremo Tribunal Federal nos links: http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo454.htm
  10. Fonte: Relatórios Anuais, Secretaria de Informática e Secretaria de Gestão Estratégica do Supremo Tribunal Federal, extraído de MENDES, Gilmar Ferreira ET AL., op cit, p. 956-957.
  11. Modernamente, é universal a compreensão de que tanto em Estados federais quanto em Estados unitários, de família romano-germânica ou anglo-saxã, é imprescindível a existência de um tribunal de cúpula, responsável pela manutenção da integridade do direito, mediante a uniformização da sua interpretação.
  12. Lúcio Bittendourt, O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis, 2ª Ed., Rio de Janeiro, Forente, 1968, apud MEIRELLES, Hely Lopes, Mandado de Segurança, São Paulo: Malheiros, 2008, 31ª Ed., p.584.
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Sobre o autor
Jorge Romcy Auad Filho

promotor de Justiça do Estado de Rondônia, pós-graduado em Ciências Criminais pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de Rondônia (FEMSP/RO)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AUAD FILHO, Jorge Romcy. Habeas data: instrumento constitucional em defesa da cidadania. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2500, 6 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14810. Acesso em: 28 mar. 2024.

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