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Termos de compromisso de ajustamento de conduta no âmbito das autarquias e fundações públicas federais

10/05/2010 às 00:00
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Há uma ideia falaciosa de que somente o Ministério Público possui legitimidade para a utilização do Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta.

Quando o tema é Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, duas ideias principais surgem: Ação Civil Pública e Ministério Público. De fato, o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, defensora da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis tem cumprido o seu papel seja no ajuizamento das Ações Civis Públicas, seja na celebração dos Termos de Compromisso. Porém, tal panorama tem gerado a ideia falaciosa, não só entre a população não especializada, mas também entre muitos estudantes e aplicadores do Direito, de que somente o Ministério Público possui legitimidade para a utilização de tais instrumentos.

A Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a Ação Civil Pública, apresenta algumas regras importantes para a análise do Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta. Observe-se:

Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (...)

I - o Ministério Público;

II - a Defensoria Pública;

III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;

V - a associação que, concomitantemente: (...)

§ 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. (grifos nossos).

De início, verifica-se que a lista de legitimados para a propositura de Ação Civil Pública é bastante extensa. O presente estudo, porém, pretende tecer algumas considerações somente quanto ao inciso IV, mas especialmente, quanto às Autarquias e Fundações Públicas Federais.

O estudo dos Termos de Compromisso e Ajustamento de Conduta deve começar pelo seu objeto, motivo pelo qual, deve-se analisar o art. 1º da já citada legislação:

Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

I - ao meio-ambiente;

II - ao consumidor;

III – à ordem urbanística;

IV – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

V - por infração da ordem econômica e da economia popular;

VI - à ordem urbanística.

Parágrafo único.  Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. (grifos nossos).

A Lei estabelece determinados objetos a serem resguardados, vedando expressamente a utilização do instrumento da Ação Civil Pública e, consequentemente, do Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TCAC) para a veiculação de pretensões relativas a tributos, contribuições previdenciárias, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, etc.

Ora, a Ação Civil Pública tutela o patrimônio público lato sensu, cuja forma de proteção pode ser preventiva, descontitutiva ou reparatória. Pode-se dizer que a tutela preventiva ou inibitória é aquela que objetiva evitar a ocorrência de um ilícito ou de uma lesão. De outro lado, a tutela de remoção do ilícito visa à cessação do ato ilícito praticado e eventual dano ou exasperação do mesmo. Por fim, a tutela reparatória busca o ressarcimento dos prejuízos causados pelo ato ilícito.

Deve-se questionar se o rol do art. 1º da Lei nº 7.347/85 é taxativo/exaustivo ou meramente exemplificativo. No que concerne ao Ministério Público, o rol do art. 1º não pode ser considerado como exaustivo uma vez que a própria Constituição Federal, em seu art. 129, considera como função institucional do Ministério Público a promoção da Ação Civil Pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Vê-se que a Constituição utilizou expressão de caráter deveras ampliativo, qual seja, proteção de interesses difusos ou coletivos, ampliando o rol da Lei nº 7.347/85. A Jurisprudência reconhece a legitimidade ad causam do Ministério Público, por meio de Ação Civil Pública, seja para a tutela de direitos e interesses difusos e coletivos seja para a proteção dos chamados direitos individuais homogêneos, sempre que caracterizado relevante interesse social.

Quanto aos demais legitimados, há dois requisitos a serem observadas. O primeiro deles é a proteção aos direitos e interesses difusos e coletivos ou ainda a proteção dos direitos individuais homogêneos, tal como no caso do Ministério Público, vedando-se o seu manejo com o intuito de proteger direitos individuais disponíveis. O outro requisito é a pertinência temática, ou seja, enquanto a legitimação do Ministério Público é ampla e decorrente de sua função institucional constitucionalmente estabelecida, os demais legitimados devem demonstrar a vinculação entre as suas finalidades institucionais e o objeto protegido. Neste sentido, in verbis:

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - SEGURO SAÚDE - ALTERAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - INTERVENÇÃO DA AGENCIA NACIONAL DE SAÚDE OU DA UNIÃO COMO LITISCONSORTE - DESNECESSIDADE - AUSÊNCIA DE INTERESSE JURÍDICO - NÍTIDO PROPÓSITO DE DESLOCAR A COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA FEDERAL – INADMISSIBILIDADE - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

1 - Considerando a relevância da Ação Civil Pública no sistema judiciário brasileiro e a delimitação de seu objeto pelo art. 1º da Lei 7.347/85, não se admite, em tese, a sua utilização desvinculada de suas finalidades, para simples defesa de direitos individuais disponíveis.

2 - A intervenção da União ou de suas Autarquias no processo depende da demonstração de legítimo interesse jurídico na causa, que não nasce da simples declaração de vontade, mas da possibilidade de lhe sobrevir prejuízo juridicamente relevante, consoante precedentes deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal (STJ - REsp 660.833 - Rel. Ministra NANCY ANDRIGUI - DJ 26/09/06 e STF, Pleno, RT 669/215 e RF 317/213). (...)

5 - Admitir o interesse jurídico da União por simples e desfundamentada petição é outorgar, hoje como outrora, ao autor do processo a exclusiva competência de determinar onde processar o feito.

6 - Recurso Especial conhecido e improvido. (STJ; REsp 589612 / RJ; RECURSO ESPECIAL; 2003/0152356-5; Relator(a): Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA (1123); Relator(a) p/ Acórdão: Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP) (8185); Órgão Julgador: T4 - QUARTA TURMA; Data do Julgamento: 15/09/2009; Data da Publicação/Fonte: DJe 01/03/2010)(grifos nossos).

Vê-se que o Superior Tribunal de Justiça deixou clara a necessidade de demonstração de efetivo interesse das Autarquias e Fundações Públicas, sendo necessária a demonstração da relação entre as suas finalidades institucionais e o interesse coletivo em debate. No mesmo sentido, observe-se:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA

. CONSELHO REGIONAL DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. AUTARQUIA. ART. 5º DA LEI Nº 7.347/85.

I - A questão controvertida cinge-se a reconhecer, ou não, a legitimidade ativa do Conselho Regional de Técnicos de Radiologia da 5ª Região, substituído em sede recursal pelo Ministério Público Federal, para o ajuizamento de Ação Civil Pública visando à regularização da atividade de Radiologia no "Hospital e Pronto Socorro Infantil Gonzaga".

II - A Lei nº 7.394/85, que criou o Conselho Federal e os Conselhos Regionais dos Técnicos de Radiologia, e o Decreto nº 92.790/86, que a regulamentou, incluíram entre as suas atribuições institucionais a fiscalização do exercício da profissão de técnico em radiologia.

III - Essas atividades, consoante concluiu o Colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIn nº 1.717-6/DF, são típicas do Estado, donde se conclui que estão a serviço da coletividade, devendo ser guiadas para o seu benefício. Essa é a razão pela qual se conceituou a natureza jurídica dessas entidades como de autarquia de regime especial.

IV - A preocupação com relação ao exercício de atividade irregular, externada pela Autarquia profissional quando do ajuizamento da Ação Civil Pública, alude a direito social indisponível, notadamente quando se verifica que se dirige à preservação da saúde daqueles que se submetem a exames no hospital ora recorrido.

V - Ora, sendo direito coletivo, referente a um agrupamento de pessoas não identificadas, e centrando-se no fundamento constitucional do direito à saúde, não há, data maxima venia, como não se reconhecer a legitimidade ativa da Autarquia profissional criada exatamente para exercer fiscalização que garanta a adequada prestação do serviço essencial à manutenção e preservação da saúde pública.

VI - Recurso Especial provido. Afastada a ilegitimidade ativa ad causam da Autarquia Profissional. (STJ; REsp 879840 / SP; RECURSO ESPECIAL: 2006/0180769-0; Relator(a): Ministro FRANCISCO FALCÃO (1116): Órgão Julgador

T1 - PRIMEIRA TURMA; Data do Julgamento: 03/06/2008; Data da Publicação/Fonte: DJe 26/06/2008) (grifos nossos).

Por meio deste julgado, pode-se constatar a presença dos dois requisitos já expostos acima, quais sejam: proteção aos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (demonstrando-se que o rol do art. 1º da Lei nº 7.347/85 é meramente exemplificativo) e ainda a pertinência temática entre a entidade e o direito a ser resguardado. Vê-se que legitimidade para ajuizamento de ACP ou celebração de TCAC por Autarquia ou Fundação Pública Federal está afeta a sua finalidade institucional, bem como que seu interesse na demanda deve corresponder necessariamente a sua esfera de atuação. As regras quanto à legitimidade e quanto ao objeto da Ação Civil Pública (ACP) são extensíveis aos Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TCAC).

Diferentemente do que possa parecer, o TCAC não possui natureza de transação ou acordo. O acordo pressupõe a existência de mútuas concessões, ou seja, ambos os celebrantes abrirão mão de parte dos seus direitos e garantias para que se chegue a um determinado entendimento comum.

Ora, as Autarquias e Fundações Públicas não estão legitimadas a transigir sobre direitos indisponíveis, abrindo mão de direitos que são, na verdade, de toda a sociedade. O próprio Código Civil em seu artigo 841 afirma que "só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação". De fato, o TCAC possui natureza de compromisso ou reconhecimento do pedido. Significaria dizer que, no caso de ajuizamento de uma Ação Civil Pública, o réu reconheceria o pedido, comprometendo-se a realizar os atos destinados a prevenir, desconstituir ou reparar os danos causados aos bens legal e constitucionalmente protegidos. O TCAC funciona justamente para que não seja necessário o ajuizamento de uma Ação Civil Pública, podendo ser utilizado tanto nas obrigações de fazer ou de não fazer quanto nas que tenham por objeto obrigações de pagar ou de dar, sendo estas últimas menos comuns.

Sobre o tema é importante destacar o posicionamento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual, o art. 3º da Lei 7.347/85 ("A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer") deve ser entendido de modo a considerar possível a cumulação dos pedidos de condenação em dinheiro e obrigação de fazer ou não fazer. De outro lado, não é permitido em ACP a condenação, a título de indenização, à entrega de bem móvel para uso de órgão da Administração Pública, sendo tal disposição nula, uma vez que ultrapassa os limites da lei. (STJ - RESP 200502010628; RESP - RECURSO ESPECIAL – 802060; DJE DATA: 22/02/2010).

O Código de Defesa do Consumidor apresenta ainda uma série de regras relevantes para o estudo dos TCACs. Observe-se o seu art. 6º (Decreto 2.181 de 20 de março de 1997), in verbis:

Art. 6º As entidades e órgãos da Administração Pública destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor poderão celebrar compromissos de ajustamento de conduta às exigências legais, nos termos do § 6º do art. 5º da Lei nº 7.347, de 1985, na órbita de suas respectivas competências.

§ 1º A celebração de termo de ajustamento de conduta não impede que outro, desde que mais vantajoso para o consumidor, seja lavrado por quaisquer das pessoas jurídicas de direito público integrantes do SNDC.

§ 2º A qualquer tempo, o órgão subscritor poderá, diante de novas informações ou se assim as circunstâncias o exigirem, retificar ou complementar o acordo firmado, determinando outras providências que se fizerem necessárias, sob pena de invalidade imediata do ato, dando-se seguimento ao procedimento administrativo eventualmente arquivado.

§ 3º O compromisso de ajustamento conterá, entre outras, cláusulas que estipulem condições sobre:

I - obrigação do fornecedor de adequar sua conduta às exigências legais, no prazo ajustado;

II - pena pecuniária, diária, pelo descumprimento do ajustado, levando-se em conta os seguintes critérios:

o valor global da operação investigada;

o valor do produto ou serviço em questão;

os antecedentes do infrator;

a situação econômica do infrator;

III - ressarcimento das despesas de investigação da infração e instrução do procedimento administrativo.

§ 4º A celebração do compromisso de ajustamento suspenderá o curso do processo administrativo, se instaurado, que somente será arquivado após atendidas todas as condições estabelecidas no respectivo termo. (grifos nossos).

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Inicialmente, verifica-se que o TCAC pode ser firmado como um compromisso preliminar e parcial, reduzindo o objeto de uma futura ACP. No mesmo sentido, o TCAC pode ser sucedido pela celebração de outro TCAC, desde que o segundo tenha um objeto mais protetivo para o direito transindividual resguardado.

O que se percebe é o caráter maleável do TCAC, não sendo um compromisso fixo e estanque que não pode ser modificado, retificado ou complementado. De fato, de acordo com as circunstâncias fáticas, novas cláusulas podem ser incluídas e modificadas com o objetivo de garantir maior proteção aos direitos tutelados.

O TCAC deve ser visto como um instrumento preventivo e/ou reparatório de lesões aos interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, contribuindo para a celeridade e obtenção de um resultado prático efetivo, de forma a valorizar a autocomposição de conflitos.

O parágrafo 3º do artigo 6º da citada legislação estabelece algumas cláusulas que deverão fazer parte do Termo, como cláusulas obrigatórias. O inciso primeiro refere-se à obrigação principal do interessado, ou seja, que atitudes ou providências deverá o interessado tomar para adequar a sua conduta às exigências legais e em que prezo estas deverão ser tomadas.

O inciso segundo estabelece a penalidade pecuniária diária, sanção de caráter pedagógico e instrumental que funciona como meio de coerção para o cumprimento do ajustado. Por óbvio, a pena pecuniária deve guardar uma clara relação de proporcionalidade entre a obrigação assumida e o celebrante do TCAC. Não seria razoável a imposição de uma sanção diária de R$ 10.000,00 para um pequeno mercado, por exemplo, mas esta mesma sanção poderia ser ineficaz para uma rede de multinacional de supermercados.

No mesmo sentido, deve-se notar que a pena pecuniária, embora tenha o legislador a chamado de "pena", não possui efetivo caráter punitivo, mas sim coercitivo. A "pena diária" não possui tampouco caráter indenizatório, ou seja, não substitui a obrigação em caso de inadimplemento. Ela tem, de fato, a única e exclusiva função de ser utilizada como meio coercitivo eficaz para o cumprimento da obrigação. Se a sanção se mostra ineficaz para o cumprimento da obrigação, deve ser imediatamente modificada.

Cabe ainda destacar que, a "pena diária" não será necessariamente diária. Embora seja esta a nomenclatura legal, sabe-se que algumas obrigações não podem ser cobradas diariamente, razão pela qual, a aplicação de multa diária seria um contrassenso. Por exemplo, há uma determinação para que se inclua na folha de pagamentos a partir do mês de janeiro uma determinada rubrica de caráter salarial, porém, superada uma determinada data, não há mais como fazer tal tipo de inclusão, somente sendo possível o cumprimento da determinação no mês seguinte. Ora, neste caso, o estabelecimento de multa mensal resultaria no mesmo resultado prático, guardando maior relação com o objeto da determinação. De outro lado, outras obrigações podem ser adimplidas todos os dias, sendo a aplicação de multa diária coerente e razoável.

Por fim, o inciso terceiro determina como cláusula obrigatória do TCAC, a determinação de ressarcimento das despesas de investigação da infração e instrução do procedimento administrativo.

Questão interessante e com efeitos práticos relevantes é a suspensão do processo já instaurado, nos termos do §4º do artigo citado. No âmbito das Autarquias e Fundações Públicas, diante da irregularidade ou de indícios de irregularidades, instaura-se procedimento administrativo para averiguação do descumprimento de obrigação. Com a celebração do TCAC, o procedimento administrativo deve ser suspenso, realizando-se o prosseguimento deste somente com o fim do prazo de TCAC.

Deve-se ressaltar que as cominações impostas no TCAC possuem eficácia de título executivo extrajudicial, nos próprios termos do art. 5º da Lei nº 7.347 de 24 de julho de 1985. Diante de tal natureza, a princípio, ocorre a desnecessidade de procedimento ulterior para apuração dos casos de descumprimento do compromisso para fins de propositura de execução judicial. De fato, o simples descumprimento do TCAC já é capaz de tornar o título judicialmente exequível.

Para a análise do fiel cumprimento do TCAC, muitas vezes, é necessário que se aguarde todo o período de vigência do TCAC, pois somente ao final deste, será possível a constatação de cumprimento por parte da compromissada quanto a todas as obrigações previstas no termo. De outro lado, nada impede que, no caso de obrigações periódicas, já se possa executar a parte do compromisso já totalmente inadimplida.

A Autarquia ou Fundação Pública celebrante será a responsável pelo acompanhamento e fiscalização do fiel cumprimento do TCAC, que poderá ser feita nos autos do próprio procedimento do TCAC, privilegiando-se a eficiência e garantindo-se a correta apuração do cumprimento ou não das obrigações estipuladas.

Constatado o descumprimento do TCAC, o processo administrativo eventualmente existente e suspenso não deverá ser arquivado, mas sim reaberto, retomando o seu curso normal. Surgem então dois deveres para a Administração, dar novamente impulso ao processo administrativo punitivo e ainda executar as multas impostas no termo de compromisso.

Como já destacado, não se pode confundir a natureza da "pena diária" com a sanção de caráter punitivo imposta. A "pena diária" em hipótese alguma substituirá a penalidade imposta no caso de descumprimento de obrigação legal, serve apenas como sanção de caráter coercitivo, fazendo com que o celebrante do termo sinta-se compelido o adimplir a obrigação determinada. De outro lado, devidamente cumpridos todas as determinações constantes do termo de compromisso, encerra-se o compromisso.

Aplica-se a "pena diária" desde o descumprimento de uma das cláusulas do TCAC, sendo desnecessária a intimação do infrator para a sua incidência. Em defesa, o infrator costuma argumentar no sentido da necessidade de intimação prévia para o início da aplicação da penalidade diária, alegando-se a violação do princípio do contraditório e da ampla defesa. Ora, desde a celebração do termo, as partes já estão cientes de suas obrigações e antes mesmo da fiscalização, havendo descumprimento, inicia-se, desde já, a incidência da penalidade. Neste sentido, observe-se o artigo 397 do Código Civil.

Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.

Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial. (grifos nossos).

A despeito da existência de opiniões diversas sobre o tema, o TCAC não pode ser considerado um óbice ao exercício da ação penal. Para embasar tal posicionamento a jurisprudência tem utilizado um argumento principal: a diversidade de naturezas entre a sanção civil e a sanção penal. Neste sentido, observem-se os recentes julgados abaixo:

HABEAS CORPUS. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. FRUSTRAÇÃO DE DIREITO TRABALHISTA. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ORDEM DENEGADA. 1. A peça acusatória contém a exposição clara e objetiva dos fatos alegadamente delituosos, o que possibilita ao paciente o exercício pleno do direito à ampla defesa. Alegação de inépcia afastada. 2. O fato do paciente ter firmado o Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público do Trabalho não impede a propositura da ação penal. 3. O cumprimento do TAC esvazia o interesse processual de eventual ação civil pública ou outra providência judicial acerca de interesses difusos ou coletivos, já que a empresa cumpriu com as obrigações de fazer e pagou o valor referente à indenização moral, o que não interfere na área penal. 4. No que tange à legitimidade do paciente para figurar no pólo passivo da demanda, importante observar, que o sujeito ativo do crime descrito no artigo 149 do Código Penal pode ser qualquer pessoa, embora, em regra, seja o empregador e seus prepostos. (...) 6. Ordem denegada. (TRF3 – Processo: HC 201003000029820; HC - HABEAS CORPUS – 39574; Relator(a): JUIZA VESNA KOLMAR; Órgão julgador: PRIMEIRA TURMA; Fonte: DJF3 CJ1 DATA:14/04/2010 PÁGINA: 230). (grifos nossos).

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. POLUIÇÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA QUE NÃO IMPEDE A INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS ADMINISTRATIVA E PENAL. ACEITAÇÃO DE SURSIS PROCESSUAL. ORDEM DENEGADA. 1. A suspensão condicional do processo não obsta o exame da alegação de trancamento da ação penal. Precedentes do STJ. (...) 4. A assinatura do termo de ajustamento de conduta não obsta a instauração da ação penal, pois esse procedimento ocorre na esfera administrativa, que é independente da penal. 5. Ordem denegada. (STJ - Processo: HC 200701095427; HC - HABEAS CORPUS – 82911; Relator(a): ARNALDO ESTEVES LIMA; Órgão julgador: QUINTA TURMA; Fonte: DJE DATA:15/06/2009). (grifos nossos).

O argumento possui a sua razão de ser e realmente deixa claro que a função do Termo de Compromisso e Ajustamento de Conduta é evitar o ajuizamento de uma Ação Civil Pública, ou seja, evita-se o ajuizamento de uma ação com efeitos não criminais.

Sob outra perspectiva, verifica-se que uma vez infringido um dispositivo penal, a consequência lógica será a incidência de uma sanção. É bem verdade que diante das circunstâncias do caso concreto, a sanção poderá ser diminuída, sendo possível até a substituição de pena privativa de liberdade por uma pena alternativa, mas haverá sanção. No âmbito do processo administrativo, especialmente no processo administrativo punitivo decorrente do exercício do poder de polícia, ocorre uma regra semelhante. Descumprida uma determinação, ainda que administrativa, haverá uma sanção para o infrator, presente ou não circunstância de redução ou aumento da penalidade.

No caso de celebração de TCAC preventivo, ou seja, antes da existência da infração, havendo o integral cumprimento do termo não há que se falar em sanção penal ou administrativa. De outro lado, uma vez descumprida norma administrativa, salvo expressa disposição normativa em contrário, não é possível o afastamento completo e absoluto da sanção administrativa. De toda forma, o cumprimento do TCAC certamente será considerado como causa de redução da penalidade que poderá, por exemplo, ser convertida em uma advertência. Entender o contrário significaria dizer que a reparação dos danos causados seria sempre um óbice à aplicação de penalidade administrativa, o que não é verdade.

Por todo exposto, conclui-se que:

As Autarquias e Fundações Públicas Federais possuem legitimidade para a propositura de Ação Civil Pública e celebração de Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta para a proteção de direitos e interesses difusos e coletivos ou ainda dos direitos individuais homogêneos, devendo demonstrar a vinculação entre as suas finalidades institucionais e o objeto protegido;

Os TCAC não possuem natureza de transação ou acordo, mas de compromisso ou reconhecimento do pedido e é um instrumento maleável de autocomposição de conflitos e tutela de interesses transindividuais que valerá como título executivo;

A penalidade diária não pode ser considerada como pena e não será necessariamente diária, mas deve ser utilizada como meio coercitivo eficaz para o cumprimento da obrigação.

Constatado o descumprimento do TCAC, o processo administrativo eventualmente existente e suspenso não deverá ser arquivado, mas sim reaberto, retomando o seu curso normal. Surgem então dois deveres para a Administração, dar novamente impulso ao processo administrativo punitivo e ainda executar as multas impostas no termo de compromisso.

A despeito da existência de opiniões diversas sobre o tema, o TCAC não pode ser considerado um óbice ao exercício da ação penal nem tampouco à aplicação de penalidade em processo administrativo punitivo, mas o seu cumprimento necessariamento será considerado na aplicação da sanção.

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Sobre o autor
Rafael Gomes de Santana

Pós-Graduado em Direito Processual Civil, Direito Constitucional e Direito Administrativo. Ex-Coordenador de Defesa do Patrimônio Público e Recuperação de Créditos da Procuradoria Regional Federal da 1ª Região. Ex-Chefe de Divisão da Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos da Procuradoria-Geral Federal. Subprocurador-chefe da Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Bacharel em Direito pela UFPE. Procurador Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, Rafael Gomes. Termos de compromisso de ajustamento de conduta no âmbito das autarquias e fundações públicas federais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2504, 10 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14829. Acesso em: 22 dez. 2024.

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