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A cobrança de créditos oriundos de acórdãos do Tribunal de Contas da União pelas autarquias e fundações públicas federais e a Medida Provisória nº 449

08/05/2010 às 00:00
Leia nesta página:

Ao analisar os acórdãos do Tribunal de Contas da União, especialmente no tocante a sua exigibilidade, é fundamental que seja citado o §3º do art. 71 da Constituição Federal, in verbis:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: (...)

§ 3º - As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo. (grifos nossos).

Ora, é o próprio texto Constitucional que garante aos acórdãos da corte de contas a natureza de título executivo. Diante de tal natureza, os créditos oriundos do Tribunal de Contas podem ser imediatamente cobrados, sendo desnecessária a inscrição em dívida ativa e a abertura de novo processo administrativo.

Deve-se destacar que a Inscrição em Dívida Ativa não possui natureza obrigatória. Nos casos em que a Administração Pública já possui um título executivo devidamente constituído, esta pode optar, de acordo com a situação concreta, pela inscrição do crédito em dívida ativa ou pelo ajuizamento de ação de cobrança.

Vale registrar, todavia, que o procedimento de cobrança de crédito já inscrito em dívida ativa é mais adequado aos interesses da Fazenda Pública, devendo a inscrição do crédito ser tida como regra, e, apenas em casos excepcionais, devidamente justificados, a execução deve ocorrer desprovida da prévia inscrição em dívida ativa.

Assim, no caso dos acórdãos do Tribunal de Contas da União, a inscrição em dívida ativa não se dá com o objetivo de criação de um título executivo, mas sim para a utilização de um rito de execução privilegiado, bem como um acompanhamento mais apurado acerca dos créditos da Fazenda Pública.

Neste sentido, o próprio Tribunal de Contas já se manifestou por meio do seu plenário da seguinte forma:

Ementa: Representação formulada pelo Ministério Público junto ao TCU. Inclusão, para fins de comprovação da regularidade fiscal para com a Fazenda Nacional, da não-existência de débitos ou multas imputadas pelo TCU. Lei de licitações. Posicionamento do TCU. Conhecimento. Procedência. Determinação. Arquivamento. (...)

Voto do Ministro Relator (...)

4. Na verdade, os débitos e multas impostas pelo Tribunal não necessitam inscrição prévia na Dívida Ativa para serem executados como salientado pelo Procurador-Geral em razão de dispositivo constitucional e legal. Por outro lado, tendo-se em vista as outras finalidades da inscrição dos diversos débitos para com a Fazenda Nacional, conforme apontado pelo Secretário da ADCON, há que se proceder à inscrição de todo e qualquer débito de natureza, tributário ou não. Nesse sentido, correto o entendimento do titular da referida unidade no sentido de que as multas e débitos imputados por esta Corte de Contas também devem ser objeto de inscrição na Dívida Ativa, procedimento regular em atenção do disposto no §1º do art. 39 da Lei nº 4.320/64. (Decisão 472/2002 – Plenário – DC-0472-14/02-P). (grifos nossos).

A Advocacia Geral da União tem seguido este entendimento, consubstanciado no Parecer CGCOB/DICON nº 03/2008, ressaltando o maior controle da Administração Pública Federal e ainda a maior a celeridade alcançada com a cobrança do crédito por meio da Certidão de Dívida Ativa.

Superado tal debate, deve-se observar o teor da Lei nº 10.522 de 17 de julho de 2002, com as alterações trazidas pela Medida Provisória nº 449/2008.

Aos 04 de dezembro de 2008, entrou em vigor a Medida Provisória nº 449/2008 que foi convertida na Lei nº 11.941 aos 27 de maio de 2009. Antes da edição de tal diploma normativo, a cobrança dos valores devidos às autarquias e às fundações públicas federais estava disciplinada de forma esparsa, com previsões legais nas que criam essas entidades, ou até mesmo em regulamentação editada por esses próprios entes.

A edição da Medida Provisória nº 449/2008 trouxe uma relevante uniformização do procedimento. Neste sentido, in verbis:

Art. 37-A.  Os créditos das autarquias e fundações públicas federais, de qualquer natureza, não pagos nos prazos previstos na legislação, serão acrescidos de juros e multa de mora, calculados nos termos e na forma da legislação aplicável aos tributos federais.  (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)

§ 1º  Os créditos inscritos em Dívida Ativa serão acrescidos de encargo legal, substitutivo da condenação do devedor em honorários advocatícios, calculado nos termos e na forma da legislação aplicável à Dívida Ativa da União.  (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)

O Art. 37-A apresenta dois regramentos de destaque: a) uniformizou a aplicação de juros e multa de mora; b) possibilitou o acréscimo dos encargos legais ao valor do crédito inscrito em dívida ativa.

Quanto aos juros e multa de mora, verifica-se que, após 04 de dezembro de 2008, aplica-se a mesma legislação utilizada para os tributos federais, ou seja:

a)Multa de Mora: Art. 61 da Lei no 9.430, de 1996, in verbis:

Art. 61. Os débitos para com a União, decorrentes de tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, cujos fatos geradores ocorrerem a partir de 1º de janeiro de 1997, não pagos nos prazos previstos na legislação específica, serão acrescidos de multa de mora, calculada à taxa de trinta e três centésimos por cento, por dia de atraso.

§ 1º A multa de que trata este artigo será calculada a partir do primeiro dia subseqüente ao do vencimento do prazo previsto para o pagamento do tributo ou da contribuição até o dia em que ocorrer o seu pagamento.

§ 2º O percentual de multa a ser aplicado fica limitado a vinte por cento. (grifos nossos).

b)Juros de Mora: § 3º do Art. 61 da Lei no 9.430, de 1996, in verbis:

Art. 61. Os débitos para com a União, decorrentes de tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, cujos fatos geradores ocorrerem a partir de 1º de janeiro de 1997, não pagos nos prazos previstos na legislação específica, serão acrescidos de multa de mora, calculada à taxa de trinta e três centésimos por cento, por dia de atraso.

§ 3º Sobre os débitos a que se refere este artigo incidirão juros de mora calculados à taxa a que se refere o § 3º do art. 5º, a partir do primeiro dia do mês subseqüente ao vencimento do prazo até o mês anterior ao do pagamento e de um por cento no mês de pagamento. (Vide Lei nº 9.716, de 1998) (grifos nossos).

No mesmo sentido, a Medida Provisória determinou ainda a inclusão do encargo legal ao valor dos créditos inscritos em Dívida Ativa. In verbis:

Art. 37-A.  Os créditos das autarquias e fundações públicas federais, de qualquer natureza, não pagos nos prazos previstos na legislação, serão acrescidos de juros e multa de mora, calculados nos termos e na forma da legislação aplicável aos tributos federais.  (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)

§ 1º  Os créditos inscritos em Dívida Ativa serão acrescidos de encargo legal, substitutivo da condenação do devedor em honorários advocatícios, calculado nos termos e na forma da legislação aplicável à Dívida Ativa da União.  (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009 à Lei nº 10.522/2002) (grifos nossos).

Apresentados os novos critérios, deve-se buscar amplitude de sua incidência. Ora, da leitura do caput do art. 37-A vê-se que a norma tem por objeto os créditos das autarquias e fundações públicas federais, de qualquer natureza, não pagos nos prazos previstos na legislação. O próprio legislador, afastando qualquer dúvida, deu um vasto campo de aplicação para o dispositivo, determinando a sua aplicação a todos os créditos das entidades, independentemente de sua natureza.

Dentre as inúmeras condenações encontradas nos acórdãos oriundos do Tribunal de Contas da União, deve-se dar especial atenção a dois tipos: a) condenação ao ressarcimento de valores ao erário; b) aplicação de multa ao agente.

Nos casos em que a condenação do Tribunal de Contas determina o ressarcimento de valores às autarquias e fundações públicas federais, tendo em vista que essas entidades são credoras da obrigação de ressarcimento, cabe à Procuradoria Geral Federal, representante judicial dessas entidades, a execução do crédito. Por outro lado, nos acórdãos do TCU em que exista a fixação de multa, nos termos do artigo 57 da Lei n° 8.443/93, deve-se observar a competência Procuradoria Geral da União para execução, uma vez que se trata de crédito da União.

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Observa-se que quando da condenação do agente ao ressarcimento, o Tribunal de Contas da União, embora apresente planilha de cálculo do débito, determina que os cálculos de atualização do débito sejam realizados de acordo com a legislação vigente no momento da cobrança, ou seja, a planilha de cálculo do débito enviada pelo Tribunal de Contas da União não possui caráter vinculante, mas apenas indicativo do valor atualizado do débito.

Desse modo, não se vislumbram óbices jurídicos à aplicação do art. 37-A da Lei 10.522/2002 aos créditos decorrentes de decisão do Tribunal de Contas da União, pois o fato de o crédito ter sido reconhecido pela Corte de Contas, e não pela própria entidade, não representa peculiaridade dotada de relevância jurídica capaz de justificar a não incidência da referida Lei.

Com base no Direito Civil, embora tratado aqui de forma inapropriada, pode-se extrair a lição de que o negócio jurídico é dividido nos planos de existência, validade e eficácia, sendo que questões atinentes às conseqüências do negócio estão no plano de eficácia e são aquelas afetas a condição, termo, encargo e a regras relacionadas com o inadimplemento, como juros. O art. 2.035 do  Código Civil disciplina o direito intertemporal em matéria de negócio jurídico, disciplinando que quanto à validade é aplicável a norma do momento de sua constituição, mas quanto à eficácia deve ser aplicada a norma do momento de produção de seus efeitos. Neste sentido, tem-se o enunciado n. 164 da III Jornada de Direito Civil do CJF diz: "Tendo início a mora do devedor ainda na vigência do Código Civil de 1916,  a partir de 11 de janeiro de 2003 (data da entrada em vigor do novo Código Civil) passa a incidir o art. 406 do CC/2002". Assim, estando os juros no plano da eficácia deverão ser aplicadas as normas vigentes quando do inadimplemento. (TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. Ed. Método. São Paulo, 2010, pág. 43-49).

Vê-se que até no Direito Civil, onde há predominância dos interesses privados, diferentemente do que ocorre no âmbito do Direito Administrativo, por exemplo, aplica-se a legislação em vigor no momento em que os efeitos do negócio devem se produzir, fazendo prevalecer a vontade da lei sobre os particulares. Ora, especialmente quanto aos créditos das autarquias e fundações públicas federais, não se poderia admitir regra diferenciada, sob pena de quebra de própria lógica jurídica.

Vale dizer: seja reconhecido pelo Tribunal de Contas da União ou apurado em procedimento administrativo com trâmite exclusivo no ente credor, trata-se de crédito de autarquia ou fundação pública, sobre o qual deve recair a disciplina do art. 37-A da Lei 10.522/2002, desde a sua vigência.

Por todo exposto, conclui-se pela aplicabilidade das disposições contidas na Medida Provisória nº 449/2008, aos créditos das autarquias e fundações públicas federais, especialmente as contidas no art. 37-A da Lei nº 10.522/2002, mesmo quando oriundos de decisões do Tribunal de Contas da União.

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Sobre o autor
Rafael Gomes de Santana

Pós-Graduado em Direito Processual Civil, Direito Constitucional e Direito Administrativo. Ex-Coordenador de Defesa do Patrimônio Público e Recuperação de Créditos da Procuradoria Regional Federal da 1ª Região. Ex-Chefe de Divisão da Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos da Procuradoria-Geral Federal. Subprocurador-chefe da Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Bacharel em Direito pela UFPE. Procurador Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, Rafael Gomes. A cobrança de créditos oriundos de acórdãos do Tribunal de Contas da União pelas autarquias e fundações públicas federais e a Medida Provisória nº 449. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2502, 8 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14831. Acesso em: 4 nov. 2024.

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