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A provisoriedade da gratuidade da Justiça e o prazo de cinco anos para a Fazenda Pública cobrar o débito

17/05/2010 às 00:00
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A questão da justiça gratuita tem sido confundida como mero instrumento para estimular aventuras jurídicas estimuladas pela permissiva incompreensão de seus limites. Na verdade, facilitar o acesso ao Judiciário não significa que o vencido não seja obrigado a pagar as despesas processuais ao final do processo.

A Constituição Federal não define quem seria competente para conceder a justiça gratuita, mas a Lei 1060-50 estabelece que seria o Juiz. Porém, nada impede que isto seja alterado em lei, pois em muitos países esta função é exercida por outros órgãos como na Europa (https://ec.europa.eu/civiljustice/legal_aid/legal_aid_spa_pt.htm).

Consoante o artigo 5.º, inciso LXXIV, da Constituição Federal, "é dever do Estado prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". A Lei 1060 não exige a comprovação, mas a Constituição Federal sim. A rigor, em todos os países da Europa e nos Estados Unidos exige-se alguma forma de comprovação de carência para evitar abusos.

Lado outro, a extrema facilidade para se obter justiça gratuita na esfera judicial é um paradoxo em relação à notória dificuldade para se obter gratuidade nos cartórios extrajudiciais, o que acaba implicando que pessoas ajuízam ações judiciais por serem gratuitas e não usam os cartórios extrajudiciais para divórcios, por exemplo. Tudo isso, por falta de critérios legais para se definir parâmetros, o que transforma um direito em uma espécie de favor rei.

Parte significativa da justiça gratuita tem servido mais para fomentar o mercado jurídico do que realmente atender aos comprovadamente carentes.

Nesse sentido, embora a Lei Federal 1060-50 seja clara acerca da participação municipal nesta questão, principalmente extrajudicial. Esta via não interessa aos setores jurídicos que detêm monopólio de verbas e querem controlar toda a forma de acesso ao direito. Porém, assistência jurídica é assistência pública, logo atribuição municipal também, conforme art. 23, II, da CF e regulamentada em lei federal. Nesse sentido cita-se o seguinte artigo da lei 1060-50:

Art. 1º. Os poderes públicos federal e estadual, independente da colaboração que possam receber dos municípios e da Ordem dos Advogados do Brasil, - OAB, concederão assistência judiciária aos necessitados nos termos da presente Lei. (Redação dada pela Lei nº 7.510, de 1986)

O Município pode colaborar inclusive oferecendo meios extrajudiciais ou até mesmo peritos, além de advogados públicos.

Existe uma divergência na doutrina e jurisprudência acerca dos conceitos de assistência jurídica e assistência judiciária, sendo que muitos sustentam que apenas no primeiro precisaria comprovar a carência (serviço jurídico) e no segundo caso não (custas e outros tributos). Não vamos aprofundar este debate neste texto. Contudo, a Defensoria, por exemplo, em muitos processos não tem comprovado a carência de seus clientes e isto gera prejuízo para a advocacia privada e prejuízo ao Estado, pois tem que contratar mais Defensor, em razão da ausência de critérios objetivos para a triagem.

O Código de Processo Civil aborda a questão da justiça e adiantamento das despesas (em sentido lato) nos arts. 19 e 20, transcritos abaixo:

Art. 19. Salvo as disposições concernentes à justiça gratuita, cabe às partes prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo, antecipando-lhes o pagamento desde o início até sentença final; e bem ainda, na execução, até a plena satisfação do direito declarado pela sentença.

Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria. (Redação dada pela Lei nº 6.355, de 1976).

Logo, podemos observar que o CPC considera que a justiça gratuita dispensa apenas o ADIANTAMENTO e não como uma isenção absoluta.

Portanto, independente de se conceder justiça gratuita no curso do processo, o objetivo deste direito é apenas evitar que o acesso ao Judiciário seja negado em razão da necessidade legal de adiantamento das custas e despesas. Logo, ao final do processo nada impede que se dê cumprimento ao previsto no art. 12. da Lei 1060-50:

Art. 12. A parte beneficiada pela isenção do pagamento das custas ficará obrigada a pagá-las, desde que possa fazê-lo, sem prejuízo do sustento próprio ou da família, se dentro de cinco anos, a contar da sentença final, o assistido não puder satisfazer tal pagamento, a obrigação ficará prescrita.

Dessa forma, ao final do processo as cobranças de custas, taxas e despesas em relação ao vencido não estariam impedindo o acesso ao Judiciário. No entanto, os juízes estão agindo equivocadamente e confirmam a justiça gratuita ao final do processo e em razão disso não calculam o débito nem remetem tal fato à Fazenda Pública para que dele tenha ciência.

Na verdade, o juiz não tem autorização legal para conceder isenção tributária absoluta, mas apenas provisória. Afinal, as taxas, despesas e custas são verbas públicas em regra, logo são tributos, pois raramente o vencedor as adiantou, ou seja, quem assumiu o débito foi o próprio Estado ao pagar despesas com correio, mandados, perícias, e até deixando de receber adiantadamente as custas.

Porém, muitos juízes estão ao final do processo "suspendendo o dever de quitar as custas" por cinco anos e nem comunicam à Fazenda Pública. Ora, como são ajuizados em torno de 20 milhões de processos por ano no Brasil e cada um tem em torno de 1.000 (um) mil reais de custas e 80% dos processos são de justiça gratuita, imagina-se um possível rombo aos cofres públicos de aproximadamente 16 bilhões de reais anualmente. É claro que este valor pode ser reduzido se comprovado que nem todos os beneficiados têm realmente condições de pagar as custas.

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Esta necessidade de cobrança ao final apenas não se aplica em casos de dispensa absoluta como em processos da infância e adolescência (Lei 8.069/90) e autores de ações civis públicas improcedentes, mas sem má-fé comprovada (Constituição Federal)

Diante do exposto, podemos concluir que:

  1. O Juiz, ao final do processo, deve mandar a Contadoria calcular as custas (despesas processuais em sentido amplo) e remeter os valores à Fazenda Pública, quando o vencido foi beneficiado com justiça gratuita.

  2. A Fazenda Pública tem o prazo de cinco anos para cobrar os valores devidos ao erário, pelas vias judiciais ou extrajudiciais, se comprovar que o beneficiado tem condições de pagar o débito.

  3. Comete ato de improbidade e crime tributário/administração pública o juiz que deixa de comunicar este valor à Fazenda Pública e arquiva o processo.

  4. Importante que haja um Termo de Cooperação Técnica entre Judiciário e Fazenda Pública para operacionalizar este procedimento.

  5. A cobrança das custas ao final do processo em relação ao vencido é medida justa que não impede o acesso ao judiciário, mas pode contribuir para a efetivação da conciliação e de meios extrajudiciais ao evitar aventuras jurídicas.

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Sobre o autor
André Luís Alves de Melo

Promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais. Mestre em Direito Público. Professor universitário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, André Luís Alves. A provisoriedade da gratuidade da Justiça e o prazo de cinco anos para a Fazenda Pública cobrar o débito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2511, 17 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14865. Acesso em: 30 dez. 2025.

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