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Direito Internacional Humanitário.

O simbolismo dos direitos humanos na intervenção humanitária na Somália

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Conclusão

O Direito Internacional ainda passa por um processo de reformulação geral. Muitos juristas já iniciaram estudos sobre diversos temas envolvendo assuntos supra-Estatais, dentre os quais destaca-se a questão humanitária. Essa abordagem consistiu em fazer uma crítica à intervenção humanitária a partir do simbolismo dos direitos humanos, analisando os fatores políticos e jurídicos que autorizam o emprego dessa medida.

Bastante explorado ao longo do século passado, em especial no curso da década de noventa, esse recurso foi utilizado pelo Conselho de Segurança de forma abusiva para afrontar a soberania de Estados afetados pela violação aos direitos humanos em decorrência de conflitos armados.

Sob o pretexto de proteger vítimas ameaçadas pela fome, perseguições políticas, pela guerra civil, as potências mundiais agindo sobre o manto do Conselho de Segurança cometeram atentados contra a ordem internacional, atropelando os princípios do Direito Internacional, atuando na satisfação de seus interesses em nome das próprias organizações internacionais e manobrando politicamente para se beneficiarem.

A necessidade incessante de poder e supremacia, compatíveis aos anseios do imperialismo, são disfarçados pela manipulação do real. A comunidade internacional é induzida a apoiar uma tirania que vilipendia a soberania dos Estados. A forma de convencimento pela tecnologia cultural sensibiliza a humanidade inteira mediante a apresentação de imagens bárbaras, inaceitáveis pelas religiões, pelos governos e até mesmo pela ciência.

Entre o real e o indivíduo existe o que não se vê: o invisível. Essas barbáries por incrível que pareça são apenas detalhes, constituindo parte do todo. Esses fragmentos são trabalhados pelos meios de comunicação em massa para enganar o público, persuadindo-o de que aconteceu um fato em função de uma causa. Ocorre que a causa apontada nada mais é do que um simples detalhe, incapaz por si só de ser a verdadeira causa do fato, ou seja, explica-se o geral pelo específico ou todo pela parte.

Levando essa lógica para o campo do Direito Internacional, certifica-se que a efetivação de intervenções humanitárias com escopo de proteger pessoas e bens situados em área de conflito armado é uma fachada para acobertar a prática autoritária, discricionária e ilegítima dos Estados hegemônicos.


Bibliografia

CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto [et al.]. Direito Internacional Humanitário. Brasília: IRPI, Fund. Alexandre Gusmão, 1989.

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NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

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PATRIOTA, Antonio de Aguiar. O Conselho de Segurança após a Guerra do Golfo: a articulação de um novo paradigma de Segurança coletiva. Brasília: Instituto Rio Branco; Fundação Alexandre de Gusmão; Centro de Estudos Estratégicos, 1998.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7. ed., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.

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SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 10. ed., Rio de Janeiro: Record, 2003.

SILVA, Carlos Augusto Cânedo Gonçalves da; COSTA, Érica Adriana. Direito Internacional moderno: estudos em homenagem ao Prof. Gerson de Brito Mello Boson. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004.

ZIKEK, Slavoj. Against human rights. Disponível em: http://libcom.org/library/against-human-rights-zizek. Acesso em: 21/03/2010.


Notas

  1. Milton Santos explica que os efeitos perversos da globalização provocam a confusão do indivíduo quanto à apreciação de coisas comuns, já que esse sistema justifica ações hegemônicas e enseja a crença em fábulas, a percepção distorcida da realidade e o discurso único do mundo (SANTOS, 2003, p. 38)
  2. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Constitucionalismo e ideologia. Disponível em: http://jusvi.com/artigos/31790. Acesso em 18/03/2010.
  3. A Escola de Frankfurt através de um de seus maiores expoentes, Theodor Wisesengrund Adorno, baseou-se na tese da dialética da negação para rejeitar a identificação da realidade com o pensamento, na tentativa de fazer uma crítica à pretensão da filosofia de encobrir a realidade e perpetuar o seu estado presente. Adorno sustentou que o real não se confunde com a razão. (REALE, Giovanni; ANTESERI, 1991, p. 841) Assim como Adorno, Max Horkheimer sustenta que a sociedade tecnológica contemporânea vale-se da indústria cultural (cinema, televisão, rádio, internet, enfim) para impor valores e modelos comportamentais capazes de criar necessidades e estabelecer linguagens. Tanto uma quanta o outra devem ter uniformidade para atingir a todos, tornando-os objetos de manipulação do sistema. (REALE, Giovanni; ANTESERI, 1991, p. 845)
  4. Christophe Swinarski define intervenção humanitária como "(...) o corpo de normas internacionais, de origem convencional ou consuetudinário, especificamente aplicável aos conflitos armados, internacionais ou não-internacionais, e que limita, por razões humanitárias, o direito das partes em conflito de escolher livremente os métodos e os meios utilizados na guerra, ou que protege às pessoas e aos bens afetados, ou que possam ser afetados pelo conflito." (CANÇADO TRINDADE [et al.], 1989, p. 53)
  5. Na visão de Slavoj Zizek: "(...) the ‘human rights of Third World suffering victims’ effectively means today, in the predominant discourse, is the right of Western powers themselves to intervene politically, economically, culturally and militarily in the Third World countries of their choice, in the name of defending human rights. (...) ‘Man’, the bearer of human rights, is generated by a set of political practices which materialize citizenship; ‘human rights’ are, as such, a false ideological universality, which masks and legitimizes a concrete politics of Western imperialism, military interventions and neo-colonialism." ZIKEK, Slavoj. Against human rights. Disponível em: http://libcom.org/library/against-human-rights-zizek. Acesso em: 21/03/2010.
  6. RODRIGUES, Simone Martins. Segurança Internacional e Direitos Humanos: a prática da intervenção humanitária no Pós-Guerra Fria. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 125.
  7. Resolução 794 de 3 de dezembro de 1992 do Conselho de Segurança. Disponível em: http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N92/772/11/PDF/N9277211.pdf?OpenElement. Acesso em: 18/03/2010.
  8. Idem.
  9. Dentre os quais Alain Pellet, Hildebrando Accioly, Celso D. Albuquerque Mello e Valério Mazzuoli.
  10. . Disponível em: http://www.iciss.ca/report2-en.asp. Acesso em: 27/11/2009.
  11. RODRIGUES, Simone Martins. Segurança Internacional e Direitos Humanos: a prática da intervenção humanitária no Pós-Guerra Fria. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 126-127.
  12. Idem.
  13. A força simbólica dos direitos humanos é explicada no sentido da representação do real. NEVES, Marcelo. A força simbólica dos direitos humanos. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Coords.). Direitos sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2008.
  14. "NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS

a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra,que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla."

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Sobre os autores
Luiz Márcio Siqueira Júnior

Mestrando em Direito Público pelo Programa de Pós-graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).Advogado.

Francine Machado de Paula

Pós-graduanda em Ciências Penais pelo Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogada.

Andréa Cristina Correia de Souza Renault Baêta dos Santos

Pós-graduanda em Direito Notarial e registral pela Faculdade de Direito Milton Campos. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Oficial Substituta do 4 º Ofício de Registro de Imóveis de Belo Horizonte

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIQUEIRA JÚNIOR, Luiz Márcio ; PAULA, Francine Machado et al. Direito Internacional Humanitário.: O simbolismo dos direitos humanos na intervenção humanitária na Somália. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2518, 24 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14875. Acesso em: 16 abr. 2024.

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