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Fundamentos de segurança social

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23/05/2010 às 00:00
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SISTEMA POLICIAL

Atualmente, não se pode falar que há um sistema policial. O trabalho policial é realizado estanquemente, falta coordenação. Uma Secretaria de Salvaguarda Social poderia ser a solução. As Secretarias de Defesa Social, recém-criadas, mostram-se um exagero na denominação, por não cuidarem da inteiração social, a cargo de outras Secretarias, que realizam seu mister embasadas em poder de polícia peculiar à responsabilidade, à missão de cada uma.

Havendo sistema e coordenação, a inócua discussão de integração, fusão, unificação de polícias, seria sepultada de vez. Necessitamos de colaboração recíproca, interação policial, que não é o mesmo que integração.

Além do mais, fala-se em fusão da PM com a PC, porque a grande ameaça, hoje, é a criminalidade. Se amanhã a grande ameaça for, por exemplo, um desastre, vamos fundir a Força Estadual com o Corpo de Bombeiros? Mas, essa fusão já ocorreu e não deu certo!... Os corpos de bombeiros foram sucateados, pois, as verbas eram para comprar somente radiopatrulhas. Atualmente autônomo, o Corpo de Bombeiros é uma instituição competente, produtiva de que nos orgulhamos. E se tivermos uma grave epidemia de dengue, de "gripe suína", alguém vai sugerir fusão da Força Estadual com a Polícia Sanitária?

Com os modernos recursos tecnológicos, fala-se com o mundo. Não é necessário que instituições policiais compartilhem a mesma planta física. Insiste-se que se deve propugnar pela interação policial, através de um efetivo sistema de defesa social.

De passagem, um lembrete: inteiração, integração e interação são situações distintas que, às vezes, erroneamente, são empregadas como sinônimas.


SÍNDROME DE VIOLÊNCIA URBANA

Outro aspecto a ser considerado é a Síndrome de Violência Urbana ou Neurose de Próxima Vítima. Há casos esdrúxulos, como a disputa contábil, quando uma pessoa se "vangloria" de que já foi assaltada mais vezes que a outra, ou de indivíduos que não mais dirigem, com receio de ser assaltado, ou, ainda, aqueles que não vão a Nova York, com medo de estar em um avião que vai ser explodido.

Há pessoas que sofrem com a ilusão de isotopia, isto é, a sensação de que se está no lugar onde ocorre a violência, ou que, logo, logo, essa violência chegará ao local onde se vive. Se, morador de uma cidade no sul, ouve que em uma cidade do norte houve fuga de presos, imediatamente corre para fechar portas e janelas.

Como viver em um ambiente de insegurança? Com precaução e informação. Qualquer que seja o local onde se esteja, há precauções mínimas a serem tomadas que, repetidas, tornam-se um saudável hábito.

E, aqui, o terceiro aspecto, a informação. Mas, a informação sobre a violência é deficiente! De fato, sobre a violência, constata-se haver muita notícia (sensacionalista) e pouca informação. A informação sobre a violência não é qualificada, não orienta, não forma, não educa.

A mídia, também, poderia se envolver mais, participar mais.

Somos campeões de violência e, paradoxalmente, também somos campeões no combate à AIDS. É que, no segundo caso, há informação de qualidade, há campanhas efetivas que motivam pessoas e comunidades a se engajarem nesse esforço. Some-se a isso o fato de a pesquisa sobre a violência ser bastante incipiente, o que não ocorre em relação à AIDS.


EXCLUSÃO SOCIAL

Quanto à violência da exclusão social, a efetividade de seu combate é discutível (aceitas as premissas de que eficiência é a capacidade de produzir um resultado, eficácia é a capacidade de produzir um resultado com qualidade e efetividade é a capacidade de produzir um resultado com qualidade e objetividade).

Discutível porque as políticas sociais são, apenas, de governo (ou de partido), quando deveriam ser de Estado, o que lhes garantiria, minimamente, a continuidade.

Alguns programas são bons, sob a ótica de transferência de renda, mas, pecam ao nada exigirem em contrapartida.

Outra questão diz respeito à distopia social ou funcionamento anômalo de órgãos sociais, observadas na ausência ou mau funcionamento de agências governamentais que deveriam contribuir, principalmente, para a evolução social.

Um exemplo de boa iniciativa é a ventilação de favelas, através de arruamento e verticalização.


O CÍRCULO VICIOSO DA VIOLÊNCIA

Há manifestações de violência em um perverso círculo vicioso, que demonstra a pouca efetividade das ações.

A origem estaria em políticas sociais descontínuas e/ou inadequadas, em razão de seus objetivos ou serem tímidos, que, quando alcançados, sempre se apresentaram como paliativos, ou serem arrojados demais, o que não lhes garante a plena consolidação.

Esse erro faz persistir e aumentar a marginalização, além de ensejar o florescimento de subculturas, em ambientes onde há prevalência de regras e valores comunitários, localizados, em detrimento de regras e valores sociais, de caráter geral. Surgem, em decorrência, e não apenas ali, os desvios de conduta, as infrações administrativas, as contravenções, a permissividade, dando origem a uma marginalidade emergente. À maior frequência e incidência de crimes, soma-se o ingrediente da crueldade.

Em razão de anacronismos – de leis, de ritos e de rotinas, da processualística penal – reina uma sensação de impunidade entre os marginais, que, então, se organizam em quadrilhas, com seus bem estruturados sistemas de informação, planejamento, operações, administração e logística.

Há muitas notícias, mas poucas informações, que são decodificadas como estímulo, pelos iniciantes no crime, ou provocam indignação e revolta na sociedade civil. Esta se mobiliza, cobra correções, atitudes e soluções dos políticos. A sociedade política se agita, cria comissões, aprova e executa projetos de políticas sociais. Quase sempre inadequadas, inexequíveis e inaceitáveis por serem políticas de governo e/ou de partido, quando deveriam ser de Estado. Enfim, inexatas! O ciclo perverso se reinicia, por absoluta falta de efetividade.


VIOLÊNCIA, PROBLEMA POLICIAL?

Durante certo tempo, os organismos policiais mais visíveis foram criticados, taxados de incompetentes por não suportarem a avalanche da violência, ao realizarem seu trabalho de contenção (prevenção e repressão) criminal. (Ainda, de passagem, embora o desempenho das polícias administrativas seja de fundamental importância, não recebe críticas, por não ter rosto, por ser realizado, quase na totalidade, em gabinetes).

Posteriormente, foi aceita a tese de que a violência é menos um problema policial que um grave e complexo problema social, com a aceitação do argumento de que órgãos policiais ostensivos e/ou judiciários não atuam nas causas nem nos efeitos da violência. Essas instituições trabalham na Causalidade, no vértice de causas e efeitos, isto é, para onde fluem causas e refluem os efeitos.

Um grande equívoco, então, em relação ao estudo da violência foi desfeito com a mudança de foco. Se, até então, a preocupação era com "o quê" está acontecendo (no gênero-ameaças, ênfase para a espécie-crime), constatou-se surgimento de uma corrente que começa a se preocupar com o "porquê" (exame de vulnerabilidade) está acontecendo.


INSERÇÃO SOCIAL

A pesquisa chegou à inserção social, o preparo para a convivência harmoniosa e pacífica, e à reinserção social, o trabalho de correção de desvios sociais.

O processo da inserção social compreende a inclusão social (onde se dá a conhecer e se estimula a prática de direitos sociais) e a integração social (onde se dá a conhecer e se estimula a prática de deveres sociais). Já o processo da reinserção social se dá através da reinclusão social (reconhecimento de direitos sociais) e da reintegração social (reimplementação de deveres sociais).

Em razão da própria dinâmica da vida, o trabalho de inserção social é realizado simultaneamente com o trabalho de reinserção social que, por sua vez, somente é efetuado quando a inserção social se processa com falhas.

Nota-se que atitudes de inclusão e de reinclusão social têm tido sucesso, reduzindo a violência da exclusão social, porém, integração social e reintegração social se apresentam, hoje, como setores de vulnerabilidades, pois a violência da criminalidade tem índices socialmente intoleráveis.

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Ficou claro, também, que não há interdependência da violência da criminalidade e a violência da exclusão social. Vale dizer, nem todo marginal é marginalizado e nem todo marginalizado é marginal ou, no popular, nem todo pobre é criminoso, nem todo criminoso é pobre. Eventualmente, pode haver interligação, decorrente de fator correlato (ambiente, distopia, aliciamento, etc.).

Face a ênfase que vem sendo dada aos mecanismos de defesa, verifica-se incremento no esforço da mitigação de ameaças, que, porém, particularmente em relação ao crime, ratifica-se, não vem conseguindo reduzi-lo a níveis toleráveis.

Possivelmente isso se deve à flagrante depreciação dos trabalhos de integração e reintegração sociais, realizados pelos instrumentos de proteção, provocando surgimento de vulnerabilidades, fragilizando a proteção social.

Essa desconceituação pode estar sendo a causa do atual enfraquecimento dos referenciais sociais estabelecidos, ensejando a que a violência passe a ser considerada, no momento, um fenômeno sociopolítico. É que, examinando o acordo social (fugindo da polêmica do pacto e do contrato social), verifica-se a existência de duas premissas básicas:

Há uma ordem social (conjunto de cláusulas sobre a estrutura e funcionamento do grupo social) e um caráter social (elenco de valores a serem respeitados e de regras a serem obedecidas).

Observa-se que esse acordo não vem sendo observado correta e plenamente, o que se constitui em uma grave vulnerabilidade civil. E, o mais grave, acobertados pelo manto de algumas instituições – que fazem a blindagem do organismo social, fixando o sacrossanto conteúdo da ordem e do caráter sociais – alguns de seus integrantes não se vexam em se locupletar, ainda que sendo os primeiros a descumprir o acordo social.

No geral, portanto, constata-se que a minimização (o ideal seria a correção) desse fenômeno sociopolítico, que é a violência no Brasil, exige providências políticas de base – políticas de Estado – reforçando os combalidos alicerces morais da sociedade brasileira.

No particular, governo e sociedade terão de unir forças para tapar fendas morais, por onde penetra a inquietante violência da criminalidade. É provável que seja muito importante a participação de assistentes sociais, para atuar a curto prazo, e de educadores, para atuar a curto, médio e longo prazos.


COMO REVERTER ESSE CICLO?

Para reverter este ciclo, é necessária uma atuação implacável em três grandes frentes: fortalecimento das instituições, que implica, necessariamente, em readquirir a credibilidade e recuperar a confiabilidade da população; correção de desvios dos referenciais sociais, o que implica em rever a preparação para o convívio social, sendo, principalmente – não seria exagero dizer – uma questão de Educação; engajamento social (governo e sociedade civil) para que as políticas públicas sejam de Estado e que as distopias sociais sejam minimizadas até serem eliminadas.


CONCLUSÃO

Ao final, acredita-se que a hipótese inicialmente apresentada pode ser melhorada, alterada para: A efetividade na proteção social é alcançada mediante controle de vulnerabilidades, mitigação de ameaças, exercício da cidadania (em seu sentido restritivo, de exercício de direitos) e entronização da societania (no sentido de conhecimento e prática de direitos e de deveres sociais).

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Sobre o autor
Amauri Meireles

coronel da Polícia Militar de Minas Gerais, policiólogo, ex-professor da Academia da Polícia Militar de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEIRELES, Amauri. Fundamentos de segurança social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2517, 23 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14904. Acesso em: 29 mar. 2024.

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