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Os precedentes judiciais no Brasil e a transcendência dos motivos determinantes em sede de fiscalização normativa abstrata

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25/05/2010 às 00:00
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4. DOS PRINCÍPIOS RELACIONADOS À TEORIA

É cediço que vários direitos e garantias processuais foram constitucionalizados com o advento da Carta de Outubro. Também é sabido que há diversos princípios processuais que defluem da cláusula geral do devido processo legal, insculpida no artigo 5º, inciso LIV, da CF/88. De qualquer modo, a título de didática, procede-se à divisão dos princípios relacionados à transcendência dos motivos determinantes em constitucionais e processuais.

4.1 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

De extrema importância é o cotejo acerca dos principais argumentos utilizados, pela doutrina e jurisprudência, para a defesa ou não da aplicação da teoria em apreço.

5.1 DOS ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES

O primeiro argumento contrário à vinculação da ratio decidendi é de ordem prática. É de conhecimento de todos que integram a seara jurídica o fato de que a grande maioria dos juízes possui elevada carga de trabalho. Com a instituição do CNJ e as várias campanhas de cumprimento de metas a intensidade do trabalho dos juízes se agigantou. Na contramão, foi expedida a "lei do estágio" (Lei 11.788/08) que regulamentando a atividade do estágio restringiu o número de vagas para estagiários, tendo em vista os diversos preceitos legais a serem observados. Tem-se como exemplo o artigo 12 da referida lei que torna obrigatório a cessão de bolsa ou outra forma de contraprestação, bem como auxílio-transporte na hipótese de estágio não obrigatório. Os tribunais, diante de suas prioridades e do orçamento limitado, por vezes decidem pela redução do quadro de estagiários. O déficit da quantidade de magistrados, diante da demanda da sociedade brasileira, e a hipertrofia da carga de trabalho destes profissionais têm como consequência sua alienação no tocante às decisões proferidas pelo STF. No caso das normas paralelas seria impossível exigir que o magistrado tivesse conhecimento de todas as normas tidas por inconstitucionais - pelo referido tribunal - provenientes dos 26 (vinte e seis) Estados da federação, do Distrito Federal, bem como dos mais de cinco mil municípios.

Sobre a parcela da fundamentação que deve transitar em julgado e, portanto, vincular, evidencia-se a problemática em se distinguir a ratio decidendi das questões obter dictum, de sorte a retirar um dos maiores objetivos da teoria, qual seja a segurança jurídica. É oportuno dizer que quando o STF decide, seus ministros proferem votos autônomos, com fundamentações próprias. O acórdão, por seu turno, é lavrado pelo relator, quando seu voto for o vencedor (artigo 38, inciso II, do RISTF). No entanto, este acórdão apenas dispõe sobre a decisão do tribunal (ex: procedência ou improcedência da ADI) não demonstrando qual a fundamentação utilizada como suporte. Isto traz enormes dificuldades, pois além de se diferenciar o que é obter dictum do que é ratio decidendi em cada voto, haveria a necessidade de se verificar o ponto em comum das razões de decidir dos votos vencedores. Nota-se que elas podem destoar completamente entre si, o que torna inviável a aplicação da teoria.

Resta observar que a vinculação da ratio decidendi das decisões do STF engessaria o Poder Judiciário, de sorte o violar o princípio da independência funcional do magistrado retirando a possibilidade deste julgar de acordo com a sua consciência. Além disto, não há instrumento jurídico que imponha o comportamento do magistrado em julgar determinado feito em um ou em outro sentido.

5.2 DOS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES

Inicialmente cabe explicitar que a análise da principiologia descrita no tópico 4 (quatro) integra a argumentação favorável à transcendência dos motivos determinantes. No entanto, este tema não será novamente tratado sob pena de repetições desnecessárias.

Passa-se a rebater os argumentos contrários à aplicação da teoria. O primeiro argumento, que é utilizado para demonstrar a excessiva carga de trabalho dos magistrados e a decorrente impossibilidade destes terem conhecimento dos julgados do STF em face de todos os entes da federação não é sustentável. De fato, muitos magistrados encontram-se assoberbados. Mas, não se exige que este tenha conhecimento de todos os julgados do STF. O que é imperioso é que o juiz acompanhe, ao menos, os julgados emblemáticos do Tribunal. Apesar de se tratar de mais de 5.000 (cinco mil) entes federativos, o órgão jurisdicional é apenas um. O mundo globalizado de hoje facilita o acompanhamento de suas decisões. A internet traz grande facilidade em acessar os julgados e torna imperioso o acompanhamento da jurisprudência pelo magistrado. O próprio STF organiza os julgados mais importantes e, pelo sistema push, envia os informativos via e-mail aos usuários. Não se exige que o magistrado tenha pleno conhecimento das decisões do STF, como já dito. É claro que em um ou outro caso pode ser que se decida de maneira diversa, o que será corrigido pela via recursal. No entanto, o magistrado não pode, por reiteradas vezes, persistir com o comportamento. Trata-se de dever funcional do magistrado ter conhecimento da jurisprudência do Tribunal Constitucional sob o qual exerce a atividade judicante.

No que diz respeito à dificuldade de se distinguir a ratio decidendi de uma decisão tendo em vista os votos autônomos dos ministros do STF, vale dizer que nem sempre todos os ministros estão presentes nas sessões de julgamento e, por conseguinte, não votam. Por vezes, na votação, um ministro acompanha, expressamente, outro ministro, inclusive na sua fundamentação, máxime quando se trata de precedente já consagrado. Estes fatores reduzem consideravelmente a problemática que envolve o tema. De se dizer, ainda, que, com o fluir do tempo e com a consolidação da teoria, o próprio Tribunal passará a delimitar qual a razão de decidir abraçada. É válido dizer que havendo impossibilidade de se delimitar a ratio decidendi basta que não se observe o precedente, pois, em verdade não foi fixado. Isto não retira a utilidade da teoria da transcendência, mas apenas a excepciona. Desta maneira, cumpre-se, da mesma forma, uma das finalidades desta teoria, qual seja, a segurança jurídica.

A propalada existência de violação do princípio da independência funcional do magistrado e o engessamento do Poder Judiciário não passam de sofismas. O magistrado, ao ingressar no Poder Judiciário, deve ter consciência de que ele participa de um todo. Convém abrir um parêntese para frisar que nos concursos públicos atuais, por vezes, a jurisprudência da Corte Constitucional possui maior peso que o próprio texto da Constituição. A exigência de se conhecer os precedentes fixados pelo STF corrobora a tese acima esposada. Percebe-se, por conseguinte, que quando o juiz integra os quadros do Poder Judiciário ele expressa anuência de agir em conformidade com o seu órgão de cúpula. Ele não pode almejar agir fundamentado na sua individualidade e sobre o que pensa a respeito do mundo, sob pena de praticar arbitrariedades. Cada indivíduo possui a própria pré-compreensão de mundo. Não se deve deixar questões constitucionais ao livre arbítrio de cada pré-compreensão quando há precedente fixado pela Corte. É oportuno assinalar que o sistema de controle difuso adotado pelo Brasil, como é sabido, advém do sistema norte-americano, em que vigora o stare decisis (sistema de precedentes judiciais) que se utiliza da vinculação dos órgãos do judiciário a partir do binding effect (efeito correspondente ao efeito vinculante adotado no sistema brasileiro), o que ratifica a necessidade de se consolidar a transcendência dos motivos determinantes. Mesmo neste sistema, não se encaixa a expressão "engessamento", uma vez que o magistrado não deixa de proceder ao distinguishing, o que denota atividade normativa criadora. De qualquer modo, o magistrado sempre criará a norma individual, toda vez que proferir decisão de mérito.

Quanto à citada inexistência de mecanismo jurídico que imponha o comportamento do magistrado em julgar determinado feito em um ou em outro sentido cabem algumas considerações. Foi mencionado no tópico referente aos princípios relacionados à teoria da transcendência dos motivos determinantes que o princípio da boa-fé processual dirige-se também ao magistrado. Também foi dito que o juiz que, sabidamente, destoa de interpretação constitucional fixada em precedente do Tribunal Constitucional age com caráter protelatório, uma vez que se destranca a via recursal até a última instância. Ao não observar a norma de conduta imposta pelo mencionado princípio o magistrado incorre em ilícito processual. Neste particular, é interessante observar que o artigo 14 do CPC, que arrola os deveres dos sujeitos processuais, não encerra rol taxativo. Sendo assim, abre-se a possibilidade de sanção administrativa ao magistrado que, reiteradamente e conscientemente, não observa os precedentes judiciais da Corte Constitucional.

Estes precedentes judiciais devem ser enaltecidos e observados, pois ao proceder à referida interpretação constitucional, o STF, em consonância com a força normativa da constituição, lança mão do princípio da unidade da Constituição (de maneira a se interpretar as normas constitucionais como integrantes de um sistema interno e unitário), do princípio do efeito integrador (que dá primazia ao favorecimento da integração política e social e reforço da unidade política), do princípio da máxima efetividade (com a atribuição de sentido às normais constitucionais que lhes empreste maior eficácia), do princípio da conformidade funcional (para que não se subverta ou perturbe o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido), do princípio da concordância prática (que impossibilita o sacrifício de um bem constitucionalmente protegido em detrimento da afirmação de outro) e do princípio da interpretação conforme (para que diante de normas infra-legais polissêmicas dê-se prevalência à interpretação compatível com a constituição).

Fica evidente que, ao realizar a exegese Constitucional, o Tribunal exerce uma atividade que resguarda a ordem constitucional como um todo, de maneira a fazer prevalecer o entendimento, globalmente considerado, que mais se adéque a este fim. A interpretação que decorre desta atividade, é de se dizer, se confunde com a própria Constituição. Desta feita, o monopólio da exegese constitucional não pode ser desrespeitado por juízes de primeira instância ou tribunais inferiores, que possuem espectro de análise constitucional reduzido em relação à Corte Suprema. Em outras palavras, os magistrados e os tribunais de menor grau de jurisdição diante do caso concreto não possuem o mesmo raio de visão do Tribunal Constitucional, que sopesa diversos fatores extraprocessuais, com vistas a resguardar a ordem Constitucional.

Cabe anotar a visão de CARVALHO (2008, p. 464) sobre o fenômeno transcendente:

Ao reconhecer efeitos transcendentes das decisões de inconstitucionalidade, põe-se em controle abstrato, para alcançar os fundamentos da decisão, invocados pelo Tribunal, o Supremo Tribunal Federal reforça o exercício da função interpretativa e de enunciação da Constituição, é dizer, de construção e reconstrução do sentido e alcance do texto constitucional brasileiro.

Verifica-se que a visão do referido autor se coaduna com a deste trabalho, no sentido de que a transcendência dos motivos determinantes decorre da função institucional do STF de construção e reconstrução do sentido e alcance da Lei Fundamental. Convém acrescentar, diante do exposto, que parte-se da premissa que os magistrados que judicam no Pretório Excelso possuem maior conhecimento jurídico e maior experiência que os demais, o que enseja maior qualidade nas suas decisões, reforçando a necessidade destas serem observadas nos seus diversos aspectos.

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Convém relatar o fato de que alguns julgadores, inclusive do STF, apesar de observarem a ratio decidendi fixada, resistem em reconhecer a aplicação da transcendência dos motivos determinantes. Esta resistência baseia-se no desconforto que qualquer mudança enseja, na falta de familiaridade com a cultura dos precedentes e no intuito de se evitar eventuais críticas, como a que remete ao engessamento do judiciário. É assim que existem julgados nos quais, apesar de decidirem em conformidade com os precedentes e a teoria em estudo, não o fazem de maneira explícita, falseando o caminho percorrido por intermédio de outros instrumentos jurídicos. Exemplo que evidencia a referida conduta é a reclamação 4987 MC/PE, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes. Nesta relação processual, o reclamante explicitou a violação dos fundamentos determinantes de decisão proferida pelo STF em sede de ADI. O Ministro relator se pronunciou com os seguintes dizeres:

Creio que tal controvérsia reside não na concessão de efeito vinculante aos motivos determinantes das decisões em controle abstrato de constitucionalidade, mas na possibilidade de se analisar, em sede de reclamação, a constitucionalidade de lei de teor idêntico ou semelhante à lei que já foi objeto da fiscalização abstrata de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.

A partir da transcrição fica demonstrado que o citado Ministro utilizou-se da transcendência dos motivos determinantes na roupagem de controle difuso de constitucionalidade em sede reclamatória. A reclamação, mesmo diante da evolução descrita alhures, possui objeto limitado não sendo hábil a comportar controle difuso de constitucionalidade. De se reiterar que houve, de fato, a aplicação da transcendência dos motivos determinantes. Esta conduta tomada por diversos juízes e tribunais, sob diferentes expedientes, em verdade, fortalece a teoria, pois apesar de não lhe dar o devido mérito, cumpre os seus objetivos.

Ainda sobre os precedentes judiciais, é de grande importância asseverar que a sua observância é mais vantajosa do que a dos enunciados de Súmulas. É sabido que são os precedentes que dão suporte a estes enunciados. Neste processo, generalizam-se as razões de decidir. Muitas vezes esta generalização perde a sua referência e, mesmo assim, continua a ser seguida, permitindo eventuais prejuízos aos jurisdicionados. A título de se exemplificar a citada perda de referência, traz-se o enunciado de súmula n. 119 do STJ [18], que continua a ser observado. Em seu texto, orienta que a ação de desapropriação indireta prescreve em vinte anos. Quando o STJ publicou este enunciado ele utilizou-se de precedentes (Resp 8488 e 30674) segundo os quais, na desapropriação indireta, enquanto a administração não houver adquirido, pela usucapião, a propriedade do bem, o indivíduo ainda é o proprietário. Destarte, antes da prescrição aquisitiva seria possível a ação de reintegração de posse. É cediço que a única usucapião que pode ocorrer em benefício da administração pública é a extraordinária, que à época perfazia o prazo prescricional de 20 anos (artigo 551 do CC/1916) para aquisição do imóvel. Ocorre que a legislação foi alterada (artigo 1.238 do CC) e o prazo para a usucapião extraordinária passou a ser de 15 anos. Não obstante a isto, o STJ continua aplicando o enunciado de Súmula.

Notadamente a utilização dos precedentes ganha relevo, uma vez que, diferentemente dos enunciados de Súmula (preceitos genérico-abstratos), que estabelecem um enunciado prescritivo formal, o sistema dos precedentes parte do problema particular, ou seja, procede à comparação analógico-concreta (particular a particular).

Fundamental, neste ponto, são os ensinamentos de BRONZE (1975, p.203):

Quando – tendo tudo isto em vista – se puder concluir pelo parentesco tipológico dos dois casos (isto é, quando o problema particular do caso precedente tiver sido constituído também com fundamento nas mesmas intenções ou princípios normativos do caso decidendo, o fundamento jurídico da decisão do precedente, a sua ratio decidendi, passa a ser o critério normativo do caso decidendo. De modo que identidade aqui em causa (a identidade existente entre o caso precedente e o caso dicidendo) é analógico-concreta.

Pelas palavras do autor a respeito da identidade analógico-concreta e de acordo com o acima esposado, verifica-se que a aplicação dos precedentes judiciais, com a utilização da transcendência dos motivos determinantes, evidencia-se como melhor técnica jurídica, conquanto mantém a referência da ratio decidendi, permitindo que o aplicador do direito verifique as particularidades dos casos postos em juízo, de maneira a possibilitar o distinguishing, com ganhos em justiça, evitando uma fixidez extremada no sistema.

Por derradeiro vale dizer que a transcendência dos motivos determinantes tem espeque no artigo 102, §2º, da CF/88 [19], que dispõe que as decisões definitivas de mérito proferidas pelo STF em ADI ou ADC serão dotadas de efeito vinculante, de sorte a não restringir a vinculação ao dispositivo do acórdão. É certo que se o constituinte não diferenciou, não cabe ao intérprete fazê-lo, mormente quando vá de encontro a todos os princípios expendidos anteriormente. De se acrescentar que o mencionado não desclassifica a possibilidade de vinculação da ratio decidendi no que concerne à ADPF, pois também se cuida de controle abstrato de constitucionalidade. A Lei 9882/99 prescreve em seu artigo 10, §3º, que a decisão relativa à ADPF tem eficácia contra todos e efeitos vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público. O caput deste dispositivo, de sua vez, assevera que o STF fixará as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental, o que reitera aplicação da transcendência na espécie. De qualquer modo, a transcendência dos motivos determinantes é mandamento constitucional, uma vez que reforça a posição da Constituição como norma suprema e balizadora de todo o ordenamento jurídico.

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Sobre o autor
Túlio Fávaro Beggiato

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BEGGIATO, Túlio Fávaro. Os precedentes judiciais no Brasil e a transcendência dos motivos determinantes em sede de fiscalização normativa abstrata. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2519, 25 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14915. Acesso em: 5 nov. 2024.

Mais informações

Monografia de conclusão de curso, apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora como requisito à obtenção do título de bacharel em Direito, sob a orientação do Professor Mestre Renato Chaves Ferreira, nas áreas de concentração em Direito Constitucional e Direito Processual Civil.

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