5. A Eficácia do Sistema de Solução de Controvérsias.
Depois da exposição das vantagens e problemas que envolvem o uso efetivo da retaliação cruzada, algumas perguntas vêm à tona: a sua efetivação por si só garantiria a eficácia do Sistema de Soluções de Controvérsias OMC? Sendo a retaliação cruzada o último recurso e atualmente o único mecanismo de indução potencialmente lesivo que dispõem os países em desenvolvimento contra os desenvolvidos, seria ela capaz de induzir de fato ao cumprimento das decisões da OMC? Será que o mero recurso à retaliação cruzada já não seria uma prova do fracasso do Sistema que se baseia predominantemente na mediação e no multilateralismo? Existem outros mecanismos que podem ser incluídos no Sistema que garantiriam a sua eficácia?
O Sistema de Solução de Controvérsias da OMC é festejado, e por muitos considerados, como o único Sistema de responsabilização internacional que de fato é eficaz. Os que acreditam nesta assertiva destacam que a maioria absoluta das contendas são resolvidas na fase das consultas, ou durante os procedimentos dos painéis, com base nas conciliações e nas mediações que são propostas repedidas vezes ao longo do procedimento. Ainda, acreditam que caso se chegue à fase de implementação, estas serão facilmente executáveis através das propostas de compensações e das autorizações de contramedidas, confiando na sobretaxa de produtos ou nas retaliações cruzadas.
Todavia, esta visão legalista e simplista do Sistema não é o que acontece na prática. O mundo do comércio internacional é cruel e na sua essência é regrado muito mais pelo poderio econômico dos seus agentes do que pelos dispositivos legais. Por isto um mecanismo de implementação forte é necessário para garantir a eficácia das regras do comércio internacional. Levando em consideração que as práticas ilegais dos subsídios iniciaram em 1999 e perduram até 2010, são onze anos que o Brasil e demais países interessados do mundo sofrem prejuízos com as práticas consideradas ilegais.
Gregory Shaffer citando Hudec (2007, p. 182-183) destaca que "os países maiores e mais poderosos – acostumados a viver sob normas projetadas a seu favor – tendem a buscar sempre um resultado menos equilibrado. Para eles, o pacote ideal de sanções seria aquele que funciona muito bem contra os outros, mas não tão bem contra eles. Esta tendência – também deve ser considerada para explicar o porquê das sanções da OMC funcionarem como funcionam atualmente".
Alberto do Amaral Júnior enfatiza que "os aperfeiçoamentos do ESC não solucionaram o problema da assimetria do poder na fase de execução das recomendações do Órgão de Soluções de Controvérsias. A Ausência de um mecanismo eficaz que assegure a execução das decisões e garanta o ressarcimento dos danos beneficia países desenvolvidos em prejuízo das nações em desenvolvimento". E aponta quatros razões para tanto:
1) Os remédios previstos, quando aplicados pelos países desenvolvidos ao comércio com as nações em desenvolvimento, tendem a ser mais eficazes e exercem maior pressão devido a importância do seu mercado consumidor;
2) As sanções impostas pelas nações em desenvolvimento lhes acarretam efeitos econômicos consideráveis, dada a sua maior dependência em relação ao países desenvolvidos;
3) Os países desenvolvidos se abstêm de executar as recomendações porque não há instrumentos que os forcem a proceder dessa maneira; e
4) As regras atuais incentivam a manutenção da medida incompatível por longo período até que se concluam todas as fases do contencioso, sem que o membro violador sofra alguma sanção. (2007, p. 115)
Sobre a prática comum dos países desenvolvidos em procrastinar os feitos, Shaffer (2007, P. 181-182) destaca que a principal razão para isto está no fato de que as sanções da OMC estão voltadas unicamente para perspectivas de futuro. "Isto é, as sanções parecem coibir aquelas perdas que se iniciam a partir da data da adoção das medidas, e não da data da violação. (...) Como resultado, os réus simplesmente fecham seus mercados sem incorrer em nenhuma sanção por anos a fio", e por fim conclui:
O incentivo à procrastinação na litigância possui efeitos que são particularmente observados no uso de salvaguardas ou medidas de proteção. Mesmo que um país venha a perder num caso de salvaguarda, ele pode vir a fechar seu país à importação, por quase três anos sem que haja nenhuma conseqüência. Para medir a eficiência de um sistema, deveria ser levado em conta o impacto que a lei exerce sobre o comportamento da parte e não quantas vitórias ela obteve nos Tribunais. Para sabermos se os casos foram bem sucedidos, devemos observar o comportamento do país no que tange ao uso das medidas de proteção de que ele dispõe.
A distorção existente no sistema pode ser observada na decisão WT/DS267/ARB/1 do caso base deste estudo, a começar pela enorme disparidade de valores das contramedidas que os árbitros entenderam como adequados e os solicitados pelo Brasil. Este, seguindo a Jurisprudência da OMC, baseou o seu pedido de acordo com os prejuízos globais gerados pelo programa GSM 102 dos EUA, e chegou ao valor de US$2.681 bilhões (vale destacar que em outros pedidos este valor chegou até US$ 4 bilhões). Contudo, a decisão não levou em consideração o prejuízo mundial, mas somente o prejuízo brasileiro e se chegou a um valor considerado adequado de US$ 294,7 milhões, ao contrário do que sempre foi decidido em outras contendas do OSC.
Ainda, causou estranheza o fato de não se adotar o argumento brasileiro, baseado no caso precedente das Bananas, de que a ausência de efetividade seria a falta de capacidade de induzir o cumprimento da decisão da OMC. Em vários momentos da decisão os Árbitros enfatizaram que a capacidade de induzir a implementação da decisão não é o ponto central da discussão sobre a efetividade, mas sim se a parte teria a capacidade e a possibilidade de implementar a retaliação, que no fim teria o poder de induzir a implementação. (itens 5.79 e 5.81 da decisão). Ora, esta argumentação é diretamente contrária a própria lógica da autorização para suspensão das concessões e obrigações do art. 22.3(c) do ESC, que foi criada justamente para induzir os países violadores resistentes a implementarem o relatório do OSC.
Por fim, vale destacar a grande dificuldade da decisão em se dar uma autorização direta para se retaliar entre acordos, sem rodeios e pormenores, em um caso como o do algodão que estava bem claro que a razão se encontrava do lado brasileiro. Rejeitaram-se a grande maioria dos argumentos do Brasil, e a todo momento da decisão os Árbitros fizeram questão de destacar que não ficou provada que a retaliação somente em bens não seria viável ou efetiva, mas que diante das circunstancias graves que envolviam o caso, e as dificuldades em se encontrar outros fornecedores para os produtos sobretaxados, estaria autorizada a suspensão das concessões, se e somente se, fossem ultrapassados um limite, ou "gatilho", por eles determinados.
É possível perceber em toda a decisão WT/DS267/ARB/1, mas principalmente nestas partes, que os Árbitros se acautelaram de todas as formas para conceder a retaliação cruzada, que diante da complexidade do caso é até natural. Mas não há como negar que a autorização da suspensão de concessões do art. 22.3 (c) do ESC para um país em desenvolvimento do tamanho do Brasil, ainda é bem dificultosa e não parece agradar os países desenvolvidos. Conceder uma retaliação de grande vulto e nos termos que foram requeridos pelo Brasil poderia dar ainda mais confiança aos países em desenvolvimento em buscar este tipo de retaliação, o que não seria de nenhum interesse para os membros mais ricos da OMC.
Na verdade, o uso efetivo da retaliação cruzada interessa muito mais aos países em desenvolvimento. Um país desenvolvido dificilmente conseguirá provar junto aos árbitros do OSC que a retaliação em um mesmo acordo não será praticável e efetiva a ponto de se autorizar uma retaliação cruzada. Mesmo o Brasil por ter uma economia considerada grande e diversificada teve dificuldades em conseguir a autorização para retaliar. Tanto foi assim que as decisões WT/DS267/ARB/1 e WT/DS267/ARB/2 estabeleceram um gatilho para este tipo de retaliação em um nível da qual a sobretaxa somente em bens não seria mais praticável e efetiva. Poder-se-ia concluir que atualmente somente países em desenvolvimento como Índia, Brasil, e África do Sul, possuem economias suficientemente "modestas" a ponto de conseguir a autorização para a retaliação cruzada e suficientemente "grandes" para se conseguir efetivá-las, o que não deixaria de ser uma bela de uma contradição. Todavia, esta é uma afirmação que não pode ser concluída, simplesmente porque não se tem exemplo práticos suficientes para comprová-la.
Daí porque o caso do algodão entre Brasil e EUA se torna emblemático. Nunca na história da OMC um país em desenvolvimento retaliou um país desenvolvido, e pela primeira vez isto tem chance de acontecer. Toda a confiabilidade no Sistema está posta em prova, tendo em vista que se chegou agora até o ultimo recurso disponível no Sistema de Solução de Controvérsias. Caso fique provado que nem mesmo o Brasil, com o seu poderio econômico privilegiado em relação aos países em desenvolvimento, conseguirá induzir o cumprimento da decisão da OMC, qual membro poderá confiar na eficácia do Sistema de Solução de Controvérsias? Seria assim o começo da ruína do Sistema atual e esperança na mudança para um Sistema mais efetivo? Ou ao contrário, caso se prove que a retaliação cruzada surtiu todos os efeitos benéficos previstos pelos seus criadores, seria este um sinal nítido que o Sistema é confiável e qualquer mudança seria um mero capricho?
A intenção concreta do Brasil em efetivar a retaliação externada através das Resoluções nº 74/2009 e nº 15 e nº 16 ambas de março de 2010, começam a surtir os primeiros resultados concretos. A Resolução nº 15, após listar 102 produtos americanos que seriam sobretaxados entre 12% e 100% com vigor a partir de 07 de abril de 2010, levou autoridades de peso do governo americano, um dia antes do final do prazo, a anunciarem uma proposta de acordo, solicitando um adiamento do inicio da efetivação das contramedidas, o que foi concedido pela CAMEX, através de sua Resolução de nº 19 de 05 de abril de 2010 e também da Resolução nº 20 de 20 de abril de 2010, que protelou o início das retaliações para o dia 21 de junho de 2010 [26].
Brasil e Estados Unidos assinaram em 20/04/2010 um "Memorando de Entendimento" no âmbito do contencioso do algodão. O memorando estabeleceu o marco jurídico entre os dois países que permitiu a criação de um fundo para a transferência de recursos que serão destinados ao setor cotonicultor brasileiro no valor de US$ 147,3 milhões, o qual operaria até que o governo americano suspenda os subsídios ou haja um acordo final sobre a disputa com o Brasil [27]. Os EUA também se comprometeram a uma negociação bilateral de novos termos para o funcionamento do programa de garantia de crédito à exportação GSM-102, que subsidia compradores estrangeiros do algodão estadunidense [28]. Por fim, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA sigla em inglês) abriram em 16 de abril de 2010 consulta pública para reconhecer o Estado de Santa Catarina como livre de várias doenças, tais como a febre aftosa, que afetam bovinos e suínos, na prática tirando da gaveta um processo que pode levar à abertura de exportações de carnes para o mercado americano [29]. Tudo isto está em negociação que tem até o dia 21 de junho de 2010 para encerrá-las, caso contrário as retaliações em bens e em TRIPS poderão retomar o seu curso normal, o que é um ponto favorável para o Brasil na negociação.
Pode-se, portanto, dizer que o oferecimento do acordo demonstra que a autorização para a retaliação cruzada atingiu o seu objetivo maior de indução ao implemento da decisão da OMC? Garantida estaria a eficácia do Sistema de Solução de Controvérsias? Esta pergunta pode ter duas respostas a depender do ângulo em que for olhada a questão. O que o governo brasileiro mais queria era de fato a solução do caso. Melhor ainda se ela viesse através de um acordo antes mesmo da necessidade de se concretizar as contramedidas que iriam causar graves prejuízos na economia brasileira. Nesta perspectiva, e caso as negociações em volta do acordo proposto evoluem a ponto de se dar a contenda por finalmente encerrada, pode-se dizer, a princípio, que a retaliação cruzada garantiu a efetividade do Sistema de Soluções de Controvérsias da OMC.
Por outro lado, o que de fato fez com os EUA oferecessem um acordo depois de tanto tempo não foi a utilização efetiva da retaliação cruzada, mas sim a sua ameaça potencial, e não os prejuízos que a retaliação causaram. Neste aspecto, pode-se dizer que o oferecimento do acordo, em nada prova que a retaliação cruzada garantiu a eficácia do Sistema porque ela não chegou a ser utilizada de fato, sendo na verdade o acordo uma saída somente diante da ameaça da efetivação da retaliação cruzada, não tendo o presente caso nenhuma contribuição para a Evolução do Sistema, ou mesmo a comprovação de sua efetividade.
Todos os membros da OMC estão atentos para o desenrolar do caso. Se ao final o acordo não se concretizar e as retaliações de fato forem aplicadas ficará demonstrado que a retaliação de fato induziu os EUA a cumprirem a decisão, e muito outros países em desenvolvimento que não apostam no Sistema ou simplesmente não têm capacidade econômica e técnica para tanto sentirão muito mais confiança e buscarão conhecimentos para fazê-lo. Caso esta perspectiva falhe, a confiança no Sistema vai ruir, estar-se-ia mais uma vez perto da lei da selva do mercado internacional. E neste contexto os países em desenvolvimento não irão mais aceitar as regras impostas pelos países desenvolvidos, em um movimento parecido com o que existe hoje no impasse criado na rodada de Doha. Seguindo este raciocínio, os países em desenvolvimento proporão uma mudança imediata do Sistema, e terão os países desenvolvidos um grande dificuldade em contrapô-las.
Ao que tudo indica até o momento, se o caso dos subsídios do algodão se resolver de fato através de um acordo, perde-se uma excelente oportunidade para a evolução do Sistema de Solução de Controvérsias no que diz respeito a sua tão dificultosa fase de implantação. Ainda, mais uma vez não se saberá ao certo quais serão os efeitos da efetivação das suspensões das concessões e obrigações entre acordos, não havendo como de fato responder se estas garantem da eficácia do Sistema de Solução de Controvérsias.
5.1 – Propostas de mudanças no Sistema de Solução de Controvérsias.
O Sistema de Solução de Controvérsias tal como vigora hoje não é perfeito como se imaginava. Por mais que se tenha evoluído com relação ao Sistema do GATT ainda apresenta problemas principalmente na sua fase de implementação. A simples possibilidade de protelação injustificada do cumprimento da decisão já é falha suficientemente grave para se buscar a sua modificação. Um mecanismo efetivo de indução ao cumprimento da decisão é necessário para que os países em desenvolvimento confiem no Sistema de Solução de Controvérsias da OMC e através dele possam se proteger contra abusos cometidos pelos membros mais poderosos da Organização.
É claro que em um mundo ideal, seja na ordem jurídica interna ou internacional, o recurso a medidas de força para se fazer cumprir uma decisão já é por si só um fracasso. Sempre que se buscam métodos de coerção para se fazer cumprir uma decisão as probabilidades de êxito tendem a diminuir. Todavia, é justamente por causa disto que se deve elaborar instrumentos de indução inteligentes e eficazes que não frustrem as expectativas de reparação dos prejudicados.
Ao longo dos 15 anos de existência da OMC várias sugestões de alteração do ESC foram propostas visando justamente assegurar o cumprimento das decisões do OSC, bem como diminuir as perdas sofridas pelos membros que foram atingidos por violações. Logicamente existem muito mais propostas dos países em desenvolvimento do que dos países desenvolvidos, uma vez que as regras atuais lhe favorecem, como ficou bem explicado no item acima.
A primeira mudança proposta pelo México, que causou e ainda causa muita polêmica sobre a sua efetividade e viabilidade prática, é a compensação financeira ao país demandante através da aplicação de uma multa imposta ao membro infrator sempre que este não cumprir o relatório do OSC. Tal proposta tem um aspecto positivo de possibilitar ao país com economia menos favorecida de efetivamente ser indenizado pelos prejuízos que lhe foram ilegalmente causados, e tais recursos poderiam ser direcionados para os setores domésticos diretamente prejudicados com a prática contrária aos acordos e normas da OMC.
Sobre o aspecto negativo da proposta, Garbelini Junior destaca que "entre os pontos criticados, está a dificuldade de recolher tal penalidade, já que o ordenamento jurídico interno de muitos membros impõe uma seria de restrições para tanto, como as de natureza orçamentária, ou da observância da ordem cronológica de pagamento (precatórios), como ocorre no Brasil" (2007, p. 214), sem mencionar a ausência de uma autoridade supranacional com poderes para impor o pagamento desta multa, a exemplo do que ocorre com as decisões da Corte Internacional de Justiça em muitos casos. Outra crítica, diz respeito, à possibilidade dos países ricos "comprarem" a manutenção da prática ilegal, contrariando os princípios do livre comércio, mas que, todavia, pode ser um bom negócio para as duas partes, principalmente quando o pequeno país demandante com economia infinitamente menor que o demando ver-se impossibilitado de aplicar na prática a autorização de suspensão de concessões e obrigações concedidas, tal como ocorreu nos muitas vezes citados casos das Bananas com o Equador, e dos Jogos de Azar com Antigua.
Proposta interessante diz respeito à supressão da autorização do OSC nos moldes do art. 22.3 (c) para se retaliar em outros acordos como. As partes não precisariam mais demonstrar a falta de viabilidade ou efetividade para fazer a retaliação cruzada em GATS ou TRIPS, o que seria especialmente favorável para países em desenvolvimento do porte de Brasil, China e Índia, que podem encontrar dificuldade em conseguir a autorização. Até mesmo para países pequenos como Equador não é fácil provar a ausência de praticidade ou efetividade na retaliação somente em bens. O ponto negativo seria que neste caso o Sistema mudaria muito pouco e o problema da falta deliberada do cumprimento das decisões da OMC pelos países desenvolvidos não se resolveria a princípio.
O Equador, por sua vez, propôs a negativa de acesso ao Órgão de Solução de Controvérsias sempre que o membro demandado não cumprir a decisão que lhe foi imposta, com o fim de preservar a credibilidade do Sistema, e desencorajar a não implementação dos relatórios dos painéis e do Órgão de Apelação. Apesar de na teoria tal proposta se apresentar até certo ponto lógica, uma vez que não se pode dar acesso às proteções do Sistema para aquele que deliberadamente não o respeita em sua integralidade, o principal perigo em negar acesso ao OSC a um membro da OMC é o risco deste membro simplesmente se retirar da Organização e ainda levar outros membros consigo. Portanto, esta proposta ao contrário de solucionar o problema traz o risco desagregar a Organização o que não é nem um pouco interessante para o crescimento do comércio mundial. (WOLFF, 2008, p. 806). O contraponto a esta critica, por sua vez, é que todas as propostas de mudanças trazem este risco da saída de um ou outros membros da OMC. Mas as bases e os objetivos que levaram a criação da OMC seriam muito maiores o que praticamente afasta este risco. Os países membros não irão dissolver a organização simplesmente porque não agradam de uma ou outra proposta de mudança no Sistema de Solução de Controvérsias, mas ao contrário irão buscar um consenso ainda maior no sentido de reforçar cada vez a união em torno de um livre comércio cada vez mais amplo e mais forte.
O México, além da proposta de multa, apresentou inúmeras outras através do documento TN/DS/W/23. Sugeriu i) a introdução de mecanismos que permitissem a apuração do nível de anulação ou prejuízo sofrido pelo demandante já na fase inicial do painel; ii) pleiteou também que fosse possível a determinação retroativa dos prejuízos sofridos pelo demandante, com forma de acabar com o incentivo aos membros de atrasarem o cumprimento das decisões da OMC; e iii) finalmente defendeu a possibilidade de autorização da negociação do direito de suspensão de concessões entre os Membros da OMC. Isso facultaria a um Membro impossibilitado de encontrar um setor (acordo) no qual pudesse suspender a concessão sem prejuízo à sua economia, negociar com outro membro tal direito, ficando esse último autorizado a utilizá-lo contra o membro infrator. (GARBELINI JUNIOR, 2007, p. 213)
A proposta de retaliação multilateral com possibilidade de negociação do direito de suspensão das concessões e obrigações é que encontra maior apoio dos países em desenvolvimento e pode ser a grande saída para o problema da indução ao cumprimento das decisões da OMC. Esta proposta também foi defendida recentemente pelo Grupo Africano, Quênia, Cuba e Honduras, entre outros, e busca introduzir a retaliação coletiva na OMC. Todavia, tal instrumento só poderia ser usado por países em desenvolvimento contra países desenvolvidos. Acredita-se que a retaliação coletiva compensaria a debilidade econômica e política de certos Estados e seria de grande utilidade para instaurar maior equilíbrio entre os contendores. Alvo de critica dos países desenvolvidos, que enfatizam o seu particularismo, a sugestão formulada precisaria superar as objeções segundo as quais a retaliação coletiva estende a terceiros o direito adquirido pelo litigante em uma dada disputa. (AMARAL JUNIOR, 2008, p. 114).
A quantidade e a variedade das propostas apresentadas pelos países em desenvolvimento denotam a falta de confiança destes na eficácia do Sistema de Solução de Controvérsias, e na capacidade da retaliação cruzada por si só de induzir o implemento das decisões da OMC. A falta de confiança é nítida, e por mais que se possa falar que seja o melhor instrumento disponível estes não o querem aceitar como único. A retaliação multilateral, por sua vez, pode gerar os efeitos benéficos pretendidos quando da elaboração do art. 22.3 do ESC já que divide a responsabilidade e a possibilidade prática de aplicação das suspensões de concessões e obrigações entre vários países de médias e pequenas economias que sozinhos nunca a fariam.
Até o momento não há qualquer prova real de que a retaliação cruzada por si só pode garantir a eficácia do Sistema de Solução de Controvérsias da OMC. No caso do algodão foi a simples ameaça de se efetivar a retaliação, diante do poderio econômico brasileiro, que levaram os EUA a oferecerem um acordo para o Brasil, mas se esta ameaça não for mais suficiente e o próprio acordo for retirado sem a supressão dos subsídios ilegais? Poderia a efetivação da retaliação cruzada gerar prejuízos suficientemente graves em outros setores capazes de fazer com os EUA reavaliem a continuidade dos programas de exportação subsidiada? Este é uma pergunta, que por absoluta falta de experiência prática sobre a matéria, não é possível responder. Contudo, é possível com toda a certeza afirmar que um Sistema de Solução de Controvérsias da grandeza e da importância da OMC não pode ter como último recurso de coerção um instrumento que por seu único mérito não garanta o cumprimento das suas decisões. O Sistema não pode depender de um critério totalmente subjetivo como a percepção casuística de um país, que decidirá somente diante do caso concreto e do porte econômico do outro país, se a ameaça da retaliação é suficientemente grande para se oferecer um acordo ou simplesmente cumprir uma decisão. Esta é a insegurança que traz o Sistema de Solução de Controvérsias e a retaliação cruzada, que é sentida por todos os países em desenvolvimento.