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Três momentos do Estado de Direito

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Resumo:


  • O Estado de direito evoluiu ao longo do tempo, passando por três momentos distintos: o Estado liberal, o Estado social e o Estado democrático.

  • No Estado liberal de direito, o poder do Estado é limitado pela lei, com foco na liberdade individual e na não intervenção estatal nas relações econômicas.

  • No Estado social de direito, há uma ampliação do papel do Estado para garantir direitos sociais, econômicos e culturais, visando a uma sociedade mais equânime e igualitária.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

RESUMO: Este artigo tem por objetivo realizar uma breve abordagem do desenvolvimento do modelo Estado de direito, em três momentos distintos: o Estado liberal, o Estado social e o Estado democrático.

PALAVRAS-CHAVE: Estado; direito; liberalismo; Estado liberal de direito; Estado social; Estado democrático.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. ANTECEDENTES DO ESTADO LIBERAL: O DECLÍNIO DO SISTEMA DE PRODUÇÃO FEUDAL E O SURGIMENTO DO ABSOLUTISMO MONÁRQUICO; 2. O ESTADO LIBERAL DE DIREITO; 3. O ESTADO SOCIAL DE DIREITO; 4. O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO; REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é acompanhar, ainda que de modo sucinto, a evolução do Estado de direito, com o objetivo de fomentar o debate sobre a influência das ideologias políticas no universo jurídico, especialmente no desenvolvimento do direito constitucional moderno.

Na primeira parte trataremos dos antecedentes históricos que determinaram o surgimento da ideologia liberal, responsável pela transformação das relações entre o ente estatal e os membros do corpo social, com amparo nas obras de Perry Anderson e de Leo Huberman, cuja leitura considero indispensável.

Em um segundo momento analisaremos os postulados fundamentais da ideologia do liberalismo político e das consequências de sua adoção no que tange à imposição de limitações jurídicas à atuação do Estado.

No terceiro item será analisado o fenômeno do surgimento do Estado social de direito e as profundas transformações do papel desempenhado pelo ente estatal.

Finalmente, no quarto item será analisado o Estado constitucional de direito, modelo adotado pela Carta Constitucional Brasileira.


1. ANTECEDENTES DO ESTADO LIBERAL: O DECLÍNIO DO SISTEMA DE PRODUÇÃO FEUDAL E O SURGIMENTO DO ABSOLUTISMO MONÁRQUICO

A partir do século XIV teve início o processo de declínio do modo de produção feudal, o que representou a superação das complexas relações de suserania e vassalagem [01]. Estas não só legitimavam a exploração econômica do trabalho servil por estamentos parasitários como também impossibilitaram o surgimento dos Estados nacionalmente unificados, uma vez que o poder político era exercido em nível local.

Ainda que não tenha sido a causa única, o processo de declínio do feudalismo foi acelerado pelo sentimento difuso de desordem e de insegurança. Em inúmeros casos, os soldados dos senhores feudais "[...] não recebendo pagamento regular pilhavam, destruíam e roubavam" [02]. Essa caótica situação demonstrou que os senhores locais eram incapazes de assegurar a paz e de criar um ambiente propício à produção e circulação de riquezas.

Tornou-se evidente que era necessário o surgimento de um ente central forte que pudesse pôr ordem no caos que se havia instalado. Assim, iniciou-se um longo e intrincado processo de robustecimento do poder real, catalisado pelo enfraquecimento dos antigos senhores feudais, em decorrência da paulatina perda de suas propriedades.

Os reis, financiados pela burguesia mercantil em ascensão, tornaram-se capazes de equipar e treinar exércitos permanentes, o que lhes permitiu dispensar as despreparadas e, muitas vezes, pouco confiáveis tropas dos senhores feudais.

A manutenção de exércitos permanentes foi financiada pela instituição de tributos nacionalmente unificados, cuja arrecadação não mais dependia da atuação dos senhores locais. Essa nova concepção de financiamento da máquina estatal foi inaugurada na França de meados do século XV com a instituição da taille, um tributo nacionalmente unificado que em vez de ser pago em mercadorias, como ocorria anteriormente, era pago em dinheiro.

A nova concepção de tributo promoveu profundas transformações na estrutura estatal, já que as exações passaram a ser arrecadadas por um aparato administrativo formado por um corpo de burocratas que, em nome do poder central, era responsável pela organização das finanças e pela divisão racional do trabalho [03].

O resultado desse longo e complexo processo foi o surgimento dos Estados nacionais [04], nos quais o poder político era exercido de modo uniforme sobre vasta extensão territorial.

Assim, os reis se tornaram capazes de impor sistemas normativos unificados sobre vastas extensões territoriais, o que tornou necessária a criação de diversos órgãos estatais que assegurassem a aplicação do direito tais como a magistratura e a polícia.

É necessário salientar que a política econômica dos Estados nacionais era determinada por um conjunto assistematizado de ideias em cujo núcleo se encontrava a crença de que havia uma quantidade fixa de comércio e riqueza no mundo [05], o que tornava necessário "aumentar o poder do Estado diante dos outros Estados" [06]. Dessa forma, o avanço do poder econômico do estado só poderia ser feito mediante o incremento da exportação de mercadorias, ao mesmo tempo em que eram proibidas exportações de ouro e de prata. Toda essa complexa atuação tinha o objetivo de manter uma balança comercial favorável [07] a qualquer custo, de forma que era imprescindível "[...] exportar mercadorias de valor e importar apenas o que fosse necessário, recebendo o saldo em dinheiro sonante. Isso significa estimular a indústria por todos os meios possíveis, porque seus produtos valiam mais que os da agricultura e portanto obteriam mais dinheiro nos mercados estrangeiros" [08].

O fortalecimento do poder econômico das monarquias absolutistas só foi possível diante da intervenção estatal ampla e profunda no funcionamento dos mercados. Turgot, Ministro francês das Finanças, revelou, com precisão, o alcance das inúmeras e meticulosas intervenções estatais nas atividades desempenhadas pelos agentes econômicos levadas a cabo em um momento anterior à Revolução de 1789: "[...] Um cidadão não podia fazer nem vender nada sem ter comprado o direito disso, conseguindo alto preço, por sua admissão numa corporação. [...] Nem havia imaginado que um reino onde a ordem de sucessão fora estabelecida apenas pela tradição [...] o governo teria condescendido em regulamentar, por leis expressas, o comprimento e largura de cada peça de tecido, o número de fios de que deve ser formada, e consagrar com o selo da legislatura quatro volumes in-quarto cheios desses detalhes importantes, bem como baixar numerosas leis ditadas pelo espírito monopolista" [09].

O fortalecimento do poder político e econômico dos reis lhes permitiu atuar sem a observância de limites jurídicos objetivos. Dessa forma, o monarca absolutista era capaz de submeter a vida, a liberdade e a propriedade de seus súditos a sua vontade, ainda que caprichosa [10].

Com as Revoluções Burguesas dos séculos XVII e XVIII, o absolutismo monárquico ruiu e o liberalismo se firmou como ideologia dominante. Assim, consagrou-se a vitória de uma nova visão de mundo, marcada pela utopia da maximização da liberdade, concretizada no ideal de não intervenção estatal e na imposição de limites jurídicos a sua atuação.

Ao longo dos séculos, a despeito das inúmeras variações determinadas por peculiaridades do desenvolvimento histórico de cada sociedade, o arquétipo de Estado não intervencionista e de poderes limitados apresentou-se em diversas versões que, para fins didáticos, serão agrupadas em três grandes conjuntos: o Estado liberal de direito, o Estado social de direito e o Estado constitucional de direito, cujas principais características serão a seguir analisadas.


3. O ESTADO LIBERAL DE DIREITO

Os inúmeros abusos praticados e a excessiva intervenção nas atividades desempenhadas pelos agentes econômicos transformaram o Estado nacional absolutista no "[...] maior inimigo da liberdade" [11]. Tal crença serviu como principal força motora dos movimentos demoliberais dos séculos XVII e XVIII, que resultaram na consagração da ideologia do liberalismo e, consequentemente, na implantação do Estado de direito, modelo de Estado que tem em seu núcleo o ideal da "supremacia da lei sobre a autoridade pública" [12].

O balizamento da atuação do Estado, materializado na rejeição a qualquer intervenção em relação à atuação dos agentes econômicos e na imposição de limites jurídicos objetivamente fixados em normas genéricas e abstratas, conduziu a lei ao centro do debate político-jurídico e, consequentemente, o Poder Legislativo à posição de órgão supremo proeminente [13].

A atuação do ente estatal só seria, assim, considerada legítima se estivesse fundada em uma lei, entendida esta como um comando normativo genérico e abstrato [14], emanado do parlamento (órgão formado por representantes escolhidos pelo povo), após a observância de um procedimento normogenético próprio.

É oportuno salientar que o fenômeno do Estado de direito pode ser analisado sob uma dupla perspectiva: a material e a formal.

Sob a perspectiva formal, a locução Estado de direito designa a necessidade de atuação do ente estatal em estreita observância a comandos normativos emanados do Poder Legislativo, órgão capaz de expressar a vontade geral, porquanto formado por representantes do povo [15].

Sob uma perspectiva material, não basta que a manifestação estatal obedeça a uma determinada forma, eis que a legitimidade da atuação do Estado está indissociavelmente vinculada à observância de um conteúdo mínimo obrigatório que seja capaz de refletir os postulados fundamentais da ideologia liberal, dentre os quais podem ser citados como exemplos [16]: a) o ideal de Estado mínimo; b) o império da lei, entendida esta como expressão da vontade geral, capaz de regular a atuação estatal em todos os seus âmbitos; c) o reconhecimento da existência de uma norma hierarquicamente superior, impassível de modificação livre pelos detentores do poder político; d) a separação orgânica das funções estatais, com intuito de evitar a concentração de poder; e) o controle jurisdicional da atuação estatal; e f) o reconhecimento da existência de direitos e liberdades fundamentais.

De qualquer forma, a rejeição a toda manifestação de intervenção estatal conduziu ao ideal de Estado mínimo, no qual as funções a serem desempenhadas pelo Estado deveriam limitar-se "[...] à mera vigilância da ordem social e à proteção contra ameaças externas" [17]. Esse absenteísmo radical manifestou-se não só na rejeição a qualquer intromissão estatal nas relações econômicas, mas também na ausência de interferência nas relações privadas, o que permitiu a consagração do dogma da liberdade contratual.

É possível afirmar, dessa forma, que o Estado liberal surgiu como uma tentativa de maximização da liberdade, considerada esta "[...] em seus múltiplos aspectos: a liberdade pessoal, a propriedade privada, a liberdade de contratar e a liberdade de indústria e comércio, entre outras" [18].

É oportuno recordar que, ao contrário do que aponta o senso comum, o absenteísmo estatal não foi de todo ruim, já que permitiu a instalação de um ambiente propício ao desenvolvimento econômico e possibilitou a consolidação da Revolução Industrial [19]. Além disso, é necessário notar que "[...] o indivíduo foi valorizado, despertando-se a consciência para a importância da liberdade humana; desenvolveram-se as técnicas de poder, surgindo e impondo-se a idéia do poder legal em lugar do poder pessoal" [20].

No entanto, o individualismo exacerbado permitiu a valorização de comportamentos egoístas, que se materializaram na busca do lucro extremado, inconsequente e inescrupuloso, como registrou Huberman: "Pagavam os menores salários possíveis. Buscavam o máximo de força de trabalho pelo mínimo necessário para pagá-las. Como mulheres e crianças podiam cuidar das máquinas e receber menos que os homens, deram-lhes trabalho, enquanto o homem ficava em casa, frequentemente sem ocupação. A princípio, os donos das fábricas compravam o trabalho das crianças pobres, nos orfanatos; mais tarde, como os salários do pai operário e da mãe operária não eram suficientes para manter a família, também as crianças que tinham casa foram obrigadas a trabalhar nas fábricas e minas" [21].

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Em resumo, é possível constatar que a ideologia liberal não cumpriu com suas promessas, pois no campo político, o liberalismo não se mostrou forte o bastante para garantir a liberdade e a igualdade a todos os homens; sua pujança mostrou-se suficiente para dar proteção aos interesses e às liberdades dos detentores dos meios de produção. No âmbito econômico, o liberalismo não se revelou como um instrumento de justiça, já que mesmo após o triunfo das revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII, os indivíduos ainda viviam em sociedades divididas em castas, nas quais os menos favorecidos não haviam alcançado o direito à igualdade e não tinham meios de obter propriedade.

Essa conjuntura foi apropriada para permitir o surgimento de movimentos que demandavam mudanças no papel desempenhado pelo Estado – estavam assim lançados os alicerces fáticos sobre os quais seria levantado o Estado social de direito.


4. O ESTADO SOCIAL DE DIREITO

A passagem do Estado liberal de direito para o Estado social decorreu da necessidade de superação do individualismo exacerbado [22] que impôs ao Estado uma atuação orientada para o atingimento de finalidades previamente estabelecidas, mormente a criação de uma sociedade mais equânime na qual a igualdade material seria alcançada mediante a previsão e a concretização de direitos sociais, econômicos e culturais [23].

A isonomia material entre os indivíduos haveria de ser garantida mediante a alteração do papel desempenhado pelo Estado, pois se antes o absenteísmo estatal era a regra, com o advento do Estado social a igualdade haveria de ser assegurada mediante uma dupla atuação estatal: o aumento da intervenção estatal nas relações contratuais e a imposição de obrigações ao Estado, de forma que este passou a estar comprometido com a manutenção de prestações em favor de todo cidadão que delas necessitasse.

Em decorrência da relativização do dogma da autonomia da vontade, o Estado deixou de ser mero expectador para converter-se em um ente dotado do dever de promover intervenções legítimas em determinadas relações privadas, com o claro objetivo de estabelecer um equilíbrio jurídico diante de um inquestionável desequilíbrio fático.

Como as intervenções não se mostraram suficientes o Estado passou a comprometer-se com o oferecimento de serviços públicos específicos, que se materializariam sob a forma de prestações relativas à: saúde, educação, proteção à velhice e à invalidez. Note-se que de acordo com a moderna concepção de Estado social tais prestações não mais podiam ser vistas como um favor, mas como um direito público e, portanto, indisponível [24].

Apesar de ser constatável que o movimento de constitucionalização dos direitos sociais se iniciou no século XX, é necessário observar que há muito os Estados garantiam o pagamento de prestações materiais a seus súditos [25]. No entanto, tais prestações não se apresentavam como um direito público subjetivo, mas como um mero favor estatal, de forma que não era factível que se exigisse do Estado o cumprimento de seu dever.

Muitos são os exemplos de leis que impunham a atuação estatal no sentido de garantir a manutenção de prestações estatais como a poor act, promulgada na Inglaterra no ano de 1834, segundo a qual o indivíduo alienava seus direitos civis e políticos para ter seu sustento provido pela coletividade [26]. Na Alemanha, entre 1883 e 1889, Bismark incentivou a promulgação de uma legislação social previdenciária, para cobrir a incapacidade decorrente de acidentes de trabalho [27].

O Estado social de direito só encontrou condições propícias ao seu surgimento no início do século XX, como decorrência de diversos fatores, tais como a luta dos sindicalistas europeus pelo reconhecimento de direitos trabalhistas, o caos instaurado com o advento da I Guerra Mundial e a vitória dos bolcheviques russos em 1917. Tais acontecimentos serviram de pano de fundo no processo de promulgação da Constituição Mexicana e da Constituição da República de Weimar, marcos jurídicos do constitucionalismo social.

A Constituição Mexicana de 1917 [28], fruto da insatisfação contra as desigualdades econômicas, políticas e sociais em que vivia grande parte da população daquele País, causada, em parte, pela permanência de Porfírio Díaz na Presidência da República por mais de trinta anos. A nova Carta inaugurou uma era de constitucionalização dos direitos sociais e se caracterizou, principalmente, por um marcante intervencionismo estatal nas relações trabalhistas.

Assim, em decorrência da necessidade de assegurar tratamento isonômico entre seus cidadãos, a Constituição Mexicana de 1917 estabeleceu um dever de intervenção estatal direta nas relações trabalhistas ao prever que [29] toda pessoa tem direito a um trabalho digno, com jornada diária de oito horas. Com vistas a garantir o cumprimento desse objetivo, a Lei Fundamental Mexicana proibiu o trabalho de menores de 14 anos, instituiu a licença maternidade, o salário mínimo, proibiu a despedida arbitrária e criou o seguro social. Previa ainda a inovadora Carta Mexicana que "[...] os empresários eram responsáveis pelos acidentes do trabalho e pelas moléstias profissionais dos trabalhadores, em razão do exercício da profissão ou do trabalho que executarem; por conseguinte, os patrões deverão pagar a indenização correspondente, conforme a conseqüência decorrente seja a morte, ou simplesmente a incapacidade temporária ou permanente para o trabalho" [30].

Tais inovações permitem afirmar que a Carta Mexicana "[...] foi a primeira a estabelecer a desmercantilização do trabalho, própria do sistema capitalista, ou seja, a proibição de equipará-lo a uma mercadoria qualquer, sujeita à lei da oferta e da procura do mercado" [31].

A constitucionalização dos direitos dos trabalhadores representou uma verdadeira mudança de paradigma, pois as relações trabalhistas passaram a ser dotadas de uma nova natureza jurídica: a de direito constitucionalmente protegido. Com isso, aumentavam as chances de redução da possibilidade de exploração do homem pelo próprio homem sob a máscara da necessidade de respeito à liberdade contratual.

Na Europa, o processo de constitucionalização dos direitos sociais iniciou-se logo após o encerramento do conflito de 1914-1918, com a promulgação da Constituição de Weimar, que inaugurou a república em terras alemãs. A nova Carta marcou a transição definitiva do constitucionalismo de político para o constitucionalismo social em solo europeu [32], mudança cuja velocidade foi diretamente determinada pela vitória dos bolcheviques, que resultou na implantação do comunismo na Rússia, e pela necessidade premente de fornecimento de auxílio material à população alemã, duramente castigada pela Primeira Guerra.

Por haver sido poupada na Primeira Guerra e por não haver sido atingida pelas revoltas populares de 1918 e 1919, a pequena cidade de Weimar foi a escolhida para a reunião do Parlamento constituinte, que ocorreu entre fevereiro e agosto de 1919.

O ambiente de instabilidade social, econômica e política do pós-guerra, marcado pela inflação e pelo desemprego, foi um dos fatores responsáveis pelo engajamento da sociedade alemã no sentido de se conceber um regime democrático e mais humanitário.

A elaboração de uma Carta Constitucional que contemplava direitos de cunho social foi uma das alternativas encontradas pelo Estado alemão para amenizar a terrível crise socioeconômica que se instalou após a I Grande Guerra.

O texto inovador contemplava: jornada de trabalho de oito horas, prestações assistenciais aos necessitados, igualdade jurídica entre homens e mulheres, com o a introdução do sufrágio universal. A Carta Alemã "[...] criou um sistema de seguros sociais para poder, com o concurso dos interessados, atender à conservação da saúde e da capacidade para o trabalho, à proteção, à maternidade e a previsão das conseqüências econômicas da velhice, da enfermidade e das vicissitudes da vida (art. 161)" [33].

No entanto, não se pode olvidar que tais direitos sociais estavam inseridos em enunciados de baixa densidade normativa, cuja concretização dependia da atuação do legislador infraconstitucional [34].

Curiosamente, a Constituição Alemã de 1949, ainda em vigor, não incluiu direitos sociais em seu corpo, "[...] embora estes já constassem na maioria das Constituições dos Estados da Federação Alemã" [35].

No que diz respeito à intervenção estatal na economia, a crise de 1929 gerou o consenso de que o mercado não poderia ser indomado, mas deveria submeter-se a rédeas sob pena de o próprio modelo econômico entrar em um colapso do qual não mais se ergueria. Assim, concebeu-se que o Estado, não mais poderia representar o papel de mero espectador dos acontecimentos, sendo necessária sua intervenção direta na atuação dos mercados, na qualidade de agente regulador da economia.

Após assumir a presidência dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt implementou uma nova orientação à economia dos Estados Unidos, que recebeu a denominação de New Deal. O plano tratou, inicialmente, de conter o aumento descontrolado da produção. Em diversos setores o preço foi tabelado, tais como a na agricultura, no mercado de carvão e de petróleo [36]. Ao mesmo tempo, o governo norte-americano determinou o aumento dos salários com vistas a fomentar o mercado consumidor interno. O sistema de previdência social foi ampliado e o desemprego foi sensivelmente amenizado com a participação direta do Estado na realização de obras de infraestrutura.

No Brasil, a Constitucionalização dos direitos sociais deu-se com a promulgação da Carta de 1934, que em seu título IV dava tratamento à ordem econômica e social, que objetivava garantir aos cidadãos uma existência digna e assegurava uma maior regulamentação das relações trabalhistas, nos moldes da Constituição mexicana de 1917.

Em 1936, John Maynard Keynes publicou a Teoria Geral do Emprego, do lucro e da moeda. Neste livro, o economista defendeu a adoção de uma política intervencionista mediante investimentos públicos e manutenção de prestações sociais positivas. Tais ingerências tinham o objetivo de impedir ou, ao menos, suavizar os ciclos econômicos nos quais se observa a alternância entre prosperidade e recessão, típicos do capitalismo.

Nos vinte anos que sucederam a II Guerra Mundial, as economias dos Países capitalistas europeus e os Estados Unidos experimentaram um período de progresso sem precedentes na história da humanidade, o que possibilitou a geração de benefícios estatais para seus cidadãos, através de uma política de pleno emprego, e a formação de um mercado consumidor ávido, principalmente na Europa, nos Estados Unidos e no Japão.

No campo das políticas públicas, a partir de 1970 começaram a aparecer os primeiros estados de bem-estar social [37]. Nestes a maior parte dos gastos dizia respeito a despesas com saúde, educação e previdência social. Esse fenômeno foi em grande parte incentivado pelo declínio da corrida armamentista, o que possibilitou a realocação das entradas para outros setores.

Dessa forma, é possível afirmar que "No fim da década de 1970, todos os Estados capitalistas avançados se havia tornado ‘Estados de Bem-estar’ desse tipo, com seis deles gastando mais de 60% de seus orçamentos na seguridade social (Austrália, Bélgica, França, Alemanha Ocidental, Itália, Países Baixos). Isso iria produzir consideráveis problemas após o fim da Era de Ouro." [38]

O sistema, contudo, falhou ao desconsiderar a limitação de recursos para a implementação dos programas sociais. O ponto nevrálgico do problema havia sido identificado, o que não significa que sua resolução seria fácil.

Apesar da era de desenvolvimento, as crises econômicas mantiveram o seu caráter ciclotímico, repetindo-se em intervalos mais ou menos uniformes, a partir de 1945: 1948-1949; 1953-1954; 1957-1958 e 1960-1961 [39].

Em 1973 a estrutura econômica mundial sofreu um abalo sentido até os dias atuais – a primeira crise do petróleo que foi em grande parte responsável pelo súbito estancamento do ciclo de crescimento, pois o preço do barril do produto no mercado internacional foi atingido por um reajustamento que em alguns casos chegou a 500% [40].

O resultado das crises do petróleo foi logo sentido na economia brasileira, pois as importações de petróleo, que antes representavam 11% das importações, logo alcançaram o patamar de 32%, o que gerou um profundo desequilíbrio na balança de pagamentos. Os países desenvolvidos logo criaram mecanismos que possibilitaram o controle da crise, o que não ocorreu com os países em desenvolvimento, como o Brasil.

Entretanto, a crise do petróleo não agiu isoladamente, mas veio acompanhada de outros fenômenos que reduziram, significativamente, a capacidade de financiamento do welfare state.

Desta forma, o modelo econômico do pós-guerra adentrou em um período de profunda crise a partir de 1973, caindo em uma profunda recessão, onde se combinava a mortal fórmula de baixas taxas de crescimento, com altas taxas de inflação.

No início da década seguinte, o ideal de absenteísmo estatal voltou à pauta de discussões. A implantação da doutrina neoliberal, imposta aos Países em desenvolvimento pela via de condicionantes de empréstimo foi responsável pelo desenvolvimento econômico de diversos setores a um preço bastante elevado: o aumento do desemprego, o inchaço do mercado de trabalho informal, a redução das garantias sociais aos cidadãos que passam a ter de contar com a iniciativa privada para que possam ter acesso aos serviços públicos típicos, tais como a saúde, a educação e a previdência social.

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Sobre o autor
Sérgio Roberto Leal dos Santos

Procurador Federal. Mestre em instituições Jurídico-Políticas pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor de direito Constitucional e Teoria da Constituição - FDV

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Sérgio Roberto Leal. Três momentos do Estado de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2524, 30 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14935. Acesso em: 23 dez. 2024.

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