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Processo eletrônico: o impacto da Lei nº 11.419/2006 na mitigação da morosidade processual

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2. Do Processo Judicial Eletrônico: Lei 11.419/06

Antes de definirmos o conceito de Processo Eletrônico, é preciso ressaltar a discussão acerca da própria adequabilidade do termo, pois, para uma forte corrente, não houve a criação de um processo eletrônico, como designou o legislador, mas a normatização de um procedimento eletrônico a desenvolver-se dentro do processo.

Dessa forma, passaremos à análise de algumas definições até chegarmos ao conceito mais coeso com a prática e a teoria processual.

Segundo entendimento do professor Aires José Rover [63], que se refere ao nosso objeto de estudo como processo eletrônico, o termo designaria:

A total informatização de um conjunto mínimo e significativo de ações e, por conseqüência, de documentos organizados em uma forma determinada e diversificada de fluxos que garantisse a esses documentos, individual e em conjunto, autenticidade, integridade e temporalidade.

Pela definição apresentada, percebemos que o autor, ao se filiar à corrente processual, enxerga o fenômeno, basicamente, como um instrumento que visa a informatizar as atividades desempenhadas pelas partes no processo, acentuando a necessidade de segurança nessas operações. Em nossa perspectiva, contudo, essa definição não contempla todo o aspecto multifacetado que traz consigo essa nova forma de desenvolver o processo, pois acentua o aspecto da proteção documental, negligenciando outros valores tão ou mais importantes.

Augusto César de Carvalho Leal [64], citando Alexandre Freire Pimentel, prefere tratar o objeto do nosso estudo como Processo Judicial Telemático e o define como:

[...] aquela relação jurídico-processual cujo procedimento se desenvolve em ambiente informático – com o processamento eletrônico das informações jurídicas – e telemático – com o auxílio das telecomunicações, com vistas à eliminação dos óbices de ordem geográfica e à imposição de celeridade ao transporte dos dados jurídicos.

E, embora o mencionado autor tenha feito uso da expressão Processo Judicial Telemático, esclarece que "tecnicamente o que se afigura informatizado e telematizado" [65]:

[...] é o rito ou procedimento – forma de exteriorização do processo - que se sujeita ao fenômeno da informatização e da telematização e não a relação jurídico-processual, abstrata por natureza, e, sendo assim, insuscetível à influência de qualquer energia de ordem física, sendo, sob a ótica material, indiferente aos elétrons que, contudo, revolucionarão a velocidade com que as lides, seu objeto de trabalho, serão resolvidas (destaque nosso).

E justifica por que usa o termo processo em vez de procedimento [66]:

Contudo, adotaremos o vocábulo processo com o fito metodológico de identificar e classificar cientificamente aquelas relações jurídicas processuais caracterizadas por um procedimento informático e telemático, o que seria deveras complexo, por ausência de praticidade, caso adotássemos tão somente a denominação procedimento telemático, mesmo porque, ontologicamente, o procedimento nada mais é do que a exteriorização da relação jurídica processual, essa sim, por ser a essência e razão de existir do Direito Processual, merecedora de maior atenção teórica e pesquisa científica quanto à precisa indexação de suas variadas formas de manifestação.

Nesse mesmo diapasão, também temos as críticas de José Carlos de Araújo Almeida Filho acerca da nomenclatura escolhida pelo legislador ao tratar da informatização do processo judicial e fazer uso da expressão Processo Eletrônico. Citando o prof. Luiz Rodrigues Wambier, revisita os conceitos de processo e procedimento, asseverando que "o procedimento (na praxe, muitas vezes também designado ‘rito’), embora esteja ligado ao processo, como esse não pode se identificar. O procedimento é o mecanismo pelo qual se desenvolvem os processos diante da jurisdição" [67]. Em outras palavras, processo é a relação de poder que une partes e juiz, enquanto que procedimento é a forma como se desenvolve essa relação. E, com base nessa antiga distinção, afirma não existir processo eletrônico, mas procedimento eletrônico [68], uma vez que o que busca a Lei 11.419 é normatizar os passos e andamentos eletrônicos necessários e exteriores à relação processual.

Outro esclarecimento digno de menção foi feito pelo Prof. Túlio Vianna, ao pontificar que não se pode falar "propriamente em processo eletrônico, mas procedimento eletrônico, pois a essência do processo é o contraditório e não o meio no qual ele é efetivado" [69] e, como suporte à sua tese, recorre aos ensinamentos do Prof. Rosemiro Pereira, in verbis:

Coube ao processualista italiano, Elio Fazzalari, a iniciação dos estudos para ressemantizar o instituto do Processo em conceitos que o distinguissem do procedimento que é a sua estrutura técnico jurídica, bem assim resgatá lo de teorias que o colocavam como mero veículo, método ou meio, fenômeno ou expressão, da atividade jurisdicional para produzir provimentos (sentenças). O ilustre processualista explicitou que o processo não se define pela mera seqüência, direção ou finalidade dos atos praticados pelas partes ou pelo juiz, mas pela presença do atendimento do direito ao contraditório entre as partes, em simétrica paridade, no procedimento que, longe de ser uma seqüência de atos exteriorizados do processo, equivalia a uma estrutura técnica construída pelas partes, sob o comando do modelo normativo processual.

E ratifica seu posicionamento afirmando que a "diferença essencial entre um dispositivo processual e outro meramente procedimental é que o primeiro disciplinará a garantia do contraditório enquanto o segundo regulará o rito do julgamento" [70].

Diante dos conceitos apresentados pelo prof. Túlio Vianna e pelos demais autores, percebemos que ampla corrente abraça o entendimento de que temos, na realidade, um procedimento eletrônico, em oposição a um novo tipo de processo, dito eletrônico. E, apesar de ligeiras diferenças nos conceitos, especialmente no que toca aos aspectos ressaltados em cada um, podemos defini-los de forma homogênea, ao reunir os aspectos comuns a todos eles.

Sendo assim, é possível dizer que por processo entende-se a relação abstrata entre partes e juiz, submetida estritamente ao império da justiça e do contraditório em seu desenvolvimento; processo é o instrumento da jurisdição, ou seja, é por meio dele que se diz o direito. O procedimento ou rito é, nesse quadro, apenas o meio extrínseco (conjunto de atos) pelo qual se instaura, desenvolve-se e termina o processo, é a sua realidade fenomenológica perceptível [71]. O procedimento ou rito eletrônico, por sua vez, pode ser definido como a forma de exteriorização do processo realizada com o auxílio das ferramentas de informática e telecomunicações, buscando-se, com isso, alcançar maior economia (temporal e financeira), maior acessibilidade ao Judiciário, maior transparência nos atos e menos burocracia na prestação jurisdicional, deslocando, dessa forma, a preocupação de seus atores das questões menores, apenas periféricas ao processo, para o que de fato importa: a distribuição efetiva da justiça [72].

Por fim, é preciso relevar que não se trata apenas de mera filigrana jurídico-liguística sem aplicação prática a distinção semântica entre processo e procedimento. Pelo contrário. Com o advento da Constituição de 1988, essas diferenças tornaram-se de grande importância, pois, dependendo da natureza do fenômeno, a competência legislativa para tratar de questões que versem sobre um ou outro pode ser privativa da União, no caso de normas sobre processo (art. 22, I, CF), ou concorrente entre a União, os Estados e o DF, no caso de normas procedimentais em matéria processual. Mas, se a despeito de todas as diferenças, ainda preferir-se utilizar o termo processo e não procedimento eletrônico, como fez acima Augusto César de Carvalho Leal por razões metodológicas, e como está sendo feito no presente trabalho, é preciso termos em mente tais distinções, bem como deixá-las claras ao leitores, para evitarmos o cometimento de erros, a exemplo do que aconteceu com a OAB, que, na ADI 3875, fundamentou equivocadamente seu pedido em um alegado conflito de competência vislumbrado na delegação de poderes aos tribunais para disciplinar questões sobre a comunicação de atos oficiais por meio de diário eletrônico, tratando equivocadamente a normatização fustigada como procedimento em matéria processo, como veremos mais adiante, na seção 2.4.3.

2.2 Princípios do processo eletrônico

A fim de se compreender satisfatoriamente o funcionamento do processo eletrônico, é preciso identificar os princípios que informaram a Lei 11.419/06, sob pena de, não os observando, tornar inoperante e engessada a nova sistemática, com a importação de vícios que até hoje atingem e maculam o processo físico, impedindo, dessa forma, o novo processo de alcançar seus objetivos de interabilidade, efetividade, agilidade e transparência [73].

Os novos princípios não se sobrepõem aos demais princípios processuais constitucionais [74] e infraconstitucionais [75], mas somam-se a esses na exata medida da especialização que caracteriza a nova matriz processual, a qual, nunca é exagero ressaltar, deverá observar sempre o devido processo legal, substantivo e instrumental [76].

O surgimento de novos princípios processuais está ligado, dentre outros fatores, às características inovadoras que resultam da utilização do meio eletrônico na dinâmica processual, do que são exemplos o novo grau de transparência dos serviços judiciários, com amplas possibilidades de fiscalização pelos jurisdicionados, e a ubiqüidade ou onipresença da justiça, sem que, para tanto, incorra-se em deslocamentos onerosos e instalação de estruturas forenses dispendiosas para esse fim.

A seguir, delinearemos os princípios regentes do processo eletrônico, os quais, além de totalmente harmônicos com as demais normas do sistema judicial, permitirão agora sua continuidade com eficiência, agilidade, transparência e efetividade.

2.2.1 Princípio da Universalidade

Por este princípio, a legislação autoriza a adoção de sistemas de processo eletrônico em todas as áreas do Poder Judiciário, seja ele Estadual, Federal, Trabalhista, Cível, Eleitoral ou Militar. Até mesmo na área penal, tradicionalmente mais refratária às inovações tecnológicas, sua aplicação está autorizada por lei, com algumas ressalvas, permitindo que todos os processos possam ser levados a termo mediante arquivos digitais, tornando possível a interação entre as várias comarcas, varas e tribunais, sem a existência de ilhas inacessíveis de atuação do Poder Judiciário [77].

Mesmo em face dos processos administrativos, há possibilidade de sua aplicação, o que já pode ser verificado em alguns órgãos públicos [78]. Também é de se ressaltar que a lei em comento ratificou, de forma expressa, a legalidade dos procedimentos eletrônicos até então realizados, uma vez que antes de sua aprovação não havia autorização legislativa para isso.

A lei do processo eletrônico prevê expressamente a possibilidade de tramitação de autos total ou parcialmente eletrônicos, circunstância que leva ao entendimento de que não se faz obrigatória a completa informatização do processo. Tal está correto, especialmente pelo fato de que o processo eletrônico necessita de tempo para a sua implementação, inclusive com testes e treinamentos dos atores envolvidos no sistema, devendo essa forma híbrida permanecer por um considerável período. Ademais, há casos em que a digitalização de documentos é totalmente inviável devido ao seu estado de conservação, o que levará o processo a tramitar de forma mista. Contudo, apesar de a Lei 11.419/06 apenas facultar, e não determinar, aos tribunais a adoção do processo eletrônico, o CNJ, por meio de algumas resoluções [79] e de suas metas de nivelamento, tem estimulado fortemente a adoção dessa nova forma processual nos vários tribunais brasileiros, em todas as jurisdições e esferas de poder, como forma de conferir maior agilidade e eficiência à tramitação dos processos, melhorar a qualidade e transparência do serviço jurisdicional prestado e ampliar o acesso do cidadão brasileiro à justiça.

2.2.2 Principio da Ubiqüidade Judiciária

Uma vez que o suporte das informações processuais sofreu significativa alteração pela Lei 11.419, deixando de ser representando pelas costumeiras folhas de papel, para permitir o uso de meios modernos de armazenamento, tais como os óticos (CDs e DVDs) e eletromagnéticos (discos rígidos e fitas), além de prever a possibilidade de manipulação e tráfego dessas mesmas informações por redes totalmente eletrônicas, como a Internet, foi provocada uma verdadeira revolução no Judiciário. Graças à adoção desses novos recursos, tornou-se possível acionar a Justiça de qualquer ponto geográfico do planeta para a realização de consultas e petições e para a elaboração de sentenças e despachos, beneficiando, desse modo, todos os atores processuais, e causando o rompimento das convenções espaço-temporais clássicas da Justiça. O acesso poderá ser feito em qualquer momento do dia ou da noite, limitando-se a realização do peticionamento apenas ao seu prazo, agora elastecido ao permitir a protocolização de documentos e petições até às 24h do seu último dia [80].

Com a implantação do sistema, as máquinas chamadas servidores ficarão em um único lugar, normalmente na sede do tribunal que o implantou. Dentro deste servidor, ficarão centralizadas as informações relativas aos processos eletrônicos em andamento ou já arquivados, alterando sobremodo o atual funcionamento do Judiciário, que costuma armazenar os processos físicos distribuidamente em cada comarca ou vara responsável pelo seu julgamento. Diante disso, a preocupação maior da administração judiciária será permitir que seu sistema possa ser utilizado remotamente pelas máquinas clientes de advogados, promotores, juízes e partes, com alta disponibilidade [81] e segurança [82].

Quando se idealizou, no passado, uma Justiça itinerante, capaz de superar as barreiras geográficas impostas à jurisdição nacional, indo aos rincões mais distantes dos centros onde se situam os serviços físicos judiciários, a fim de atender a parte da população remotamente localizada, não se imaginava que tal realidade pudesse ser alcançada de forma tão célere, efetiva e econômica. Com o processo eletrônico, caminhamos para e já vivenciamos, em muitos tribunais, a aplicação da justiça verdadeiramente ubíqua, mesmo que não haja sido instalada fisicamente a estrutura característica de uma unidade judiciária, com equipamentos e servidores de plantão, para a solução dos litígios judiciais.

Diante desse novo panorama, é possível visualizar uma miríade de possibilidades para o aperfeiçoamento do Judiciário. Graças a essa nova capacidade onipresente da Justiça será possível, por exemplo, a realização dos mutirões da justiça com muito mais eficiência, não havendo mais necessidade de dispêndios extraordinários de recursos financeiros com deslocamentos, diárias, hospedagens, alimentação de magistrados e servidores, etc., pois bastará apenas a edição de atos normativos que submetam o acervo processual de determinada localidade a certo grupo de magistrados ou servidores, onde quer que estejam, de onde não terão que se deslocar para a atuação, senão diante de excepcionalidades específicas, bem como não terão que se deslocar, de seus âmbitos de atuação, os advogados e os representantes do Ministério Público [83]. Também não se deixe de sublinhar a possibilidade de otimização da atuação correcional no Poder Judiciário [84], já que poderá passar a ser instantânea e eletronicamente centralizada, na medida em que a disponibilização dos andamentos e peças processuais pelo sistema permitirá que, sem custos adicionais ou retardamentos, as corregedorias conheçam, de imediato e a distância, as realidades de cada unidade judiciária, a exemplo da produtividade de magistrados e servidores [85].

2.2.3 Princípio da Publicidade

O processo judicial é público por força de lei, exceção feita apenas às hipóteses legais do sigilo processual [86]. A regra é, portanto, a da publicidade, que advém do princípio constitucional correspondente e da transparência dos atos administrativos estatais.

O suporte papel utilizado atualmente não assegura a ampla publicidade do processo fora do ambiente judicial em que tramita, o que significa que, para acesso ao seu conteúdo, as partes e procuradores devem se dirigir aos locais em que os autos se encontram depositados, para lá conferirem suas peças e seus andamentos diários. Diferentemente, os sistemas judiciais eletrônicos disponibilizam os processos e seus atos integralmente nas suas redes internas (intranets) e também em redes públicas (como a Internet), permitindo que os autos estejam simultaneamente em todos os locais que os estejam acessando, assegurando um ineditismo em termos de publicidade jamais visto, além de dispensar totalmente a necessidade dos deslocamentos das partes e advogados e as costumeiras preocupações com cargas de autos, fotocópias, autenticações, carimbos, termos de baixa, etc.

Outra característica dos sistemas judiciais eletrônicos e que também concorre para a publicidade dos atos é a natureza on-line ou de tempo real de tais sistemas, de modo que, à medida que as peças processuais são produzidas, já poderão ser imediatamente disponibilizadas nos portais eletrônicos dos tribunais na Internet e encaminhadas simultaneamente para publicação nos Diários Eletrônicos, facilitando o trabalho dos servidores e advogados, bem como aumentando um pouco mais os prazos de que os causídicos dispõem, mesmo que em algumas horas ou minutos. Assim, o ato processual tão logo praticado já passa a integrar o próprio sistema, dispensando a conferência de listas de atos, intermediações humanas e o envio de dados a órgãos especializados em publicações, o que otimiza o andamento dos feitos, economizando para o erário significativas somas em custeio da máquina judiciária, despendidos com pagamento de linhas de publicação em papel e assinaturas e encargos de distribuição diária dos jornais oficiais a varas, secretarias e câmaras [87]. Além disso, atividades burocráticas como numeração, carimbo e juntada de peças aos autos serão totalmente automatizadas.

Com essa nova roupagem do processo, o trabalho dos seus atores - magistrados, advogados e promotores de justiça - entra em fase inédita de publicidade, na qual os recursos eletrônicos transformam-se, em esgrima com o papel, no suporte fundamental do processo, conduzindo a informação processual a uma nova instância de depuração e fiscalização, em razão do acesso facilitado aos dados dos litígios, e permitindo, dessa forma, que as partes prejudicadas por atrasos injustificáveis possam identificar o exato ponto de obstrução para procederem com mais acurácia e fundamentação na regularização do processo, como nos casos em que se necessita representar às corregedorias. É a transparência, no serviço público-judiciário, levada à potência máxima. Sem dúvida, o futuro mostrará que tal traço de publicidade adicional, por si só, motivará a otimização e o maior cuidado no preparo das peças jurídicas, demonstrando as dificuldades e acertos de cada ente processual, além de alterar a própria dinâmica da vida social em geral, na medida em que a "visão da justiça" sobre fatos concretos se tornará universal e democrática, acessível a todos os cidadãos pela rede mundial de computadores [88].

Claro está que limites também devem ser impostos a esta ampla transparência para que o princípio constitucional da publicidade não colida com os princípios constitucionais da intimidade e da privacidade. Em razão desses conflitos, que já começam a surgir, o CNJ instituiu um grupo de trabalho constituído por juízes de diferentes Estados e Justiças, para formular normas que compatibilizem os referidos princípios no momento da divulgação de processos judiciais na Internet, definindo que tipo de informações serão disponibilizadas para amplo acesso na rede e quais ficarão restritas aos usuários com cadastro. O objetivo é que dados gerais sobre os processos e a decisão fiquem disponíveis para acesso público, enquanto que o conteúdo da ação judicial, como provas e testemunhos, tenha acesso restrito, segundo o perfil cadastrado. O poder público tem o dever de disponibilizar para a sociedade os dados que possui referentes aos serviços prestados. No entanto, isso não pode se traduzir em uma superexposição, a ponto de trazer consequências negativas às partes e testemunhas de um processo judicial. A ideia com a regulamentação é evitar que pessoas sejam prejudicadas, por exemplo, na hora de obter um emprego, impedindo que a nova empresa consulte na internet se o candidato possui alguma ação trabalhista contra antigos empregadores [89].

2.2.4 Princípio da Economia Processual

Graças ao automatismo sem precedentes conferido ao processo pela adoção de recursos tecnológicos em seus procedimentos, já é possível perceber a possibilidade de substituição de uma série de atividades manuais e burocráticas, como as de carimbagem, juntada, transporte físico de papéis e cadernos processuais e do clássico atendimento "de balcão" a partes e procuradores, por atividades que oferecem muito mais valor à efetiva resolução dos litígios. Como exemplo, podemos citar o próprio reaproveitamento de escreventes, carimbadores, juntadores, atendedores, etc., lotados em funções tradicionais do processo, em atividades intelectualmente mais relevantes, como as de suporte técnico-jurídico, realizando tarefas de assessoria e pesquisa e auxiliando diretamente na elaboração da decisão judicial.

Além de uma melhor utilização da mão-de-obra, também será possível a redução de espaços físicos, pois, processando-se quase tudo em ambiente eletrônico, acessível via Internet na comodidade do lar ou do escritório, não haverá mais necessidade de manterem-se autos físicos nas prateleiras e birôs dos tribunais, e o atendimento aos advogados e ao público restará reduzido em face disso. Serviços como protocolo e distribuição terão redução perto de 100%. O próprio arquivo morto desaparecerá, já que todos os processos arquivados estarão guardados e conservados em mídia digital, onde a capacidade se faz imensurável em pequeno espaço. Os próprios advogados e partes envolvidas terão redução em seus custos, notadamente os relativos a deslocamentos para realização de atos processuais ou aquisição de informações sobre o procedimento. Até mesmo o gasto com papel será reduzido, o que, sem dúvida, será de grande auxílio para a preservação ambiental. Enfim, a possibilidade de economia de tempo processual, de espaço e de recursos pode ser alcançada no mais alto grau, à medida que nos adaptamos ao sistema eletrônico [90].

Diante de tantos benefícios para a administração judiciária, não surpreende que a bandeira do processo eletrônico tenha sido erguida por todo o Judiciário brasileiro [91], a tal ponto de não ser mais um mero capricho do administrador público a sua implantação ou não, mas uma verdadeiro encargo ao lado de suas demais atribuições. Nesse mesmo sentido, estão as precisas palavras de Fernando Neto Botelho, as quais transcrevemos ipsis litteris:

A redução da equação econômica geral do processo, como conseqüência da instalação do sistema eletrônico, trará, ainda, como consectário, a necessidade de debate sobre a compulsoriedade da inovação, pois que, em razão do princípio da eficiência no serviço público, não se poderá permitir que instrumento de tão densa aptidão para redução da relação econômica para o erário e para os destinatários da prestação jurisdicional possa simplesmente deixar de se instalar, submetida ao alvedrio (arbítrio), ou à livre discricionariedade do administrador público.

Estamos em que o beneficiamento geral que a inovação pode produzir transforma-a não em franquia, mas em poder-dever, o que afasta a possibilidade de ser ela tornada facultatividade discricionária.

2.2.5 Princípio da Celeridade

A formação automatizada do processo e de seus atos permite acabar com aquilo que a doutrina chama de "tempo de inércia", "tempo morto" ou "tempo neutro" do processo. Trata-se dos períodos em que os autos ficam aguardando alguma providência, tal como sua conclusão para algum juiz ou a remessa para o Ministério Público, por exemplo. Em outras palavras, o "tempo neutro" ocorre quando os autos estão parados, sem andamentos, encontrando-se nas mãos da burocracia estatal judiciária e violando frontalmente o princípio constitucional da duração razoável do processo. Em meio eletrônico [92], contudo, todos os atos que desperdiçam o tempo do processo, como as remessas, carimbagens, numeração, conclusões, etc., serão feitos automaticamente pelo sistema, não havendo necessidade da atribuição de um servidor para a sua realização [93]. Segundo a lição de Fernando Botelho [94], in verbis:

Pode-se dizer que, aproximadamente, dois terços do tempo total de tramitação das ações de rito ordinário dos processos judiciais brasileiros seja consumido com o chamado ‘tempo inútil’ do processo, representado pela somatória de micro-períodos destinados a juntadas (de petições e documentos, em papel), de carimbações, encadernamentos, vistas a partes/advogados, membros do Ministério Público, alojamento físico do processo em escaninhos e movimentações também físicas de andamento, com idas-e-vindas a gabinetes, escritórios e residências de juízes, promotores de justiça, e advogados. O ‘tempo útil’ – o emprego do trabalho intelectual, em si, pelos agentes estatais incumbidos de darem ‘a resposta’ estatal aos conflitos (magistrados, advogados, membros do Ministério Público) - fica contingenciado à terça parte do tempo total de tramitação, numa demonstração de que a burocracia oriunda da estrutura física do processo atingiu níveis inaceitáveis para os parâmetros mínimos de eficiência da atuação estatal; constitui ônus terrível para a eficiência do serviço jurisdicional, razão, hoje, de densas críticas que recaem sobre a justiça brasileira como um todo" (destaque nosso).

Também haverá ganho de tempo conforme as unidades judiciárias se reestruturem para redistribuírem os servidores em cargos mais qualificados e intelectualmente mais importantes para a resolução dos litígios, destinando aos seus agentes funções mais afetas ao suporte na elaboração das decisões, como pesquisas e minutas de atos judiciais, e deixando as tarefas puramente mecânicas e repetitivas para serem realizadas pelo automatismo dos sistemas [95].

Em conjunto, esses aspectos especializam o conhecido princípio da celeridade processual, agora revigorado pela realidade eletrônica do processo, a qual permite a abertura de uma gama infinita de possibilidades no emprego de medidas e estratégias que efetivamente realizem o espírito inovador da lei.

2.2.6 Princípios da Uniformidade e Unicidade.

O processo eletrônico adota forma única – a eletrônica – tornando homogênea a tramitação e formação dos atos processuais e absorvendo, em sua estrutura, o clássico princípio documentativo [96] do processo judicial brasileiro. Esse novo modelo atinge substancialmente a tradicional necessidade de conversão de formas no processo em papel, permitindo que apenas o formato eletrônico seja utilizado, desde a origem, na geração das provas e posterior formação dos autos, até o final, na produção da decisão judicial. Nas precisas palavras de Fernando Neto Botelho [97], temos que:

Extingue-se, nesta unificação eletrônica das formas, a atávica necessidade (do processo em papel), das conversões que, tradicionalmente, compuseram riscos para a segurança da prestação jurisdicional.

A coleta da prova oral, por exemplo, e sua conversão clássica para o documento em papel – o clássico princípio documentativo dos atos orais do processo – se convola na adoção ‘da segunda linguagem’ de codificação, que permitirá que o depoimento, o testemunho, o fato ocorrido e fotografado, filmado, etc., sejam trazidos in natura para os autos (eletrônicos), que os receberão através de seu novo código (o código eletrônico-digital), fazendo com que as imagens, os sons (das partes, no próprio local dos fatos; das testemunhas, dos depoimentos, em audiências e sessões de julgamentos) sejam preservados em sua formação, entonação, e coloridos ambientais de origem, e assim trazidos para o ambiente processual sem distorções ou contaminações intermediárias (arquivos de imagens, como filmes e fotos, formatos mpeg, jpeg; e de sons – mp3, por exemplo) irão permitir que fatos e atos como acidentes de veículos, assembléias de cotistas, sócios, condôminos, litígios privados, delitos penais, enfim, uma gama imensa de ocorrência possam ser gravadas, filmadas, fotografadas, e as próprias gravações, filmes, fotografias possam vir, como anexos de petições e requisições judiciais, para os autos eletrônicos, numa compatibilidade inédita de formas.

Todas essas inovações no processo permitirão um considerável desafogo das pautas de audiências, sempre longas devido à necessidade de coleta de informações factuais e sua posterior redução a termo. O uso de mecanismos de registro eletrônico nas audiências dispensará as transcrições sempre arriscadas, infiéis e demoradas dos testemunhos e depoimentos em juízo, e sua apreciação por outros atores processuais, inclusive em graus superiores de jurisdição, será mais precisa, uma vez que atuará sobre base fiel reproduzindo fidedignamente os mesmos aspectos emocionais e circunstanciais presentes no momento de sua coleta.

Como vemos, instalado o processo eletrônico, a forma eletrônica se estende por todos os atos que o integram, exigindo uniformidade nos procedimentos, nas tecnologias e nos formatos de arquivo submetidos ao sistema. Eis aí outro aspecto do Princípio da Unicidade: a necessidade de padronização na prestação judiciária.

É muito comum verificar procedimentos de trabalho bastante diferentes entre os tribunais, e até num mesmo tribunal, de modo que os jurisdicionados precisam conhecer e adaptar-se a cada um, toda vez que deles precisam se servir. Mas, e se um método de trabalho for exitoso em certa unidade do Judiciário, por que não difundi-lo e torná-lo modelo para as demais, estimulando sua adoção e aperfeiçoamento? E se as regras fossem todas uniformes, permitindo um trabalho homogêneo em qualquer unidade judiciária? E se o mesmo serviço de qualidade e baseado nos mesmos casos de sucesso estivesse disponível, da mesma forma, em todos os órgãos da Justiça? Sem dúvidas, não haveria confusões, perdas de tempo e dinheiro, pois todos estariam informados sobre como proceder: os serventuários saberiam exatamente o quê, como e quando deve ser feito, e o fariam do mesmo modo onde quer que fossem alocados; os advogados, por sua vez, otimizariam seu tempo, pois não precisariam aprender, em cada órgão, as suas peculiaridades de funcionamento, uma vez que já estariam padronizadas. É assim que grandes empresas trabalham, especialmente as que se integram por redes de franquias. Para elas, a finalidade é sempre a mesma: fornecer serviços com alta qualidade associados a custos reduzidos de logística e operação, buscando sempre maximizar os lucros, o que só é possível por meio da repetição no sistema dos procedimentos mais exitosos em suas unidades

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Baseado em filosofia semelhante, aplicada à administração pública, surgiu o Instituto CONIP - Conhecimento, Inovação e Práticas de TI na Gestão Pública, "uma organização não-governamental sem fins lucrativos, cujo objetivo é ser um observatório das práticas bem-sucedidas de uso da tecnologia da informação na gestão pública em todo o Brasil como referência de pesquisa e conhecimento" [98]. Anualmente em seus encontros, o instituto premia as melhores práticas no uso de tecnologia da informação, as quais passam a ser referência para os demais órgãos que requeiram uma solução semelhante. Durante essas reuniões, ocorrem alguns fóruns em que se discutem os problemas dos órgãos públicos – havendo uma seção especialmente para o Judiciário –, e são aventadas algumas possíveis soluções, prontas ou ainda pendentes de execução.

Como vemos, inerentemente ao Princípio da Uniformidade está o compromisso com a padronização do Judiciário, a homogeneização do serviço e a unificação dos seus sistemas, tornando-os compatíveis entre si e permitindo sua interoperabilidade, um dos objetivos do processo eletrônico.

O CNJ, por exemplo, tem encampado uma luta digna de louvor em benefício da padronização da Justiça, tencionando, sobretudo, a facilidade na implantação dos sistemas computacionais. Entre seus objetivos, ilustrativamente, está a instalação do sistema PROJUDI - Processo Judicial Eletrônico - em todos os Estados da Federação [99]. Uma vez que o mesmo software funcionará nessas várias unidades, será possível, em pouco tempo, o compartilhamento de informações entre todos os Tribunais de Justiça e Varas do Brasil, fornecendo-se instantaneamente o panorama processual em vários níveis de granularidade, da pequena Vara do interior até o STJ. Outra meta do Conselho, também visando à padronização, é a numeração única dos processos [100], buscando-se a uniformização do número dos processos, com o intuito de facilitar o acesso às informações processuais e agilizar a prestação jurisdicional. Outra ação nesses moldes, também digna de menção, diz respeito à implantação das Tabelas Processuais Unificadas [101], o que uniformiza taxonômica e terminologicamente as tabelas básicas de classificação processual, movimentação, fases processuais, assuntos e partes, permitindo o uso dos mesmos conceitos e termos em todo o Judiciário.

É desse modo, portanto que se apresenta tal princípio, buscando unidade, padronização e racionalização dos serviços, com reflexos diretos também nos princípios da celeridade e economia processual.

2.2.7 Princípio da Formalidade Automatizada

O processo eletrônico e seus atos são formados a partir de uma seqüência predefinida de passos, denominado workflow [102] (do inglês, Fluxo de Trabalho ou de Execução). Todos esses passos são traduzidos em funcionalidades do sistema e devem obedecer estritamente aos ritos e especificidades previstos em lei própria, que verse sobre processo e procedimento, a fim de que o sistema possa automatizá-los. Dessa feita, a forma de processamento é que será eletrônica, enquanto que seu fluxo será o mesmo, seguindo rigorosamente os passos previstos na lei processual específica.

O benefício induzido por esse princípio é, sem dúvida, a padronização e a segurança dos atos realizados, uma vez que as etapas processuais acontecerão de acordo com diretrizes previamente definidas no sistema, segundo a lei aplicável à modalidade processual em questão, e não mais pela atuação manual, episódica, de escreventes e escrivães, partes, procuradores, magistrados e promotores de justiça. E não se imagine que isso trará inflexibilidade à atuação das partes envolvidas. Pelo contrário. Haverá, sim, uma maior facilidade de trabalho para todos, uma vez que do sistema deverão constar todas os procedimentos possíveis para um dado processo, o que auxiliará os atores processuais durante seu percurso, tornando mais prático e dinâmico o seu acompanhamento. Apenas no caso de inexistência de um dado rito é que se deverá agir independentemente, apenas considerando ou não as sugestões do sistema, mas sempre justificando-se os desvios de curso [103].

2.3 Lei 11.419/06

Conhecidos os princípios subjacentes ao processo eletrônico, passaremos a uma análise mais pormenorizada da Lei 11.419/06, detendo-nos nos artigos e capítulos fundamentais à exata compreensão da norma.

2.3.1 Âmbito de informatização

A Lei 11.419/06 tem um espectro de ampla incidência no Judiciário, uma vez que se aplica indistintamente aos processos civil, penal e trabalhista, assim como aos juizados especiais em todos os graus de jurisdição (art. 1°, §1°). E, mesmo não sendo explicitamente mencionadas, também é possível incluir neste rol as Justiças Militar [104] e Eleitoral, mediante interpretação teleológica e sistemática da norma, bem como pelas regras de aplicação subsidiária da processualística civil e penal a esses ramos do Judiciário.

O diploma legal em comento reconheceu expressamente o meio eletrônico como sistemática válida na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais (art. 1º), permitindo-se assim que toda manipulação dos autos seja feita de maneira totalmente eletrônica, sem necessidade da apresentação posterior de documentos em papel. E, para que não restassem dúvidas quanto à expressão ‘meio eletrônico’, também tratou o legislador de dar-lhe interpretação autêntica, definindo-a como "qualquer forma de armazenamento ou tráfego de documentos e arquivos digitais" (art. 1º, §2º, I).

Outra preocupação do legislador foi quanto à identificação inequívoca do signatário das peças eletrônicas em tramitação nos sistemas judiciais, para o que buscou métodos e técnicas capazes de atender a esse requisito da maneira mais confiável possível. A solução encontrada foi o uso de assinaturas eletrônicas, facultando ao usuário do serviço a escolha entre as duas espécies desse gênero: assinaturas baseadas em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora integrante da ICP-Brasil (art. 1º,§2º, III, a) ou assinaturas eletrônicas fornecidas mediante cadastro de usuário (login e senha) no Poder Judiciário (art. 1º,§2º, III, b).

Embora similares em seus propósitos, as referidas assinaturas são bastante diferentes em sua implementação tecnológica. As baseadas em certificados digitais, por exemplo, utilizam algoritmos de criptografia que processam a informação no próprio chip que acompanha os cartões, de modo a tonar qualquer violação ao processo de assinatura bastante difícil, sendo essa forma, por isso mesmo, considerada a mais segura. Já as assinaturas obtidas mediante cadastro são, na realidade, senhas fornecidas pelos órgãos do Judiciário que devem ser informadas aos sistemas judiciais no momento da realização dos atos processuais. Por não estarem revestidas das mesmas garantias das primeiras, são tidas como menos seguras.

Em razão dessas diferenças tecnológicas, surgiram muitas discussões acerca da confiabilidade das assinaturas indicadas pela Lei, especialmente a fornecida mediante cadastro, a ponto de Petrônio Calmon [105] declarar que:

[...] poder-se-ia concluir, prematura e equivocadamente, que a alínea "b" do inciso III do art. 1º trata de uma mera opção. Fosse assim, bastava que os advogados fossem suficientemente esclarecidos e não haveria um só que optasse pela alínea "b", que representa uma forma obscura e insegura de cadastramento. Muito melhor seria possuir um certificado digital, na forma da alínea "a", o que facultaria ao seu titular não só a atuação em todos os tribunais e juízos do país, mas igualmente, a realização de qualquer outro tipo de negócio jurídico, com órgãos públicos e privados de qualquer parte do mundo.

No mesmo sentido, temos a lição de Poliana Ferreira [106], que, ao distinguir as formas de assinatura eletrônica, posiciona-se nitidamente mais favorável ao uso dos certificados digitais:

É necessário, primeiramente, identificarmos a diferença entre assinatura eletrônica e digital. Vimos, na lei, que a assinatura eletrônica é o gênero que tem como uma das espécies a assinatura digital, esta envolve processo de criptografia assimétrica (muito mais seguro que outros tipos de assinatura eletrônica) e utiliza de certificado digital para dar validade ao documento eletrônico emitido por uma terceira parte conhecida como Autoridade Certificadora, de acordo com a MP 2200-2/2001.

[...]

O cadastro no Poder Judiciário [...] é um sistema que evita a utilização pelo usuário da assinatura digital, já que, um dos motivos da implantação de um cadastro para a prática de atos processuais tem a ver com o baixo custo em relação ao procedimento atribuído à assinatura digital. No entanto [...] esta confere maior segurança para a prática de atos processuais, pois utiliza a técnica das chaves públicas (criptografia assimétrica). É muito mais seguro e eficiente do que um cadastro, por exemplo, mediante o uso de senhas, estas correm o risco de serem interceptadas e utilizadas por um terceiro, pois são transmitidas através da Internet. Além do mais, a vantagem da utilização da assinatura digital com o certificado digital é de ser realizada uma única vez e pode ser utilizada por mais de um órgão do Poder Judiciário.

Contudo, antes que se pretenda desqualificar os sistemas que funcionam segundo a modalidade de cadastro, é preciso ter em mente que os seus níveis de segurança são semelhantes aos adotados em bancos on-line (home bankings) e lojas virtuais de comércio eletrônico em todo o mundo, os quais, exatamente por não fazerem uso de certificados digitais, reforçam seus critérios de proteção aos dados, submetendo-se a processos de registros de acesso (logs), auditorias de sistema e criptografia no trânsito de informações e senhas, além de adotarem outras medidas que se mostrem necessárias. De todo modo, mesmo usufruindo dessas variadas garantias, a própria lei do processo eletrônico ainda tratou de revestir-se de maior cautela, e previu a possibilidade de argüição de falsidade de documento (art. 11), em caso de suspeita de modificação do original.

De qualquer maneira, apesar de todos os questionamentos diante de formatos tão diferentes de assinaturas, não há outra razão para que o legislador não lhes tenha feito maiores ressalvas a não ser pelo fato de que diversos tribunais e juízos já os haviam implantado em seus respectivos sistemas informatizados de processamento e acompanhamento de ações judiciais antes da Lei 11.419, preferindo, portanto, não desautorizar as experiências tecnológicas já em funcionamento e bem sucedidas [107].

George Marmelstein Lima [108], ao tratar do tema, poderá que, mesmo não havendo sistema totalmente seguro, seja eletrônico ou manual, os formatos de assinatura adotados pela Lei cumprem seu papel a contento, pelo menos temporariamente, enquanto não houver técnicas mais avançadas que superem a segurança dos atuais sistemas, e aproveita para criticar a redação da norma por ter-se deixado amarrar a soluções tecnológicas específicas, quando, a bem da boa técnica jurídica e da segurança processual, deveria ter sido mais genérica, não mencionando qualquer método ou ferramenta particular. In verbis:

A AJUFE está certa quando diz que não existe ainda uma cultura consolidada da certificação digital através do conceito de chaves públicas e privadas. Também está certa quando diz que o sistema de credenciamento já funciona, com êxito, em diversos tribunais e, até onde se saiba, não surgiram dúvidas ou problemas decorrentes da segurança do sistema.

A OAB também está certa ao afirmar que a assinatura digital, pelo sistema de criptografia assimétrica RSA (chaves públicas e privadas), é, por enquanto, o meio mais seguro de certificação da autenticidade de documentos digitais.

Porém, mesmo sendo o mais seguro atualmente, o sistema de chaves públicas e privadas também não é infalível e, pior do que isso, há possibilidade de, em breve, ele ser ultrapassado por um sistema mais eficiente, como a criptografia quântica, por exemplo. Além disso, é bastante possível que alguns órgãos governamentais (americanos ou ingleses) já tenham descoberto como decifrar os sistema de criptografia assimétrica, mas mantenham essa informação em segredo, conforme alertou o autor norte-americano Simon Sign, no seu "Livro dos Códigos", que oferece uma agradável abordagem sobre a história da criptografia.

Portanto, em termos legislativos, o ideal é que a autorização para o uso de meios eletrônicos para a prática de atos processuais seja genérica, sem mencionar qualquer sistema, técnica ou método.

Entretanto, em que pensem todas as discussões e debates acalorados, é importante ressaltar que as duas formas de assinaturas eletrônicas são válidas e seguras, devendo sempre estar à disposição dos advogados, pois só a eles cabe optar pela modalidade mais adequada e vantajosa, seja a que faz uso do certificado digital (a mais dispendiosa) ou a que é obtida por meio de cadastro no Judiciário (a forma gratuita). E seja qual for a escolha, é preciso atentar para a obrigatoriedade do credenciamento prévio do interessado nos órgãos do Poder Judiciário mediante procedimento no qual esteja assegurada a sua adequada identificação presencial (art. 2º), a fim de que possa ser habilitado para o uso dos sistemas processuais eletrônicos.

Vencida, finalmente, a questão das assinaturas, é importante relevar, por último, as inovações que a Lei 11.419 trouxe no que concerne aos prazos.

Segundo o referido diploma, passam-se a considerar tempestivos os atos processuais praticados até as 24 horas do seu último dia, tendo-os como realizados, por meio eletrônico, no dia e hora do seu envio ao sistema do Poder Judiciário, (art. 3º) o que transforma a prestação jurisdicional num serviço verdadeiramente ininterrupto, ampliando sobremaneira o acesso à justiça.

2.3.2 Da comunicação dos atos

Regulando a forma de comunicação dos atos processuais, a lei 11.419 faculta aos tribunais a criação de Diários da Justiça eletrônicos que deverão ser assinados digitalmente e disponibilizados na Internet em sítio próprio (art. 4°), substituindo qualquer outro meio e publicação oficial, à exceção dos casos que, por lei, exigem intimação ou vista pessoal (§ 2º). Como data da publicação do Diário, considerar-se-á o primeiro dia útil seguinte ao de sua disponibilização na Internet, iniciando-se a contagem dos prazos no primeiro dia útil que seguir ao considerado como data da publicação (§§ 3º e 4º). Na prática, as partes ganharão um pouco mais de tempo, uma vez que o Diário já estará disponível on-line um dia antes de sua publicação.

Quanto às intimações, poderão ser feitas por meio de um portal próprio, uma área dentro do sítio de cada tribunal reservada às partes previamente cadastras para poderem protocolar suas peças, acompanhar a tramitação de seus processos e receber as intimações, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico, e considerando-se vistas pessoais para todos os efeitos legais (art. 5° caput e § 5º ). Haverá, portanto, dois sistemas: O Diário Eletrônico, para os não credenciados, e o portal, com intimação automática ao ser consultado, para os que optarem pelo cadastro.

Relativamente ao momento da intimação, considerar-se-á o dia em que o intimando efetivar a consulta eletrônica ao teor deste ato no portal (ou no dia útil seguinte, caso se dê em dia não útil), devendo isso ocorrer em dez dias contados da data de seu envio, sob pena de considerar-se realizada na data do término desse prazo (§§ 1º, 2º e 3º). Haverá, desse modo, a necessidade de as partes acessarem rotineiramente o portal, a fim de acompanharem os processos e não perderem os prazos, como ocorria com a consulta ao Diário em formato impresso, mas de maneira muito mais prática e otimizada devido às facilidades tecnológicas. Em caráter informativo, poderão ser enviados e-mails, à semelhança do que ocorre nos conhecidos sistemas push [109], para comunicar o envio da intimação e a abertura automática de prazo processual (§ 4º). Contudo, nos casos urgentes, em que a intimação feita de forma eletrônica possa causar prejuízo às partes, o ato deverá ser realizado por outro modo que atinja sua finalidade (§ 5º).

As citações, em seu turno, ressalvadas as de direito processual penal, poderão ser feitas eletronicamente desde que a íntegra dos autos seja acessível ao citando (art. 6º ). As cartas precatórias, rogatórias, de ordem e, de um modo geral, todas as comunicações oficiais que transitem entre órgãos do Poder Judiciário, bem como entre os deste e os dos demais Poderes, também serão feitas preferentemente por meio eletrônico (art. 7º).

2.3.3 Do procedimento eletrônico

Cuidando do formato do processo, o legislador facultou aos órgãos do Poder Judiciário o desenvolvimento de sistemas eletrônicos de processamento de ações judiciais por meio de autos total ou parcialmente eletrônicos, utilizando, preferencialmente, a rede mundial de computadores (art. 8º) para a manipulação das informações do processo.

Previu, portanto, o legislador a coexistência de autos eletrônicos, parcialmente eletrônicos e os tradicionais em suporte papel, devendo os sistemas acomodar todas os formatos. E, mesmo que, a intenção da lei fosse a completa digitalização dos autos, é preciso ressaltar a existência de um tempo de transição para que isso ocorra, e apenas em sua maior parte, pois poderá haver dificuldades técnicas na digitalização de certos documentos, devido ao seu grande volume ou por problemas de legibilidade, devendo, nesses casos, ser apresentados em cartório e permanecer no formato original até a conclusão do processo (art. 11, § 5º). De qualquer forma, em caso de digitalização de autos físicos, em tramitação ou já arquivados, realizar-se-á a publicação de editais de intimações ou a intimação pessoal das partes e de seus procuradores, para que, no prazo preclusivo de trinta dias, se manifestem sobre o desejo de manterem pessoalmente a guarda de algum dos documentos originais (art. 12, § 5º).

No processo eletrônico, todas as citações, intimações e notificações, inclusive da Fazenda Pública, serão feitas por meio eletrônico (art. 9º), considerando-se vista pessoal as que permitam acesso completo à integra dos autos(§ 1º ). Em caso de problemas técnicos, poder-se-á realizar esses atos segundo as regras ordinárias de processo, digitalizando-se o documento físico quando do seu retorno à secretaria (§ 2º).

No que toca à protocolação da petição inicial e demais peças, poderá ser realizado esse ato diretamente pelo advogado no portal eletrônico, sem intervenção do cartório ou secretaria, até as vinte e quatro horas do último dia do prazo, situação em que a autuação será feita automaticamente, seguida de fornecimento de recibo de protocolo (art. 10, caput e § 1º). No caso de indisponibilidade do sistema do Poder Judiciário por motivo técnico, o prazo será prorrogado para o primeiro dia útil seguinte à sua normalização (§ 2º), sem prejuízo às partes. O legislador também se preocupou com as partes que por qualquer motivo enfrentem dificuldades na operação do sistema e, para não obstruir seu acesso à justiça, determinou que os órgãos do Poder Judiciário mantivessem equipamentos de digitalização e de acesso à rede mundial de computadores à disposição dos interessados para distribuição e consulta de peças processuais (§ 3º).

Relativamente à conservação dos autos, como vimos, poderá ser efetuada total ou parcialmente por meio eletrônico (art. 12), devendo ser assinados eletronicamente todos os atos do processo que estejam nesse formato (Art. 8°, § único), sendo dispensada a formação de autos suplementares, uma vez que os sistemas serão desenvolvidos com mecanismos de segurança de acesso e armazenamento que garantem a preservação, a integridade e a autenticidade dos dados (art. 12, § 1º). Os documentos produzidos apenas digitalmente e juntados aos processos mediante assinatura eletrônica serão considerados originais para todos os efeitos legais, assim como os documentos digitalizados, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração, quando será possível a argüição de falsidade do documento original, segundo as regras da legislação processual em vigor (art. 11, §§1º e 2º). Por essa razão, recomenda a lei que os originais dos documentos digitalizados sejam preservados pelo seu detentor até o trânsito em julgado da sentença ou, quando admitida, até o final do prazo para interposição de ação rescisória (§ 3º). Em caso de necessidade de remessa dos autos eletrônicos, mesmo que de natureza criminal, para juízos que não disponham de sistema compatível, proceder-se-á à sua impressão em papel, devendo o escrivão ou chefe de secretaria certificar os autores ou a origem dos documentos produzidos nos autos, bem como indicar a forma como tais dados poderão ser acessados on-line, a fim de se aferir a autenticidade das peças e respectivas assinaturas. Feita a autuação, na forma dos arts. 166 a 68 do CPC, o processo seguirá normalmente a tramitação estabelecida para os processos físicos.

A Lei 11.419 também tratou da questão de acesso aos autos ao proclamar, no § 6º do art. 11, que "os documentos digitalizados juntados em processo eletrônico somente estarão disponíveis para acesso por meio da rede externa para suas respectivas partes processuais e para o Ministério Público, respeitado o disposto em lei para as situações de sigilo e de segredo de justiça". Esse parágrafo, alvo de inúmeras críticas por parte dos advogados, limita o acesso aos autos apenas às partes envolvidas, colidindo frontalmente com o disposto no art. 7° da Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB), que, ao tratar dos direitos dos advogados, traz em seu rol a possibilidade de "examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo [...]". Por ser lei de natureza específica, o imperativo estampado no Estatuto da Ordem possui maior abrangência do que o trazido pela Lei de Processo Eletrônico, norma geral. Por outro lado, embora não seja absoluto - especialmente nas ocasiões em que contrasta com o princípio da privacidade -, o princípio da publicidade permite a qualquer pessoa a vista aos autos processuais, desde que não tramite em segredo de justiça, segundo entendimento do STJ. [110] O fato de estarem amplamente acessíveis pela Internet, e não fisicamente no cartório, não pode constituir razão para oposição de óbice à consulta das peças processuais, tanto é assim que o CNJ revogou o Enunciado n° 11, que, em sintonia com o citado artigo da Lei 11.419, restringia o acesso aos autos de processos eletrônicos "apenas às partes e seus advogados constituídos e ao Ministério Público" [111], no âmbito dos feitos que tramitam naquele Conselho, decidindo, contrariamente, com base no princípio da publicidade e em respeito ao Estatuto da Ordem, que advogados podem ter acesso amplo às peças processuais eletrônicas salvo as que se encontram em segredo de justiça. Em nossa opinião, contudo, deveria ter ido mais além, pois, se os autos hoje são acessíveis a qualquer pessoa em cartório, seria experimentar um claro retrocesso impedir sua consulta por meio da Internet, não aproveitando a valiosa oportunidade "de injeção democrática no Judiciário, de aproximação dos cidadãos e ganho de legitimidade por meio de novas tecnologias [...], maximizando-se a publicidade processual[...], sem se expor publicamente, contudo, dados pessoais das partes" [112]. Dessa forma, apenas os dados de caráter estritamente processual estariam acessíveis ao cidadão comum, como o teor das sentenças, acórdãos e termos de audiência, permanecendo inacessíveis ao público os documentos juntados pelas partes e os dados de natureza eminentemente pessoal, ou que, na interpretação do magistrado, trouxessem prejuízo às partes [113]. Em razão da perplexidade causada pela matéria, o CNJ lançou uma consulta pública, aberta a toda a sociedade por meio do seu sítio na web, a fim de receber sugestões que auxiliem na normatização da aplicação do princípio da publicidade ao processo eletrônico e às informações processuais disponibilizadas na rede mundial de computadores, o que possibilitará o estabelecimento de parâmetros mais claros e legítimos na divulgação do conteúdo dos atos judiciais na Internet [114].

2.4 Críticas à Lei 11.419

A revolução proporcionada pela introdução da Lei 11.419/06 no Judiciário brasileiro trouxe, como vimos e veremos mais adiante, inúmeras vantagens para a prática e comunicação dos atos processuais pelas partes, advogados, servidores e magistrados: da maior transparência na tramitação das peças à eliminação do tempo morto em seu processamento; da facilidade na produção de despachos e sentenças pelos magistrados à comodidade na protocolização de petições pelos advogados, que, de qualquer lugar do mundo com acesso à Internet, podem elaborar e encaminhar suas peças, assinando-as eletronicamente e garantido assim a autenticidade e a integridade das informações, de forma muito mais segura do que o tradicional e dispendioso manuseio do papel.

Apesar de tão festejadas essas características por ampla parte da sociedade, o processo eletrônico também tem sido alvo de algumas críticas, especialmente da OAB, que já ingressou no STF com três ADIs visando à declaração de inconstitucionalidade de trechos de leis que disciplinam o processamento eletrônico dos atos judiciais, notadamente os da lei 11.419. As alegações do referido órgão de classe, em apertada síntese, variam desde o impedimento do direito ao livre exercício da profissão à obstrução da publicidade dos atos processuais. Mas, na realidade, subjacente a todos elas, estão interesses pequenos, pontuais e corporativistas, não condizentes com a histórica postura vanguardista, democrática e defensora da sociedade, característica da Ordem dos Advogados do Brasil.

2.4.1 A polêmica envolvendo a ICP-OAB

Como vimos anteriormente, a entrada em vigor da MP 2.200/2001 conferiu definitivamente validade jurídica aos documentos assinados digitalmente por meio da infra-estrutura de chaves públicas brasileira – ICP-BRASIL, tornando-os equivalentes aos documentos físicos tradicionais.

Segundo a referida norma:

Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória.

§ 1º As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916 - Código Civil.

§ 2º O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.

Pelo estampado no § 2º, não é obrigatório o uso de certificados credenciados pela ICP-Brasil. Porém, a utilização de outro meio eletrônico admitido pelas partes não possui presunção de validade oponível erga omnes, mas apenas às partes e terceiros que explicitamente concordarem em aceitá-lo [115].

A Ordem dos Advogados do Brasil, com base no citado § 2º da MP 2.200 e antes mesmo da promulgação da Lei 11.419/06, já pretendia uma reserva de mercado para os seus certificados digitais, ao instituir uma ICP própria, a ICP-OAB [116]. Alegava que, por tratar-se de identificação de advogado, apenas a ela competiria a responsabilidade de emitir os certificados para os membros de sua classe, conforme disposto na Lei 8.906/94, em seus arts. 13 e 54, X, os quais tratam das funções privativas da OAB:

Art. 13. O documento de identidade profissional, na forma prevista no regulamento geral, é de uso obrigatório no exercício da atividade de advogado ou de estagiário e constitui prova de identidade civil para todos os fins legais. [...]

Art. 54. Compete ao Conselho Federal:

[...]

X - dispor sobre a identificação dos inscritos na OAB e sobre os respectivos símbolos privativos; [...]

Ainda segundo a entidade, a ICP-Brasil emite certificados em nível nacional, de modo que tal prática foge à competência da União, gestora da ICP, caso se entenda que os certificados digitais têm equivalência à cédula de identidade, pois a competência para tal emissão seria privativa dos Estados, por norma expressa constitucional (art. 25, parágrafo 1º da CF) [117].

Ocorre, entretanto, um erro de conceituação por parte da Ordem, pois os certificados emitidos pela ICP brasileira representam, na realidade, um conjunto de tecnologias necessárias à assinatura inequívoca de documentos, e não um novo documento de identidade em substituição ao existente. A moderna assinatura, ou assinatura digital, apresenta-se como códigos numéricos e criptográficos de longa extensão e de difícil violação, os quais precisam ser atribuídos univocamente às pessoas a fim de evitar ambigüidade e comprometer todo o sistema. Contudo, não é nada fácil lidar com números de mais de 100 dígitos toda vez que se deseja assinar um documento, sendo bem mais cômodo, durante o processo de assinatura, fornecer dados aos quais já estamos acostumados, como nosso RG ou nosso CPF. Além disso, é a assinatura, após ter sido aposta ao documento, que precisa ser identificada, remetendo diretamente ao seu signatário. É por essa razão que os certificados digitais, os veículos transportadores das assinaturas digitais, trazem consigo alguns dados de identificação oficial, como CPF, RG e nome completo, pois visam a facilitar o uso das assinaturas bem como indicar o seu signatário [118].

Desse modo, a assinatura digital, por meio de certificados digitais, é meramente uma ferramenta tecnológica que veio substituir os movimentos manuais peculiares na escrita do nome de uma pessoa e a caneta utilizada para deixá-los registrados em papel. O que se deseja, na realidade, é um meio de identificar a assinatura, à semelhança do que faz o notário, distinguindo-se, inevitavelmente, o seu signatário. Não se trata, portanto, de uma nova carteira de identidade em substituição às emitidas pelos Estados ou pelos órgãos de classes, como a OAB.

Como se não bastasse toda a luta para impor sua ICP, a Ordem dos Advogados do Brasil ainda tem enfrentado dificuldades na aceitação de seus certificados no mundo jurídico, uma vez que a infra-estrutura de chaves públicas adotada não tem ponto de contato com a ICP oficial brasileira, a qual, como vimos, é a única capaz de conceder aos documentos validade jurídica irrestrita. Antes do advento da alteração do art. 154 do CPC em 2006, o uso dos certificados da Ordem dos Advogados do Brasil não era obstaculizado, em razão do disposto no art. 10º, § 2º, da MP 2.200-2/2001, que equipara à utilização de certificados não-emitidos pela ICP-Brasil aos por ela emitidos, desde que aceitos por convenção [119]. Contudo, após a reforma da norma, que incluiu um parágrafo único no citado art.154, restringiu-se a prática de atos eletrônicos no Judiciário somente aos que dispunham de certificados emitidos da ICP-Brasil, pondo por terra qualquer pretensão da OAB em seguir adiante com sua estrutura independente de ICP.

Como revanche, a OAB ingressou no STF com três ADIs, as quais, além de versarem sobre vários assuntos relativos ao processo eletrônico, como veremos adiante, também buscavam derrubar o indigitado parágrafo único do art.154 do CPC, visando à manutenção da sua ICP-OAB.

Infelizmente, esse comportamento trouxe algumas dificuldades à sistematização da certificação digital no Brasil, pois, ao tentar manter uma entidade paralela à oficial, com a finalidade exclusiva de atender à classe dos advogados, provocam-se redundâncias em toda a infra-estrutura, comprometendo a padronização e a facilidade de operação e exigindo-se, sempre e de todo modo, que terceiros ou até mesmo os próprios clientes dos advogados concordem expressamente em aceitar documentos assinados com certificados emitidos pela OAB, já que não são obrigados, e, ainda por cima, instalem em seus computadores softwares específicos da ICP-OAB para assegurar sua validade.

Todo esse esforço da OAB, infelizmente, não parece estar sintonizado com os princípios da instituição histórica que sempre postulou por avanços no sistema jurídico brasileiro, pois sua intenção, com as medidas judiciais perpetradas, a despeito de todo prejuízo que possa causar à jurisdição brasileira, é o monopólio da certificação digital dos advogados [120], impedindo-os [121] de adquirir o produto de outros fornecedores a custos mais baixos e engessando todos os atos a serem praticados por eles, pois se vislumbra no uso da referida tecnologia, acima de tudo, um inexorável controle sobre a atuação dos inscritos, de modo que, em caso de inadimplência nas anuidades, suspensão ou exclusão dos quadros, a aplicação da sanção poderá ser feita de maneira imediata, já que o certificado digital é facilmente revogado no banco de dados da entidade, impedindo-se, conseqüentemente, a realização dos atos de peticionamento eletrônico. Ressalte-se que essa atitude fiscalizadora da OAB é totalmente legítima, pois visa a um maior controle de seus inscritos. O que não se pode admitir, todavia, é o monopólio imposto aos seus membros e o alto e desnecessário esforço exigido pela entidade dos demais usuários do sistema, que passariam a conviver com duas infra-estruturas, uma oficial e outra não.

Entretanto, após muita oposição - e graças aos progressos do processo eletrônico à revelia dos certificados da OAB, que andavam, como vimos, à margem da normatização processual [122]-, no final de 2007, a Ordem, temerosa em perder o seu controle eletrônico sobre os advogados, retroagiu em sua posição e inseriu-se na ICP-Brasil, dessa forma possibilitando ao causídico o uso de certificação digital com ampla validade jurídica, tanto para atos judiciais quanto para atos particulares, como os de comércio eletrônico, transações bancárias e contratos privados [123]. Assim, em vez de continuar empreendendo suas forças em uma infra-estrutura de chaves públicas própria e não oficial, da qual pugnava para ser o topo (ICP-OAB), curvou-se à ICP-Brasil, tornando-se um galho dessa árvore hieraquizada, que é totalmente padronizada e segue requisitos internacionais de segurança e operação, além de ser a única infra-estrutura oficial do país. Uma vez que as exigências para se fazer parte da ICP brasileira, conforme indica a MP 2.200, demandam vultosos dispêndios em tecnologia, a OAB firmou um contrato de prestação de serviços com a empresa Certisign, a fim de viabilizar sua a entrada na referida ICP na condição de Autoridade Certificadora (AC-OAB) [124], sem ter, desse modo, que investir em estruturas físicas, equipamentos e programas.

Por fim, convém lembrar que, independentemente da adesão à ICP-Brasil, a entidade ainda continua questionando a constitucionalidade de certos dispositivos das leis de informatização judicial e do processo eletrônico, em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal, como veremos logo a seguir.

2.4.2 ADI 3869

A primeira ADI - a de número 3869, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil contra o artigo 2º da Lei federal 11.280/04, que trata da comunicação oficial dos atos processuais e permite aos tribunais disciplinar sua prática e comunicação por meios eletrônicos [125] - alega contrariedade aos artigos 2°, 5°, 22, 48 e 96 da Constituição Federal. Aduz, em sua petição, que "a comunicação dos atos processuais por meio eletrônico pressupõe a existência de segurança nos sistemas de informática disponíveis. Ocorre, porém, que tais sistemas, em especial a Internet, não se mostram seguros para tanto" [126]. De acordo com a entidade, não há como garantir segurança por parte dos provedores de acesso dos advogados, podendo haver falha nos sistemas de e-mails ou interceptação indevida de terceiros interessados na perda de algum prazo processual. A ação sustenta, ainda, que muitos advogados não possuem recursos econômicos suficientes para adquirir aparelhos eletrônicos e pagar provedores de acesso à Internet. Também afirma que o artigo refutado ofende o princípio da publicidade em razão da instituição do Diário da Justiça Eletrônico, concomitantemente à extinção do diário impresso em papel, uma vez que, "no país, a maioria da população não tem computador", tornando "o conhecimento dos feitos limitado a um grupo pequeno de pessoas", revelando-se, desse modo, uma medida "anti-republicana" [127].

Contudo, não assiste razão à citada entidade, especialmente pelos fracos argumentos apresentados, que beiram a falácia e não encontram suporte na realidade.

Ao contestar a segurança dos sistemas informáticos, a OAB esquece, como pontifica o ilustre professor Túlio Vianna, que uma miríade de atos jurídicos de especial importância é praticada atualmente por meio da Internet, entre eles, transações bancárias, comércio eletrônico, declaração de imposto de renda, operações em bolsas de valores, penhora e pregões on-line, assim como tantos outros cuja segurança das informações é tão ou mais crucial que no procedimento judicial eletrônico [128].

Mesmo inexistindo sistema absolutamente seguro, é inquestionável que as atuais tecnologias podem reduzir significativamente o risco de fraude, levando-o a níveis inferiores aos existentes nas transações não eletrônicas. Basta comparar o risco da falsificação de um documento em papel, como um cheque, ao de uma transação eletrônica, lastreada em forte auditoria, monitoração e demais mecanismos de segurança. Não é à toa que os banqueiros, enxergando nesses procedimentos todas essas garantias, aliadas ainda à economia de recursos de mão-de-obra e de instalações físicas, tornaram-se grandes incentivadores das transações eletrônicas em detrimento do uso do papel. Não há dúvida de que, no mundo celulósico dos tribunais, é muito maior a possibilidade de fraudes e extravios de autos [129].

Quanto à obstrução ao livre exercício da advocacia a alguns advogados que não têm condições econômicas de adquirir os equipamentos informáticos necessários ao uso dos sistemas eletrônicos dos tribunais, tal argumento não pode prosperar. Assim como se espera que um médico estude constantemente novos medicamentos que venham a diminuir o sofrimento de seus pacientes, espera?se também do advogado que este esteja atento aos novos instrumentos tecnológicos que venham a trazer benefícios a um julgamento mais célere das demandas. Aos médicos que não possuem condições econômicas para adquirirem as modernas parafernálias eletrônicas de diagnósticos só lhes resta solicitar de seus clientes que façam os exames em clínicas de terceiros, mas seria inconcebível que se recusassem a utilizar as novas tecnologias por não poderem comprá?las [130]. Aos advogados que não puderem adquirir um computador com conexão à Internet, de modo análogo, caberá terceirizarem estes serviços para outros escritórios ou fazerem uso de telecentros de informática, como bibliotecas públicas, lan-houses e as próprias salas de advogados, hoje estruturadas com equipamentos eletrônicos e suporte dos servidores dos próprios tribunais, auxiliando o causídico na consulta de processos, bem como na protocolação e acompanhamento de suas petições, conforme determina a lei 11.419 em seu artigo 10, § 3º.

Como sabiamente pondera o prof. Túlio Vianna [131]:

A tentativa da OAB de brecar a informatização judicial por via de ação direta de inconstitucionalidade, pelo singelo argumento de dificuldades econômicas de alguns profissionais, mais se aproxima de um luddismo pós industrial do que de um efetivo auxílio a estes advogados. Melhor seria se a OAB, sensível que se mostra às dificuldades destes advogados, proporcionasse condições mínimas para que eles pudessem se inserir na nova dinâmica da sociedade pós moderna, marcada pelo predomínio das comunicações eletrônicas.

No que toca ao princípio da publicidade, aduz a OAB que o dispositivo legal em comento é ofensivo porque, como a maioria da população não tem acesso a computadores e Internet, haveria uma obstrução ao seu direito de acesso à informação e à justiça, com a substituição do velho diário impresso pelo meio eletrônico. Contudo, é de se ressaltar que, mesmo que os tribunais decidam abolir a forma impressa do periódico, a exemplo do que fez o STF, não há que se falar em violação a tal princípio, porque, embora seja pequeno o número de domicílios brasileiros com computador (apenas 25% do total), 60 milhões de pessoas já o utilizam (38% da população) e 54 milhões são usuários da Internet (34% da população). Sem dúvida alguma, números bem superiores ao das pessoas que já consultaram o diário oficial impresso e bem maiores do que a sua tiragem, em torno de 30.000 exemplares [132]. Ao contrario do aduzido, o que se terá é um maior acesso à justiça e com todos os meios inerentes ao perfeito funcionamento do Judiciário. Desse modo, não é difícil perceber que, longe de representar uma ameaça à publicidade, a tecnologia apresenta-se como um meio infinitamente mais eficaz de divulgação dos atos processuais, uma vez que as partes interessadas poderão acompanhar seus processos de suas residências, do trabalho ou computadores públicos espalhados nos vários telecentros do país, tais como bibliotecas e lan-houses, os quais possuem uma taxa de crescimento considerável a cada ano [133].

Em decisão proferida em sede de Medida Cautelar pelo STJ, o Exmo. Ministro Castro Meira defendeu o amplo acesso à justiça presente nos processos eletrônicos. Pelo caráter pedagógico de suas palavras, transcreveremos a decisão em sua inteireza:

Cuida-se de medida cautelar, com pedido liminar, ajuizada com o fim de atribuir efeito suspensivo a recurso ordinário em mandado de segurança interposto contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que restou assim sintetizado:

"MANDADO DE SEGURANÇA. ATO PRESIDENTE TRF4. OBRIGAÇÃO DE UTILIZAÇÃO DO PROCESSO ELETRÔNICO (EPROC) NOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS.

1. A instituição do processo eletrônico é decorrência da necessidade de agilização da tramitação dos processos nos Juizados Especiais Federais, representando a iniciativa o resultado de um enorme esforço institucional do Tribunal Regional da 4ª Região e das três Seções Judiciárias do sul para que não se inviabilize a prestação jurisdicional à população, diante da avalanche de ações que recai sobre a Justiça Federal, particularmente nos Juizados Especiais Federais.

2. O sistema em implantação é consentâneo com os critérios gerais da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade que devem orientar os Juizados Especiais, previstos no art. 2° da Lei 9.099/95, e que são aplicáveis aos Juizados Especiais Federais, conforme disposto no art. 1 ° da Lei 10.259/2001.

3. A sistemática implantada assegura o acesso aos equipamentos e aos meios eletrônicos às partes e aos procuradores que deles não disponham (Resolução n° 13/2004, da Presidência do TRF/4ª Região, art. 2°, §§ 1° e 2°), de forma que, a princípio, ninguém tem o acesso à Justiça ou o exercício da profissão impedido em decorrência do processo eletrônico. Segurança denegada" (fl. 85).

Denegada a segurança, o impetrante interpôs recurso ordinário ao STJ, recebido apenas no efeito devolutivo pela Corte Regional, decisão que acabou por ensejar o ajuizamento da presente medida cautelar.

Nesse contexto, afirma estarem presentes os requisitos autorizadores da concessão da medida cautelar, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora.

Quanto à fumaça do bom direito, aduz que a Resolução nº 13/04, emitida pelo Presidente do Tribunal recorrido, restringiu o acesso à justiça, bem como seu direito ao livre exercício da profissão, já que, de maneira obrigatória e imediata, determinou a introdução do meio eletrônico nos Juizados Especiais Federais, tanto para o ajuizamento das causas, como para protocolização de petições, juntada de documentos e prática dos demais atos processuais.

Transcrevo excertos de suas razões:

"(...) 33. Ora excelências, não é lícito que se impeça o advogado que na manuseie computador ou detenha conhecimento de informática de exercer sua profissão, com o que não se critica a inserção do processo eletrônico, fruto natural dos novos tempos e resultado inexorável da evolução, que não se pode fugir, mas apenas sua obrigatoriedade, já que sua inserção poderia e deveria se dar facultativamente, como ocorre em tantos tribunais, onde já se aceita o envio de petições via e-mail, sem, no entanto, banir-se os meios tradicionais. (...)" (fl. 09).

Aduz o perigo na demora sob o argumento de que "o ora PETICIONÁRIO vem sofrendo prejuízo dia a dia, com restrição profissional a que vem sendo submetido desde a edição da malfadada resolução emitida pelo então Presidente do TRF da 4ª Região, que passou a vedar qualquer outra forma de processo junto aos juizados especiais do TRF da 4ª Região que não o virtual. (...)" (fl.14).

Por fim, requer "com urgência, que lhe seja permitido o ajuizamento de causas e recebimento de petições dentro destes feitos, pelos meios usuais e ainda que suas intimações se dêem pelos órgãos oficiais de praxe, cessando de imediato seu prejuízo financeiro, com a impossibilidade, que, na prática vem sofrendo, ao não lhe ser permitido o labor junto aos Juizados Especiais Federais da 4ª Região" (fl. 14).

O pedido de assistência judiciária ora formulado foi indeferido por decisão proferida pelo Exmo. Sr. Presidente deste Tribunal, ante a ausência de comprovação de que o benefício fora concedido na ação principal. (fl. 106).

Relatado. Decido.

No âmbito desta Corte, apenas excepcionalmente considera-se viável medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso ordinário em mandado de segurança. Exige-se, para tanto, a presença do requisito da urgência com a possibilidade de perecimento do direito nos casos em que a decisão recorrida se revelar de natureza teratológica.

Em juízo de cognição sumária, entretanto, não constato os requisitos autorizadores do provimento de urgência. O sistema eletrônico é conseqüência da adoção dos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade que devem orientar os Juizados Especiais (art. 2° da Lei 9.099/95) que, por sua vez, são estendíveis aos Juizados Especiais Federais, consoante art. 1° da Lei 10.259/2001. Por uma análise superficial, constata-se que o sistema resguarda o acesso aos meios eletrônicos às partes e aos procuradores que deles não disponham, conforme dicção dos arts. 2°, §§ 1° e 2° da Resolução nº 13/04. Por outro lado, inexiste nos autos qualquer documento que demonstre, de maneira efetiva, que o requerente estaria perdendo clientes.

A mera alegação de "serem incalculáveis as oportunidades de trabalho perdidas pelo ora PETICIONÁRIO" (fl. 05) é inapta a caracterizar o perigo na demora e a lesividade do provimento atacado.

Ante o exposto, extingo o processo sem julgamento de mérito, com fundamentono art. 267, incisos I, IV e VI, do Código de Ritos.

Intime-se. Publique-se.

(STJ; MC Nº 11.167 – RS 2006/0026431-8; Rel. Min. Castro Meira; DJ 15/03/2006)

A ADI 3869 ainda está em tramitação no STF, e no final de 2009 foi apresentado o parecer do Procurador Geral da República, opinando pelo não conhecimento da ação.

2.4.3 ADI 3875

A ADI 3875, proposta pela OAB contra o Tribunal de Justiça de Sergipe, visa à impugnação da Resolução 07/2007, que institui o Diário de Justiça Eletrônico como meio exclusivo de publicação de atos administrativos e processuais do Poder Judiciário sergipano, em substituição à versão impressa [134]. Em defesa de seu pedido, sustenta a Ordem haver inconstitucionalidades formais e materiais na elaboração da referida norma.

Relativamente aos problemas formais, alega a entidade de classe que, ao dispor sobre comunicação oficial de atos processuais, o TJ de Sergipe laborou em tema reservado pela CF ao domínio da lei, pois, tratando-se de normatização de procedimento em matéria processual (art. 24 da CF, XI), caberia apenas ao Legislativo Estadual a elaboração de norma disciplinadora da matéria no âmbito do Estado sergipano [135].

Entretanto, conforme adverte o Prof. José Carlos de Araújo Almeida Filho, incidiu em erro a entidade ao postular que a resolução é norma de procedimento em matéria de processo. Apoiando-se em ensinamentos de Luiz Rodrigues Wambier, assevera o professor que "a criação dos diários na modalidade eletrônica não é norma processual, nem tampouco procedimental. Quando muito, poder-se-ia, por amor ao debate acadêmico, taxá-las de meta-procedimental" [136], colocando-se a resolução numa categoria que vem após a regulamentação do procedimento, a exemplo dos atos promanados dos tribunais com o fito de organizarem suas secretarias e seus serviços auxiliares (art. 96, I, b, CF). Desse modo, inexistiria qualquer inconstitucionalidade formal na normatização da matéria pelo TJ de Sergipe.

No que toca às inconstitucionalidades materiais, aduz a OAB que a resolução 07/2007, ao eliminar a forma impressa do Diário de Justiça sergipano, vulnera "diversos dispositivos constitucionais garantidores do amplo acesso à justiça, do devido processo legal, da indispensabilidade do advogado à administração da justiça e da publicidade dos atos processuais e publicidade dos atos administrativos, frustrando os mecanismos de controle social do poder" [137].

Contudo, como já é de nosso conhecimento, em razão de argumentações similares sustentadas pela OAB em outras ADIs, novamente não há que se falar em inconstitucionalidades materiais pelos motivos elencados.

Como bem esclarece o Prof. Almeida Filho [138], não há violação aos princípios da publicidade, moralidade administrativa e acesso à justiça ou a qualquer outro aduzido na ADI em comento ao se adotar o Diário de Justiça na modalidade eletrônica, uma vez que, por força do disposto na Lei 11.419/06, os tribunais deverão disponibilizar equipamentos a fim de garantirem a utilização do processamento eletrônico por todos os interessados. Ademais, como visto ao tratar da ADI 3869, a quantidade de domicílios com acesso à Internet no Brasil, cerca de 20 milhões, é consideravelmente superior ao número de exemplares impressos do Diário Oficial da União (30.000), de forma que haverá, na verdade, um aumento da publicidade dos atos judiciais e administrativos, pois passarão a estar acessíveis de maneira muito mais fácil, rápida e atualizada, com a vantagem ainda de reduzir custos e permitir maior agilidade ao andamento processual.

Ainda em tramitação no STF, a ADI 3875 aguarda parecer do Procurador Geral da República, que a, julgar pelo posicionamento contrário aos pedidos da OAB em ADIs versando sobre matérias semelhantes, deverá pronunciar-se pelo não acolhimento da ação.

2.4.4 ADI 3880

A ADI 3880 [139], também proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, tem como finalidade específica atacar a Lei 11.419/06, que disciplina a informatização do processo judicial, em seus artigos 1º, §2º, III, b, 2º, 4º, 5º e 18, alegando como argumento ofensa aos princípios da proporcionalidade, isonomia e publicidade, bem como aos artigos 5º, caput e seus incisos XIII e LX; art. 84, IV; art. 93, I; art. 103, VII; art. 103-B XII, §6°; art. 129, §3°; art. 130-A, V, §4º; e art.133 da CF.

Passemos a análise da Lei 11.419, que no rechaçado art. 1º, §2º, III, b da Lei 11.419, prevê, in verbis:

§ 2º Para o disposto nesta Lei, considera-se:

[...]

III - assinatura eletrônica as seguintes formas de identificação inequívoca do signatário:

a) assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma de lei específica;

b) mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.

Inicialmente, e como bem lembra o Prof. Túlio Viana em seu parecer [140] à referida ADI, é preciso deixar registrada a impropriedade técnica do inciso ao se referir à assinatura eletrônica como método de identificação, quando, ao bem do rigor científico e da clareza semântica, deveria ter escolhido o termo autenticação ou verificação.

A fim de afastar quaisquer dúvidas com relação aos termos citados, transcreveremos preciosa lição do eminente professor em que fica clara a distinção entre os vocábulos:

A autenticação é um processo de verificação para se assegurar que a pessoa X é realmente quem ela alega ser. Trata?se de uma comparação 1:1, exempli gratia, o reconhecimento de firma que tradicionalmente foi realizado pelos cartórios comparando a assinatura manuscrita com uma anterior previamente cadastrada.

A identificação, por sua vez, é um processo usado para se descobrir a identidade de um indivíduo quando esta é desconhecida (o usuário não faz nenhuma alegação de identidade). Trata se de uma comparação 1:N, exempli gratia, a comparação da arcada dentária de ossadas desconhecidas com os registros de supostas vítimas até que se identifique de qual delas se trata.

Percebe-se, assim, de maneira cristalina, que o procedimento normatizado pelo referido inciso da Lei do Processo Eletrônico não trata de identificação, mas de autenticação, pois a assinatura eletrônica deve sempre trazer uma referência para o seu responsável, cuja identidade, portanto, já deve ser conhecida, para ser possível autenticar sua assinatura. O que se busca ao assinar eletronicamente um documento é garantir que a operação foi realizada inequivocamente por uma determinada pessoa, evitando-se um eventual repúdio. Desse modo, não é difícil enxergar que a real intenção do inciso é atestar a autoria do documento por meio da assinatura eletrônica, comprovando se uma pessoa específica assinou ou não um documento eletronicamente.

Contudo, mesmo tratando-se de conceitos diferentes, como vimos, é importante ressaltar a interdependência entre eles, pois não seria possível haver autenticação sem que antes ocorresse um registro dos usuários habilitados, geralmente feito por meio de um cadastro centralizado.

E, por essa razão, imaginando a necessidade de um cadastramento para permitir o uso seguro do sistema de processamento eletrônico de ações judiciais e viabilizar a autenticação da assinatura de seus usuários, o legislador determinou explicitamente o credenciamento dos interessados, como reza o art.2º da Lei 11.419/06, in verbis:

Art.2º. O envio de petições, de recursos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico serão admitidos mediante uso de assinatura eletrônica, na forma do art.1º desta Lei, sendo obrigatório o credenciamento prévio no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.

1º O credenciamento no Poder Judiciário será realizado mediante procedimento no qual esteja assegurada a adequada identificação presencial do interessado.

§ 2º Ao credenciado será atribuído registro e meio de acesso ao sistema, de modo a preservar o sigilo, a identificação e a autenticidade de suas comunicações.

§ 3º Os órgãos do Poder Judiciário poderão criar um cadastro único para o credenciamento previsto neste artigo.

Diante do exposto, podemos divisar similaridades entre os procedimentos e conceitos utilizados no processo eletrônico e os adotados pelos cartórios de notas, quando um interessado dirige-se até um tabelionato e solicita seu registro de firma. Nesse caso, o tabelião requesta a identificação civil do interessado a fim de transcrever seus dados para o cadastro do cartório e, em seguida, apresenta-lhe uma ficha-padrão, já identificada, para que aponha sua assinatura. É por meio desse necessário cadastramento no tabelionato que se torna possível localizar o signatário e atestar a autenticidade de sua assinatura em qualquer documento.

Note, portanto, que há duas etapas no processo cartorário, semelhantemente ao que é requerido no processo eletrônico pela Lei 11.419: num primeiro momento, é feito o cadastro do interessado a fim de habilitá-lo a usar o serviço de autenticação de firma; em uma etapa posterior, é feita a verificação da assinatura aposta a um documento, comparando-se com a que consta em seu registro prévio no tabelionato.

De todo modo, em nenhum momento, o cartório usurpou as prerrogativas constitucionais da OAB de identificar os seus inscritos, pois cada cadastro tem finalidade diferente. Enquanto a entidade de classe visa a identificar e habilitar, de maneira exclusiva e após o cumprimento dos requisitos legais, um cidadão à prática da advocacia, distinguindo-o das demais pessoas, os registros de notas visam apenas a cadastrá-lo em seus sistemas e arquivos para que ele possa se tornar, com segurança, um USUÁRIO de um serviço público de autenticação de documentos. Seria impensável e inviável exigir de um advogado que só pudesse autenticar seus escritos nas representações da OAB.

No caso do processo eletrônico, também não há usurpação de prerrogativas, porque a finalidade do cadastro é meramente autenticar TODOS os usuários do sistema (juízes, partes, advogados, peritos, servidores, etc.), para garantir segurança jurídica aos documentos, sendo um mecanismo indispensável, como vimos, para a validação das assinaturas eletrônicas. Em momento algum, tal autenticação conflita com as atribuições da OAB, pois a FINALIDADE de cada cadastro é distinta.

Na realidade, a polêmica suscitada pela entidade de classe na alegada usurpação de atribuições, fustigando os artigos 1º, §2º, III, b e 2º da Lei 11.419 em sua ADI, busca inviabilizar a assinatura dos advogados por meio de login e senha, porque - a despeito de todo prejuízo que pudesse causar às medidas de implementação de celeridade e eficiência na Justiça brasileira, representadas notadamente pela adoção do processo eletrônico - visa simplesmente a um motivo pouco nobre, que é o monopólio dos certificados digitais dos advogados, a serem emitidos exclusivamente por sua ICP-OAB (hoje, AC-OAB), tornando esse mecanismo a única forma legítima de assinatura eletrônica dos causídicos nos sistemas de processo eletrônico do país [141].

Portanto, não há razão para declaração de inconstitucionalidade do art.1º, §2º, III e do art.2º da Lei 11.419/06, por ofensa às funções institucionais da OAB estampadas nos arts. 93, I; 103, VII;103-B, XII, §6º;129, §3º;130-A, V, §4º, da CF, pois o que se tenciona verdadeiramente é a autenticação dos documentos, garantindo-lhes segurança jurídica, a exemplo dos serviços prestados pelos cartórios de notas brasileiros. Tampouco há usurpação de competências, uma vez que os cadastros usados pela OAB, cartórios e Judiciário prestam-se a finalidades distintas e necessárias ao seguro funcionamento da Justiça [142].

Também não há que falar em ofensa ao art. 5º, XIII da Constituição Federal, que garante "o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer", em razão do cadastro no Judiciário, até porque a exigência de que se informem endereço, telefone e outros dados necessários para a comunicação com as partes não se trata de restrição ao exercício da advocacia, mas de dever a ser cumprido pelo advogado já na petição inicial e na contestação, por disposição expressa do art. 39 do CPC [143]. Além do mais, é pratica corriqueira nos tribunais e amplamente aceita pelos advogados, em razão dos benefícios que gera, o armazenamento dessas informações em bancos de dados judiciais, a fim de facilitar o acesso aos autos.

Em continuidade, também alega a entidade de classe que o indigitado cadastro importaria em exigências excessivas para o livre exercício da advocacia, pois sua adoção submeteria os advogados a meios excessivos de identificação, constituindo uma ameaça aos direitos fundamentais do profissional e colidindo frontalmente com o principio da proporcionalidade. Contudo, como bem observa o professor Túlio Vianna, ponderando-se o pequeno ônus criado ao causídico para preencher um cadastro com dados para comunicação com o Judiciário, inclusive já requeridos pelo próprio CPC nas petições iniciais, e o amplo benefício da celeridade, revertido em benefício de todos, inclusive do próprio advogado, fica evidente a proporcionalidade da medida [144], não caracterizando excessos um mero cadastramento nos tribunais, o que pode ser feito, por exemplo, no momento da protocolização de uma nova ação ou na consulta aos autos físicos em cartório.

No que toca aos princípios da publicidade e da isonomia, subleva-se a Ordem dos Advogados do Brasil contra a adoção do Diário de Justiça Eletrônico, disciplinado pelo art. 4º da Lei 11.419, in verbis:

Art. 4º Os tribunais poderão criar Diário da Justiça eletrônico, disponibilizado em sítio da rede mundial de computadores, para publicação de atos judiciais e administrativos próprios e dos órgãos a eles subordinados, bem como comunicações em geral.

[...]

§ 2º A publicação eletrônica na forma deste artigo substitui qualquer outro meio e publicação oficial, para quaisquer efeitos legais, à exceção dos casos que, por lei, exigem intimação ou vista pessoal.

Alega, em apertada síntese, a dificuldade que a medida imporá a muitos advogados que não têm acesso à Internet para acompanharem suas demandas e as decisões judiciais em meio eletrônico, justificando sua preocupação por meio de pesquisas do Comitê Gestor da Internet no Brasil - CGI que indicam a baixa difusão da tecnologia no país, atingindo apenas cerca de 34% da população brasileira. Contudo, a mesma pesquisa também revela que 86,95% dos brasileiros com curso superior já acessaram a Internet, e os que não fizeram até agora alegaram falta de interesse/necessidade (49%) ou indisponibilidade do serviço onde vivem (1,67%), demonstrando claramente que os advogados não acessam a Internet não por razões de ordem financeira, mas por não divisar na tecnologia qualquer vantagem profissional [145]. De todo modo, a própria Lei 11.419, atenta às dificuldades dos que apresentam problemas financeiros, determinou a reserva de equipamentos nos tribunais a fim de permitir a prática dos atos processuais.

Com relação ao restante da população, argumenta a OAB que a implantação do Diário Eletrônico traria ainda mais dificuldades de acesso às suas demandas, numa verdadeira obstrução do acesso à justiça. Entretanto, não é o que se percebe ao comparar a tiragem do Diário Oficial da União, em torno de 30.000 exemplares, com a quantidade de 20 milhões domicílios [146] com acesso à Internet no Brasil, revelando, na verdade, uma ampliação do acesso à justiça graças aos recursos tecnológicos [147]. E, como vimos em seções anteriores, mesmo sem computador em suas residências, as pessoas têm acessado cada vez mais a Internet a partir de locais alternativos, como o trabalho e centros públicos de acesso, como lan-houses, bibliotecas, entidades comunitárias, etc.

Diante desses dados, portanto, não há que se falar em violação ao principio da isonomia, tampouco ao princípio da publicidade. Melhor seria se a OAB, sensível às dificuldades dos advogados, realizasse ações no sentido de familiarizá-los com os serviços de tecnologia oferecidos pelos tribunais, preparando-os para operarem os sistemas, a fim de se beneficiarem de todas as vantagens oferecidas pela nova dinâmica processual.

Finalmente, exproba a OAB ao art. 18 da Lei do processo eletrônico que autoriza aos órgãos do Poder Judiciário a regulamentação da referida Lei, no âmbito de suas competências, argumentando que compete privativamente ao Presidente da República a regulamentação de lei, nos termos do art. 84, IV, da CF. A essa alegação devemos nos curvar, mesmo que parcialmente, pois novamente o legislador negligenciou os cuidados com o rigor técnico e a precisão das palavras, uma vez que não cabe ao Judiciário regulamentar, mas disciplinar por resoluções as leis no âmbito de suas competências. E, como preleciona o Prof. Túlio Viana, o mais adequado seria uma "declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, tão somente para se excluir a hipótese interpretativa de expedição de regulamento por parte do Poder Judiciário" [148].

A ADI 3880, assim como as demais que tratam do processo eletrônico, ainda está em tramitação no STF, e no final de 2009 foi apresentado o parecer do Procurador Geral da República, opinando pelo indeferimento dos pedidos constantes da petição inicial.

Após esse rápido passeio nas dificuldades normativas enfrentada pela Lei 11.419, e vencidas as críticas sobre a implantação do processo eletrônico nos tribunais, é preciso analisar as vantagens já alcançadas com sua adoção, o que faremos no capitulo posterior.

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Sobre o autor
Samuelson Wagner de Araújo e Silva

Bacharel em Direito pela UFPB. Graduado em Telemática pela IFPB. Analista Judiciário do TRT 13 Região

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Samuelson Wagner Araújo. Processo eletrônico: o impacto da Lei nº 11.419/2006 na mitigação da morosidade processual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2553, 28 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15112. Acesso em: 23 dez. 2024.

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