4 CONCLUSÃO
Pelo exposto, importa reforçar que na atual quadra do direito constitucional, a dignidade da pessoa humana figura no núcleo dos direitos fundamentais e como fundamento destes, servindo de instrumento hábil para a realização de uma leitura ética das normas (infra)constitucionais, buscando a conformação de todo o ordenamento à Constituição [17].
A inserção do referido princípio no texto constitucional vem a consolidar, conforme se observou, a doutrina pós-positivista, que resgata a conjugação entre o Direito e a ética e, ipso facto, marca a superação da doutrina positivista normativista. O pós-positivismo, então, mostra que a pureza do direito e a neutralidade do intérprete nem sempre atendem às necessidades sociais e prestam-se à concretização dos ideias de justiça.
Deste modo, conclui-se, com arrimo em Piovesan (2010, p. 32) que o valor-guia da dignidade da pessoa humana, bem como o valor dos direitos e garantias fundamentais, vêm a constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro.
REFERÊNCIAS
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______. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro: pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. In Temas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, t. II.
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BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa: por um direito constitucional de luta e resistência, por uma nova hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: Malheiros, 2001.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
GRAU, Eros. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
______. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 3. ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009.
Notas
- Conforme ensinamento de Dallari (1989, p. 240), "a liberdade, consagrada nas Constituições, não tinha chegado até àqueles que só possuíam sua força de trabalho".
- Nesse sentido, Coelho (2010, p. 202) observa que "era evidente que, mais cedo ou mais tarde, esse modelo, porque unilateral, esgotaria as suas possibilidades, o que efetivamente ocorreu, ensejando mudanças profundas no chamado Estado de Direito liberal-burguês, seja de maneira mais ou menos pacífica, na vertente das reformas negociadas, seja de forma violenta, na esteira das revoluções marxistas, como as que ocorreram na Rússia (1917) e na China (1949)".
- Em conformidade com o pensamento de Comparato (2010, p.66), "o reconhecimento dos direitos humanos de caráter econômico e social foi o principal benefício que a humanidade recolheu do movimento socialista, iniciado na primeira metade do século XIX. O titular desses direitos, com efeito, não é o ser humano abstrato, com o qual o capitalismo sempre conviveu maravilhosamente. É o conjunto dos grupos sociais esmagados pela miséria, a doença, a fome e a marginalização".
- Conforme Silva (1997, p.83), a Constituição de 1934, ao lado da clássica declaração de direitos e garantias individuais, inscreveu um título sobre a ordem econômica e social e outro sobre a família, a educação e a cultura, com normas quase todas programáticas, sob a influência da Constituição alemã de Weimar.
- Nas palavras de Barroso (2000, p. 20), a Constituição de 1934, "em uma fórmula de compromisso entre capital e trabalho, delineou o arcabouço formal de uma democracia social, que não se consumou".
- O positivismo jurídico operou a importação do positivismo filosófico ao Direito, buscando criar uma ciência jurídica baseada na realidade observável e não na especulação filosófica. Buscou, portanto, a separação entre direito e moral ou a valores transcendentes. Direito passa a ser norma, isto é, ato emanado do Estado com caráter imperativo e força coativa (BARROSO, 2009, p. 239-240).
- Para uma melhor compreensão: BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro: pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. In Temas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, t. II, p. 24-27.
- A expressão "neoconstitucionalismo" é de uso corrente na doutrina. Recebe essa denominação, precisamente, em razão do advento das constituições democráticas surgidas no segundo pós-guerra. Pode aparecer ainda sob outras denominações, como, por exemplo, novo direito constitucional, constitucionalismo contemporâneo, dentre outras.
- Acerca da compreensão do jusnaturalismo e da inserção nos textos constitucionais de "normas" oriundas do direito natural, Sarlet (1998, p.103) ensina que "da concepção jusnaturalista remanesce, sem dúvida, a constatação de que uma Constituição que – de forma direta ou indireta – consagra a idéia da dignidade da pessoa humana justamente parte do pressuposto de que o homem, em virtude tão-somente de sua condição biológica humana e independentemente de qualquer outra circunstância, é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados pelos seus semelhantes e pelo Estado".
- Tomando por base uma noção um pouco mais relativa, Barroso (2009, p. 248) sustenta que o pós-positivismo surge como uma terceira via entre as concepções positivista e jusnaturalista, contestando o postulado positivista da separação ente Direito, moral e política
- Conferir BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Revista de direito constitucional e internacional, São Paulo, n. 58, p. 129/173, jan.-mar. 2007.
- A efetividade é a eficácia social da norma, consubstanciada na sua capacidade de aproximar, o quanto possível, o dever-ser normativo e o ser da realidade social (BARROSO, 2009, p. 254). Para uma melhor compreensão, conferir BARROSO, Luís Roberto. A doutrina brasileira da efetividade. In Temas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, t. III, p. 61-77.
- Vale dizer, por oportuno, que a expressão "norma" mencionada neste trabalho baseia-se nas lições de Eros Grau, segundo o qual "a norma encontra-se, em estado de potência, involucrada no texto. Mas ela se encontra assim nele involucrada apenas parcialmente, porque os fatos também a determinam (..) a norma é produzida, pelo intérprete, não apenas a partir de elementos textuais que se desprendem do texto (mundo do dever-ser), mas também a partir de elementos do caso ao qual será aplicada, isto é, a partir de elementos da realidade (mundo do ser). Interpreta-se também o caso, necessariamente, além dos textos e da realidade – no momento histórico no qual se opera a interpretação – em cujo texto serão eles aplicados" (2009, p. 32).
- Com o fito de diferenciar as expressões "dignidade da ‘pessoa’ humana" e "dignidade humana", Sarlet (1998, p. 106) leciona que "a dignidade constitui atributo da pessoa humana individualmente considerada, e não de um ser ideal ou abstrato, não sendo lícito confundir as noções de dignidade da pessoa humana e dignidade humana (da humanidade)".
- Conforme Piovesan (2010, p. 28) "sob o prisma histórico, a primazia jurídica do valor da dignidade humana é resposta à profunda crise sofrida pelo positivismo jurídico, associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha (...). Nesse contexto, ao final da Segunda Guerra Mundial, emerge a grande crítica e o repúdio à concepção positivista de um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos, confinado à ótica meramente formal".
- Nesse sentido, conferir: STF, AgR-RE n. 271.286-8, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 12.09.2000.
- Barroso (2009, 363) denomina tal fenômeno como "constitucionalização do direito", salientando que, no atual contexto, "a Constituição passa a ser não apenas um sistema em si – com a sua ordem, unidade e harmonia – mas também um modo de olhar e interpretar todos os demais ramos do Direito. Esse fenômeno, identificado por alguns autores como filtragem constitucional, consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados". Assim, a "constitucionalização do direito infraconstitucional não tem como sua principal marca a inclusão na Lei Maior de normas próprias de outros domínios, mas, sobretudo, a reinterpretação de seus institutos sob uma ótica constitucional".