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Inelegibilidade e inabilitação no Direito Eleitoral

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01/12/1999 às 01:00
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§ 3. - Inelegibilidade e inabilitação: aspectos comuns.

Se consultarmos os livros escritos sobre Direito Eleitoral, bem como aqueles destinados a comentar a Constituição Federal, os quais de passagem terminam tratando das normas eleitorais ou com implicações eleitorais, veremos que eles se ocupam, com ênfase, do problema da inelegibilidade, visto como um dos mais importantes de nossa área de estudo. Se fizermos uma pesquisa mais detida, notaremos que não houve entre os estudiosos, sejam eles os clássicos, sejam eles os escritores mais recentes, nenhuma menção mais conseqüente acerca do instituto da inabilitação. Deveras, até bem pouco tempo não havia nenhuma preocupação em precisar o significado dessa expressão, por vezes adotada em textos legais, pois raramente no Brasil havia a aplicação concreta de normas sancionadoras aos agentes políticos, assim entendidos os ocupantes de cargos eletivos.

Com a democratização do País e a liberdade de informação, forçoso convir que houve uma mudança em nossos hábitos políticos, sendo crescente a politização do povo e a fiscalização das gestões públicas. Após a Carta de 88, que outorgou maiores poderes investigativos ao Ministério Público, começaram a surgir inúmeras denúncias contra diversos administradores públicos, mais da vez pela prática de atos de improbidade administrativa, culminando com a existência de condenação criminal de muitos deles e, não raro, com a possibilidade de apenamento político por crime de responsabilidade, quando o acusado era o Chefe do Poder Executivo de qualquer das esferas das autonomias públicas (União, Estados-Membros e Municípios).

Com essa explosão, em todo o País, de processos de impeachment de governantes ímprobos, bem como de processos criminais contra Prefeitos Municipais, a questão da inabilitação, antes de pouco interesse teórico e prático, passou a ganhar assomado relevo, iniciando por ocupar a preocupação dos operadores do Direito (advogados, promotores e magistrados), os quais tiveram que discutir sobre tal instituto sem qualquer lastro teórico prévio, eis que sobre ele nada havia ainda sido sistematicamente escrito. Assim, o tema passou a ser tratado sob a urgência das decisões judiciais, sendo discutido sob os condicionamentos dos casos concretos em que ele foi suscitado, o que tem gerado, por isso mesmo, certa perplexidade, mercê da falta de isenção de ânimo no seu estudo.

A nossa preocupação, nessa visada, é responder algumas questões que têm sido constantemente postas quando se discute sobre a inabilitação, além de outras tantas, as quais, por não terem sido postas, condicionaram negativamente a reflexão sobre as primeiras. Assim, tem-se discutido sobre se a inabilitação para o exercício de função pública, aplicada ao Presidente da República contra o qual seja julgada procedente a acusação de prática de crime de responsabilidade (art.52, parágrafo único da CF/88), seria aplicável para todos os cargos (eletivos e de nomeação), ou se os cargos eletivos estariam fora desse preceito. Outrossim, indaga-se sobre o que seja função pública, para efeito de aplicação dessa norma, vez que o termo é indeterminado, podendo possuir várias conotações.

Embora legítimas essas questões, penso que são elas dependentes do enfrentamento de outras tantas, as quais condicionam a compreensão do instituto da inabilitação. Deveras, é curial que possamos, prejudicialmente, explicar a natureza jurídica desse instituto, confrontando-o com o da inelegibilidade. Superada essa difícil empreitada, que muito nos ajudará a remover alguns equívocos que têm empanado o estudo do problema, passaremos a estudar as normas jurídicas que tratam desse instituto, procurando resolver aspectos hermenêuticos cruciais. Ao depois, poderemos então tentar dar uma resposta satisfatória aos pontos práticos mais relevantes que a matéria suscita, delimitando o conceito de inabilitação para o Direito Eleitoral.


§ 4. - Função pública e inabilitação.

Visto o conceito de inelegibilidade, com espeque em nossa teoria da elegibilidade, parece-nos curial agora confrontá-la com o instituto da inabilitação. Para tanto, necessário não perder de vista que tal instituto tem sua base empírica no ordenamento jurídico, vale dizer, deve ele ser pesquisado e conceitualmente extraído das normas postas, as quais delimitam seu significado e seus limites. Aqui, deve-se guardar na retentiva o princípio da coextensividade entre o âmbito de validade normativa e o âmbito de referibilidade doutrinária(2), buscando resgatar, ao menos provisoriamente, o conceito de inabilitação dentre as normas que a ela se referem.

A Carta Constitucional de 1988, em seu parágrafo único do art.52, prescreve:

Art.52, parágrafo único da CF/88 - "Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis." (grifei).

Também em vigor se encontra o § 2º do art.1º do Decreto Lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967, que dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores(3), cujo dispositivo também prescreve a inabilitação:

Art.1º, § 2º do DL 201/67 - "A condenação definitiva em qualquer dos crimes definidos neste artigo acarreta a perda do cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular." (grifei)

Analisando ambos os preceitos, a primeira observação a ser feita é a de que a inabilitação é uma sanção irrogada aos agentes políticos que cometeram atos de improbidade administrativa, como tais passíveis de apenamentos cíveis, criminais, administrativos e políticos. Essa constatação não é sem importância, pois evita que venhamos a confundir a inabilitação, na esfera eleitoral, com a ausência de uma das condições de elegibilidade, consoante por vezes se tem asseverado. Realmente, quem não possui uma das condições de elegibilidade (como a filiação partidária, ou a idade mínima exigível, v.g.), é inelegível originariamente, como sói acontecer com todos os que não podem registrar a sua candidatura, mercê de défice no preenchimento dos pressupostos necessários para o cargo para qual deseja o nacional concorrer. Portanto, com olhos presos no ordenamento jurídico, não se pode chamar, ainda que metaforicamente, a ausência de uma das condições de elegibilidade de inabilitação, porque aí se estaria aplicando tal termo jurídico de modo diverso do que lho aplicou o sistema, criando uma indevida ambigüidade. Se se afirma que alguém está inabilitado, por certo não se estará referindo ao fato de não ter ele disponível em sua esfera jurídica as inafastáveis condições de elegibilidade. Se há o desejo de afirmar tal ausência inata de elegibilidade, deve-se dizer que alguém está inelegível originariamente, em razão de não ter direito ao registro de candidatura. A diferença ressalta e convém não seja embaralhada.

Como hipótese de trabalho, visto ser esta uma questão que apenas posteriormente poderemos responder, façamos de conta que a inabilitação implique também a impossibilidade de candidatura a cargo eletivo durante o trato de tempo previsto na legislação. Ou seja, suponhamos que a inabilitação, como sanção que é, obstaculize o inabilitado a concorrer a mandato eletivo, mercê de ter praticado ato de improbidade. Nesse caso, seria a inabilitação uma espécie de sanção diversa da inelegibilidade?

Resulta evidente que a inabilitação, prevista nas normas citadas, é uma pena aplicada ao agente político condenado por crime de responsabilidade. Como tal, é uma pecha, um estigma posto na esfera jurídica do nacional, visando desbastá-lo de uma faculdade que em circunstâncias normais ele poderia vir a ter. Tratando-se de mandato eletivo - que é a hipótese com a qual estamos trabalhando -, já alinhavamos que o direito de ser votado chama-se tecnicamente elegibilidade. Quem não tem elegibilidade não tem o direito de concorrer a um mandato eletivo, granjeando votos e praticando atos de campanha em seu próprio nome, sendo pois inelegível. A inelegibilidade, já o dissemos, é a ausência, perda ou obstáculo-sanção à elegibilidade.

Ora, se o nacional sofre uma sanção, em virtude de algum ilícito eleitoral ou de algum ilícito não-eleitoral, mas com repercussões no Direito Eleitoral, resta cominado de inelegibilidade simples e potenciada. A inelegibilidade cominada potenciada, consoante mostramos, é a sanção aplicada ao nacional, pela qual fica ele impedido de apresentar sua candidatura durante o tempo em que ela vigorar. Portanto, funciona ela como um obstáculo-sanção à realização do registro de candidatura, impedindo nasça para o sancionado o direito de ser votado.

Assim, a inabilitação para concorrer a mandato eletivo é uma espécie de inelegibilidade cominada potenciada, consistindo no impedimento de registrar a candidatura enquanto durar a sanção, ainda que o nacional possua todas as condições de elegibilidade presentes.

Bem assentado esse aspecto a respeito da inabilitação ao exercício de mandato eletivo, cabe-nos agora refletir sobre a verdade da afirmação segundo a qual o ordenamento jurídico efetivamente prescreve tal espécie de inabilitação. Conforme já salientamos, há quem afirme que a inabilitação é uma pena que tão-só inibe o exercício de cargo público de nomeação, não atingindo o livre exercício de mandato eletivo. O nó górdio da disputa estaria no significado atribuído à expressão "função pública", ou seja, se ela alcançaria ou não os mandatos eletivos. Se não alcançar, ainda que aplicada a inabilitação ao nacional, poderia ele pleitear validamente o registro de candidatura, dês que presentes as condições de elegibilidade.

Além da Constituição Federal e do Decreto Lei 201/67, a expressão função pública aparece em dois outros diplomas legais em vigor, os quais também aplicam a sanção de impossibilidade de exercê-la. O Código Penal Brasileiro, com a redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º de abril de 1996, prescreve em seu art.92, inc. I, a seguinte norma:

Art.92 do CP - "São também efeitos da condenação:

I - A perda de cargo, função ou mandato eletivo:

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos nos demais casos.

Doutra banda, os incisos I, II e III do art.12 da Lei nº 8.429/92 prescrevem também a perda da função pública para os administradores reputados ímprobos. Como exemplo, reproduziremos parcialmente abaixo o inciso I do art.12 da Lei referida:

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Art.12 da Lei nº 8.429/92 - ............

I - na hipótese do art.9º, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos..." (grifei)

Consoante se pode averiguar da leitura atenta desses preceitos, todos eles prescrevem a perda ou a inabilitação da função pública como uma pena aplicável ao agente político que tenha praticado algum ato reputado ilícito. No caso específico do DL 201/67, o § 2º do seu art.1º é preciso em delimitar a extensão desse signo, advertindo que a inabilitação é para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação. Portanto, o Decreto Lei trata como sinônimos os termos "cargo" e "função pública", que seriam de duas espécies: (a) eletivos e (b) de nomeação.

Se formos, todavia, analisar de que maneira a doutrina convencionou conceituar o signo função pública, observaremos ser ele tratado como um plexo de faculdades, de poderes-deveres, os quais seriam concedidos a um agente público com a finalidade de possibilitá-lo agir em nome de outrem, qual seja, dos seus representados. Celso Antônio Bandeira de Mello(4) bem o diz, quando leciona:

"Tem-se função apenas quando alguém está assujeitado ao dever de buscar, no interesse de outrem, o atendimento de certa finalidade. Para desincumbir-se de tal dever, o sujeito de função necessita manejar poderes, sem os quais não teria como atender à finalidade que deve perseguir para a satisfação do interesse alheio. Assim, ditos poderes são irrogados, única e exclusivamente, para propiciar o cumprimento do dever a que estão jungidos; ou seja, são conferidos como meios impostergáveis ao preenchimento da finalidade que o exercente de função deverá suprir." (grifos originais)

Logo, a função pública é o somatório de faculdades e deveres, outorgados a gentes públicos, na titularidade de múnus público, com o fim de atender a uma finalidade limitada pelo bloco de legalidade. Todo agente público, de conseguinte, exerce função pública, ou seja, está investido em um plexo de atribuições conferidas para o atendimento de um certo fim querido pelo ordenamento jurídico, alcançável através do exercício de atividade sublegal. Assim, a todo cargo ou emprego público corresponde algumas funções públicas; todavia, nem toda função pública é exercida por quem esteja ocupando cargos ou empregos públicos. Exemplo disso é o cidadão que exerce função de jurado no Tribunal do Júri, ou que integra a Junta Eleitoral nas eleições, ou mesmo aqueles servidores chamados antigamente de extranumerários, eis que faziam parte do funcionalismo público, sem que ocupassem qualquer cargo.

Cargo é o lugar no quadro de pessoal da Administração Pública, criado por lei, com um feixe de atribuições (ou funções públicas). Os servidores contratados temporariamente, com base no art.37, inc. IX da CF/88, por exemplo, exercem função pública, nada obstante não ocupem cargos públicos, eis que não existem, como lugares previstos com lotação própria, na estrutura funcional da Administração(5).

Portanto, cargo e função pública não são termos sinônimos, pois a função pública é o feixe de atribuições afeto por lei aos cargos públicos, ou afeto diretamente ao agente público, sem que esteja ele investido em cargos. Por isso, Maria Sylvia Zanella Di Pietro(6), quando analisa o art.37 da CF/88, a respeito da estrutura da Administração, vem a falar em duas espécies de função: (a) a função exercida por servidores contratados temporariamente com base no art.37, inc. IX; e (b) as funções de natureza permanente, correspondendo a chefia, direção, assessoramento ou outro tipo de atividade para a qual o legislador não crie o cargo respectivo.

Mas não apenas eles, insista-se, exercem função pública. Todo agente público exerce função pública, tendo poderes-deveres conferidos pelo ordenamento para bem desempenharem suas atribuições, as quais têm por fito bem atender os seus representados. E, como regra geral, devemos ter em mente que são reputados agentes públicos os agentes políticos, os servidores públicos e os particulares em colaboração com a Administração.

Quando dissemos que os cargos e os empregos são lugares dentro da estrutura da Administração, utilizamos essa imagem física espacial para retratar esse fenômeno normativo. De fato, os cargos são criados por lei em número certo, que constitui a lotação genérica do quadro de pessoal. Esses cargos, numericamente certos, são individualizados através das atribuições que possuem, apenas podendo ser preenchida cada vaga por meio de concurso público, consoante comando constitucional.

Com essas premissas, já podemos novamente sublinhar que cargo e função pública não são termos sinônimos, pois possuem significados precisos no sistema jurídico pátrio. A todo cargo corresponde função pública específica; posto que nem toda função pública se refere a cargos públicos.

Os cargos eletivos, outrossim, desempenham função pública, qualificada apenas pelo modo de acesso dos seus ocupantes, eis que são eles eleitos pelo povo. Assim, enquanto os cargos públicos são ocupados por servidores públicos, os cargos eletivos são ocupados por agentes políticos, os quais também exercem função pública. O que há de diversidade entre eles é a natureza do vínculo jurídico que os une à Administração (rectius, ao Poder Público), bem como o tipo de função pública que desempenham.

De fato, os ocupantes de cargos eletivos desempenham mandato eletivo, que é a função pública mais relevante, seja praticando atos de governo, seja praticando atos legislativos. Tais atribuições outorgadas pela Constituição Federal, ou por normas de escalão inferior, são poderes-deveres conferidos para, em nome alheio (do povo), realizar finalidades públicas.

          Função Pública é o plexo de atribuições de quem exerce:

          cargo público, mandato eletivo, emprego público ou múnus público

O § 2º do art.1º do DL 201/67 prescreve a inabilitação para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação. Assim, o signo função pública abrange as duas espécies de cargos: os eletivos e os de nomeação. O Prefeito destituído do cargo eletivo que ocupa, em razão de atos de improbidade praticados durante a sua gestão, fica inabilitado para exercer função pública por cinco anos, não podendo se candidatar a novo mandato eletivo ou participar de concurso público para provimento de cargo ou emprego efetivo, ou mesmo ser contratado temporariamente pela Administração Pública. Vale dizer: fica impedido de exercer função pública, como plexo de atribuições conferidas aos agentes públicos investido em múnus público específico.

Dúvidas têm surgido quando se confronta esse preceito com aquele do art.92, inc. I do Código Penal. Quando essa norma prescreve, como efeito da sentença penal procedente, a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo, poderia estar fazendo uma distinção entre as três espécies, tratando-as como se fossem coisas distintas. Ora, aqui o legislador fez uso da expressão função pública não como se fosse um terceiro gênero, apartável dos demais. Na verdade, aqui também tem de se ler a expressão "função pública" como um plexo de atribuições, o qual pode estar referido a mandato eletivo, cargo público ou a outro vínculo qualquer com a Administração Pública. Para efeitos penais, é funcionário público quem exerce função pública, cargo (eletivo ou de nomeação) ou emprego, como preceitua o art.327 do CP. É o que tem entendido a doutrina, como nos mostra Romeu de Almeida Salles Jr. (7)

"Pelo texto em estudo, é funcionário público aquele que é investido mediante nomeação e posse em cargo público, aquele que serve em emprego público, fora dos quadros regulares e sem título de nomeação, e aquele (qualquer pessoa) que exerça função pública, seja qual for. Celso Delmanto (Código Penal Comentado, cit., p.498), discorrendo sobre o tema, afirma que, ainda que a pessoa não seja empregada nem tenha cargo no Estado, ela estará incluída no conceito penal de funcionário público, desde que exerça, de algum modo, função pública. E enumera, para fins penais, os funcionários públicos: Presidente da república, do Congresso, dos tribunais, senadores, deputados e vereadores, jurados, serventuários da justiça, pessoas contratadas, diaristas ou extranumerárias."

Como se vê, para o Código Penal o signo "funcionário público" tem conotação amplíssima, apanhando todos aqueles que exerçam função pública, vale dizer, que tenham algum vínculo com os Poderes Públicos, seja de natureza estatutária, seja de natureza eletiva, seja de outra qualquer natureza, pela qual exerçam múnus público.

Por isso, é fundamental que aqui façamos uma séria observação a respeito da interpretação do art.92, inc. I do CP. Em primeiro lugar, o intérprete deve sempre guardar na retentiva que os signos jurídicos, utilizados por um determinado diploma legal, ficam condicionados à definição por ele adotada, pois tais definições são prescritivas, servindo de parâmetro obrigatório para o intérprete. Por vezes muitas, pode ocorrer que um mesmo signo possa obter diversas definições legais de diferentes diplomas, o que gera não raro confusões(8). Funcionário público, v.g., para o art.327 do CP, por certo não será o mesmo que funcionário público para o estatuto dos servidores públicos, eis que tais normas cuidaram em definir precisamente como tais termos deveriam ser empregados. Logo, não posso retoricamente, sob pena de infirmar a definição do Código Penal, querer reduzir o âmbito de significação do termo funcionário público, de maneira a apenas considerar como tal os que ocupam cargos públicos, eis que os que ocupam cargo eletivo, por exercerem função pública, são também abrangidos por esse termo(9). Bem o diz Rui Stoco(10):

"Referindo-se a função pública in genere, o art.327 abrange todas as órbitas de atividade do Estado: a da legis executio (atividade rectória, pela qual o Estado praticamente se realiza), a da legis latio (atividade legislatória, ou de normatização da ordem político-social) e a da juris dictio (atividade judiciária, ou de apuração e declaração da vontade da lei nos casos concretos). Tanto é funcionário público o Presidente da República quanto um estafeta de Vila Confins, tanto o senador ou deputado federal quanto um vereador do mais humilde município, tanto o Presidente da Suprema Corte quanto o mais bisonho juiz de paz da hinterlândia."

Com espeque no que acabamos de expor, respeitando o que a doutrina e a jurisprudência criminal têm firmado, não restam dúvidas que, ainda que aplicássemos o art.92, inc. I do CP, como condicionamento para a correta interpretação do art.52, parágrafo único, da CF/88(11), não teríamos razão para reduzir a significação do signo função pública apenas para os cargos de nomeação, permitindo ao Presidente da República impedido pelo impeachment concorrer a mandato eletivo, nada obstante restando inabilitado para ocupar cargo ou emprego público.

Quando o art.52, parágrafo único da CF/88 impõe a sanção de inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública contra o Presidente da República julgado por crime de responsabilidade, o faz com vistas a impedir que o agente político possa exercer, durante esse período, qualquer mandato eletivo ou cargo público (efetivo ou em comissão). De fato, o conceito de função pública, presente nesta norma constitucional, é o mesmo existente no § 4º do art.37 da mesma Carta:

Art.37, § 4º da CF/88 - "Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda de função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível."

Os atos de improbidade administrativa importam a perda de função pública, na forma disposta pela Lei nº 8.429/92, que regulamentou esse preceito. E como é cediço, a Lei da Improbidade Administrativa se aplica a todos os agentes públicos, como sói acontecer com os agentes políticos e os servidores públicos, além dos particulares que estejam exercendo função pública. Aliás, o art.2º desta Lei possui a mesma extensão do art.327 do CP, nada obstante substitua a expressão atécnica "funcionário público", pela expressão mais correta "agentes públicos".

Não se duvida que a Lei nº 8.429/92 não se aplique ao Presidente da República, que continua submetido à Lei federal nº 1.079/50, que dispõe sobre o processo aplicável aos crimes de responsabilidade. Nada obstante, dúvidas não há de sua aplicação aos congressistas (Deputados e Senadores), aos Governadores de Estados, Prefeitos Municipais, membros do Ministério Público e membros do Poder Judiciário(12), os quais além de perderem suas funções, sofrem também a suspensão dos direitos políticos, que implica a sua exclusão do corpo do eleitorado, em poda temporária da cidadania (art.71 do Código Eleitoral).

Como se vê, enquanto o Presidente da República afastado por impeachment apenas fica inabilitado para o exercício de função pública, sem suspensão dos seus direitos políticos, os demais agentes políticos assujeitam-se à perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos, em desbaste da cidadania.

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Sobre o autor
Adriano Soares da Costa

Advogado. Presidente da IBDPub - Instituição Brasileira de Direito Público. Conferencista. Parecerista. Contato: [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Adriano Soares. Inelegibilidade e inabilitação no Direito Eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 37, 1 dez. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1518. Acesso em: 19 dez. 2024.

Mais informações

Texto baseado em palestra proferida no 1º Congresso Centro-Sul de Direito Eleitoral, realizado em Campo Grande (MS).

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