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O controle das operações policiais denominadas blitz e o Estado de Direito

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Tema polêmico e envolto em grande discussão nos meios policiais, e da justiça em geral, a legalidade, ou não, das operações policiais conhecidas, popularmente, como "Blitz", ou batidas policiais, merece, penso eu, detida atenção e estudo por parte dos membros do Ministério Público, em especial, e de todo operador do Direito. Primeiramente, porque, cabe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica ("caput", do art. 127, da Constituição da República), e da Sociedade, representando-a; sendo por excelência, o fiscal da lei (incisos e "caput", do art. 83, do Código de Processo Civil, e art. 257, do Código de Processo Penal) ; e ademais, como desdobramento, da efetividade do, hodiernamente, conhecido "Princípio do Promotor Natural" ("caput" e §1º e 2º, do art. 127, letras "a" e "b", do inciso I, do §5º, do art. 128, inciso II, do art. 129, e inciso LIII, do art. 5º, todos da Constituição da República, e Leis Orgânica Nacional, Complementar Federal, e Complementar Estadual Mato-grossense do Ministério Público - respectivamente, Lei nº 8.625, de 12/02/1.993, Lei nº 75, de 20/05/1.993, e Lei nº 27, de 19/11/1.993), e cumprimento do erigido a título de função institucional do Parquet, como exercício do controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar (inciso VII, do art. 129, da C. R.).

Destarte, por oportuno, merece reprodução o doutrinado pelo Dr. Benon Linhares Neto, Promotor de Justiça titular da 26ª Promotoria de Justiça Cível de Fortaleza, e assessor do Procurador-Geral de Justiça do Estado do Ceará, citando o posicionamento do Professor Paulo Cézar Pinheiro Carneiro, e de Hugo Nigro Mazzilli, no brilhante artigo "Algumas Considerações Sobre o Princípio Constitucional do Promotor Natural", publicado na internet, no site Jus Navigandi, onde discorre acerca do Princípio do Promotor Natural, enquanto garantidor de todo e qualquer cidadão, nos seguintes termos:

Para o Professor Paulo Cézar Pinheiro Carneiro, a teoria do promotor natural ou legal "decorre do princípio da independência, que é imanente à própria instituição. Ela resulta, de um lado, da garantia de toda e qualquer pessoa física, jurídica ou formal que figure em determinado processo que reclame a intervenção do Ministério Público, em ter um órgão específico do parquet atuando livremente como atribuição predeterminada em lei, é, portanto, o direito subjetivo do cidadão ao Promotor (aqui no sentido lato), legalmente legitimado para o processo. Por outro lado, ela se constitui também como garantia constitucional do princípio da independência funcional, compreendendo o direito do Promotor de oficiar nos processos afetos ao âmbito de suas atribuições" (4).

          Portanto, o princípio do promotor natural configura-se como uma garantia individual e da própria sociedade que, em tese, garantiria ao Promotor Público, uma atuação livre e independente, não se sujeitando a pressões ou influências de quaisquer espécies, partam de onde partirem, velando, única e exclusivamente pelo disposto no Art. 127 da Lex Fundamentalis, ou seja, "patrocinando a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis" (5).

Vale a pena registrar, por questão de justiça, que Hugo Nigro Mazzilli, se considera um dos precursores deste princípio constitucional já que sempre defendeu o postulado do promotor com atribuições legais, que nada mais é que o princípio do promotor natural (7).

De sua parte, a jurisprudência nacional, lastreada em abalizadas e respeitáveis decisões do Supremo Tribunal Federal, já sedimentou:

          O postulado do Promotor Natural, que se revela imanente ao sistema constitucional brasileiro, repele, a partir da vedação de designações casuísticas efetuadas pela Chefia da Instituição, a figura do acusador de exceção. Esse princípio consagra uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e pre-determinados, estabelecidos em lei.

A matriz constitucional desse princípio assenta-se nas cláusulas da independência funcional e da inamovibilidade dos membros da Instituição.

(Reprodução parcial do texto do Acórdão do HC - 67759/RJ, Habeas Corpus julgado em 06/08/1.992, publicado no DJ na data de 01/07/1.993, pp 13142, ementa vol. 01710-01, pp 121, Relator Ministro Celso de Mello.)

Convergentemente, os julgados: HC - 74052 RJ, Habeas Corpus julgado em 20/08/1.996, publicado no DJ na data de 13/12/1.996, pp 50163, ementa vol. 018540-04, pp 702, Relator Ministro Marco Aurélio; e HC - 71429 SC, Habeas Corpus julgado em 25/10/1.994, publicado no DJ na data de 25/08/1.995, pp 26023, ementa Vol. 01797, pp 387, Relator Ministro Celso de Mello.

Por outro lado, a Lei nº 4.898, de 9/12/1.965, no seu art. 3º, letra "a", define como crime de abuso de autoridade, qualquer atentado à liberdade de locomoção; e no seu art. 5º, considera como autoridade, e para os efeitos legais, quem exerce cargo, emprego, ou, função pública, de natureza civil, ou, militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração.

Sob outro aspecto, e a título de ilustração, constata-se que o próprio Código de Trânsito Brasileiro, a Lei nº 9.503, de 23/09/1.997, é lacônico ao regulamentar a operatividade do aparelho policial, pois, após remeter, por exemplo, à Polícia Rodoviária Federal, no inc. II, do art. 20, a função de realizar o patrulhamento ostensivo, executando operações relacionadas com a Segurança Pública, no âmbito das rodovias e estradas federais; remeteu aos órgãos, ou, entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, a função de vistoriar e inspecionar os veículos, quanto às condições de segurança veicular, face o preconizado pelo inc. III, do art. 22, e os termos da Resolução de nº 5º, publicada em 26/01/1.998, expedida pelo Conselho Nacional de Trânsito.

Entrementes, surge o seguinte questionamento: Se vige no nosso País um Estado de Direito, e se tem aplicabilidade a regra proveniente do Direito Administrativo de que o agente público (Serventuários Públicos Civis e Militares)  somente deve fazer o que a lei determina, qual o fundamento legal para a realização de batidas policiais ("Blitz"), sem a ocorrência das hipóteses prescritas pelo inciso LXI, do art. 5º, da C. R., ou seja, flagrante delito, ou, cumprimento de ordem judicial, salvo os casos previstos em lei penal militar?

Evidentemente, não poderia ter cabimento, por exemplo, pensar na efetividade da atuação da Polícia Militar, como órgão incumbido da prevenção de ocorrências delitivas, sem a realização de operações ostensivas de policiamento, ou, de qualquer outro órgão componente do aparato repressor estatal, contra o poderio financeiro e organizacional do tráfico internacional de drogas e entorpecentes, sem uma atuação eficaz, realizada por policiais bem aparelhados, treinados, e bem remunerados; entretanto, o quê se questiona neste trabalho, é a legalidade da abordagem, da interceptação, e da exigência a qualquer cidadão, de sujeição e cumprimento de uma ordem emanada de um agente público (Serventuários Públicos Civis e Militares), sem o devido amparo e previsão legais, e fora das hipóteses prescritas pelo inc. LXI, do art. 5º, da C. R., incluindo-se também o procedimento para tal ato, e à revelia do Princípio de Presunção de Inocência (inc. LVII, do art. 5º, da C. R.).

Não podemos olvidar que a Constituição da República, ao prever e regular os Institutos de Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, referentes ao Estado de Defesa e de Sítio, nas Seções I e II, do Capítulo I, do seu Título V, após expressar as hipóteses de decretação destas situações excepcionais, respectivamente, no caput, do art. 136, e incisos do art. 137, logo em seguida, preconizou, expressamente, as hipóteses e casos de limitação das restrições de direitos, e das medidas que podem ser tomadas contra as pessoas, em tais situações, no inciso I, do §1º, do art. 136, e incisos do artigo 139, excluindo destas hipóteses, qualquer restrição aos direitos e garantias fundamentais insculpidos nos incisos II, XLI, LIV, LV, LVII, do seu art. 5º. Portanto, se não é admitido, no nosso ordenamento positivo, o desrespeito aos direitos e garantias individuais, correspondentes aos Princípios da Legalidade, da Vedação de Discriminação Atentatória dos Direitos e Liberdades Fundamentais, do Devido Processo Legal, do Contraditório e da Ampla Defesa, e da Presunção de Inocência, em qualquer estado de exceção, o quê podemos dizer quanto à violação destes direitos e garantias, em plena vigência de um Estado de Direito.

Outrossim, enquanto componentes de uma "sociedade politicamente organizada", numa concepção sociológica de Estado, conforme referido por Luís Carlos Martins Alves Júnior, no sub-título "O Estado", da sua excelente monografia intitulada "A Teoria da Separação de Poderes na Concepção Kelseniana", também veiculada na internet pelo site jus navigandi; e/ou, de integrantes de uma comunidade de pessoas vinculadas normativamente, todo e qualquer servidor público militar, ou, civil, deve observar na sua atividade pública, os preceitos preconizados pelo caput, do art. 37, da Carta Política Nacional, incluindo-se dentre estes, o da obediência ao Princípio da Legalidade; assim como, todo cidadão não está obrigado a fazer, ou, deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei, como está prescrito pelo inciso II, do art. 5º, da Constituição da República. Neste sentido, José Afonso da Silva, à p. 367 e 368, de sua obra "Curso de Direito Constitucional Positivo", 9. ed. rev. 4. tir., São Paulo: Malheiros, 1.994, com o posicionamento convergente de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, à p. 28 a 30, de sua obra "Comentários à Constituição Brasileira de 1988", São Paulo: Saraiva, 1.990, Vol. I, ensina:

O princípio da legalidade é nota essencial do Estado de Direito. É, também, por conseguinte, um princípio basilar do Estado Democrático de Direito, como vimos,2 porquanto é da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática. Sujeita-se ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais. Toda a sua atividade fica sujeita à lei, entendida como expressão da vontade geral, que só se materializa num regime de divisão de poderes em que ela seja o ato formalmente criado pelos órgãos de representação popular, de acordo com o processo legislativo estabelecido na Constituição. É nesse sentido que se deve entender a assertiva de que o Estado, ou o Poder Público, ou os administradores não podem exigir qualquer ação, nem impor qualquer abstenção, nem mandar tampouco proibir nada aos administrados, senão em virtude de lei.3

É nesse sentido que o princípio está consagrado no art. 5º, II, da Constituição, segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. O texto não há de ser compreendido isoladamente, mas dentro do sistema constitucional vigente, mormente em função de regras de distribuição de competência entre os órgãos do poder, de onde decorre que o princípio da legalidade ali consubstanciado se funda na previsão de competência geral do Poder Legislativo para legislar sobre matérias genericamente indicadas, de sorte que a idéia matriz está em que só o Poder Legislativo pode criar regras que contenham, originariamente, novidade modificativa da ordem jurídico-formal,4 o que faz coincidir a competência da fonte legislativa com o conteúdo inovativo de suas estatuições, com a conseqüência de distingui-la da competência regulamentar.5 [...]

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O art. 5º, II, ao estatuir que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, dá margem à controvérsia quanto ao significado da expressão "em virtude de lei", querendo alguns que basta a existência de uma lei autorizativa de atos com aquele conteúdo, enquanto outros entendem que o conteúdo restritivo da ação há que decorrer diretamente da lei. Parece-nos, no entanto, que razão cabe a Massimo Severo Giannini, quando, examinando cláusula semelhante do direito italiano, esclarece que "não é necessário que a norma de lei contenha todo o procedimento e regula todos os elementos do provimento, pois, para alguns atos do procedimento estatuído e para alguns elementos do provimento pode subsistir discricionariedade".6 Isso quer dizer que os elementos essenciais da providência impositiva hão que constar da lei. Só a lei cria direitos e impõe obrigações positivas ou negativas, ainda que o texto constitucional dê a entender que só estas últimas estão contempladas no princípio da legalidade. Há outras normas constitucionais que completam seu sentido.

Enquanto Manoel Gonçalves Ferreira Filho, na obra citada, mais precisamente à p. 29, doutrina:

          Conseqüências do princípio da legalidade. Se é reservado à lei determinar que se faça ou que não se faça alguma coisa, forçoso é reconhecer que os próprios poderes do Estado somente podem atuar dentro do campo estabelecido pela lei e segundo seus ditames. A Administração Pública e os órgãos jurisdicionais hão de aplicar a lei, o que significa que sua função vai, essencialmente, resumir-se em transformar em comandos individuais as ordens genéricas da lei, do legislador. Assim, Executivo e Judiciário não podem criar obrigações novas nem reconhecer direitos novos. Sua ação se limita ao cumprimento da lei.

Destarte, De Plácido e Silva, na sua obra "Vocabulário Jurídico", conceitua "batida" como: "Na linguagem policial, significa a diligência procedida, sob a chefia de autoridade graduada, em casas suspeitas ou de tavolagem, a fim de que se verifique se nelas se estão praticando transgressões à lei, seja pela prática de atos imorais, seja, pela de jogos proibidos. Também se entende a diligência para efetuar a prisão de pessoa, contra quem há mandado de prisão" (SILVA, 1.999, p. 117).

Sendo assim, e à luz da inexistência, atualmente, de qualquer dispositivo legal que autorize, ou, ao menos, regule a realização das, popularmente, conhecidas "Blitz", ou, "batidas policiais", penso que tal prática policial é ilegal, quando efetivada sem flagrante delito, ou, ordem judicial, salvo nas hipóteses previstas na lei penal militar, devendo o Ministério Público zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias individuais, inclusive, promovendo as medidas necessárias à sua garantia, e controlando, externa e efetivamente, a atividade policial, em materialização do "Princípio do Promotor Natural", e como efetivo exercício de garantia da Sociedade e de todo Cidadão, mormente, em se considerando a Segurança Pública como um direito de todos, e dever do Estado ("caput", do art. 5º, e 144, da C. República).


CONCLUSÕES

Em apertada síntese, concluo:

          a) o modo e forma de atuação da máquina policial, deve ser objeto de atenção, estudo e intenso controle, por parte do Ministério Público, face seus fundamentos e finalidades, e o Princípio do Promotor Natural;

b) a atividade repressora-preventiva da polícia, realizada sem amparo e previsão legais, e fora das situações preconizadas pelo inc. LXI, do art. 5º, da C. R., colide, frontalmente, com diversos Princípios Constitucionais, inclusive, o de Presunção de Inocência;

c) frente o atual ordenamento jurídico nacional, a violação de direitos e garantias fundamentais, relacionados aos Princípios da Legalidade, da Vedação de Discriminação Atentatória dos Direitos e Liberdades Fundamentais, do Devido Processo Legal, do Contraditório e da Ampla Defesa, e da Presunção de Inocência, não é admitida nem em situações excepcionais, como o estado de sítio, ou, de defesa, quanto mais, em plena vigência de Estado de Direito;

d) todo e qualquer agente público (Servidores Públicos Civis e Militares), deve observar os preceitos do "caput", do art. 37, da C. R., inclusive, o Princípio da Legalidade dos atos praticados pela Administração Pública, em correlação com o Princípio Constitucional de que ninguém está obrigado a fazer, ou, deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei.


BIBLIOGRAFIA

Código de Processo Penal. 39. ed., São Paulo: Saraiva, 1.999;

Código de Processo Civil. 27. ed., São Paulo: Saraiva, 1.997;

Constituição da República Federativa do Brasil, 18. ed. atual. ampl., São Paulo: Saraiva, 1.998;

FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Comentários à Constituição Brasileira de 1.988. São Paulo: Saraiva, 1.990;

JÚNIOR, Luís Carlos Martins Alves. A Teoria da Separação de Poderes na Concepção Kelseniana. Site Jus Navigandi;

NETO, Benon Linhares. Algumas Considerações Sobre o Princípio Constitucional do Promotor Natural. Site Jus Navigandi;

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 15. ed. 4. tir. atual. por Nagib Slaibi Filho e Geraldo Magela Alves, Rio de Janeiro: Forense, 1.999;

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9. ed. rev. e ampl. de acordo com a nova Constituição 4. tir., São Paulo: Malheiros, 1.994.

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Sobre o autor
Theodósio Ferreira de Freitas

promotor de Justiça do Estado de Mato Grosso, especialista lato sensu em Direito Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Theodósio Ferreira. O controle das operações policiais denominadas blitz e o Estado de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 36, 1 nov. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1597. Acesso em: 23 dez. 2024.

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