Desde o fim da Segunda Grande Guerra (1939-1945), o mundo tem assistido, um tanto perplexo, à multiplicação sem precedentes de experiências, nem sempre bem-sucedidas, de integração política e econômica entre países avizinhados.
O fenômeno, que contrasta com os desígnios cosmopolitas da ONU, surgida na mesma época, deve-se, de um lado, à virtual impossibilidade de conciliação dos anseios de todos os membros desta, dada a extrema variedade de feitio político, econômico e social existente entre eles, e, de outro, ao pouco empenho da organização na busca da integração possível, graças ao tradicional desinteresse e mesmo à oposição dos Estados hegemônicos, que ocupam os postos-chaves de sua estrutura decisória, às iniciativas desta natureza, vistas como ameaças de restrição ao seu comércio internacional.
Assim, a formação de blocos regionais foi, por um largo período apenas encerrado em 1992, com a assinatura do tratado do NAFTA (North American Free Trade Agreement), tema de interesse restrito a países com baixa ou decrescente participação nas trocas comerciais internacionais, com sentimentos de insegurança externa e preocupados em consolidar a sua soberania. Nesta circunstância encontravam-se, entre 1945 e o fim da década de 1950, por razões muito distintas, tanto a Europa Ocidental quanto a América Latina (1).
Naquela floresceram a união aduaneira do BENELUX (1944); o Parlamento Europeu, o Conselho da Europa e a Organização para a Cooperação Econômica Européia (1948), esta última criada para administrar os fundos do Plano Marshall; a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA, 1951); a Comunidade Européia de Energia Atômica e a Comunidade Econômica Européia (EURATOM e CEE, 1957); e a Associação Européia de Livre-Comércio (1959), mais tarde parcialmente integrada à CEE. Em 1993, com a entrada em vigor do Tratado de Maastricht, constituiu-se a União Européia.
Nas Américas, que acalentam desde 1822 o sonho confederativo de SIMÓN BOLÍVAR, contam-se hoje, segundo levantamento recente (2), dezessete organizações internacionais distintas, sejam de cunho pan-americano, como a Organização dos Estados Americanos (OEA, 1948) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID, 1959), sejam de alcance regional, como o já referido NAFTA (1992), o Sistema Econômico Latino-Americano (SELA, 1975), a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI, 1980), o Grupo dos Três, que congrega o México, a Colômbia e a Venezuela (1994), o Grupo de Países Latino-Americanos e Antilhanos Exportadores de Açúcar (GEPLACEA, 1976), a Organização Latino-Americana de Energia (OLADE, 1973), a União dos Países Exportadores de Bananas (UPEB, 1974), o Pacto Andino (1969), o Mercosul (1991), o Sistema do Rio da Prata (1969), o Tratado de Cooperação Amazônica (1978), o Mercado Comum Centro-Americano (MCCA, 1960), o Banco Centro-Americano de Integração Econômica (BCIE, 1960), a Comunidade do Caribe (CARICOM, 1973), com suas instituições associadas (CARIBANK e Sociedade de Investimentos do Caribe), e a Organização dos Estados do Caribe Oriental (OECO, 1981).
As grandes mudanças operadas recentemente no sistema internacional - transnacionalização da economia mundial, fim da guerra fria, expansão da democracia e da economia de mercado, com redução significativa dos mecanismos interventivos dos Estados nacionais (3) — retiraram as experiências de integração latino-americanas do estado de letargia em que tinham sido mergulhadas pelas graves crises institucional e econômica que marcaram as duas últimas décadas.
Em seu esforço atual de consolidação, os tratados americanos de integração regional miram-se em grande medida nos sucessos da União Européia. A disparidade nos resultados obtidos é, contudo, evidente, e se explica por fatores de diversas ordens, entre os quais podem-se destacar:
a) no que toca aos objetivos perseguidos, tem-se que a integração latino-americana pautou-se sempre por objetivos exclusivamente econômicos (4), estando sujeita às freqüentes oscilações conjunturais da região; na Europa, uma vontade política de integração serve de esteio ao processo mesmo diante das dificuldades nas negociações econômicas entre os países-membros;
b) no que se refere à estratégia de integração, a Europa, através do método dos efeitos funcionais (spill over effect), consistente na harmonização prioritária de setores com maior efeito disseminador, como a energia e a indústria de base, soube tornar o processo a um tempo gradual e irreversível (5);
c) no que concerne ao instrumental jurídico empregado, verifica-se que a harmonização das legislações nacionais européias obedece a uma ordem jurídica supranacional, enquanto na América Latina, à exceção do Pacto Andino, nunca se foi além da harmonização tradicional, realizada por meio dos instrumentos típicos do Direito Internacional Público (6). O ordenamento supranacional, cuja construção pressupõe necessariamente a cessão parcial de soberania por parte dos Estados-membros, submete-se a três princípios essenciais: aplicação direta no território dos Estados-partes, independentemente de qualquer sistema de conversão, primazia sobre os direitos nacionais internos e uniformidade de interpretação pelos diversos Estados-partes (7);
d) no que respeita ao grau de interdependência recíproca das economias integradas, a Europa apresenta coeficiente de integração crescente, sendo de 35,3% em 1958, e de 57,2% em 1992. Nas experiências americanas de integração, esta grandeza, que mede a participação das operações intra-regionais nas trocas comerciais globais realizadas pelos Estados-partes, atingiu seu pico na década de 1960, no Mercado Comum Centro-Americano, não superando os 25% (8). Por esta razão, os países latino-americanos têm optado pelo que a CEPAL denominou regionalismo aberto, que consiste no aprofundamento da interdependência regional com abertura simultânea a terceiros países, a fim de melhorar a inserção do bloco integrado na economia mundial (9).
É intuitivo dizer que os processos de integração regional não são todos iguais, ou, em outras palavras, que há diferentes estágios na marcha rumo à integração econômica e política. Assim, um determinado espaço econômico pode estar estruturado na forma de zona de livre comércio para os produtos intra-regionais, mantendo-se intactas as tarifas aduaneiras dos países-membros relativamente aos provenientes de terceiros países; pode constituir uma união aduaneira, em que vige também uma tarifa externa comum, ou um mercado comum, em que se garante o livre trânsito, não só de mercadorias, como também dos fatores de produção (capital e trabalho); por fim, pode ainda revestir-se da forma de união monetária ou mesmo de união política.
Para a consecução de qualquer destes objetivos faz-se mister a harmonização das legislações internas dos Estados envolvidos, na medida do necessário a evitar que o conflito normativo enseje desigualdades não-pretendidas, atentatórias aos fins da integração. Em virtude da filiação dos sistemas jurídicos de todos os países do Mercosul à família romano-germânica, a tarefa harmonizadora encontra-se bastante facilitada. Não é demais lembrar que, à época das codificações, a Argentina e o Paraguai chegaram a ter o mesmo Código Civil, redigido por VELEZ SARSFIELD a partir de esboço preparado por TEIXEIRA DE FREITAS (um brasileiro) (10).
A unânime opinião dos doutrinadores e a prática invariável dos processos em curso elegem o Direito Tributário como matéria de harmonização prioritária e indispensável em qualquer mecanismo de integração regional, em virtude da destacada influência que a tributação exerce sobre a dinâmica econômica.
Com efeito, quanto aos impostos alfandegários, a par da finalidade arrecadatória, cada vez menos relevante no atual contexto de liberalização da economia (dos países do Mercosul, apenas o Paraguai tem arrecadação expressiva de impostos aduaneiros: 18,4% do volume arrecadado em 1991 (11) ), sobressai a função extrafiscal, consistente na sua manipulação à guisa de instrumento de intervenção estatal na economia, que se torna mais ou menos permeável a produtos e serviços estrangeiros dependendo das alíquotas fixadas.
A harmonização dos impostos indiretos sobre o consumo, cujo ônus econômico é transferido para o consumidor final por meio do mecanismo dos preços, visa a impedir distorções na livre concorrência entre produtos e serviços provenientes de todos os países integrados. Consiste, fundamentalmente, na decisão sobre qual país, o da origem ou o do destino das operações intra-regionais de circulação de mercadorias e serviços, deterá a potestade exclusiva de tributar o seu consumo, bem como no compromisso recíproco de não-discriminação, que garante aos bens importados de outro país-membro tratamento idêntico ao dispensado aos similares nacionais.
Os impostos diretos (impostos sobre a renda e o patrimônio) apenas necessitam ser harmonizados caso se pretenda caracterizar o espaço econômico considerado como mercado comum ou forma mais evoluída de integração. Influindo principalmente sobre a rentabilidade das inversões de capital das pessoas físicas e jurídicas, podem causar, à falta de homogeneização, distorções na localização dos empreendimentos econômicos, que obedecem ao chamado efeito Delaware, é dizer, fixam-se preferencialmente nos Estados que oferecem maiores vantagens fiscais e fazem menores exigências.
Apresentando-se freqüentemente sob a forma de isenções, reduções ou deduções na base de cálculo do imposto de renda ou de exclusão de impostos aduaneiros incidentes sobre insumos, os incentivos nacionais às exportações de manufaturados também requerem harmonização no âmbito dos acordos de integração regional, pelas razões próprias de cada tipo de imposto que exoneram. De ressaltar que a matéria foi indiretamente harmonizada entre três dos quatro membros do Mercosul (Argentina, Brasil e Uruguai), já que todos celebraram acordos bilaterais relativos a ela com os EUA (12).
A harmonização das legislações tributárias nacionais não é, contudo, uma tarefa fácil. As mesmas circunstâncias que a tornam inadiável fazem dela um campo de disputas ferrenhas, que se traduzem na negativa dos Estados envolvidos em transigir sobre assunto tão próximo à noção de soberania quanto é a tributação e, principalmente, a abrir mão de uma parcela de sua arrecadação. Assim é que, mesmo na bem-sucedida experiência européia, a coordenação da imposição indireta encontra-se ainda em estágio transitório, enquanto a da tributação direta mal começou a ser implementada. Destaque-se, outrossim, que, com a assinatura do Ato Único Europeu, em 1986, as Diretivas do Conselho da União Européia passaram a ser tomadas por maioria qualificada. Para a harmonização de matérias tributárias, contudo, conservou-se o princípio anterior de unanimidade (13).
No Mercosul, e no que tange especificamente ao Brasil, a dificuldade natural é agravada pela polêmica sobre a constitucionalidade de tratados internacionais firmados pela União e ratificados pelo Congresso Nacional, naquilo em que dispõem sobre impostos reservados à competência privativa de Estados e Municípios (nada menos que o ICMS — Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, pertencente aos Estados, e o ISS — Imposto sobre Serviços, de competência municipal, impostos indiretos da família do IVA, de cuja harmonização depende o êxito da integração). A matéria ainda não foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, e a doutrina encontra-se cindida em duas correntes antagônicas: uns opinam pela legitimidade, insistindo no caráter concentracionário e centrípeto do federalismo brasileiro (14); outros, esforçados na rigidez do federalismo brasileiro e na sua importância como meio garantidor da democracia, qualificada pela descentralização espacial do poder, dão pela inconstitucionalidade, considerando não-obrigatórios os instrumentos ratificadores naquilo em que exorbitam da competência federal (15).
O dilema despertou a atenção do Poder Executivo federal, que incluiu em sua proposta de emenda constitucional sobre reforma tributária, ora em tramitação perante o Congresso Nacional (16), dispositivo que confere à União competência especial para conceder isenção de tributos estaduais e municipais por meio de tratado internacional devidamente ratificado. A discussão não se encerra, contudo. Em primeiro lugar, porque a previsão foi eliminada no projeto substitutivo apresentado pelo relator da Comissão Especial da Câmara dos Deputados sobre reforma tributária (17). Depois porque, mesmo depois de aprovada, teria de submeter-se ao crivo do Judiciário, já que a Constituição brasileira erige em cláusula pétrea a forma federativa de Estado (art. 60, § 4º, I). A questão, aí, seria de balanceamento de princípios, já que o mesmo texto constitucional, em outro sítio (art. 4º, parágrafo único), determina que "a República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações".
Vale registrar que a nova Constituição do Paraguai, promulgada em 20.06.92, resolveu o problema de forma conveniente a um Estado unitário, dispondo, em seus art. 137 e 141, que os tratados e as convenções internacionais têm hierarquia infraconstitucional e supralegal (18).
O panorama da tributação indireta na Europa dos anos cinqüenta era de tal maneira variado que tornava irrealizável qualquer projeto de integração (19). O Comitê Fiscal e Financeiro da CEE, no relatório Neumark, apontou para a necessidade de harmonização da imposição indireta a partir da adoção, por todos os Estados-membros, de um imposto sobre o valor agregado concebido nos moldes da taxe sur la valeur ajoutée, vigente na França desde 1954. Nesta modalidade de imposto apenas se tributa a riqueza agregada em cada etapa da cadeia de circulação da mercadoria, deduzindo-se do montante devido por sua venda a quantia paga pelo comerciante anterior. Desta forma, eliminam-se as distorções econômicas causadas pela tributação cumulativa, em cascata, assim resumidas por J. DUE (20) :
a) distorção na alocação dos recursos econômicos, já que o imposto não é neutro, causando alteração nos preços entre o produtor e o consumidor final;
b) distorção no preço dos bens segundo as possibilidades de integração vertical que tenha cada setor (quanto menos etapas de circulação sofrer o bem, menor o ônus adicionado pela tributação);
c) desestímulo às exportações, já que, ainda que se isente o faturamento das empresas exportadoras, não há como devolver-lhes o imposto incorporado aos preços dos insumos e dos bens de capital que adquiriram;
d) estímulo à importação de bens, sobretudo acabados, já que estes apenas sofrerão uma incidência do imposto, quando de sua entrada, enquanto os nacionais submetem-se a incidências reiteradas em cada etapa de sua cadeia de produção e circulação;
e) aumento dos preços dos bens superior à vantagem proporcionada ao fisco em termos de arrecadação (efeito de piramidação);
f) fiscalização mais cara e difícil, uma vez que não se estabelece entre os elos sucessivos da cadeia de circulação nenhuma espécie de relação jurídica (ao contrário do IVA, em que o débito do vendedor constitui crédito para o comprador).
A experiência francesa difundiu-se velozmente por todo o mundo, encontrando livre curso entre os países latino-americanos a partir de meados da década de 1960. Dos países integrantes do Mercosul, o Paraguai foi o último a adotar um imposto do tipo valor agregado, o que fez em 1992.
Ao lado dos impostos gerais à moda do IVA, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai cobram ainda impostos seletivos sobre o consumo (excises ou accisas), monofásicos e de base restrita, que convém também harmonizar. O Brasil mantém, paralelamente ao ICMS e ao ISS, o IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados, plurifásico, não-cumulativo e de base ampla.
Conforme já se referiu, o tema central da harmonização dos impostos indiretos remete à escolha do país competente para tributar os bens e serviços objeto de operações de circulação internacional. Duas soluções são possíveis: a adoção do princípio da origem ou a opção pela tributação exclusiva no destino.
No que se refere ao IVA e aos impostos seletivos sobre o consumo, todos os países do Mercosul adotam, quanto ao comércio exterior, o princípio da tributação exclusiva no destino. Assim, não tributam as exportações e devolvem ao exportador os créditos por todas as operações anteriores relativas ao bem exportado, de forma que este sai do país completamente livre de imposto. Na entrada, ao contrário, sendo certo que o produto chega também totalmente exonerado, impõem a sua carga tributária interna, submetendo-o ao mesmo tratamento dispensado aos similares nacionais (princípio da não-discriminação). Desta forma, beneficia-se da tributação o país onde se dá o efetivo consumo do bem.
A opção pelo princípio do destino dispensa maiores esforços de harmonização legislativa, garantindo ao mesmo tempo um certo nível de integração e a manutenção da estrutura impositiva (base de incidência e alíquotas) própria de cada Estado-parte. A crítica mais tradicional à sua sistemática repousava na impossibilidade de eliminação das aduanas entre os países envolvidos, já que é nelas que se fazem os ajustes necessários à sua operacionalização (devolução dos créditos na saída; imposição do IVA nacional na entrada).
Foi na Europa que se encontrou a forma de conciliação entre o princípio do destino e a supressão das fronteiras fiscais, levada a efeito em 1993. Até 1997, data prevista da instituição do sistema de tributação no país de origem, deverá aplicar-se um regime transitório denominado sistema de pagamento diferido (21). Segundo este sistema, o comerciante de um Estado-membro, ao comprovar ao fisco nacional estar vendendo mercadorias a contribuinte de outro Estado-parte (o que se faz através de documentos comerciais em que constem os números de inscrição de ambos no cadastro comunitário único do IVA), beneficia-se de isenção e recupera os créditos anteriores. O produto exportado sofre a tributação interna do país do destino logo de sua primeira circulação dentro do território deste (22).
No sistema de origem, a ser implantado na Europa em um futuro próximo, o produto sai do país exportador gravado pelo IVA interno deste, mas é o fisco do Estado do destino que reconhece ao adquirente (se contribuinte) créditos equivalentes ao imposto suportado, em nome do princípio da não-cumulatividade. Em contrapartida, sub-roga-se neste direito de crédito contra o Estado em que se deu a efetiva arrecadação, já que é da natureza do IVA que os benefícios da arrecadação pertençam ao país em que se dá o efetivo consumo (23).
Segundo a proposta da Comissão Européia, a compensação recíproca entre os Estados-membros far-se-á da seguinte maneira: mensalmente, cada um deles informará o valor de IVA recolhido sobre os bens vendidos a contribuintes situados nos demais (somatório das operações internas com a operação final, intracomunitária), bem como o montante cuja compensação reivindicam seus próprios contribuintes, em razão de compras feitas a comerciantes localizados naqueles. Confrontadas as duas contas, encontrando-se saldo credor (país importador líquido), o país indicará o valor de que pretende ser reembolsado; sendo devedor o saldo (país exportador líquido), pagá-lo-á à câmara central de compensação, que o redistribuirá de forma a satisfazer os créditos dos demais Estados-membros (24).
Neste sistema não há os sucessivos rompimentos da cadeia débito-crédito que, sob o princípio do destino, ocorrem toda vez que um bem transcende os limites territoriais de um Estado-membro do espaço econômico integrado. O elevado nível de harmonização que exige, envolvendo mesmo a convergência de alíquotas, bem como a grande quantidade de informações que requer sejam trocadas entre os fiscos envolvidos têm, contudo, sido óbices à sua adoção. O sistema já foi tentado, por um curto período, entre alguns países-membros do Mercado Comum Centro-Americano. A grande evasão fiscal que se seguiu à eliminação das fronteiras determinou, contudo, o abandono da experiência (25).
O projeto de reforma constitucional tributária apresentado pelo governo federal brasileiro, ora em fase de discussão parlamentar, traz importantes avanços à situação atual da tributação indireta no País, a saber:
a) substitui o atual IPI por um ICMS federal, incidente sobre base idêntica à do ICMS dos Estados, que permanece e passa a ser exaustivamente regulado por lei complementar da União;
b) amplia a atual proibição constitucional de incidência do ICMS estadual sobre as exportações de produtos industrializados, estendendo-a também às de produtos primários e semi-elaborados, cuja tributação é hoje facultada pela Constituição Federal (a imunidade vale também para o ICMS federal que vier a ser criado). Os efeitos práticos da proposta foram antecipados pelo Legislativo federal, que, valendo-se de permissão constitucional expressa, isentou do imposto estadual, indistintamente, todas as mercadorias exportadas, por meio da edição da Lei Complementar nº 87, de 13.09.96;
c) no que toca ao ICMS dos Estados, mantém a tributação na origem e extingue a atual distinção, para efeito de determinação da alíquota aplicável, entre operação interna e interestadual, permitindo a criação de mecanismo de repasse da arrecadação ao Estado do destino e prevendo a progressiva federalização das operações interestaduais (parte de arrecadação, aquela correspondente à elevação da alíquota do ICMS federal a ser criado, em proporção à redução da estadual, seria repassada pela União ao Estado do destino);
d) concede créditos de ICMS estadual (e do ICMS federal, a ser criado) na compra de bens para o ativo imobilizado do contribuinte. A regra foi também antecipada, e mesmo alargada, pela Lei Complementar nº 87, de 13.09.96, que permite o aproveitamento integral e imediato dos créditos referentes a bens destinados ao uso, consumo e ativo permanente das empresas (no qual se inclui o ativo imobilizado), exigindo, no que se refere a estes últimos, permanência mínima de cinco anos, ou estorno proporcional dos créditos compensados. O sistema anterior, proibitivo do aproveitamento destes créditos, atribuía um certo efeito cumulativo ao ICMS estadual, que repercutia inevitavelmente nos preços. O problema subsiste, contudo, até a aprovação da emenda constitucional em apreço, relativamente ao IPI federal. Razões de equilíbrio interno na arrecadação do ICMS estadual, levantadas por uma parte da doutrina (26), levaram à insatisfação com a regra, que, nos termos da proposta do relator da Comissão Parlamentar Especial, é de ser substituída pela isenção da venda final de bens de capital, a ser definidos em lei, com manutenção dos créditos anteriores (27). O argumento é de que os Estados compradores concederiam créditos, perdendo receita, por imposto arrecadado e apropriado pelos vendedores, sobretudo São Paulo. A solução é parcial, e o problema poderia ser contornado pela fixação de prazo à constituição do mecanismo de repasse da receita ao Estado destinatário, prevista de forma vaga no projeto de reforma.
e) proíbe a concessão, sob qualquer forma, de incentivos que anulem o ônus econômico do imposto; a vedação, com poucas chances de ser aprovada, é voltada preferencialmente aos Estados, a fim de pôr cobro à guerra fiscal que ora se trava no seio da federação brasileira.
O projeto tem também os seus reveses, como a permissão de cobrança de impostos cumulativos pela União, no exercício de sua competência residual, e a manutenção da atual separação entre ICMS e ISS, que impede o aproveitamento de créditos relativos ao imposto incidente sobre serviços prestados no processo de produção e circulação da mercadoria, ou sobre serviços prévios e necessários à atual prestação (28).
Cumpre ainda destacar que a Argentina e o Brasil, ao lado dos tributos gerais e seletivos sobre o consumo, estruturados como não-cumulativos (o que não impede eventuais efeitos cumulativos, como se demonstrou), aplicam impostos sobre o faturamento bruto das empresas, absolutamente cumulativos (PIS e COFINS, no Brasil, destinados ao financiamento da Seguridade Social Geral; Impuesto sobre Ingresos Brutos na Argentina, de competência das províncias), acarretando graves distorções nos preços dos produtos locais e atraindo todos os efeitos negativos da tributação em cascata, acima referidos.
Além disso, o Brasil, num lance de esquizofrenia fiscal, aprovou recentemente a criação de mais um tributo de efeitos cumulativos: a CPMF — Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras, com arrecadação afetada ao custeio da saúde pública. Introduzida pela Emenda Constitucional nº 12, de 16.08.96, a contribuição, com vigência máxima de dois anos, incidirá "sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira", representando oneração de 0,25% em todas as etapas de produção e circulação dos bens e serviços, certo que a cada uma delas corresponde uma transação bancária entre as partes envolvidas.