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Família substituta

23/12/1998 às 00:00
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"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".

Eis o que afirma o art. 227 da Constituição Federal que o art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente repete, recomendando sua efetivação. A Constituição fala do Estado e o Estatuto, do Poder Público. No fundo é a mesma coisa, mas tem porquê.

Entendo que o legislador quis mostrar a proximidade do ECRIAD, particularizando cada situação, devendo por isto ser lido ou acrescentado que este poder público é o local, como o é a comunidade. Se comunidade significa "comum unidade" e unidade só existe entre elementos próximos, leia-se ainda, que a responsabilidade é também da comunidade local, em relação aos concidadãos, portanto, de toda pessoa que desenvolva suas atividades ou viva nela.

Volto a afirmar, já o fiz em outro artigo, "Em defesa do Estatuto", o Estatuto faz forte apelo à participação de todos para consecução de suas metas. Ele só se cumprirá em sua totalidade, quando todos se sentirem co-responsáveis pela sua prática.

Para o caso de colocação em família substituta prevê três possibilidades: tutela, guarda e adoção.

Família substituta é aquela que se propõe trazer para dentro dos umbrais do próprio casa, uma criança ou um adolescente que por qualquer circunstância foi desprovido da família natural, para que faça parte integrante dela, nela se desenvolva e seja.

Portanto, esta criança (ou adolescente) vai passar a ser membro desta família que generosamente a acolhe, que livremente a quer entre os seus, dispensando-lhe tudo de que precisa sobretudo, amor. Em se tratando de adoção, passará a ter todos os direitos e deveres do filho de sangue. Até porque, tanto a Guarda como a Tutela podem ser revogadas, mas a Adoção é para sempre.

Dar uma família à criança, Prioridade Absoluta, é um ato de grandeza imensurável, é demonstração de desprendimento, capacidade de repartir e se doar. Muitas vezes, como no caso de estrangeiros, comporta deixar os afazeres, ficar sem receber salário, enquanto vêm ao Brasil. Isto porque, além fronteiras, o Estado permite ao seu servidor que se ausente para determinados fins, mas não o remunera naquele interstício. Portanto, trata-se de sacrifício considerabilíssimo, por tantos ignorado e por quem poderia amenizar, considerado indiferente.

É fundamental, mas sabe-se de inúmeros casos em que os Requerentes de qualquer destas formas, chegam a esperar anos para conseguirem seu objetivo, pois, pode ser muito longa a tramitação judicial de um pedido, antes de obter, finalmente, a pretensão desejada que só se colima mediante sentença, depois que transita em julgado, (quando já não é mais, passível de recurso).

Ainda não foi feita uma separação deste tipo de processo. A sobrecarga de trabalho sob a qual se encontram os Magistrados, seja os do Ministério Público, seja o Juiz de Direito, impede-os de exercer potencialmente os deveres legais que lhe são atribuídos. Daí, verificar-se muitas coisas não feitas e que mais do que se constituirem em omissão, refletem os limites a que estes mortais estão sujeitos.

Por isto, importa que os artigos supra mencionados (227, CF; 4º, ECRIAD) sejam lidos atentamente. Eles apontam a quem compete proporcionar a crianças e a adolescentes os direitos que têm, isto é, a todos. Eis portanto, que todos, (todos, quer dizer todos) devem-se mexer, devem-se incomodar, devem incomodar quem se omite, quem é lento, com este abominável status que está ai.

Por exemplo, interessando-se para saber que crianças precisam de família substituta, onde elas estão, podem estar nas diversas instituições há meses e meses... e ajudando de todos os modos que estiverem ao nosso alcance, pelo simples prazer de servir, àquelas pessoas que se dispõem ao magnânimo gesto de grandeza traduzido pela adoção.

A esta altura, não faltará quem cite alguém que possa ter feito isto e foi incompreendida. Que importa? Só os omissos são capazes de criticar quem faz ou atribuir-lhes qualquer tipo de culpa, não só por qualquer, mas pelos seus pessoais desacertos.

Mas esta é só uma repetição da história. Há quem não sabe assumir no que erra. Nisto nos servem de exemplo os políticos: se retrocedessem com a primeira incompreensão? se os escritores se inibissem ante as críticas? se ante a primeira queda alguém desistisse de prosseguir? Muita coisa ficaria não feita. O problema é de quem não tem capacidade de entender certos gestos de generosidade, de fato, incomuns, deveras privilégio daqueles que entenderam que devemos amar ao próximo como a nós mesmos.

Muitas iniciativas têm sido levadas a efeito, como é o caso do III Encontro Nacional de Associações e Grupos de Apoio à Adoção realizado em Florianópolis de 21 a 23 de maio últimos. Entre o que mais foi focalizado estão os Grupos de Apoio que se constituem em organizações particulares cujo fim é como o nome diz, é apoiar famílias que tiverem tal pretensão.

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No caso de adoções internacionais, serão expressamente observados no sentido, todos os termos da Convenção de Haia, sendo atribuição das CEJAIs ao final, certificar que esta ou aquela adoção internacional em tais termos se deu.

Em nosso Estado, depois de muito esforço no sentido, o Juiz da Vara da Infância e da Juventude - Juízo de Vitória, conseguiu fazer funcionar a CEJAI. Deste modo, de toda criança será antes dada notícia a pretendentes brasileiros de qualquer estado, que queiram adotá-la. Não havendo, poderão exercer tal direito, estrangeiros que nos seus países de origem, obtiverem a competente autorização para tanto.

Oxalá muitos brasileiros tenham esta pretensão. Mas aqui, são sempre famílias pobres a quererem adotar, mesmo já tendo outros filhos. E esta, de aferir capacidade econômica por mais um filho a criar e educar, será tarefa a ser bem cumprida, entre as demais, por parte da CEJA, Comissão Estadual Judiária de Adoção.

E que não só crianças louras e de olhos azuis sejam bem vindas, mas também as de cor. Neste sentido, os estrangeiros, que por aqui chegam, dão banho de lição de amor. Não lhes interessa cor, nem se é menino, ou menina, querem um filho!

Sobretudo, que faça parte do nosso projeto cidadão olhar para nossas crianças, levar ao conhecimento da autoridade as condições em que vivem, protegê-las e contribuir para que o sacrossanto direito de ter uma família não lhes seja adiado, negligenciado, muito menos negado.

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Sobre a autora
Marlusse Pestana Daher

promotora de Justiça no Espírito Santo, radialista, jornalista, escritora, especialista em Direito Penal e Processual Penal, membro da Academia Feminina Espírito Santense de Letras, ex-dirigente do Centro de Apoio Operacional às Promotorias do Meio Ambiente e do Patrimônio Histórico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DAHER, Marlusse Pestana. Família substituta. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1655. Acesso em: 22 dez. 2024.

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