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Reforma agrária: titulação coletiva de populações tradicionais do Pará.

Elementos de experiência para um novo paradigma

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ELEMENTOS IMPORTANTES DE UM NOVO PARADIGMA

Podemos perceber claramente que o ponto comum entre as experiências de titulação coletiva ora relatadas é que apontam na construção de novo paradigma para a Amazônia e caminho da construção de um modelo de exploração agro-estrativista e de reforma agrária com acentuado caráter comunal como princípios de partida para o processo de regularização fundiária.

Usando os conceitos da ciência normal do direito civil, constitucional, agrário e administrativo ambiental, sem renunciar claramente aos seus paradigmas, apontamos a necessidade da construção de elementos de um novo paradigma onde o problema posto não é o daquele em que o Estado através da intervenção determinante é o tutelador do interesses da coletividade ao meio ambiente e gestor do patrimônio fundiário que em última análise pertence a toda a coletividade, mais o particular e especialmente neste caso de populações tradicionais da região são encarados como colaboradores essenciais.

Seja através do reconhecimento de domínio das áreas dos remanescentes de quilombos, ou através de contratos de direito real de uso onde permite-se de forma comunitária o uso regrado do bem público, temos uma via de acesso com maior garantia de estabilidade e segurança destas populações nas suas relações de exploração da área, antes a todo momento sujeitas ás formas alienígenas de apropriação da terra, não contando com um meio seguro de reinvindicar e proteger a sua posse histórica sobre ditas áreas junto ao poder público e especialmente junto ao poder judiciário.

De fato, seja quando o Estado reconhece o domínio ou quando concede o direito real de uso a estas populações tradicionais, atende a um só tempo aos interesses comunitário de maior segurança no uso econômico e social da área sem afetar o interesse da coletividade tutela do meio ambiente.

Todas estas premissas e observações deixam claro que estes processos possuem nota diferencial e apontam no sentido claro de democratização do acesso à terra não apenas no sentido da sua concessão, mas também na forma da sua gestão. Ultrapassando os clássicos limites de definição da propriedade como um bem individual mas apostando na construção real do sonho que é possível a compreensão primeira do uso da terra como um bem social e coletivo, e corolário definindo mecanismos claros de gestão coletiva e comunitária da terra.

Especialmente no caso da concessão de direito real de uso temos uma pitada lúdica de ser tal gestão realizada sob o patrimônio da coletividade, que terá no Estado ou seu perpetuo vigilante de seus interesses essenciais e superiores, ainda que esta seja irrenunciável na outra forma de concessão.

Alerta-se, a fim de ressaltar a importância histórica destas formas de concessão coletiva de uso da terra que agora o Estado do Pará está a efetivar, onde construiu uma legislação apropriada e célere de titulação Coletiva de Comunidades Remanescentes de Quilombos, desconhecemos no direito comparado nacional ou estrangeiro casos semelhantes no procedimento de concessão prática desta forma de uso da terra, onde se tem sobretudo desburocratizado o exercício da cidadania.

De fato, em estudo extenso obre os processos de titulação de comunidades remanescentes de quilombos no Brasil, apontam este procedimento negativo, Lúcia Andrade e Gerônimo Treccanim em estudo publicado sob o título " Terras de Quilombo" , no livro organizado por Raimundo Laranjeira, intitulado Direito Agrário Brasileiro, da Editora LTr, São Paulo, 1999, na página 614 :

" vale destacar que o Instituto de Terras de São Paulo (ITESP) -fundamentado no Decreto Estadual 42.839/98 – compartilha de entendimento semelhante ao da Fundação Palmares quanto á necessidade do Poder Público decretar a condição quilombola, e também apresenta-se como a instância legítima para tal"

A bem verdade da nossa limitação de conhecimento e vivência do direito, devemos destacar, entrementes que a nível teórico, conhecemos apenas dois artigos doutrinários que apontam sobre uma análise teórica de modalidades de apropriação e gestão coletiva de áreas de terras na Amazônia, que não coincidentemente foram escritos por paraenses : Pluralismo Jurídico e as Posses Agrárias na Amazônia(33) e A Pose Agrária Alternativa e a Reserva Extrativista na Amazônia(34) , dos professores José Heder Bennatti e Antônio Gomes Moreira Maués, conjunto o primeiro e o segundo somente de autoria do Professor Bennatti.


CONCLUSÃO

Ante o exposto, podemos concluir que :

1- os procedimentos legislativos adotados pelo Estado do Pará tanto para a titulação de remanescentes de quilombos e concessão de direito real de uso para comunidades tradicionais da Amazônia, se colocam claramente no norte adequado para a construção de novos paradigmas de regularização fundiária e ambiental na Amazônia;

2- Estas formas de regularização fundiária casam os interesses de preservação ambiental com os de proteção e progresso social de populações tradicionais da Amazônia, podendo ser ampliados e aplicados em outras paragens deste nosso verde vago mundo, onde o elemento humano parece por vezes ser ignorado quando se fala sobre a proteção ambiental, e promovendo-se uma política de reforma agrária diferenciada para a região;

3- Através de processos que objetivem a titulação coletiva de áreas em nome de populações tradicionais, aponta-se um novo modo de reforma agrária, preservando os interesses de preservação da biodiversidade amazônica.

4- As regras regras do Decreto-lei 271/67, podem e devem aplicados para a concessão de direito real de uso de áreas do patrimônio público, para a exploração por populações tradicionais.


NOTAS

01. O Centro de Defesa do Negro do Pará – CEDENPA possui uma lista onde identifica cerca de 200 comunidades remanescentes de quilombos – O Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da UFPA, já realizou estudos em diversas áreas de remanescentes, constando no relatórios as seguintes áreas de estudo já mapeadas: ITANCUAN (BAIXOACARÁ) As terras dos descendentes além da Casa Grande (AZEVEDO Marin Rosa Elisabeth. Belém, UFPA/NAEA, abril 1999;TERRA DE PRERO DA REGIÃO TOCANTINA - PARÁ, (AZEVEDO Marin Rosa Elisabeth. Belém, UFPA/NAEA, maio 1999); OCUPAÇÃO E TOPOLOGIA DO TERRITÓRIO ‘NEGRO’ NO BAIXO ACARÁ (AZEVEDO Marin Rosa Elisabeth. Belém, UFPA/NAEA, setembro 1999); TERRAS DE PRETO DA REGIÃO DE GURUPI – PARÁ (AZEVEDO Marin Rosa Elisabeth. Belém, UFPA/NAEA, outubro 1998); BELA AURORA DOS PRETOS VELHOS GURUPI – PARÁ (AZEVEDO Marin Rosa Elisabeth. Belém, UFPA/NAEA, novembro 1999); TERRAS DE PRETO E DESCENDÊNCIA, História de vida de quilombos no Tocantins, (CASTRO, Edna Ramos, UFPA/NAEA, setembro 1999 .

02. Almeida apud Rosa Acevedo & Edna Castro. Negros do Trombetas : guardiães de matas e rios.2a ed. Belém : CEJUP/UFPA-NAEA.1998.Página 3

03. Socióloga formada pela Universidade Central da Venezuela, doutorada pela École dês Hautes Études em Sciences Sociales, em História e Civilização ( Paris, 1985), professora e pesquisadora do Núcleo de Altos Estudos Aamazônicos da UFPa, Coordenadora do Mestrado em Planejamento/PLADES, Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico úmido do NAEA.

04. Socióloga formada pela Universidade Federal do Pará, doutorada pela École dês Hautes Études em Sciences Sociales, em sociologia ( Paris, 1983), professora e pesquisadora do Núcleo de Altos Estudos Aamazônicos da UFPa, Coordenadora do Doutorado em Desenvolvimento do Trópico úmido do NAEA e Professora do CFCH da UFPA.

05. Prefácio a Segunda Edição. Rosa Acevedo & Edna Castro. Negros do Trombetas : guardiães de matas e rios.2a ed. Belém : CEJUP/UFPA-NAEA.1998.

06. Rosa Acevedo & Edna Castro. Negros do Trombetas : guardiães de matas e rios.2a ed. Belém : CEJUP/UFPA-NAEA.1998,.Página 27.

07. Rosa Acevedo & Edna Castro. Negros do Trombetas : guardiães de matas e rios.2a ed. Belém : CEJUP/UFPA-NAEA.1998,.Página 35.

08. Rosa Acevedo & Edna Castro. Negros do Trombetas : guardiães de matas e rios.2a ed. Belém : CEJUP/UFPA-NAEA.1998,.Página 34.

09. Rosa Acevedo & Edna Castro. Negros do Trombetas : guardiães de matas e rios.2a ed. Belém : CEJUP/UFPA-NAEA.1998,.Página 41.

10. Rosa Acevedo & Edna Castro. Negros do Trombetas : guardiães de matas e rios.2a ed. Belém : CEJUP/UFPA-NAEA.1998,.Páginas 41 e 42.

11. Rosa Acevedo & Edna Castro. Negros do Trombetas : guardiães de matas e rios.2a ed. Belém : CEJUP/UFPA-NAEA.1998,.Página 48.

12. Rosa Acevedo & Edna Castro. Negros do Trombetas : guardiães de matas e rios.2a ed. Belém : CEJUP/UFPA-NAEA.1998,.Página 78.

13. Rosa Acevedo & Edna Castro. Negros do Trombetas : guardiães de matas e rios.2a ed. Belém : CEJUP/UFPA-NAEA.1998,.Página 79.

14. Rosa Acevedo & Edna Castro. Negros do Trombetas : guardiães de matas e rios.2a ed. Belém : CEJUP/UFPA-NAEA.1998,.Página 81.

15. Rosa Acevedo & Edna Castro. Negros do Trombetas : guardiães de matas e rios.2a ed. Belém : CEJUP/UFPA-NAEA.1998,.Páginas 86-87.

16. Rosa Acevedo & Edna Castro. Negros do Trombetas : guardiães de matas e rios.2a ed. Belém : CEJUP/UFPA-NAEA.1998,.Página 87.

17. Rosa Acevedo & Edna Castro. Negros do Trombetas : guardiães de matas e rios.2a ed. Belém : CEJUP/UFPA-NAEA.1998,.Páginas 134 e 135.

18. Rosa Acevedo & Edna Castro. Negros do Trombetas : guardiães de matas e rios.2a ed. Belém : CEJUP/UFPA-NAEA.1998,.Páginas 154 e 155.

19. Rosa Acevedo & Edna Castro. Negros do Trombetas : guardiães de matas e rios.2a ed. Belém : CEJUP/UFPA-NAEA.1998,.Página 157.

20. "É necessário compreender que a concepção de territorialidade e de terra comum, como é o caso dos negros do Trombetas, só pode ser percebida no interior das relações que estruturam a organização dessas comunidades.Não pode ser subordinada portanto à lógica da propriedade privada que preside o direito brasileiro, por ter natureza distinta. Os negros mantêm, na concepção e na prática, terras comuns, pois instituciobnalizaram um sistema de regras que alimentam o seu modo de produção" Rosa Acevedo & Edna Castro. Negros do Trombetas : guardiães de matas e rios.2a ed. Belém : CEJUP/UFPA-NAEA.1998,.Página 158.

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21. Rosa Acevedo & Edna Castro. Negros do Trombetas : guardiães de matas e rios.2a ed. Belém : CEJUP/UFPA-NAEA.1998,.Página 194.

22. Rosa Acevedo & Edna Castro. Negros do Trombetas : guardiães de matas e rios.2a ed. Belém : CEJUP/UFPA-NAEA.1998,.Página 195.

23. Rosa Acevedo & Edna Castro. Negros do Trombetas : guardiães de matas e rios.2a ed. Belém : CEJUP/UFPA-NAEA.1998,.Página 209 (grifo nosso)

24. Rosa Acevedo & Edna Castro. Negros do Trombetas : guardiães de matas e rios.2a ed. Belém : CEJUP/UFPA-NAEA.1998,.Página 210.

25. Bittar, Carlos Alberto. Curso de Direito Civil. Vol. 2. Rio de Janeiro : Forense Universitária.1994. Página 959.

26. Seja no Império ou na republica, apesar da mudança dos regimes o sistema de concentração da propriedade ainda é uma das marcas do Brasil nestes 500 anos de história.

27. Como leciona Hans Kelsen " as normas de uma ordem jurídica positiva valem (são válidas) porque a norma fundamental que forma a regra basilar da sua produção é pressuposta como válida, e não porque são eficazes; mas elas somente valem se esta ordem jurídica é eficaz, quer dizer, enquanto esta ordem jurídica for eficaz. Logo que a Constituição e, portanto, a ordem jurídica que sobre ela se apoia, como um todo, perde a sua eficácia, a ordem jurídica e com ela cada uma das suas normas, perdem a sua validade (vigência) In Teoria Pura do Direito. Tradução João Batista Machado.4 ed.São Paulo:Martins Fontes.1994.P.237.

28. Kelsen, Hans. Teoria Geral das Normas. Tradução de José Florentino Duarte. Sérgio Antonio Fabris Editor.Porto Alegre : 1986.Página 118.

29. Mattos Neto, Antônio José de. A Posse Agrária e suas implicações jurídicas no Brasil. Belém: Cejup.1998. Pag. 40.

30. Mattos Neto, Antônio José de. A Posse Agrária e suas implicações jurídicas no Brasil. Belém :Cejup.1998. Pag. 47.

31. Mattos Neto, Antônio José de. A Posse Agrária e suas implicações jurídicas no Brasil. Belém :Cejup.1998. Pag. 47.

32. Bittar, Carlos Alberto. Curso de Direito Civil. Vol. 2. Rio de Janeiro : Forense Universitária.1994. Página 960.

33. Trabalhado premiado com o primeiro lugar no Concurso Internacional de Ensaio promovido pelo Instituto Latinoamericano de Servicios Legales Alternativos (ILSA) – Bogotá/Colôbia, publicado in Lições de Direito Civil Alternativo.Organizado por Silvio Donizete Chagas. São Paulo : Editora Acadêmica.1994, páginas 130 a 150.

34. Publicado no Livro A Amazônia e a Crise da Modernização. Org. Ma. Angela D’incao & Isolda Maciel da Silveira. Belém : Museu Paraense Emílio Goeldi. 1994. páginas 553 a 559.


BIBLIOGRAFIA

1.ACEVEDO, Rosa & CASTROM, Edna. Negros do Trombetas : guardiães de matas e rios.2a Ed. Belém : CEJUP/UFPA-NAEA.1998.

2.BENNATTI, José Heder . A Pose Agrária Alternativa e a Reserva Extrativista na Amazônia In A Amazônia e a Crise da Modernização. Org. Ma. Angela D’incao & Isolda Maciel da Silveira. Belém : Museu Paraense Emílio Goeldi. 1994.

3.BENNATTI, José Heder Bennatti & MAUÉS, Antônio Gomes Moreira.Pluralismo Jurídico e as Posses Agrárias na Amazônia.In Lições de Direito Civil Alternativo.Organizado por Silvio Donizete Chagas. São Paulo : Editora Acadêmica.1994.

4.BITTAR, Carlos Alberto. Curso de Direito Civil. Vol. 2. Rio de Janeiro : Forense Universitária.1994. .

5.KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução João Batista Machado.4 ed.São Paulo:Martins Fontes.1994.

6.KELSEN, Hans. Teoria Geral das Normas. Tradução de José Florentino Duarte. Sérgio Antonio Fabris Editor.Porto Alegre : 1986.

7. MATTO NETTO, Antônio José de. A Posse Agrária e suas implicações jurídicas no Brasil. Belém: Cejup.1998.

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Sobre o autor
Ibraim José das Mercês Rocha

advogado, procurador do Estado do Pará, mestre em Direito pela UFPA, secretário do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública no Pará, ex-diretor do departamento jurídico do Instituto de Terras do Pará (ITERPA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Ibraim José Mercês. Reforma agrária: titulação coletiva de populações tradicionais do Pará.: Elementos de experiência para um novo paradigma. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1673. Acesso em: 25 dez. 2024.

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