7. A SITUAÇÃO DO DIREITO HUMANO A UM MEIO AMBIENTE NO CONTEXTO EUROPEU
Neste apartado, se realiza um exame da problemática estudada desde o ponto de vista da União Européia - e suas instituições-, protagonista no âmbito dos direitos humanos e no estímulo dado ao Direito ambiental.
O diretor do Meio Ambiente e dos Poderes Locais do Conselho Europeu reconheceu que "se está afiançando cada vez mais, não somente entre o público em geral, como também nos âmbitos onde há um interesse pela proteção do meio ambiente, à convicção de que, frente a agravação da situação de nossa biosfera, o melhor meio de defesa seria reconhecer-se como um direito humano o direito ao meio ambiente"11.
Entretanto, a questão de ser ou não um direito humano, encontra opiniões divididas além de requerer certas reflexões que iniciamos com uma breve análise comparada nas concepções européias e fora desta.
Não é nenhuma novidade que os continentes africano e latino-americano sofrem uma severa crise econômica e ambiental. Nem que esta crise tem origens no inadequado desenvolvimento, no descontrolado crescimento da população, na já afiançada globalização da economia e que se remota a época colonial que desenvolveu os colonizadores mediante a substração masiva dos recursos naturais dos colonizados.
Por estas e outras razões, a consciência ´terceiromundista´ de certa forma atuou, inserindo o direito a um entorno ambiental sadio em suas Declarações sobre direitos humanos. É o caso, como vimos, da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e seu artigo 22. Contudo, esta atitude é vista por muitos países desenvolvidos como uma simples expressão do processo descolonizador e de sua plasmação no direito de auto-determinação.
No entanto, não podemos ser extremistas e afirmar que os organismos institucionais europeus se encontram em franca oposição a positivação do direito a um meio ambiente equilibrado como um direito humano, visto que emerge uma crescente preocupação e proteção à qualidade de vida neste continente, nos âmbitos ambiental e humano, o que inevitavelmente produz um efeito de contágio determinante em nível internacional. Todavia, nem o Convênio Europeu para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais de 1950 nem a Carta Social Européia de 1961 incluem aspectos meio ambientais em sus textos.
Existe um concenso geral no campo de ação europeu de uma nova perspectiva ou visão ambiental. Uma mostra deste crescente interesse é o fato de que a União Européia, que carecia de conotações ambientais no momento de sua constituição, agora integra o tema como elemento de essencial importância em seu contexto legislativo e institucional. Sobretudo apartir de 1972 - por influência da Declaração de Estocolmo- esta organização internacional de âmbito regional adotou várias diretrizes relativas ao meio ambiente que dotam de padrões mínimos de conduta que devem ser observados en esta zona, que a pesar de ser desenvolvida industrial e tecnologicamente, convive com uma taxa elevadíssima de contaminação sonora, do ar e da água e de erosão de espécies da fauna e flora e de ecosistemas vitales.
7.1. O Conselho Europeu e o Tribunal Europeu de Direitos Humanos
Apesar do direito ao meio ambiente não haver sido incorporado à lista de direitos do Convênio Europeu para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos - mecanismo de aplicação do Convênio- submeteu esta possibilidade a estudo em várias ocasiões. As razões pelas quais ainda não se há incorporado tal direito são as seguintes: a) temor de esfumar e mascarar o Convênio através da incorporação de ´novos´ direitos humanos; b) o fato de que a maioria dos Estados membros possuem sérios problemas ambientais que poderiam supor constantes demandas ao Tribunal ao ser tal direito incorporado en el Convênio.
Não obstante, o Tribunal acabou por considerar o direito ao meio ambiente como um direito humano através do que se adjetiva como ´proteção de rebote´ (protection par ricochet)13. O Tribunal permitiu que um atentado contra o meio ambiente fosse submetido a este órgão não por si mesmo, mas como causa de violação de outros direitos protegidos pelo Convênio. O caso mais interessante é o assunto López Ostra que derivou-se de uma demanda contra o Estado español. Neste assunto, o Tribunal admitiu de maneira clara que uma grave contaminação do meio ambiente pode afetar o bem estar do indivíduo e impedir-lo de disfrutar de seu lar, atacando sua vida privada e familiar14.
Se trata de uma matéria em pleno desenvolvimento e os resultados nem sempre adotam um destaque à importância do direito a um meio ambiente sadio. É o caso, por exemplo, do assunto McGinley v. Egan (sentença de 09.06.1998), demanda realizada por militares depois de haverem participado em várias campanhas britânicas no Pacífico com explosões nucleares e de aparecerem diferentes sintomas em seus organismos aparentemente ocasionados por tais operações. Os demandantes não puderam naquele momento ver satisfeita sua petição ante os tribunais britânicos por se tratar de temas submetidos a segredo militar. Por sua parte, o Tribunal, remetendo-se aos artigos 6º e 8º do Convênio, apenas afirmou que ao ser ignorada tal situação pelas autoridades britânicas, estas não atuaram de maneira proporcional ao interesse legítimo dos demandantes, havendo um incumprimento de sua obrigação positiva em relação com o respeito à vida, ao devido processo legal e a um juízo justo.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os direitos humanos não são atribuidos arbitrariamente. Tampouco constituem um conceito estático ou inalterável. Frequentemente reflexam valores sociais emergentes, tal como o direito de viver em um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ideologicamente, estes direitos além de interdependentes, são supranacionais, suprapositivos, não carecem de este ou aquele ato de recognição.
Na prática jurídica atual se percebe uma série de problemas na consagração de um direito humano a um meio ambiente, derivados de uma consciência eminentemente antropocêntrica e utilitarista.
Problemas que emergem da falta de consenso internacional, dos interesses da elite governamental (países ´desenvolvidos´) e dos blocos de poder transnacionais, configuram alguns obstáculos que se apresentam diante do reconhecimento de um direito como parte do outro. Além disso nos encontramos frente a um obstáculo: como concretar a responsabilidade de um Estado frente à uma demanda particular ou coletiva com base em um dano ambiental? Poderia um determinado Estado ser responsabilizado pelos efeitos da mudança climática que constitui um problema ambiental global?
Por outra parte, assim como as antigas, as atuais relações Norte/Sul, estão baseadas na exaustiva dominação e exploração dos recursos naturais abundantes do hemisfério Sul e cada vez mais escassos no Norte. O desenvolvimento progressivo dos direitos humanos e ambientais, tanto doutrinária como normativamente, é propiciado principalmente pelo trabalho de juristas, acadêmicos e instituições do Norte. Consequentemente, este trabalho é realizado de acordo com interesses fundados no ecocolonialismo, ou seja, o controle do Norte sobre os recursos naturais do Sul.
Ao perguntar-nos se o direito a um meio ambiente adequado e suficientemente importante para ser elevado a categoria de um direito humano, podemos tomar em conta o papel transcedental que desempenha o meio no desenvolvimento humano. Aquele direito é um dos pilares do reconhecimento de outros como o direito à vida e à saúde.
A consideração do direito a um meio ambiente como um direito humano poderia estimular ainda mais o ativismo político e civil em matérias relativas à saúde planetária e levar a criação de órgãos especializados mais enérgicos de proteção e aplicação destes direitos em nível local, nacional e internacional.
De certo, é um processo - ainda que em transição - que demarca substancialmente uma posição crescente no cenário jurídico, econômico, político e social internacional. Seu reconhecimento poderia aprimorar a Declaração de 1948. Um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado é um ávido valor social a ser reclamado porque determina um desejo unânime e prioritário da humanidade e demais espécies: a vida.
NOTAS
1 Ou seja, um novo paradígma, que pode ser denominado de visão de mundo holística, que concebe o mundo como um todo integrado e não como uma coleção de partes dissociadas. Também pode ser denominada como visão ecológica, a qual reconhece a interdependencia fundamental de todos os fenómenos. Ver CAPRA, F: A teia da vida, Cultrix, São Paulo, 1996.
2 O desenvolvimento sustentável persegue o logro de três objetivos essenciais: um objetivo puramente econômico, a utilização dos recursos e o crescimento quantitativo; um objetivo social e cultural, a limitação da pobreza, a manutenção dos diversos sistemas sociais e culturais e a equidade social e um objetivo ecológico, a preservação dos sistemas físicos e biológicos (recursos naturais latu sensu) que servem de suporte a vida dos seres humanos (JUSTE RUIZ, J: Derecho Internacional del Medio Ambiente, MacGraw-Hill, Madrid, 1999, pág. 33).
3 Ídem, pág. 21.
4 ACOSTA, ESTÉVEZ, J: "La dimensión jurídico-internacional del medio ambiente", en ANNALES XIV - Anuario del Centro de la Universidad Nacional de Educación a Distancia, Barbastro, 2001, pág. 57.
5 Citado em MACHADO, P: Direito Ambiental Brasileiro, Malheiros, São Paulo, 1998, pág 91.
6 FRANCO DEL POZO, M: El derecho humano a un medio ambiente adecuado, Universidad de deusto, Bilbao, 2000, págs. 48-49.
7 COMISIÓN MUNDIAL DEL MEDIO AMBIENTE Y DEL DESARROLLO: Nuestro Futuro Común, Alianza Editorial, Madrid, 1992, pág. 67.
8 FRANCO DEL POZO, M: El derecho..., cit., pág. 37.
9 HERRERO DE LA FUENTE, A: "La protección internacional del derecho a un medio ambiente sano", en BLANC, A: La protección de los derechos humanos a los 50 años de la Declaración Universal, Tecnos, Madrid, 2001., pág. 93.
10 SILVA, J: Direito Urbanístico Brasileiro, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1981, pág. 438.
11 ALBANESE, F: "¿Un nuevo derecho del hombre?", en Natura Europa, núm. 70, 1992, pág. 20.
13 SUDRE,F: "La protection du droit a l´ environnement", Colloque d´ Angers, dirigido por Jean Claude Masclet, La Documentation française, Paris, 1997, págs. 211-212.
14
Sentença de 09.12.1994. A demanda teve origem na instalação e funcionamento sem licença na localidade de Lorca (Murcia), em julho de 1988, de uma empresa de tratamentos de resíduos sólidos e líquidos. Devido a um defeituoso processo de operação, tal empresa espelia gases e maus olores, ocasionando problemas de saúde a população cercana.