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As flores não resistem a canhões.

O desafio de tutelar o meio ambiente

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01/12/1999 às 01:00
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4. O MODELO ECONÔMICO E SEUS ESCRAVOS

4.1. A importância da economia no meio ambiente

A crescente preocupação pela deterioração da qualidade ambiental acaba por questionar o modelo tecnológico e de crescimento econômico adotado. Existe uma falha do sistema de mercado na forma de alocar os recursos ambientais. Eis que os bens coletivos e os bens públicos não podem ser efetivamente apropriados e manejados na ótica do privatismo individual(29). No entanto, o consumo é uma necessidade humana. A própria ONU declara que existe um mínimo de recursos necessários para o desenvolvimento humano. Ocorre que a efetividade do direito ao consumo e ao ambiente saudável é inerente à prática da cidadania, implicando numa consciência da relação de consumo, indissociável de um relação de ambiente, isso porque todo ato de consumo tem implicações ambientais(30).

O desenvolvimento econômico tem consistido, para a cultura ocidental, na aplicação direta de toda a tecnologia gerada pelo homem no sentido de criar formas de substituir o que é oferecido pela natureza em lucro(31). Os modelos de desenvolvimento aplicados no Brasil foram responsáveis por uma série de alterações introduzidas na natureza, algumas praticamente irreversíveis ou com um custo de recuperação em regra muito superior ao lucro decorrente da poluição (Cubatão/SP, Baia da Guanabara/RJ, Tiete/SP, Rio Guaíba/Porto Alegre, extinção de espécies animais e vegetais etc.). Cabe ressaltar que o preço da recuperação recaí sobre toda a sociedade, independente de se ter ou não contribuído para a poluição.

Embora alguns países consigam obter resultados positivos em relação ao controle da poluição, especialmente a melhoria da qualidade ambiental, outros aspectos de deteriorização ambiental vêm evidenciando crescentes problemas agravados pelos altos índices de desemprego, aumento da criminalidade, violência pública, desagregação racial, analfabetismo, fome, concentração nos cinturões de miséria metropolitana, o que engendra um estado ambiental de insatisfação e instabilidade pela incapacidade de manejar desastres climáticos, endemias e epidemias, além do surgimento de doenças sociais para cuja explicação carecemos de modelos científicos porque imprevisíveis quanto às matrizes ambientais já degradadas. Há um paradigma de desenvolvimento e não de crescimento. Como desenvolver uma sociedade pondo limite ecológico? Questionar padrões de consumo é lidar com a ruptura de símbolos, que implica em passar do antropocentrismo para um biocentrismo?

Alguns economistas afirmam que o problema concentra-se nos custos sociais excluídos dos processos de produção dos setores privados. Os agentes econômicos deixam de incluir os custos sociais nas operações produtivas, nos preços dos bens e serviços. Isso faz com que o preço não simbolize o valor real do bem, resultando que os preços dos bens de consumo se mantenham baixos demais, e os consumidores comprem quantidades excessivas de certos produtos, cujos processos de produção são poluidores. O preço final de consumo deveria incluir os custos privados e sociais.

          4.2 A relação do direito com a economia

A Constituição Federal de 1988 almeja a harmonização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico. O que consiste no chamado desenvolvimento sustentável, ou seja, na exploração equilibrada dos recursos naturais, nos limites da satisfação das necessidades e do bem-estar da presente geração, assim como da sua conservação no interesse das gerações futuras(32).

Ao ser diagnosticada a deteriorização do ambiente físico percebe-se que existe um custo externo, não previsto, nos contratos privados. Apesar do homem reconhecer suas obrigações e direitos sua visão sobre o mundo está condicionada pelo interesse individual. Em mercados competitivos alicerçados no lucro, os efeitos dos contratos privados sobre a sociedade são negligenciados. Quando ocorre a venda de um automóvel o custo da poluição gerada por ele, e que afeta a coletividade, não está incluída no seu preço, nem faz parte do universo do contrato de compra e venda. As obrigações geradas daquela relação não incluem a responsabilidade com os terceiros acerca da qualidade do ár.

O desafio consiste em reverter um modelo econômico, legitimado pelo direito, que abstrai o custo coletivo surgido das relações privadas sem violar a liberdade dos contratantes. Porém, a sociedade não é composta de indivíduos centrados no seu absoluto, sem correlação com os demais. É composta, prioritariamente, pelas relações desses indivíduos. Ocorre que as disposições privadas se exteriorizam, provocando efeitos em toda a coletividade. Assim, vê-se necessário incorporar os efeitos (custos) externos aos acordos individuais, de tal forma que os custos totais da sociedade sejam previstos pelos indivíduos.

Nesse momento há o confronto entre a liberdade individual e a necessidade coletiva. Já que na busca de satisfazer as necessidades individuais fatalmente se irá perturbar o equilíbrio do meio natural. Sabe-se, porém, que não tocar na natureza é querer o impossível, pois o ser humano busca na natureza as condições de sobrevivência, satisfazendo suas crescentes necessidades básicas. Sendo necessário deslocar o discurso e a prática utilitarista para a consciência dos efeitos e o modelo de exploração. Atividade econômica, meio ambiente e bem-estar social compõem a idéia de desenvolvimento sustentável. O conceito de desenvolvimento sustentável não diz respeito apenas ao impacto da atividade econômica no meio ambiente, mas refere-se principalmente às conseqüências dessa relação na qualidade de vida e no bem-estar da sociedade, tanto presente quanto futura. A aplicação do conceito à realidade requer, no entanto, uma série de medidas tanto por parte do poder público como da iniciativa privada.

O princípio 17 da Declaração de Estocolmo evidencia que deve ser confiada às instituições nacionais competentes, a tarefa de planificar, administrar e controlar a utilização dos recursos ambientais dos Estados, com o fim de melhorar a qualidade do meio ambiente. Destacando, assim, a importância da prevenção do dano ambienta e o papel fundamental dos dispositivos legais.


5. A TUTELA DO MEIO AMBIENTE

5.1 Os instrumentos jurídicos de coerção aos danos ambientais

A busca do equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e o meio ambiente, passa necessariamente por uma série de ações preventiva do Direito. O Direito Ambiental é relativo as regras jurídicas que concernem à natureza, à poluição e danos aos sítios, monumentos e paisagens e aos recursos naturais, caso em que o Direito Ambiental não só se apropria dos setores que até então não constituíam objeto de qualquer ramo do direito nem estavam ligados a qualquer disciplina jurídica determinada (poluição, degradação, monumentos históricos etc.), mas se apropria, também, dos setores já constituídos em corpos jurídicos mais ou menos homogêneos, direito florestal, por exemplo(33). Destaca-se no Direito Ambiental o princípio da prevenção, que busca evitar o dano ou perigo ao meio ambiente, uma vez que, em muitos casos os acidentes ecológicos terão conseqüências irreparáveis.

O problema da tutela do meio ambiente se manifesta a partir do momento em que sua degradação passa a ameaçar, não só o bem-estar, mas a qualidade da vida humana, se não a própria sobrevivência do ser humano. Porém a legislação ambiental em todos os países, ainda demonstra-se variada, dispersa e freqüentemente confusa, conforme observa Ramón Martín Mateo(34). Sendo necessário centrar-se objetivamente na busca de meio eficazes para coibir os processos de degradação ambiental.

          5.1.1 Os princípios que informam o direito ambiental

As regras que constituem o Direito Ambiental em sua maioria são de natureza publica, mais precisamente manifestações do poder de polícia do Estado. Que estão submetidas a princípios de Direito Publico e Administrativo(35). E que condicionam o exercício do Estado na preservação direta do meio ambiente. Os princípios surgem como importante instrumento para direcionar a formação, interpretação e aplicação da norma, principalmente face a imprecisão do conceito de dano ambiental.

Outro aspecto importante é destacar os princípios constitucionais da ordem econômica, que como foi abordado está estritamente relacionada à proteção do meio ambiente a tal ponto que o Direito Ambiental é considerado um verdadeiro Direito Econômico(36). A Constituição Federal de 1988 contempla como princípios gerais da ordem econômica a soberania nacional, propriedade privada, a função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego, tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte. Manoel Gonçalves Ferreira Filho(37) afirma que a ordem econômica estabelecida pela atual Constituição é extremamente ambígua. Ao ponto de haver contradição de princípios no texto constitucional, baralhando fundamentos com finalidades. Isso ocorre porque a redação do art. 170 da CF/88 tem o vício típico dos grandes colegiados(38). Contudo, tal argurmento do consitucionalismo pátrio é emblemático de uma ideologia liberal e ignora o pensamento complexo, próprio das sociedades de massa do fim do milênio e que exige a compreensão pluri e multidisciplinar, no que o texto constitucional criticado dá mostras de ser precursor, de vez que em sua declaração de princípios conformadores da ordem econômica contempla a necessária e indispensável harmonia não só com o ambiente, mas com a solidariedade e seguridade sociais(39).

No artigo 170 da Constituição, com exceção da existência digna que consta no caput como finalidade, as demais finalidades de intervenção surgem como se fossem princípios. Mesmo fundadas (finalidades) em valores liberais como o trabalho humano e a livre iniciativa tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, que o artigo 1º da Constituição coloca como fundamento da República Federativa do Brasil. Resulta que os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência não são mais hierarquicamente superiores (como era no Estado Liberal) aos demais, podendo ser restringidos para que tais liberdades sejam exercidas em conformidade com o interesse social. Isso porque a defesa do meio ambiente é uma finalidade de intervenção do Estado, assegurando princípios que são basilares como a preservação da vida, a diversidade das espécies, o equilíbrio ecológico etc.

O princípio da democracia econômica e social contem uma imposição obrigatória dirigida aos órgãos de direção política (legislativo e executivo) no sentido de desenvolverem uma atividade econômica e social conformadora, transformadora e planificadora das estruturas sócio-econômicas, de forma a evoluir-se para uma sociedade democrática(40). O legislador, a administração e os Tribunais terão de considerar o princípio da democracia econômica e social como princípio obrigatório de interpretação para avaliar a conformidade dos atos do poder público com a Constituição.

Dessa forma, pode-se afirmar que o princípio da propriedade privada só é legítimo e constitucional na medida que seu uso estiver conforme os demais princípios, notadamente, o da função social. Já a livre concorrência só será legítima se seu exercício se conformar ao princípio da defesa do consumidor, da busca do pleno emprego etc., já que, pelo x único do artigo 170 é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, salvo nos casos previstos em lei e porque o artigo 225, em relação ao meio ambiente, dispõe que incumbe a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações(41).

Resulta, assim, a difícil questão de compatibilizar o desenvolvimento econômico com a proteção do meio ambiente. Cabe ressaltar que o uso do meio ambiente não é bem do Estado nem bem privado, mas sendo bem pertencente a toda a coletividade, e dessa forma não pode sua apropriação estar dissociada do interesse social e do bem comum, em que pese toda carga valorativa desses conceitos no contexto liberal e que hoje está-se a exigir-se-lhes uma redefinição, ora como designando a coletividade ecologicamente equilibrada(42).

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Face a carência de sistematização ou estudo dos princípios de direito ambiental a doutrina comparada surge com alternativa para suprir essa falácia.

O Princípio da preservação pode e deve ser visto como um quadro orientador de qualquer política moderna do ambiente. Dando-se prioridade à medidas que evitem o nascimento de atentados ao meio ambiente. Já o Princípio do poluidor-pagador ou da responsabilização, destaca a obrigação, por parte do poluidor em corrigir ou recuperar o ambiente suportando os encargos daí resultantes e proibindo a continuação da ação poluente. Esse princípio se exterioriza na responsabilidade civil objetiva do poluidor que determina que existe obrigação de indenizar, independente de culpa, sempre que o agente tenha causado dano significativo ao ambiente em virtude de uma ação especialmente perigosa. No Brasil este princípio está previsto no inciso VII do artigo 4º da Lei 6.938/81 e no artigo 14 x 3º da mesma lei.

O Princípio da cooperação expressa a idéia de que para a resolução dos problemas do ambiente deve ser dada especial ênfase a cooperação entre o Estado e a sociedade, através da participação dos diferentes grupos sociais na formulação e execução da política do ambiente.

          5.2. A evolução normativa

O períodos mais importante para questões ambientais sem dúvida teve seu início na década de 70, principalmente a partir da conferência da ONU em 1972.

A Conferência Internacional de Estocolmo, em 1972, foi marcada pela oposição do Brasil e outros países em desenvolvimento, em acatarem às diretrizes internacionais de controle à poluição. A justificativa dada foi que a pior poluição era a pobreza, sendo necessário o desenvolvimento econômico a qualquer preço.

A maioria das leis que vigoram até hoje acerca do meio ambiente, foram editadas nesse período, quando o país estava voltado apenas para o crescimento econômico, o que legitimava certas agressões à natureza, exemplo disso certos incentivos fiscais à lavra e esgotamento mineral. As leis ambientais, em sua maioria, são reflexo da "necessidade" desenvolvimentista da época. Pressões, principalmente da sociedade civil e internacional, fizeram com que, em 31 de agosto de 1981, surgisse a primeira lei genérica para sistematizar as leis específicas já existentes, a Lei 6.938/81.

Vinte anos após a Declaração de Estocolmo, a Conferência da Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992, reafirmou os princípios enunciados em 1972. No entanto adicionou a idéia de desenvolvimento sustentável e de uma natureza interdependente e integral da Terra. Contribuindo para a mudança do paradigma de desenvolvimento existente. Adicionando, ainda, o princípio de que os seres humanos estão no centro das preocupação com o desenvolvimento sustentável e têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza.

A idéia poluidor-pagador, consagrada na Declaração Oficial da RIO/92, insere a teoria do risco-proveito, ensejando transformações na teoria da responsabilidade no direito brasileiro, tornando-se a principal contribuinte para a responsabilização objetiva.

A Declaração de Estocolmo abriu caminho para que as constituições supervenientes reconhecessem o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental entre os direitos sociais do homem, com suas características de direitos a serem realizadas e direitos a não serem perturbados(43).

          5.2.1. A política nacional do meio ambiente - Lei 6.938/81

Interpretar a lei consiste em determinar-lhe o significado e fixar seu alcance, devendo estar aliada à consciência do conteúdo finalístico e valorativo do direito(44).

As normas do Direito Ambiental possuem um caráter fragmentário, dessa forma deve-se ter em vista a efetividade dos princípios constitucionais, servindo-se destes tanto para a compreensão das normas particulares quanto para suprir eventuais lacunas.

A Lei 6.938 de 31.10.81 dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. O artigo 2º determina que a Política Nacional tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental. A Lei assegura a efetividade do princípio da prevenção e formaliza a responsabilidade objetiva, o primeiro exprime a necessidade de se desenvolver, promover e implementar uma ética para se viver forma sustentável. Para o Professor Paulo Afonso Leme Machado é através do posicionamento preventivo fundado na responsabilidade no causar perigo ao meio ambiente e não somente pelos danos causados que a responsabilidade jurídica de prevenir decorrem obrigação de fazer ou não fazer (45).

A responsabilidade objetiva esta consagrada no inciso VII do artigo 4º da Lei 6.938/81, determina a imposição ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e ou indenizar os danos causados e ao usuário, da contribuição pela utilização dos recursos ambientais com fins econômicos. Além de consagrar a responsabilidade objetiva em matéria de responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente, determina que sem obstar a aplicação das penalidades previstas nesse artigo da Lei de 6.938/81, é o poluidor obrigado, independente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade.

Uma das razões da introdução da responsabilidade objetiva nessa área foi o fato de que a maioria dos danos ambientais graves eram e estão sendo causados por grandes corporações econômicas (industrias, construtoras etc.) ou pelo próprio Estado (empresas estatais de petróleo, geração de energia elétrica, prefeituras etc.), o que torna quase impossível a comprovação da culpa concreta desses agentes causadores de degradação ambiental(46)

A Lei de 81 deu origem ao artigo 225 da Constituição Federal de 1988. Acatando a idéia de que o desenvolvimento sócio-econômico esta estritamente relacionado com um equilíbrio entre os recursos ambientais. Contribuiu, ainda, com a avaliação dos impactos ambientais, através de estudos prévios de impacto ambiental e relatório de impacto ambiental. Além de propiciar o zoneamento ambiental (artigo 9º inciso II da Lei 6.938/81), que possibilita a limitação de atividades em áreas determinadas pelo poder público. O zoneamento ambiental permite aos governos limitar o uso das propriedades, bem como disciplinar a atividade econômica mantendo o equilíbio ambiental. Essa limitação do direito de propriedade decorre de lei, dos princípios gerais do direito e da própria vontade do proprietário, predominantemente em função do interesse público. A principal importância da Lei 6.938/81 foi que pela primeira vez o ambiente era objeto de proteção, ao ponto de se sobrepor a tradicionais bem jurídicos, como a propriedade privada. Tornando-se o diploma legal básico para o tratamento jurídico do dano ambiental no Brasil.

          5.2.2. A Lei 9.605/98

A Lei 9.605/98 trouxe diversas inovações ao Direito, tais como a responsabilidade criminal das pessoas jurídicas e o alargamento da justiça consensual.

No seu artigo 3º a lei prescreve textualmente que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade. No parágrafo único do mesmo dispositivo, estabelece: A responsabilidade das pessoas jurídicas não exlui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou particípes do mesmo fato. A nova legislação prevê, ainda, a aplicação isolada, cumulativa ou alternativa às pessoas jurídicas, das seguintes penas: multa, restritiva de direitos e prestação de serviço à comunidade (art.21). Todavia, as sanções previstas para as pessoas jurídicas não devem ser interpretadas como de natureza penal, muito embora possam ser aplicadas no juízo criminal. As pessoas morais constituem entidades fictícias, desprovidas de vontade própria, razão pela qual sobre elas não pode recair qualquer juízo de culpabilidade. A inadmissibilidade da responsabilidade penal das pessoas jurídicas regra: societas delinquere non potest - remonta a Feurbach e Savigny. Os dois principais fundamentos para não se reconhecer a capacidade penal desses entes abstratos são: a falta de capacidade natural de ação e a carência de capacidade de culpabilidade. Luiz Vicente Cernicchiaro adverte: Só se pode censurar alguém, por causa de sua conduta, em havendo liberdade de agir. Censurar é qualificar a conduta. Evidente, pressupões que poderia atuar de modo diverso. A pessoa jurídica desenvolve a personalidade jurídica através de pessoas físicas. Estas sim, dotadas de liberdade, atuam de uma forma ou de outra(47). A responsabilidade criminal dos entes coletivos não se harmoniza com o garantismo penal, baseado na proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana. Mesmo que se atribua à pena a missão de reafirmar a vigência da norma, numa concepção funcional do Direito Penal, a mensagem da norma, como modelo de orientação para as relações sociais, só pode dirigir-se a pessoa. No Brasil, a previsão do artigo 225, x 3º, da Constituição Federal, relativamente ao meio ambiente, tem levado alguns penalistas a sustentarem, equivocadamente, que a Carta Magna consagrou a responsabilidade penal da pessoa jurídica. No entanto, a responsabilidade penal ainda se encontra limitada à responsabilidade subjetiva e individual(48). Raúl Cervini denuncia que: a grande mídia incutira na opinião pública a suficiência dessa satisfação básica aos seus anseios de justiça, enquanto aos pessoas físicas verdadeiramente responsáveis poderiam continuar tão impunes como sempre, atuando através de outras sociedades(49). Ninguém pode ignorar que por traz de uma pessoa jurídica sempre há uma pessoa física, que utiliza aquela como simples fachada, pura cobertura formal. Como se refere o professor Cezar Bitencout: punir-se-ia a aparência formal e deixar-se-ia a realidade livremente operando encoberta em outra fantasia, uma nova pessoa jurídica, com novo CGC(50).

O que não significa que o ordenamento jurídico, no seu conjunto, deva permanecer impassível diante dos abusos que se cometam, mesmo e principalmente, através da pessoa jurídica. Deve-se, porém, punir com sanções próprias as pessoas jurídicas. Ocorre que o direito penal não pode abrir mão das conquistas históricas consubstanciadasa nas suas garantias fundamentais. Por outro lado não há um concenso de que o meio penal, que se fundamenta na culpabilidade, seja o mais eficiente apra combater a moderna criminalidade e, particularmente, a delinqüência econômica(51). Hassemer sugere que seja criado um novo direito: O Direito de Intervenção, que seria um meio termo entre Direito Penal e Direito Administrativo, que não aplique as pesadas sanções de Direito Penal, mas que seja eficaz e possa ter, ao mesmo tempo, garantias menores que as do direito penal tradicional, para combater a criminalidade ambiental(52).

A nova lei ambiental determina que mediante prévia composição do dano ambiental a transação penal será realizada face o artigo 76 da Lei 9099/95. Visa, dessa forma, adequar-se à finalidade preventiva e reparatória que permeia as questões ambientais, bem como as controvérsias penais e civis no âmbito da Justiça Criminal.

Os objetivos da lei visam tornar efetiva a reparação do dano ambiental, por isso o apoio na Justiça Consensual, para as infrações ambientais de menor potencial ofensivo (crimes e contravenções a que se comine pena máxima não superior a um ano), definidos no artigo 28 da lei ambiental c/c artigo 89 da Lei 9099/95(53). O que é estritamente positivo já que a ação do Judiciário em relação ao dano ambiental é uma ação temporal. A do tempo real da ação dano e das seqüelas dessa, contra o tempo histórico do processo.

Além da responsabilidade jurídica penal e do alargamento da justiça consensual trazidos pela nova lei, essa utiliza um conceito extremamente restrito de meio ambiente que resulta em problemas como a não incorporação da poluição sonora ou a previsão de facilitadores para alcançar os reais agentes do dano como a delação premiada. O conceito restrito dá margens a existência de dúvidas quanto, por exemplo, o significado do que seriam níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortalidade significativa (...), artigo 54. O que é determinante face um sistema dogmático, que reduz o direito à disposição legal (paradigma monísta) e que entende o meio ambiente como fonte de recuso e não como parte de um processo constante de relação.

No caso da delação premiada, dispositivo já existente no ordenamento penal (Lei 9.034/95 e 9.269/96 que tratam do combate ao crime organizado e da extorsão mediante sequestro), a falsa idéia de que não há um mercado que transforma em atividade lucrativa um extrativismo destruidor do meio ambiente, faz com que a previsão desse tipo de dispositivo não seja vislumbrada. A lei não previu mecanismo capazes de superar a realidade de apenas condenar o extrator, em regra pessoas simples, com poucos recursos. Mas de alcançar o receptor, que fomenta a atividade, e raramente é criminalizado pelas investigações(54).

Entender os danos ambientais numa perspectiva imediatista, ou seja, de ambiente e extrator, é apartar-se da complexidade de todos os processos sociais e econômicos da sociedade atual.

          5.3. A ilusão da segurança jurídica

A partir da análise de estudos(55) realizados acerca das decisões dos Tribunais em relação às violações ao meio ambiente percebe-se a dificuldade de resolver demandas que vão de encontro aos antigos e atuais paradigmas de organização social.

Sobressai que o efeito desejável só ocorrerá quando os cidadãos se comportarem de acordo com as normas de bem-estar coletivo em relação à natureza, ou puderem demandar as autoridades competentes para exercer o poder de polícia àqueles que não o fizerem. O que significa que as reais mudanças de agir em relação ao meio ambiente ocorrem quando essa realidade ou importância estiver inserida no dia a dia da coletividade e não apenas como objeto de demanda para a prestação jurisdicional. Além do fato de que a formação, a história do magistrado, contribuem como critério de interpretação e aplicação da norma, refletindo-se na decisão. Surgem alguns pontos importantes. Primeiro: o direito, e aqui entenda-se direito além da prestação jurisdicional, mas todas as instâncias que provêem de legitimidade para a proteção de bens tutelados, só é acionado quando já ocorreu a violência ao meio ambiente, o que para fins ecológicos a principal preocupação é evitar o dano. Segundo: o meio ambiente é entendido como um direito de massa constituindo um interesse difuso, dessa forma a principal discussão ocorre no universo político e não jurídico, eis que o modelo atual de direito atua prioritariamente de forma individual sobre as demandas. Apesar de já existirem muitos meios legais que podem ser utilizados para coibir ou punir as violações ao meio ambiente ainda não são capazes de reverter o quadro de exploração. A própria noção de interesse difuso condiciona a efetividade do direito ambiental. É que ao contrário dos direitos individuais cuja eficácia é normativa, e dos direitos sociais que dependem de uma prestação positiva por parte do Estado além da garantia normativa, os direitos de massa ínsitos nos interesses difusos dependem de condições extra-normativas porque é fundamental a conduta pró-ativa do próprio sujeito do direito, o indivíduo cidadão que deve estar imbuído da consciência de que seu padrão de consumo é responsável pela qualidade ambiental(56).

Dessa forma a atuação do Judiciário em prol da defesa do ambiente será sempre uma ação contra o tempo. O tempo do dano que é um tempo real, contra o tempo da ação judicial, que é um tempo histórico: supõe o tempo presente do conhecimento, face ao tempo futuro que é o do ajuizamento, e o tempo do processo. A defasagem é pois um fator que opera contra os interesses da preservação ambiental. Como lidar judicialmente de forma preventiva é, pois, antes uma ação política de cidadania e de conhecimento, do que uma ação decorrente da lei, ainda que o texto normativo tenha aí uma dimensão prospectiva e pedagógica muito importante no sentido de cautela cidadã. Daí que o apelo ao princípio da responsabilidade é o que se convencionou atribuir à lei o seu papel educativo, emancipatório e civilizador.

Contudo, para que se implemente efetivamente a responsabilização, é curial que as instituições juridicionais se abram para a tutela antecipatória de modo a dar guarida ao papel preventivo do Direito. Do contrário, a lei tende a tornar-se letra morta face ao desastre, ao dano, à ação degradadora do homem sobre o ambiente. A nota especial quanto à preventividade está no manejo EIA/RIMA. O Estudo de impacto ambiental e o relatório de impacto ao meio ambiente são técnico-científicas elaboradas mediante métodos de investigação de cada disciplina científica requerida para o caso concreto(57).

Segunda a professora Luiza Moll o problema de um e de outro está na adoção da metodologia. Os que fazem ciência sabem pelo próprio "metier"que a escolha da metodologia (o material de análise e o método de abordá-lo) dependem de teorias que se contrapõem, e inclusive de paradigmas controversos. Considerando que o EIA/RIMA sempre será uma escolha metodológica dentre outras possíveis, o olhar expert sobre as peças técnicas é um exame que requer alta capacitação científica e a competência cognoscitiva para avaliar a verossimilhança dos laudos com a realidade que se apresenta como conflitiva e danosa ao meio ambiente. Logo, nessas peças processuais é que reside a chave para a prestação jurisdicional mais efetiva. Como dar celeridade à elaboração do EIA/RIMA é um problema de governo mas que a ação preventiva (em especial do Ministério Público e da iniciativa cidadã de ONGs) sempre terá chances de ser eficaz se bem agilizada via inquérito civil e medidas cautelares de antecipação de tutela requeridas ao Juízo competente(58).

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Sobre a autora
Samantha Buglione

assessora da Themis – Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, mestranda em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUGLIONE, Samantha. As flores não resistem a canhões.: O desafio de tutelar o meio ambiente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 37, 1 dez. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1686. Acesso em: 27 abr. 2024.

Mais informações

O trabalho acima foi orientado pela professora Luiza Moll, da UFRGS, tendo participado do concurso de monografias do TRF da 4ª Região e obtido a 9ª colocação. Publicado na Revista de Direito Ambiental, 2000.

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