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A evolução do controle de constitucionalidade das leis orçamentárias enquanto instrumento de efetivação dos direitos fundamentais

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06/07/2010 às 15:00
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4. CONTROLE DAS LEIS ORÇAMENTÁRIAS

         4.1 NATUREZA JURÍDICA DAS LEIS ORÇAMENTÁRIAS: ATO NORMATIVO CONCRETO COM "FORMA" DE LEI

         A fiscalização do ordenamento jurídico em sede de controle concentrado de constitucionalidade previsto na Carta Federal de 1988 tem como objeto todas as espécies normativas do art. 59 da CF/88, quais sejam: I - emendas à Constituição; II - leis complementares; III - leis ordinárias; IV - leis delegadas; V - medidas provisórias; VI - decretos legislativos; VII - resoluções.

         O art. 2º da Lei 4320/64 que Estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal preceitua:

         A Lei do Orçamento conterá a discriminação da receita e despesa de forma a evidenciar a política econômica financeira e o programa de trabalho do Governo, obedecidos os princípios de unidade universalidade e anualidade.

         Elas compreendem, como espécies, o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais, sendo todas de iniciativa exclusiva do Chefe de Poder Executivo (art. 165 da CF/88 e ADI nº. 1759-MC).

         Mas qual a natureza das leis orçamentárias? Teriam elas certo caráter de generalidade e/ou abstração inerente às leis ordinárias "comuns"?

         Norberto Bobbio, ao classificar as normas jurídicas, informa que toda proposição prescritiva "é formada de dois elementos constitutivos e portanto imprescindíveis: o sujeito, a quem a norma se dirige, ou seja, o destinatário, e o objeto da prescrição, ou seja, a ação prescrita". [25]

         Mais a frente o mestre italiano salienta:

         Em outras palavras, tanto o destinatário quanto o objeto podem figurar em uma proposição com sujeito universal e com sujeito singular. Deste modo, obtém-se, não dois, mas quatro tipos de proposições jurídicas, ou seja, prescrições com destinatário universal, prescrições com destinatário singular, prescrições com ação universal, prescrições com ação singular. [26]

         Partindo dessas distinções, Bobbio chega à diferenciação entre normas gerais e normas abstratas:

         Ao invés de usar indiscriminadamente os termos "geral" e "abstrato", julgamos oportuno chamar de "gerais" as normas que são universais em relação aos destinatários, e "abstratas" aquelas que são universais em relação à ação. Assim, aconselhamos falar em normas gerais quando nos encontramos frente a normas que se dirigem a uma classe de pessoas; e em normas abstratas quando nos encontramos frente a normas que regulam uma ação-tipo (ou uma classe de ações). Às normas gerais se contrapõem as que têm por destinatário um indivíduo singular, e sugerimos chamá-las de normas individuais; às normas abstratas se contrapõem as que regulam uma ação singular, e sugerimos chamá-las de normas concretas. [27]

         Ao final chega à seguinte classificação:

         Na realidade, combinando-se os quatro requisitos, o da generalidade, o da abstração, o da individualidade e o da concretude, as normas jurídicas podem ser de quatro tipos: normas gerais e abstratas (deste tipo são a maior parte das leis, por exemplo, as leis penais); normas gerais e concretas (uma lei que declara mobilização geral se volta a uma classe de cidadãos e ao mesmo tempo prescreve uma ação singular que, uma vez cumprida, exaure a eficácia da norma); normas individuais e abstratas (uma lei que atribui a uma determinada pessoa um ofício, por exemplo, o de juiz da Corte constitucional, se dirige a um só indivíduo e lhe prescreve não uma ação singular, mas todas aquelas que são inerentes ao exercício da função); normas individuais e concretas (o exemplo mais característico é fornecido pelas sentenças do juiz). [28]

         O Ministro Gilmar Mendes reconhece esta classificação:

         Os estudos e análises no plano da teoria do direito indicam que tanto se afigura possível formular uma lei de efeito concreto — lei casuística — de forma genérica e abstrata quanto seria admissível apresentar como lei de efeito concreto regulação abrangente de um complexo mais ou menos amplo de situações. [29]

         Ocorre que o legislador constituinte, a despeito das distinções acima referidas, não utilizou de qualquer classificação para delimitar o controle de constitucionalidade deste ou daquele tipo de norma.

         O art. 102, I, "a", da CF/88 é suficientemente claro:

         Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

         I - processar e julgar, originariamente:

         a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; (grifamos)

         A determinação constitucional de controlar apenas os atos normativos não dá margem a outra interpretação.

         No entanto, não há, no texto constitucional, qualquer ressalva sobre a lei "abstrata e/ou geral" ou o ato normativo "abstrato e/ou geral" ser o único idôneo à sindicância jurisdicional por meio da ação direta de constitucionalidade.

         Em outras palavras, a Constituição não exige densidade normativa para efeitos de controle abstrato de constitucionalidade. Ela o faz para ato que não seja a lei formal.

         Ademais, onde não houver restrição do texto constitucional não caberá ao intérprete fazê-lo, pena de inovar no ordenamento, substituindo-se ao Legislador Constituinte usurpando da sua função de criar o direito constitucional.

         É está a conclusão do Ministro Gilmar Mendes no seu voto na ADI 4048:

         Ora, se a Constituição submete a lei ao processo de controle abstrato, até por ser este o meio próprio de inovação na ordem jurídica e o instrumento adequado de concretização da ordem constitucional, não parece admissível que o intérprete debilite essa garantia da Constituição, isentando um número elevado de atos aprovados sob a forma de lei do controle abstrato de normas e, muito provavelmente, de qualquer forma de controle. [30]

         Cumpre observar que, para atender à vontade do Legislador Constituinte, alguns atos devem ser veiculados por meio de lei (ainda que disponham de objeto com ação singular, ou seja, tenha efeitos concretos), como as leis que criam as autarquias, fundações, sociedades de economia mista, empresas públicas e municípios.

         Gilmar Mendes é taxativo:

         O Tribunal se vê diante, assim, de um tema ou de uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. A Corte não pode se furtar à análise do tema posto nesta ação direta. Há uma questão constitucional, de inegável relevância jurídica e política, que deve ser analisada a fundo. [31]

         Em conclusão, toda norma idônea para sindicar por meio do controle abstrato – sim, porque este é quem deve ser abstrato, e não seu objeto – de constitucionalidade é aquele que se enquadre como lei ou ato normativo.

         Dessa forma, uma norma pode ser concreta (por regular uma ação/conduta singular) ou abstrata (por regular ação/condutas indeterminadas) e ter caráter de individualidade ao mesmo tempo (por ser cogente a uma determinada pessoa).

         De outra monta, as leis orçamentárias se direcionam a um sujeito determinado, singular, no caso, ao Poder Executivo, a quem caberá implementar aquele orçamento.

         Não restam dúvidas de que as leis orçamentárias encerram um comando singular, uma ação, uma ordem. Exempli gratia: "deverão ser investidos R$ 20 milhões em saneamento básico nos próximos 2 anos no Estado da Bahia"; ou, "deverão ser arrecadados R$ 100 milhões em tributos estaduais".

         Fato é que uma vez exaurido o comando da lei orçamentária, tais leis perderão a eficácia, mas é importante repisar que seu caráter temporário não retira, em nenhuma hipótese, sua essência de lei formal. Não influencia, tampouco, na sua eventual abstratividade, como se demonstrará. A temporariedade das leis orçamentárias apenas delimita o período em que o comando deve ser executado pelo destinatário.

         Assim, pode-se dizer que as leis orçamentárias enquadram-se numa zona cinzenta, em que, a despeito de consubstanciar um ato concreto (ação singular) e individual (destinatário único), tem forma de lei, tanto que seus projetos seguem as mesmas regras do processo legislativo prescritas na CF/88 (§7º do art. 166 da CF/88).

         Aliás, diga-se que o processo legislativo das leis orçamentárias se distingue apenas em dois pontos em relação à criação da lei ordinária "comum": i) deliberação bicameral (art. 166, caput, da CF/88); ii) emendas ao projeto apreciadas por Comissão mista (art. 166, §2º, da CF/88).

         O certo é que, apesar de serem atos normativos que prescrevem uma ação concreta e específica, direcionada não à universalidade de sujeitos mas a um único destinatário, distintamente das leis ordinárias comuns, elas tem natureza de ato normativo concreto com "forma" de lei.

         4.2 O PROBLEMA DA DISCRICIONARIEDADE

         É sobremodo importante analisar o problema da discricionariedade do Executivo nas escolhas políticas da elaboração do orçamento público, no contexto do controle de constitucionalidade das leis orçamentárias.

         Afinal, há violação ao postulado da separação dos poderes quando o Judiciário interfere nas escolhas políticas do Executivo sobre onde aplicar as verbas públicas?

         Inicialmente, deve ser afastada a idéia de que a lei orçamentária não possui qualquer força normativa pois assim como qualquer outra lei, ela é cogente ao seu destinatário.

         Realmente, os gastos públicos além de sindicáveis em determinados aspectos pelo Judiciário, hoje estão vinculados a determinadas circunstâncias objetivamente fixadas pela Constituição Federal.

         A discricionariedade das escolhas é cada vez mais restrita. Seu ponto mais significativo ocorre durante a elaboração das leis orçamentárias, ou seja, no momento do reconhecimento das políticas públicas carentes e nas escolhas daquelas que receberão recursos, haja vista a escassez dos mesmos [32].

         De fato, neste momento não há sequer possibilidade de controle jurisdicional de constitucionalidade. Aqui, o grau de discricionariedade da Administração Pública é máximo, mas é equivocado afirmar que ele não tem limites.

         É inegável que durante as escolhas do Poder Público na elaboração do orçamento, uma ingerência de outro poder sobre o Executivo além de violar a cláusula da separação dos poderes, implicaria numa substituição escancarada das funções políticas daquele, o que não se deve admitir.

         Por outro lado, sancionada a lei orçamentária, surge o caráter cogente da norma (força normativa) que merece fiscalização, especialmente quando o texto Constitucional dispõe sobre vínculos de despesas, limites mínimos e políticas públicas a serem implantadas.

         A discricionariedade da Administração neste ponto é muito mais limitada e está jungida, tanto aos limites fáticos impostos pelas reais necessidades da população (o que implica na legitimidade ou não daquela despesa pública) quanto pelas regras constitucionais.

         Não se pode admitir a construção de uma praça de lazer quando a região afetada não possui sequer um posto de saúde básico, pena de tal escolha ser taxada de ilegítima. Também não se pode destinar a arrecadação com determinação contribuição especial em finalidade distinta daquela prevista no texto Magno, sob pena de inconstitucionalidade.

         Convém ponderar que as decisões axiológicas e políticas que foram tomadas pelo Legislador Constituinte Originário merecem ser observadas e cumpridas para não desvalorar a força normativa da Carta.

         Deve-se reconhecer que há dispositivos, como as normas programáticas, de nítido teor político, que merecem ser cumpridas como todas as outras da Constituição. Assim, ao Poder Público, só cabe (também) obedecer a tais diretrizes políticas na elaboração e na execução das leis orçamentárias.

         Nem se diga que no caso das normas constitucionais programáticas, por serem isentas de vinculação jurídica, não estaria o Executivo obrigado a obedecê-la, pois consoante a lição de Rui Barbosa, citado por Edvaldo Brito, não há uma única norma constitucional com mero conteúdo moral ou valor sugestivo:

         [...] a doutrina tradicional da norma programática, segundo a qual os direitos econômicos e sociais, debuxados nas hipóteses normativas constitucionais, seriam, na realidade, conteúdos éticos-sociais ou econômicos-sociais constitutivos de programas a serem posteriormente implementados se e quando as autoridades competentes deliberarem fazê-lo. Por isso, essas hipóteses normativas não seriam, propriamente, normas, mas, simples enunciados sem natureza deôntica. Não há, neste sentido, norma programática. Toda norma do tecido constitucional tem natureza jurídica e, por isso, participa de todas as características desse tipo de regra. RUY BARBOSA [33] sepulta as dúvidas, afirmando que não há, numa Constituição, cláusulas, a que se deva atribuir meramente o valor moral de conselhos, avisos ou lições. Todas têm a força imperativa de regras, ditadas pela soberania nacional ou popular aos seus órgãos. [35]

         Regra geral, o direito orçamentário é orientado pelo princípio da não afetação de receitas, positivado no início do art. 167, IV, da CF/88, bem rememorado por Kiyoshi Harada da seguinte forma:

         Os impostos, que são decretados independentemente de qualquer atuação específica do Estado, destinam-se a prover a execução de obras públicas e serviços públicos gerais. A Constituição, entretanto, abriu exceções que vêm sendo ampliadas por meio de Emendas. [36]

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         Impende observar que a EC nº. 42/03 deu nova redação ao dispositivo para excepcionar deste princípio, algumas situações:

         Art. 167. São vedados:

         [...]

         IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo;

         Portanto, a própria Carta inclui um item no orçamento público que deverá ser observado: haverá destinação dos impostos partilhados entre os entes federados nas ações para saúde, ensino e atividades da administração tributária. Trata-se de um novo limite ao âmbito discricionário do Executivo.

         No tocante ao direito fundamental à saúde e ao ensino, a não aplicação dos percentuais mínimos exigidos pela Carta dá causa a intervenção Federal nos Estados e no Distrito Federal, e intervenção Estadual nos Municípios. Trata-se da violação aos princípios constitucionais sensíveis. Confira-se:

         Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:

         [...]

         VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:

         e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.

         Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando:

         III - não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde;

         O § 3º do art. 198 dispõe que os limites constitucionais mínimos de gastos públicos aceitáveis com o direito fundamental à saúde constariam de lei complementar:

         Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

         [...]

         § 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:

         I - no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 3º;

         II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios;

         III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.

         § 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá:

         I - os percentuais de que trata o § 2º;

         II - os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais;

         Ocorre que tal lei complementar, diante da finalidade delineada no inciso II do § 3º, do art. 198 deve ser editada no âmbito federal, consoante já decidiu o STF, ao declarar a inconstitucionalidade de lei estadual que dispõe sobre isso:

         Sistema único de saúde: reserva à lei complementar da União do estabelecimento de ‘critérios de rateio dos recursos e disparidades regionais’ (CF, art. 198, § 3º, II): conseqüente plausibilidade da argüição da invalidez de lei estadual que prescreve o repasse mensal aos municípios dos 'recursos mínimos próprios que o Estado deve aplicar em ações e serviços de saúde'; risco de grave comprometimento dos serviços estaduais de saúde: medida cautelar deferida para suspender a vigência da lei questionada. [37]

         Enquanto tal lei federal não é editada, o tema encontra-se regulamentado pelo art. 77 do ADCT incluído pela EC 29/00:

         Art. 77. Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos aplicados nas ações e serviços públicos de saúde serão equivalentes:

         I - no caso da União:

         a) no ano 2000, o montante empenhado em ações e serviços públicos de saúde no exercício financeiro de 1999 acrescido de, no mínimo, cinco por cento;

         b) do ano 2001 ao ano 2004, o valor apurado no ano anterior, corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto - PIB;

         II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, doze por cento do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; e

         III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, quinze por cento do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.

         § 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que apliquem percentuais inferiores aos fixados nos incisos II e III deverão elevá-los gradualmente, até o exercício financeiro de 2004, reduzida a diferença à razão de, pelo menos, um quinto por ano, sendo que, a partir de 2000, a aplicação será de pelo menos sete por cento

         § 2º Dos recursos da União apurados nos termos deste artigo, quinze por cento, no mínimo, serão aplicados nos Municípios, segundo o critério populacional, em ações e serviços básicos de saúde, na forma da lei.

         § 3º Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinados às ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União para a mesma finalidade serão aplicados por meio de Fundo de Saúde que será acompanhado e fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do disposto no art. 74 da Constituição Federal.

         § 4º Na ausência da lei complementar a que se refere o art. 198, § 3º, a partir do exercício financeiro de 2005, aplicar-se-á à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios o disposto neste artigo.

         No tocante ao direito fundamental ao ensino, é o art. 212 quem fixa os limites:

         Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino

         Por sua vez, o art. 79 do ADCT, também inserido por emenda constitucional (EC nº. 31/00), instituiu o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, nos seguintes termos:

         Art. 79. É instituído, para vigorar até o ano de 2010, no âmbito do Poder Executivo Federal, o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, a ser regulado por lei complementar com o objetivo de viabilizar a todos os brasileiros acesso a níveis dignos de subsistência, cujos recursos serão aplicados em ações suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço de renda familiar e outros programas de relevante interesse social voltados para melhoria da qualidade de vida.

         Parágrafo único. O Fundo previsto neste artigo terá Conselho Consultivo e de Acompanhamento que conte com a participação de representantes da sociedade civil, nos termos da lei.

         Compõem este Fundo, dentre outras receitas, a arrecadação de 5% (cinco por cento) de imposto sobre produtos industrializados incidente sobre produtos supérfluos, impostos sobre grandes fortunas etc.

         Há mais exemplos na Constituição, trazidos por emenda, de limites objetivos para elaboração do orçamento público.

         Como no art. 204 que facultou os Estados-membros e o Distrito Federal vincular até cinco décimos por cento de sua receita tributária liquida a programa de apoio à inclusão e promoção social, bem como o fundo de fomento à cultura para o financiamento de programas e projetos culturais, nos termos do §6º do art. 216 da Carta. Tal dispositivo peca por ter instituído faculdade, quando deveria ter vinculado as despesas, assim como fez com a saúde e o ensino.

         Entretanto, no momento, deve-se ressaltar o caráter progressivo e a atenção dispensada pelo Constituinte Reformador para efetivação dos direitos à assistência social e à cultura, tão negligenciados pelo Poder Público em todo o país.

         Citem-se ainda as previsões constitucionais de receitas vinculadas, que também servem como limitadores da discricionariedade do Executivo: art. 149 trata das contribuições sociais cobradas dos servidores públicos que deverão servir para custear o regime próprio de previdência social; art. 195 trata das contribuições para custear o regime geral de previdência social;

         Diante desse arcabouço legal, indaga-se: será mesmo que a lei orçamentária que desrespeite estes limites objetivos fixados pela Constituição Federal deve estar alheia ao controle jurisdicional de constitucionalidade? A resposta só pode ser negativa.

         O fato é que todas estas limitações à discricionariedade administrativa, incidem, sem dúvida alguma, sobre a elaboração do orçamento público. A inobservância destes limites atrai a incidência da jurisdição constitucional para corrigir a pecha de inconstitucionalidade da lei orçamentária, como passa a admitir, cada vez mais, o Supremo Tribunal Federal.

         4.2 EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF

         O Supremo Tribunal Federal, na década de 1990, se posicionou pela impossibilidade de conhecer de ação direta de constitucionalidade quando o ato normativo tiver apenas efeitos concretos, ainda que editados sob a forma de lei:

         AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI N. 8.541/92 (ART. 56 E PARS.) - ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO CONCURSO PÚBLICO E A REGRA DE VALIDADE TEMPORAL DAS PROVAS SELETIVAS (CF, ART. 37, II E III) - ATO DE EFEITOS CONCRETOS - INIDONEIDADE OBJETIVA DESSA ESPÉCIE JURÍDICA PARA FINS DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO - JUÍZO DE CONSTITUCIONALIDADE DEPENDENTE DA PREVIA ANALISE DE ATOS ESTATAIS INFRACONSTITUCIONAIS - INVIABILIDADE DA AÇÃO DIRETA - NÃO-CONHECIMENTO. - ATOS ESTATAIS DE EFEITOS CONCRETOS, AINDA QUE VEICULADOS EM TEXTO DE LEI FORMAL, NÃO SE EXPOEM, EM SEDE DE AÇÃO DIRETA, A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ABSTRATA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. A AUSÊNCIA DE DENSIDADE NORMATIVA NO CONTEUDO DO PRECEITO LEGAL IMPUGNADO DESQUALIFICA-O ENQUANTO OBJETO JURIDICAMENTE INIDONEO - PARA O CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO. - A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONSTITUI SUCEDANEO DA AÇÃO POPULAR CONSTITUCIONAL, DESTINADA, ESTA SIM, A PRESERVAR, EM FUNÇÃO DE SEU AMPLO ESPECTRO DE ATUAÇÃO JURÍDICO-PROCESSUAL, A INTANGIBILIDADE DO PATRIMÔNIO PÚBLICO E A INTEGRIDADE DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA (CF, ART. 5. LXXIII). - NÃO SE LEGITIMA A INSTAURAÇÃO DO CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO QUANDO O JUÍZO DE CONSTITUCIONALIDADE DEPENDE, PARA EFEITO DE SUA PROLAÇÃO, DO PREVIO COTEJO ENTRE O ATO ESTATAL IMPUGNADO E O CONTEUDO DE OUTRAS NORMAS JURIDICAS INFRACONSTITUCIONAIS EDITADAS PELO PODER PÚBLICO. A AÇÃO DIRETA NÃO PODE SER DEGRADADA EM SUA CONDIÇÃO JURÍDICA DE INSTRUMENTO BASICO DE DEFESA OBJETIVA DA ORDEM NORMATIVA INSCRITA NA CONSTITUIÇÃO. A VALIDA E ADEQUADA UTILIZAÇÃO DESSE MEIO PROCESSUAL EXIGE QUE O EXAME "IN ABSTRACTO" DO ATO ESTATAL IMPUGNADO SEJA REALIZADO EXCLUSIVAMENTE A LUZ DO TEXTO CONSTITUCIONAL. DESSE MODO, A INCONSTITUCIONALIDADE DEVE TRANSPARECER DIRETAMENTE DO TEXTO DO ATO ESTATAL IMPUGNA DO. A PROLAÇÃO DESSE JUÍZO DE DESVALOR NÃO PODE E NEM DEVE DEPENDER, PARA EFEITO DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO, DA PREVIA ANALISE DE OUTRAS ESPÉCIES JURIDICAS INFRACONSTITUCIONAIS, PARA, SOMENTE A PARTIR DESSE EXAME E NUM DESDOBRAMENTO EXEGETICO ULTERIOR, EFETIVAR-SE O RECONHECIMENTO DA ILEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO ATO QUESTIONADO. [38]

         Ação direta de inconstitucionalidade. Argüição de inconstitucionalidade parcial dos artigos 7. e 9. da Lei 8.029/90, bem como dos incisos III e IV do artigo 2. do Decreto 99240/90. Medida liminar requerida. - A ação direta de inconstitucionalidade e o meio pelo qual se procede, por intermédio do Poder Judiciário, ao controle da constitucionalidade das normas jurídicas "in abstrato". Não se presta ela, portanto, ao controle da constitucionalidade de atos administrativos que tem objeto determinado e destinatários certos, ainda que esses atos sejam editados sob a forma de lei - as leis meramente formais, porque tem forma de lei, mas seu conteúdo não encerra normas que disciplinem relações jurídicas em abstrato. - No caso, tanto o artigo 7. como o artigo 9. da Lei 8.029 são leis meramente formais, pois, em verdade, tem por objeto atos administrativos concretos. - Por outro lado, no tocante aos incisos III e IV do artigo 2. do Decreto 99240, de 7 de maio de 1990, são eles de natureza regulamentar - disciplinam a competência dos inventariantes que promoverão os atos de extinção das autarquias e fundações declarados extintos por esse mesmo Decreto com base na autorização da Lei 8.029, de 12 de abril de 1990, não sendo assim, segundo a firme jurisprudência desta Corte, susceptíveis de ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida. [39]

         - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 2006/90 DO ESTADO DO AMAZONAS. ATO ADMINISTRATIVO CONCRETO. NÃO-CONHECIMENTO DA AÇÃO, PREJUDICADA A MEDIDA CAUTELAR. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 2006, DE 14 DE DEZEMBRO DE 1990, DO ESTADO DO AMAZONAS, QUE DISPÕE SOBRE A REVISÃO DE PROVENTOS DE SERVIDORES DA SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA. TEXTO INABILITADO AO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. ATO ADMINISTRATIVO CONCRETO SOB A FORMA DE LEI: INEXISTÊNCIA DE ASPECTOS DE ABSTRAÇÃO E GENERALIDADE QUE CARACTERIZAM O OBJETO IDONEO DA AÇÃO DIRETA. AÇÃO NÃO CONHECIDA, RESTANDO PREJUDICADA A MEDIDA CAUTELAR. [40]

         O Supremo não conheceu, ainda, da ação direta que questionava Lei Piauiense que determinou o retorno de servidores públicos à atividade:

         EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade: inviabilidade: ato normativo de efeitos concretos. 1. O Decreto Legislativo 121/98, da Assembléia Legislativa do Estado do Piauí, impugnado, impõe a reintegração de servidores, que teriam aderido ao Programa de Incentivo ao Desligamento Voluntário do Servidor Público Estadual (L. est. 4.865/96). 2. O edito questionado, que, a pretexto de sustá-los, anula atos administrativos concretos - quais os que atingiram os servidores nominalmente relacionados - não é um ato normativo, mas ato que, não obstante de alcance plural, é tão concreto quanto aqueles que susta ou torna sem efeito. 3. É da jurisprudência do Supremo Tribunal que só constitui ato normativo idôneo a submeter-se ao controle abstrato da ação direta aquele dotado de um coeficiente mínimo de abstração ou, pelo menos, de generalidade. 4. Precedentes (vg. ADIn 767, Rezek, de 26.8.92, RTJ 146/483; ADIn 842, Celso, DJ 14.05.93). [41]

         Ou da ADI que impugnou lei estadual que declarava bem público como integrante do patrimônio cultural e histórico, conforme noticiado no informativo nº. 284/STF:

         Tendo em vista a jurisprudência do STF no sentido de que não se conhece de ação direta de inconstitucionalidade contra atos normativos de efeitos concretos, o Tribunal não conheceu de ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul em que se impugnava a Lei 11.744/2002, do mesmo Estado, que declara, como bem integrante do patrimônio cultural e histórico estadual, o prédio e a destinação do Quartel General da Brigada Militar em Porto Alegre. [42]

         São exemplos de leis que tratam de ações específicas (concretas), com destinatário definido (individual) e que não tem o poder de regulamentar ações universais (abstratas) ou com destinatário universal (geral).

         O posicionamento do STF começou a mudar ao reconhecer o de caráter normativo das leis orçamentárias, como no caso da Lei Orçamentária Anual da União (Lei nº. 10.640/03) na ADI 2.925/DF, em 2003:

         PROCESSO OBJETIVO - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI ORÇAMENTÁRIA. Mostra-se adequado o controle concentrado de constitucionalidade quando a lei orçamentária revela contornos abstratos e autônomos, em abandono ao campo da eficácia concreta. LEI ORÇAMENTÁRIA - CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO - IMPORTAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE PETRÓLEO E DERIVADOS, GÁS NATURAL E DERIVADOS E ÁLCOOL COMBUSTÍVEL - CIDE - DESTINAÇÃO - ARTIGO 177, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. É inconstitucional interpretação da Lei Orçamentária nº 10.640, de 14 de janeiro de 2003, que implique abertura de crédito suplementar em rubrica estranha à destinação do que arrecadado a partir do disposto no § 4º do artigo 177 da Constituição Federal, ante a natureza exaustiva das alíneas "a", "b" e "c" do inciso II do citado parágrafo. [43]

         Na oportunidade, a Corte conheceu [44] e julgou procedente a ADI para dar interpretação conforme à CF/88, no sentido de que a abertura de crédito suplementar prevista na LOA da União seja destinado às finalidades enumeradas no art. 177, § 4º, II, da CF/88, quais sejam:

         a)ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo;

         b)ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás;

         c)ao financiamento de programas de infra-estrutura de transportes.

         É que o art. 4º da aludida lei federal autorizava o Poder Executivo a abrir os créditos suplementares para complementar outras dotações, distintas daquelas despesas vinculadas pelo texto Constitucional quando da instituição da CIDE-combustíveis.

         É inegável que este artigo preceituou uma regra matriz de movimentação orçamentária. Aqui se desvelou o caráter abstrato (objeto com proposição de ação universal) da norma orçamentária.

         Apesar de conter um único destinatário (norma individual), o texto era abstrato por prescrever um número indeterminado de ações (norma abstrata) ou condutas – abertura de inúmeros créditos suplementares pelo Executivo. De fato, a abertura do crédito por meio de decreto, como já se disse, é um ato concreto, mas nem por isso a lei perde abstratividade.

         Registre-se que na oportunidade, tanto a Advocacia Geral da União quanto o Ministério Público Federal opinaram pelo não conhecimento e pela improcedência da ação.

         O autor logrou demonstrar que as receitas com arrecadação da contribuição por intervenção no domínio econômico não seria, consoante o demonstrativo das despesas trazidas pela própria lei, para nenhuma das indicações vinculantes da Carta Magna.

         Estes créditos suplementares - os quais servem para reforçar despesas já previstas e são abertos por simples decreto presidencial - consubstanciaram, na verdade, "cheques em branco" para o Executivo gastar com outras despesas públicas, nos termos da lei impugnada mas ao largo do texto constitucional.

         Diga-se ainda que a abstração da LOA da União não é suplantada pela temporariedade típica deste tipo de leis orçamentárias – válidas por um ano. É que a abstração, como se viu, está ligada as prescrições legais de condutas desejadas do destinatário, de modo que se a lei o autoriza a aplicar e reaplicar a lei (ainda que limitado temporalmente), não se pode falar em desaparecimento da abstração da mesma (ao menos até que perca a eficácia, com o advento do termo final).

         Se em outros tempos, a abertura de crédito suplementar no que diz respeito a escolha da alocação de recursos públicos pelo Poder Executivo, tendo em consideração o princípio da separação de poderes, sempre foi algo alheio ao controle jurisdicional, com esta decisão, passou a ser objeto de fiscalização e ingerência pelo Judiciário, nos termos daquilo que preceituar a CF/88.

         Este é o novo entendimento do STF sempre que houver dúvida na interpretação da lei orçamentária atacada em face de dispositivo peremptório da Carta, sem que implique em interferência do Judiciário na escolha das políticas públicas, como bem ressaltou o Ministro Carlos Veloso no seu voto:

         Evidentemente que não estou mandando o Governo gastar. A realização de despesas depende de políticas publicas. O que digo é que o Governo não pode gastar o produto da arrecadação da CIDE fora do que estabelece a Constituição Federal, no art. 177, § 4º,II. Noutras palavras, o Governo somente poderá gastar o produto da arrecadação da mencionada contribuição no que está estabelecido na Constituição, art. 177, § 4º, II. [45]

         Fato é que todos os Ministros se curvaram diante das várias interpretações que a matéria – assaz complexa – impõe, mas entenderam a necessidade de excluir aquelas diferentes da preconizada pelo art. 177, § 4º, II, da CF/88.

         Recentemente, no julgamento da medida cautelar na ADI 4048 de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, o STF voltou a admitir o controle de constitucionalidade das leis orçamentárias:

         EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA N° 405, DE 18.12.2007. ABERTURA DE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO. LIMITES CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE LEGISLATIVA EXCEPCIONAL DO PODER EXECUTIVO NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS.

         I. MEDIDA PROVISÓRIA E SUA CONVERSÃO EM LEI. Conversão da medida provisória na Lei n° 11.658/2008, sem alteração substancial. Aditamento ao pedido inicial. Inexistência de obstáculo processual ao prosseguimento do julgamento. A lei de conversão não convalida os vícios existentes na medida provisória. Precedentes.

         II. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE NORMAS ORÇAMENTÁRIAS. REVISÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O Supremo Tribunal Federal deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao controle abstrato de constitucionalidade.

         III. LIMITES CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE LEGISLATIVA EXCEPCIONAL DO PODER EXECUTIVO NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS PARA ABERTURA DE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO. Interpretação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I, alínea "d", da Constituição. Além dos requisitos de relevância e urgência (art. 62), a Constituição exige que a abertura do crédito extraordinário seja feita apenas para atender a despesas imprevisíveis e urgentes. Ao contrário do que ocorre em relação aos requisitos de relevância e urgência (art. 62), que se submetem a uma ampla margem de discricionariedade por parte do Presidente da República, os requisitos de imprevisibilidade e urgência (art. 167, § 3º) recebem densificação normativa da Constituição. Os conteúdos semânticos das ex pressões "guerra", "comoção interna" e "calamidade pública" constituem vetores para a interpretação/aplicação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I, alínea "d", da Constituição. "Guerra", "comoção interna" e "calamidade pública" são conceitos que representam realidades ou situações fáticas de extrema gravidade e de conseqüências imprevisíveis para a ordem pública e a paz social, e que dessa forma requerem, com a devida urgência, a adoção de medidas singulares e extraordinárias. A leitura atenta e a análise interpretativa do texto e da exposição de motivos da MP n° 405/2007 demonstram que os créditos abertos são destinados a prover despesas correntes, que não estão qualificadas pela imprevisibilidade ou pela urgência. A edição da MP n° 405/2007 configurou um patente desvirtuamento dos parâmetros constitucionais que permitem a edição de medidas provisórias para a abertura de créditos extraordinários. IV. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. Suspensão da vigência da Lei n° 11.658/2008, desde a sua publicação, ocorrida em 22 de abril de 2008. [46]

         Neste caso, após direcionar solidamente o entendimento da Corte pela possibilidade de controle abstrato de constitucionalidade das leis orçamentárias, revisitando a jurisprudência mais antiga e ortodoxa do Supremo, o julgamento da medida cautelar terminou por suspender a Lei nº 11.658/2008 (conversão da MP nº 405/07).

         A fundamentação da medida cautelar contempla a análise de vícios inconstitucionais relacionados à edição da medida provisória, de modo que, a despeito da mesma ter sido convertida na lei que foi suspensa, o STF entende que a sua transformação posterior não convalida os vícios existentes no momento em que foi editada aquela espécie normativa.

         Por seu turno, a medida provisória foi editada para autorizar o Executivo a abrir credito extraordinário destinando R$ 5.455.677.660,00 (cinco bilhões, quatrocentos e cinqüenta e cinco milhões, seiscentos e setenta e sete mil, seiscentos e sessenta reais) de recursos públicos a diversificados setores e atividades estatais, sem observar a necessidade de imprevisibilidade e urgência para adotar a medida, como nos casos de guerra, comoção interna ou calamidade pública previsto nos arts. 62 c.c. 167, §3º da CF/88.

         Como se vê, a própria Carta dá parâmetros para que o intérprete delimite o alcance da norma. É dizer, somente nos casos de eventos extremamente graves (guerra, calamidade pública), capazes de afetar a ordem social e a paz, é que será possível utilizar-se da medida provisória para abertura de crédito extraordinário. Mas tal limite constitucional para elaboração do orçamento público foi desrespeitado.

         É bem verdade que os investimentos (i) na aquisição de 18 (dezoito) cartórios eleitorais do TRE-MG, ou (ii) na implantação da TV Digital no Brasil, (iii) criação 480 (quatrocentos e oitenta) vagas para atendimento socioeducativo de adolescentes em conflito com a lei, (iv) instalação e funcionamento de empreendimento ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia para fomentar o mercado de semicondutores, (v) pagamento de despesas com o Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI) e com o Sistema Integrado de Comercio Exterior (SISCOMEX), (vi) concessão de bolsas de estudo no exterior, (vii) continuidade da operação de policiamento das rodovias federais, (viii) reformulação das agências de previdência social, (ix) participação brasileira nos projetos humanitários e de cooperação nos Territórios Palestinos ocupados, (x) pagamento de despesas com as Delegacias Regionais do Trabalho, dentre inúmeros outros itens, não correspondem aos preceitos autorizadores da Constituição Federal para abertura de crédito extraordinário por meio de medida provisória. Tratam-se de despesas correntes que constam em orçamentos anteriores, e que servem para administrar a maquina pública. Não há que se falar em urgência para tais despesas.

         Seja como for, é inegável que tanto este como aqueloutro julgado, demonstram uma clara alteração no posicionamento da Corte Excelsa sobre o tema. Cada vez mais, o STF vem emprestando à Carta caráter determinante em relação à realidade do gerenciamento do orçamento público no Brasil, a fim de conformar estes atos até então incontroláveis, ao quanto dispõe o texto magno.

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Sobre o autor
Roberto Mizuki Santos

Advogado-sócio MDL Advogados Associados. Procurador do Estado da Paraíba. Professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e da Faculdade Internacional da Paraíba (FPB) onde leciona Direito Administrativo e Processo Civil. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Pós-Graduado em Direito do Estado pela Unyahna/BA. Graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Ex-Procurador Federal (2008) e Ex-Procurador do Estado do Piauí (2009-2012). Ampla experiência em concursos públicos: aprovado nos certames para procurador da PGF(AGU), PGE/PI, PGE/CE, PGE/PB e PGM/SP. Autor de artigos e capítulos publicados em revistas e livros jurídicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Roberto Mizuki. A evolução do controle de constitucionalidade das leis orçamentárias enquanto instrumento de efetivação dos direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2561, 6 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16935. Acesso em: 28 mar. 2024.

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