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A responsabilidade civil por dano ao meio ambiente e a aplicação da teoria do risco integral

11/07/2010 às 09:30
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A qualidade de vida que o homem vem buscando não é compatível com as suas ações de destruição e contaminação ambiental. A preservação da vida selvagem, da atmosfera, dos solos, dos corpos de água e de todo o meio ambiente, deve fazer parte de uma conjunção de ações em favor do equilíbrio ambiental com o progresso da humanidade.

Por essa razão, o estudo da questão referente à responsabilidade civil por danos ao meio ambiente é de extrema relevância, uma vez que a degradação do meio ambiente coloca em risco o equilíbrio ecológico, a qualidade do meio ambiente em todos os elementos essenciais à vida humana e a preservação da sadia qualidade de vida (saúde, bem-estar, segurança da população). Como bem destacado por Fátima Rangel dos Santos de Assis, em sua obra Responsabilidade Civil no Direito Ambiental:

Nos dias atuais, a preocupação com a proteção ao meio ambiente atingiu níveis nunca antes imaginados. Povos e governantes de todo o mundo voltam-se para o problema com afinco cada vez maior, na tentativa de reverter – ou, aos menos, retardar – o progresso de degradação ambiental porque passa o Planeta e que ameaça, perigosamente, a continuação da vida na Terra em um futuro próximo.

(...)

Em decorrência de tais situações, surgiu a responsabilidade do homem de zelar pelo patrimônio ambiental e ecológico do Planeta, que é um dos primeiros princípios enunciados pela Assembléia Geral da Organização da Nações Unidas. A preservação e o cuidado com o meio ambiente e a manutenção do equilíbrio ecológico são obrigações de todos. Sempre que cumprida tal obrigação, deverá surgir o fenômeno da responsabilidade em suas diversas modalidades e com os efeitos que lhe são inerentes. [01]

A responsabilidade civil na área ambiental tem por objetivo evitar a ocorrência de danos, impondo-se medidas repressivas que sirvam para inibir a prática deliberada de agressões ambientais; ou, quando o dano é inevitável ou já ocorreu, buscar repará-lo da maneira mais completa possível.

Para tanto, as normas de proteção ambiental presentes no direito positivo brasileiro são rígidas, impondo rigorosas sanções. Entretanto, cada vez mais se tem notícia de novos danos causados ao patrimônio ambiental. Mesmo contando com legislação específica e proteção constitucional, o meio ambiente vem sendo devastado sem medidas.

Nessa linha de entendimento, os ensinamentos do ilustre Rui Stoco, em sua obra Tratado de Responsabilidade Civil, in verbis:

O dano ecológico sempre existiu, como forma de lesão às pessoas e às coisas pelo meio em que vivem. As soluções criadas pelo direito, constantemente superadas e envelhecidas, sempre exigiram renovação permanente. Nunca, porém, o divórcio entre o fato e o direito foi tão grande como agora, quando o dano ecológico sofre verdadeira agravação geométrica, por influência do tremendo perigo criado pelas conquistas científicas que não foram seguidas de iguais provisões de cautela por parte dos seus responsáveis. [02]

Urge, dessa forma, repensar a legislação existente e os fundamentos teóricos atualmente adotados, para que seja efetiva a proteção ao meio ambiente.

Com efeito, o sistema de responsabilidade civil por danos impostos ao meio ambiente merece aperfeiçoamento que possibilite a plena realização da vontade das normas que instituem a reparação dos danos ambientais como meio eficaz de contribuir para o alcance das metas de conservação do equilíbrio ecológico para as gerações presentes e futuras, princípio fundamental estabelecido na Constituição Federal/88: "Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".

Para a reparação ou compensação pelos danos causados ao meio ambiente, o ordenamento jurídico positivo brasileiro adotou a responsabilidade objetiva, como se verifica pelo disposto no art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, Lei da Política Nacional do Meio Ambiente: "Art. 14. (...) § 1º: Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade".

A responsabilidade objetiva ambiental obriga o causador do dano – agente – ao ressarcimento do prejuízo causado pelas condutas lesivas ao meio ambiente, independentemente da existência de culpa. Para configurá-la basta, pois, a mera relação causal entre o comportamento e o dano. Ocorrendo dano, prescinde-se do dolo ou culpa, bastando ficar provado o nexo de causalidade entre esse dano e a conduta. O nexo de imputação, pois, para a responsabilização do agente degradador é tão-somente a idéia de risco natural decorrente do exercício de atividade potencialmente lesiva ao ambiente, direito consagrado constitucionalmente. Como bem destacado por Paulo Affonso Leme Machado, em sua obra Direito Ambiental Brasileiro:

A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e/ou reparar. A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade (art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81). Não interessa que tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que degrada, pois não há necessidade de que ela apresente risco ou seja perigosa. Procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o homem, inicia-se o processo lógico-jurídico da imputação civil objetiva ambiental. Só depois é que se entrará na fase do estabelecimento do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e do dano. É contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação do meio ambiente. [03]

A responsabilidade civil objetiva, entretanto, será elidida quando presentes situações aptas a excluir o nexo causal entre a conduta e o dano causado. São as hipóteses de excludentes de responsabilidade – caso fortuito, força maior, fato de terceiro, culpa exclusiva da vítima, estado de necessidade, legítima defesa e exercício regular de direito.

Uma das teorias que fundamentam a responsabilidade civil objetiva consiste na teoria do risco integral, segundo a qual o dano ambiental, uma vez verificado, obriga o agente à sua reparação, independentemente da análise da vontade, ou da existência de qualquer das excludentes de responsabilidade. O agente causador do dano assume todo o risco que sua atividade acarreta e o simples fato de existir a referida atividade, somado à existência do nexo de causalidade entre essa atividade e o dano, produz o dever de reparar.

Basta que reste comprovado o dano, mesmo que para a sua configuração, o indivíduo tenha contribuído mediante atitude dolosa ou culposa. Ou seja, o caso fortuito, a força maior, a culpa concorrente ou mesmo exclusiva da vítima não seriam suficientes a afastar o dever de indenizar.

O dever de reparar, segundo a teoria do risco integral, independe da análise da subjetividade do agente e é fundamentado pelo só fato de existir a atividade de onde adveio o prejuízo.

Aplicando-se a teoria do risco integral às hipóteses de dano ao meio ambiente, verificar-se-ia o agente poluidor assumindo integralmente todos os riscos que advêm de sua atividade, não importando se o acidente ecológico foi provocado por falha humana ou técnica ou se foi obra do acaso ou de força da natureza.

Entretanto, a tendência da doutrina, bem como o atual entendimento dos Tribunais, é no sentido de aplicar a teoria do risco administrativo às hipóteses de dano ao meio ambiente, segundo a qual são aplicáveis as excludentes de responsabilidade – caso fortuito, força maior, fato de terceiro e culpa exclusiva da vítima, na apuração da responsabilidade pelo dano. Confira-se:

Se é certo que o legislador optou pela responsabilidade sem culpa – e, em assim sendo, legis habemus, impondo-se obedecê-la –, não nos parece correta a afirmação de que o legislador acolheu a teoria do Risco Integral. Adotou, é certo, a teoria da responsabilidade objetiva, que na previsão constitucional e na própria lei de proteção ambiental empenha responsabilidade pela teoria mitigada do risco, de modo que – para a lei – bastaria o nexo de causalidade entre a atividade exercida e o dano verificado.

Tal contudo não significa que se possa afastar a incidência das causas excludentes da responsabilidade, sob pena de negar a própria teoria, pois essas causas, de que são exemplos o caso fortuito, a força maior e a culpa exclusiva da vítima, têm o poder e a força de romper aquele nexo causal. [04]

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Recursos Especiais nº 218.120/PR e 20.401/SP, confirma a adoção da teoria do risco administrativo pela jurisprudência pátria, com aplicação das excludentes de responsabilidade. Confira-se:

DANO AO MEIO AMBIENTE - AQUISIÇÃO DE TERRA DESMATADA - REFLORESTAMENTO - RESPONSABILIDADE - AUSÊNCIA - NEXO CAUSAL - DEMONSTRAÇÃO.

Não se pode impor a obrigação de reparar dano ambiental, através de restauração de cobertura arbórea, a particular que adquiriu a terra já desmatada.

O artigo 99 da Lei nº 8.171/91 é inaplicável, visto inexistir o órgão gestor a que faz referência.

O artigo 18 da Lei nº 4.771/65 não obriga o proprietário a florestar ou reflorestar suas terras sem prévia delimitação da área pelo Poder Público.

Embora independa de culpa, a responsabilidade do poluidor por danos ambientais necessita da demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.

Recurso improvido. (STJ, 1ª Turma, REsp nº 218.120/PR, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, DJ 11.10.99, p. 0048).

.......................................................................................................

DANO ECOLÓGICO. REPARAÇÃO. ROMPIMENTO DE DUTO. POLUIÇÃO AMBIENTAL. ARTIGO 14, PARÁGRAFO 1. DA LEI N. 6.938/81. COBRANÇA DAS DESPESAS FEITAS PELA COMPANHIA DE SANEAMENTO. PROCEDÊNCIA.

É o poluidor obrigado, independentemente de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.

Tendo a companhia de saneamento, encarregada de zelar pelo meio ambiente e guardiã de um interesse difuso da comunidade, tomado as medidas necessárias para o combate a poluição ocasionada pelo rompimento de um duto, deve ser ressarcida, como terceira, das despesas correspondentes. (STJ, 2ª Turma, REsp nº 20.401/SP, Rel. Ministro HÉLIO MOSIMANN, DJ 21.03.94, p. 5467).

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Não obstante, entendo que não pode haver generalidade na aplicação da responsabilidade causada por danos ambientais, fundada na teoria do risco administrativo, uma vez que determinadas atividades causadoras de substancial degradação ambiental e representativas de extrema potencialidade de risco de dano não podem ter tratamento jurídico semelhante às demais atividades.

Com efeito, não se justifica a aplicação de uma teoria mais benéfica a atividades extremamente degradadoras do meio ambiente. Ao assim proceder, a legislação sujeita a um mesmo tratamento empresas de pequeno e grande porte, atividades representativas de pequeno potencial ofensivo ao meio ambiente e atividades assaz deterioradoras, em desacordo com as disposições do princípio da igualdade consagrado na Constituição Federal/88 que determina que os iguais devem ser tratados igualmente, e os desiguais desigualmente, na medida de sua desigualdade.

Como bem destacado por Rui Barbosa, em seu discurso Oração aos Moços, "a regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real" [05].

A possibilidade de responsabilização diferenciada de atividades individualizadas, causadoras de maior dano ao meio ambiente, encontra respaldo, também, no princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, afirmado na Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO 92), da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e norteador do Protocolo de Kyoto.

Princípio 07 - Os Estados devem cooperar, em espírito de solidariedade, para conservar, proteger e restaurar a saúde e a integridade do ecossistema da Terra. Tendo em vista as diferentes contribuições para a degradação do meio ambiente, as Nações têm responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Os países desenvolvidos têm conhecimento de suas responsabilidades em relação à tentativa internacional de se atingir um desenvolvimento sustentável, haja vista as pressões que estas sociedades exercem no meio ambiente global, e as tecnologias e recursos financeiros que estão sob seus comandos.

A responsabilidade civil por dano ambiental é comum, uma vez que qualquer agente poluidor deve responder pelo dano causado ao meio ambiente, ainda que de pequena monta. Entretanto, a responsabilidade deve ser diferenciada porque algumas atividades são mais representativas de lesões ao meio ambiente do que outras.

Dessa forma, aplicando-se o princípio constitucional da isonomia e o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, há que se perquirir acerca da possibilidade de aplicação da Teoria do Risco Integral para responsabilização por danos causados ao meio ambiente por atividades específicas, representativas de grande potencial ofensivo.

Aplicando-se a Teoria do Risco Integral às hipóteses de dano ao meio ambiente, verificar-se-ia o agente poluidor assumindo integralmente todos os riscos que advêm de sua atividade, não importando se o acidente ecológico foi provocado por falha humana ou técnica ou se foi obra do acaso ou de força da natureza.

Especificamente no caso de atividades nucleares, em razão da extrema potencialidade de risco, vige a responsabilidade objetiva do Estado fundada na Teoria do Risco Integral, que não admite qualquer excludente de responsabilidade, de acordo com o disposto no art. 21, inciso XXIII, alínea "c", da Constituição Federal, in verbis:

Art. 21. Compete à União:

XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições:

a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional;

b) sob regime de concessão ou permissão, é autorizada a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos medicinais, agrícolas, industriais e atividades análogas;

c) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa;

Ocorre que, além das atividades nucleares, há outras atividades causadoras de substancial degradação ambiental e, da mesma forma, representativas de extrema potencialidade de risco, tais como atividades mineradoras, petrolíferas e de uso de agrotóxicos.

Tais atividades revelam-se extremamente danosas ao meio ambiente e representam extrema potencialidade de risco.

Do mesmo modo, se os oleodutos da Petrobrás de certa localidade brasileira rachassem devido a um tremor de terra, atingindo o mar e contaminando-o por vários quilômetros, causando desastre incalculável ao meio ambiente, a empresa não teria a obrigação de reparar o dano causado se fosse seguida a teoria do risco criado, tendo em vista ser caso de força maior. Agora, com a teoria do risco integral, responderia pelo desastre ecológico causado pelo tremor de terra, pois é um risco de sua atividade, não se admitindo qualquer excludente. A empresa conhece os riscos de as atividade e obtém lucro com ela, mesmo sendo potencialmente poluidora, e deve responder por qualquer dano causado ao meio ambiente. Entender de outro modo seria um retrocesso, esquecendo o princípio maior da responsabilidade civil, que é a reparação integral do dano causado. [06]

Entretanto, a elas não é aplicada a Teoria do Risco Integral em razão de ausência de expressa determinação legal.

Ora, não há dúvida de que a proteção ambiental é medida de interesse coletivo. A preservação ambiental é fator essencial para, em última instância, assegurar a existência da vida, em toda a sua extensão. O direito ao meio ambiente sadio situa-se entre os interesses difusos da sociedade. Sendo eminentemente público, prevalece sobre o interesse de natureza privada.

Assim, havendo dúvida sobre a solução de um caso concreto, deve prevalecer aquela que proteja os interesses da sociedade. Não se justifica, portanto, a aplicação de uma teoria mais benéfica a atividades extremamente degradadoras do meio ambiente.

Percebe-se que, apesar de a teoria da responsabilidade civil objetiva ter sido considerada uma evolução para a reparação de danos, em determinados casos, e principalmente quando se trata de proteção à vida – pois não se pode falar em vida sem um meio ambiente saudável – há a necessidade de certos avanços, como, entre outros, a aplicação pontual da teoria do risco integral.

A vinculação da responsabilidade objetiva à teoria do risco integral expressa a grande preocupação dos doutrinadores brasileiros em estabelecer um sistema de responsabilidade por dano ao meio ambiente o mais rigoroso possível, o que se justifica em face do alarmante quadro de degradação existente no Brasil.

A idéia de risco integral procura sugerir a inexistência de excludentes de responsabilidade, expressando a forma mais rigorosa de imputação de responsabilidade por dano ao meio ambiente. A obrigação de reparação decorreria somente do fato dano, excluindo-se qualquer outra determinante externa a ele. [07]

No âmbito da reparação de danos ambientais os princípios clássicos e tradicionais da responsabilidade civil nunca funcionaram adequadamente. Assim, e da mesma forma que a aplicação da responsabilidade objetiva para os danos causados ao meio ambiente representou, no passado, um grande avanço, vem se observando uma tendência à adoção progressiva e gradual da responsabilidade objetiva fundada na Teoria do Risco Integral em matéria ambiental.

O eminente constitucionalista José Afonso da Silva sustenta a não aceitação das clássicas excludentes da responsabilidade. No mesmo sentido, o entendimento de Sérgio Cavalieri Filho:

Extrai-se do texto constitucional e do sentido teleológico da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81) que essa responsabilidade é fundada no risco integral, conforme sustentado por Nelson Nery Junior (Justitia, 126/74). (...) se fosse possível invocar o caso fortuito e a força maior como causas excludentes da responsabilidade civil por dano ecológico, ficaria fora da incidência da Lei a maior parte dos casos de poluição ambiental. [08]

Ainda afirmando a aplicação da Teoria do Risco Integral, os ensinamentos de Édis Milaré:

Nos casos de dano ao meio ambiente, diversamente, a regra é a Responsabilidade Civil Objetiva – ou, nas palavras do próprio legislador, independentemente de existência de culpa, – sob a modalidade do risco integral, que não admite quaisquer excludentes de responsabilidade. [09]

Revela-se, portanto, imperativa a evolução dos tratamentos legislativo, jurisprudencial e doutrinário dispensados à responsabilidade civil e à proteção ambiental, no direito brasileiro.

Faz-se necessário redobrar esforços no sentido de se desenvolverem novos meio de compatibilizar as necessidades e as atividades humanas com a manutenção do equilíbrio ecológico, a conservação da natureza e a preservação da saúde das populações.

Um novo paradigma de desenvolvimento deve permitir uma profunda revisão das práticas atuais de incorporação do patrimônio natural, através de novas formas de organização social e de novos padrões de produção e consumo. Não se pode imaginar um novo padrão de desenvolvimento que possa ser ambientalmente sustentável, se não contiver soluções para os graves desequilíbrios provocados pelas situações de pobreza extrema e de iniqüidade sócio-econômica, que são marcos patentes da sociedade nesse final de milênio. [10]

Em termos de preservação, esta é a única forma de evitar-se o perecer da nossa espécie. O meio ambiente deve ser protegido pelo homem, para o homem e para todas as demais espécies vivas, devendo ser perenizado para as futuras gerações. Pelo exposto, conclui-se que este fato somente se verificará se as tutelas preventivas aliadas à educação ambiental puderem atribuir rumo novo para as atividades humanas.

Às gerações futuras devem ser garantidas as mesmas possibilidades de opções de utilização dos recursos naturais que às presentes. Impõe-se a conservação de qualidade, para que a natureza seja transferida nas mesmas condições em que foi recebida e, ainda, seja garantida a conservação de acesso, de modo que o exercício deste direito não se torne benefício de poucos.

É nesse sentido que Luciane Tessler se refere à idéia de responsabilidade intergeracional, sustentando tratar-se da "obrigação imputada a todos os seres humanos de não mais poderem simplesmente se apropriar de um bem natural, visto que não é mais livre. Muito pelo contrário, se pertence às presentes e às futuras gerações, compete às primeiras usufruí-lo de tal forma a garantir que as futuras gerações o façam do mesmo modo". [11]

Para que as gerações futuras possam encontrar recursos ambientais utilizáveis, que não tenham sido esgotados, corrompidos ou poluídos pelas gerações presentes, novos mecanismos de controle ambiental devem ser concebidos e introduzidos nas legislações, uma vez que a aplicação da Teoria do Risco Administrativo tem-se revelada insuficiente e infrutífera.

José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior, em sua obra Responsabilidade Civil por Dano ao Meio Ambiente, cita o pensamento de Geiko Müller Fahrenhoh, delineado na obra La vida al servicio de la vida, aplicável à espécie:

A ética ecológica não se preocupa com a correção de alguns dos efeitos não desejados pelo paradigma econômico e social predominante. Existem muitos economistas e políticos que sustentam que o paradigma científico, tecnológico e econômico que prevalece em nossos dias é o correto e que bastaria alguns ajustes aqui e ali. No meu ponto de vista isso significa escapismo, evasão e uma carência total de imaginação. Se é certo que o sistema de vida em sua globalidade está em perigo, então se requer um novo paradigma para a ciência, a tecnologia, a economia e assim por diante. [12]

Assim, como decorrência da complexidade que o novo paradigma incorpora, no enfrentamento dos problemas contemporâneos, como a proteção, recuperação e melhoria da qualidade do meio ambiente, devemos ter em vista todos os argumentos relevantes, sejam eles jurídico-positivos, morais éticos ou pragmáticos.


Notas

  1. ASSIS, Fátima Rangel dos Santos de. Responsabilidade Civil no Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Destaque, 2000, p. 15/16.
  2. STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 838.
  3. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 12ª edição. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 326/327.
  4. STOCO, Rui. Op. cit., p. 842.
  5. BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 19.
  6. GUIMARÃES, Luiz Ricardo. Tendências Contemporâneas da Responsabilidade Civil em face do Dano Ambiental. In: Direito e Responsabilidade, Coord. Gizelda Maria Fernandes Novaes HIRONAKA. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, pág. 354.
  7. BARACHO JÚNIOR, José Alfredo de Oliveira. Responsabilidade Civil por Dano ao Meio Ambiente. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 322.
  8. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 2ª Edição. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 152.
  9. MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 338.
  10. ASSIS, Fátima Rangel dos Santos de. Responsabilidade Civil no Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Destaque, 2000. p. 58.
  11. TESSLER, Luciane Gonçalves, Tutelas Jurisdicionais do Meio Ambiente: tutela inibitória, tutela de remoção, tutela do ressarcimento na forma específica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, v. 9, p. 73.
  12. BARACHO JÚNIOR, José Alfredo de Oliveira. Op. cit., p. 194.
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Sobre a autora
Geny Helena Fernandes Barroso

Assessora judiciária do Superior Tribunal de Justiça

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROSO, Geny Helena Fernandes. A responsabilidade civil por dano ao meio ambiente e a aplicação da teoria do risco integral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2566, 11 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16964. Acesso em: 2 nov. 2024.

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