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Urnas biométricas: a farsa continua

26/07/2010 às 13:42
Leia nesta página:

Desde 2005, o administrador eleitoral brasileiro, que curiosamente responde pelo nome de tribunal (TSE), vem implementando seu projeto de construir um cadastro com dados biométricos dos cidadãos brasileiros.

O argumento apresentado ao público desde então é que iria se acabar com o "último reduto da fraude eleitoral".

Porém, nunca se explicou direito quais eram tais fraudes e qual suas incidências e importâncias.

Também nunca se apresentou um estudo de custos completos do projeto.

Enfim, a verdadeira relação custo-benefício do projeto de urnas biométricas nunca foi revelada à sociedade brasileira.

No último dia 23 de junho, ocorreu em Brasília um teste público de eleição simulada com as urnas biométricas - aquelas que serão usadas na eleição de outubro por mais de um milhão de eleitores que já tiveram seus dados biométricos coletados pelo administrador eleitoral.

Apenas dois partidos (PDT-nacional e PSB-Amapá) enviaram representantes para acompanhar o teste como observadores autorizados, que puderam constatar que:

1 - Nenhuma organização da sociedade civil ou entidade de classe como a OAB, o CONFEA, a SBC (Sociedade Brasileira de Computação), está acompanhando o desenrolar desde processo de formação de um cadastro biométrico dos brasileiros.

2 - A FRAUDE DO MESÁRIO - quando o mesário desonesto insere votos nas urnas eletrônicas no lugar de eleitores ausentes -, cuja incidência tem crescido a cada eleição, CONTINUA PERFEITAMENTE POSSÍVEL mesmo com as urnas biométricas.

Uma resolução do TSE prevê que o mesário tenha sempre disponível uma senha para liberação do voto em urnas biométricas. Com esta senha, o mesário desonesto pode liberar a urnas em nome de eleitores ausentes e inserir votos no lugar deles.

3 - Também a FRAUDE DE COMPRA DE VOTOS não é resolvida pelas urnas biométricas.

O "comprador de voto", que antes exigia e entrega do título de eleitor do "vendedor", para mandar alguém votar em seu lugar, passou simplesmente a exigir do eleitor "comprado" uma foto do voto na tela da urna, gravada em telefone celular.... e a fraude continuará mesmo com as urnas biométricas.

4 - O TSE já possuía 84 mil urnas biométricas compradas em 2006 e 2008, mas comprou mais 195 mil em 2009 embora só vá utilizar em torno de 3 mil delas nas eleição vindouras!

Em 27 de julho de 2010, o TSE também iniciou a licitação para a compra de mais 200 mil novas urnas biométricas.

5 - O TSE  está capturando os seguintes dados biométricos dos eleitores:

a) impressão digital rolada dos 10 dedos;

b) foto colorida em alta-definição para reconhecimento automatizado.

Estes dados estão sendo obtidos em padrão idêntico e compatível aos do FBI e estão sendo mantidos em arquivos no TSE.

São dados em alta qualidade para uso forense - qualidade esta muito além da necessária uso na identificação de pessoas no ato de votação - gerados com equipamentos e software muito mais caros que o preciso.

Para a montagem do cadastro biométrico, o TSE exigiu, na licitação, um software  de marca específica (SAGEN), homologado pelo FBI americano.

6 - A biblioteca de funções biométricas (software básico incluído nas urnas) é software livre - disponível na Internet - desenvolvido pelo National Institute of Standards and Technology (NIST ) para o Federal Bureau of Investigation (FBI) e o Departamento de Segurança Interna (DHS), criado exclusivamente por funcionários do Governo dos Estados Unidos, para especificamente atender as exigências de duas leis de exceção decretadas após os ataques terroristas de 11 setembro de 2001: o E.U.A. Patriot Act (PL 107-56)  modificado e ampliado pelo Enhanced Border Security e Visa Entry Reform Act 2 (PL 107-173).

Sobre o software biométrico NBIS usado pelo TSE, consta a seguinte declaração de autoria:

http://www.nist.gov/itl/iad/ig/nbis.cfm

"NIST Biometric Image Software

About - The NIST Biometric Image Software (NBIS) distribution is developed by the National Institute of Standards and Technology (NIST) for the Federal Bureau of Investigation (FBI) and Department of Homeland Security (DHS).

License - This software was developed at the National Institute of Standards and Technology (NIST) by employees of the Federal Government in the course of their official duties"

7 - No processo eleitoral em curso, o administrador eleitoral NÃO PRECISA E NÃO USA TODOS ESTES DADOS BIOMÉTRICOS de brasileiros que está recolhendo.

A foto do eleitor NÃO ESTÁ SENDO IMPRESSA nos novos Títulos Eleitorais emitidos para os eleitores recadastrados e, por isto, a nova Lei 12.034 de 2009 tornou obrigatório a apresentação de um outro documento com foto pelo eleitor ao votar.

Para identificação do eleitor na hora de votar o TSE está usando apenas: a) a impressão digital simples de 4 dedos; e b) uma foto em preto-e-branco, 2x2, em baixa definição impressa na Folha de Votação.

Não há como evitar a questão: Se o TSE só precisa usar a impressão digital de 4 dedos e foto em baixa definição, porque colhe e mantem em arquivo a impressão digital de 10 dedos e foto em alta definição?

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8 - O TSE não tem autorização legal para coletar, manter e administrar este tipo de dados pessoais biométricos do cidadão.

A única lei que toca neste assunto é a Lei 12.034, de 2009, cujo § 5º do Art. 5º prevê que o equipamento de identificação biométrica do eleitor NÃO ESTEJA CONECTADO com as urnas eletrônicas.

O TSE não está procurando adaptar suas novas urnas a esta lei de 2009 e, na compra das 400 mil urnas biométricas modelo 2009 e 2010, sob o argumento de que a lei exige a adaptação a partir de 2014, continua mantendo conectados o equipamento de identificação do eleitor à urna eletrônica (urna biométrica).  Em 2014, os 400 mil sensores biométricos acoplados a estas urnas não poderão ser utilizados e se tornarão sucata, a maioria deles sem nunca ter sido usado na prática.


Em resumo, temos que:

a) as urnas biométricas não resolvem as fraudes eleitorais mais incidentes relativas à identificação do eleitor.

b) os dados biométricos dos brasileiros estão sendo colhidos em padrão explicitamente intercambiáveis com o FBI e adaptados às exigências das leis de exceção norte-americanas. O software de biometria utilizado teve o seu desenvolvimento projetado e custeado pelo FBI.

c) o TSE não tem necessidade e não está utilizando todos os dados biométricos que está coletando e mantendo em arquivo.

d) está sendo comprado 50 a 60 vezes mais equipamentos que o necessário.

e) o TSE não tem por função, nem tem autorização legal, para coleta e arquivamento de dados biométricos de cidadãos.

f) o custo total deste processo todo nunca foi revelado, mesmo quando formalmente solicitado.

Para quem reflete sobre este conjunto de premissas acima (coleta de dados biométricos além do necessário sem resolver as tais fraudes), salta aos olhos que deve deva haver um outro objetivo oculto para as "urnas biométricas", por trás de alegado fim das fraudes, mas a sociedade organizada não está atenta ao que já está ocorrendo às suas barbas.

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Sobre o autor
Amilcar Brunazo Filho

Engenheiro em Santos (SP), programador de computadores especializado em segurança de dados, moderador do Fórum do Voto Eletrônico, membro do Comitê Multidisciplinar Independente - CMind.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRUNAZO FILHO, Amilcar. Urnas biométricas: a farsa continua. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2581, 26 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17038. Acesso em: 22 dez. 2024.

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