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Sobre a vigência dos crimes contra a economia popular (Lei n.º 1.521/51)

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A Lei n.º 1.521, de 26 de dezembro de 1951, foi editada sob a égide da Constituição Federal de 1946, a fim de tutelar a economia popular, esta, consistente no "complexo de interesses econômicos domésticos, familiares e individuais, embora fictio juris, constituindo in abstrato um patrimônio do povo, isto é, de um indefinido número de indivíduos na vida em sociedade" [01].

Tal diploma representou um dos primeiros regramentos, editados no Brasil, com claro escopo de proteção dos direitos e interesses metaindividuais, ultrapassando a esfera meramente patrimonial dos indivíduos, para abarcar "todo fato que represente dano efetivo ou potencial ao patrimônio de um número indefinido de pessoas" [02]. Neste sentido, tendo sido editada há mais de quatro décadas, é natural que a evolução política e sócio-econômica da sociedade brasileira implicasse a demanda por novos instrumentos normativos, hábeis a arcar com os desafios insurgentes.

Assim é que diplomas como a Lei n.º 8.137/90 e a Lei n.º 7.492/86, por exemplo, acabaram por veicular tipos penais muitas vezes coincidentes, revogando dispositivos até então vigentes na Lei n.º 1.521/51.

Neste ponto, verifica-se que muitos dispositivos da Lei n.º 1.521/51 foram revogados pela Lei n.º 8.137/90, como é o caso dos incisos II, III, IV, V, VI, VII, do art. 2º, bem como dos incisos III, IV, V, do art. 3º [03]. Abaixo seguem as correlatas alterações:

Art. 2º [...]

II - favorecer ou preferir comprador ou freguês em detrimento de outro, ressalvados os sistemas de entrega ao consumo por intermédio de distribuidores ou revendedores;

(Revogado pelo artigo 7º, inciso I, da Lei n.º 8.137/90, no seguinte teor: "favorecer ou preferir, sem justa causa, comprador ou freguês, ressalvados os sistemas de entrega ao consumo por intermédio de distribuidores ou revendedores")

III - expor à venda ou vender mercadoria ou produto alimentício, cujo fabrico haja desatendido a determinações oficiais, quanto ao peso e composição;

(Revogado pelo artigo 7º, inciso II, da Lei n.º 8.137/90, no seguinte teor: "vender ou expor à venda mercadoria cuja embalagem, tipo, especificação, peso ou composição esteja em desacordo com as prescrições legais, ou que não corresponda à respectiva classificação oficial")

IV - negar ou deixar o fornecedor de serviços essenciais de entregar ao freguês a nota relativa à prestação de serviço, desde que a importância exceda de quinze cruzeiros, e com a indicação do preço, do nome e endereço do estabelecimento, do nome da firma ou responsável, da data e local da transação e do nome e residência do freguês;

(Revogado pelo artigo 1º, inciso V, da Lei n.º 8.137/90, no seguinte teor: "negar ou deixar de fornecer quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa à venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação")

V - misturar gêneros e mercadorias de espécies diferentes, expô-los à venda ou vendê-los, como puros; misturar gêneros e mercadorias de qualidades desiguais para expô-los à venda ou vendê-los por preço marcado para os de mais alto custo;

(Revogado pelo artigo 7º, inciso III, da Lei n.º 8.137/90, no seguinte teor: "misturar gêneros e mercadorias de espécies diferentes, para vendê-los ou expô-los à venda como puros; misturar gêneros e mercadorias de qualidade desiguais para vendê-los ou expô-los à venda por preço estabelecido para os de mais alto custo")

VI - transgredir tabelas oficiais de gêneros e mercadorias, ou de serviços essenciais, bem como expor à venda ou oferecer ao público ou vender tais gêneros, mercadorias ou serviços, por preço superior ao tabelado, assim como não manter afixadas, em lugar visível e de fácil leitura, as tabelas de preços aprovadas pelos órgãos competentes;

(Revogado pelo artigo 6º, da Lei n.º 8.137/90, no seguinte teor:

I – vender ou oferecer à venda mercadoria, ou contratar ou oferecer serviço, por preço superior ao oficialmente tabelado, ao fixado por órgão ou entidade governamental, e ao estabelecido em regime legal de controle;

II – aplicar fórmula de reajustamento de preços de indexação de contrato proibida ou diversa daquela que for legalmente estabelecida, ou fixada por autoridade competente;

III – exigir, cobrar ou receber qualquer vantagem ou importância adicional de preço tabelado, congelado, administrado, fixado ou controlado pelo Poder Público, inclusive por meio da adoção ou de aumento de taxa ou outro percentual, incidentes sobre qualquer contratação)

VII - negar ou deixar o vendedor de fornecer nota ou caderno de venda de gêneros de primeira necessidade, seja à vista ou a prazo, e cuja importância exceda de dez cruzeiros, ou de especificar na nota ou caderno - que serão isentos de selo - o preço da mercadoria vendida, o nome e o endereço do estabelecimento, a firma ou o responsável, a data e local da transação e o nome e residência do freguês;

(Revogado pelo artigo 1º, inciso V, da Lei n.º 8.137/90)

Art. 3º [...]

III - promover ou participar de consórcio, convênio, ajuste, aliança ou fusão de capitais, com o fim de impedir ou dificultar, para o efeito de aumento arbitrário de lucros, a concorrência em matéria de produção, transportes ou comércio;

(Revogado pelo art. 4º, da Lei n.º 8.137/90)

IV - reter ou açambarcar matérias-primas, meios de produção ou produtos necessários ao consumo do povo, com o fim de dominar o mercado em qualquer ponto do País e provocar a alta dos preços;

(Revogado pelo artigo 4º, inciso IV, da Lei n.º 8.137/90, no seguinte teor: "açambarcar, sonegar, destruir ou inutilizar bens de produção ou de consumo, com o fim de estabelecer monopólio ou de eliminar, total ou parcialmente, a concorrência")

V - vender mercadorias abaixo do preço de custo com o fim de impedir a concorrência.

(Revogado pelo artigo 4º, inciso VI, da Lei n.º 8.137/90, no seguinte teor: "vender mercadorias abaixo do preço de custo, com o fim e impedir a concorrência")   

Contudo, também outros diplomas legais interferiram na vigência da Lei n.º 1.521/51. Neste aspecto, o art. 3º, inciso IX ("gerir fraudulenta ou temerariamente bancos ou estabelecimentos bancários, ou de capitalização; sociedades de seguros, pecúlios ou pensões vitalícias; sociedades para empréstimos ou financiamento de construções e de vendas e imóveis a prestações, com ou sem sorteio ou preferência por meio de pontos ou quotas; caixas econômicas; caixas Raiffeisen; caixas mútuas, de beneficência, socorros ou empréstimos; caixas de pecúlios, pensão e aposentadoria; caixas construtoras; cooperativas; sociedades de economia coletiva, levando-as à falência ou à insolvência, ou não cumprindo qualquer das cláusulas contratuais com prejuízo dos interessados") foi revogado parcialmente pelo art. 4º, da Lei n.º 7.492/86 ("gerir fraudulentamente instituição financeira") [04].

Também a Lei n.º 6649, de 16 de maio de 1979, que regula a locação predial urbana, revogou o art. 9º, da Lei dos crimes contra a economia popular, dispositivo este que previa oito tipos de contravenções, não constituindo mais, porém, contravenção o corte de água e luz ao inquilino, pois não foi tal espécie contemplada pela lei do inquilinato [05].

Os tipos penais restantes, da Lei n.º 1.521/51, ainda permaneceriam em vigor, não obstante a vetustez do instituto e a pouca efetividade de seus institutos, diante do baixo manuseio do diploma por parte dos agentes públicos responsáveis pela persecução penal. Neste sentir, também a doutrina diverge em torno da vigência de alguns dispositivos, a exemplo do art. 3º, inciso VII ("dar indicações ou fazer afirmações falsas em prospectos ou anúncios, para fim de substituição, compra ou venda de títulos, ações ou quotas"), que, segundo alguns autores, estaria revogado, por força do art. 67, do Código de Defesa do Consumidor [06].

Do mesmo modo, há discussão em torno da identidade entre o tipo previsto no art. 2º, inciso IX ("obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos ["bola de neve", "cadeias", "pichardismo" e quaisquer outros equivalentes]") e o tipo penal de estelionato (art. 171, do Código Penal). Porém, há entendimento de que são delitos autônomos, estando configurado o crime contra a economia popular quando é afetado um número indeterminado de pessoas, e o crime de estelionato, se for possível identificar a vítima [07].


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO JR., João Marcello de. Dos crimes contra a ordem econômica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995.

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NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Leis especiais (aspectos penais). São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito LTDA., 1986.

SILVA, José Geraldo da. Leis penais especiais anotadas/José Geraldo da Silva, Wilson Lavorenti, Fabiano Genofre. – 8ª Ed. Campinas: Millennium Editora, 2005.


Notas

  1. Conceito de Elias de Oliveira, citado por João Marcello de Araújo Jr. (ARAÚJO JR., 1995, p. 98).
  2. Conceito de Nelson Hungria, citado por José Geraldo da Silva, Wilson Lavorenti e Fabiano Genofre (SILVA, 2005, p. 227).
  3. SILVA, 2005, p. 228 a 235.
  4. SILVA, 2005, p. 236
  5. NOGUEIRA, 1986, p. 175.
  6. "Trata-se de crime cometido contra a economia popular, uma vez que o delito aqui anunciado é de fornecer informações enganosas ao consumidor. Para alguns, estaria este dispositivo revogado pelo artigo 67 do Código de Defesa do Consumidor, o que não é nosso entendimento" (SILVA, 2005, p. 235).
  7. SILVA, 2005, p. 231.
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Sobre a autora
Carollina Rachel Costa Ferreira Tavares

Analista Judiciária do Superior Tribunal de Justiça, cursando a Pós-graduação em Direito Penal e Processual Penal, no Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAVARES, Carollina Rachel Costa Ferreira. Sobre a vigência dos crimes contra a economia popular (Lei n.º 1.521/51). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2579, 24 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17044. Acesso em: 3 mai. 2024.

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